'Conhecer a realidade para direcionar nosso trabalho' (Vilkra)

O que acredito ser necessário, ainda, é nos questionarmos sobre como direcionar nossos esforços nessa construção, nossos recursos financeiros e militantes são escassos e é necessário que se delimite prioridades também para o trabalho territorial.

'Conhecer a realidade para direcionar nosso trabalho' (Vilkra)

Por Vilkra para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Escrevo esta tribuna após muito refletir sobre a fala do camarada Zenem na etapa regional do XVII Congresso (Extraordinário) sobre setores estratégicos: “Este debate está uma m****”. A fala do camarada, me pôs a pensar em como não sabemos debater prioridades de forma concreta, baseado em um entendimento científico da realidade brasileira, algo que meu núcleo tem dificuldades desde que entrei na UJC 3 anos atrás. Acredito que o camarada tenha seus próprios motivos, mas irei aqui expor minhas próprias conclusões, muito em diálogo com as tribunas: “A conta não fecha: uma penumbra reside no debate sobre setores estratégicos” - Kim [1] ; “Precisamos de um órgão de inteligência” - Bruno L. [2]; ”O giro operário-popular e as áreas estratégias: outros pontos de partida e algumas perguntas fundamentais” - João Chau[3].

Como e porque conhecer a realidade.

Acredito que a camarada Kim [1] expõe de maneira muito contundente a necessidade de conhecermos a realidade não só dos setores que elencamos como estratégicos mas também conhecer com profundidade a materialidade das relações econômicas de nosso país quando fala (Se me permitem a citação extensa): 

“Questionar quais são os setores estratégicos pressupõe uma análise extensa do desenvolvimento do capitalismo na América Latina, e mais especificamente, no Brasil. [...] Nos falta, antes, uma visão mais aprofundada que compreenda o processo capitalista enquanto o sistema que se alimenta e se sustenta pelas próprias contradições que impõe, estas expressas no subdesenvolvimento, nas crises econômicas cíclicas e nos governos que se popularizam por uma imposição cada vez maior das políticas de bem-estar social; fato é que, em meio a todos os colapsos, o Brasil já apresentou índices do produto global e da produção industrial que tendiam para o aumento”

“Uma vez reconhecidas essas contradições, expor determinados setores como estratégicos sem ressaltar a existência de algumas transformações das relações econômicas de maneira mais panorâmica, muito afetada por movimentações políticas e sociais recentes, como a transição de governos, nos tira de um debate primordial sobre os trabalhadores, que hoje não só ocupam e também deixam de ocupar o espaço desses setores estratégicos, como também são vítimas do fenômeno que transforma qualquer serviço em mão de obra barata e precarizada, alegando uma espécie de desenvolvimento econômico supostamente mais dinâmico, mas que nada mais é do que alienação do trabalho.”

“Mais do que uma política de recrutamentos que priorize a entrada de futuros camaradas desses setores, precisamos conjuntamente nos apropriar dos estudos da economia.[...]”

Para conhecer a realidade, é fundamental ir além de um estudo mais aprofundado da teoria econômica, é necessário entender, apreender, como essa teoria se manifesta na realidade e, para isso, há dois caminhos que se complementam: Capilaridade nas bases e Análise de Dados. 

Se temos capilaridade, as direções conseguem, a partir da troca com a base, ter maior compreensão de determinado setor produtivo ou região, mas hoje nosso problema é justamente que não temos capilaridade em praticamente nenhum setor, então não temos um “espaço amostral” suficientemente grande para que as noções possam ser abstraídas para o todo com certeza e cientificidade, a consequência disso é um tiro na penumbra, mesmo que baseado em alguma concretude. Por isso, trago aqui a necessidade da Análise de Dados para que se direcione nossa estratégia e nossa tática.

Como o camarada Bruno L escreveu em sua tribuna[2]:

“Não se faz política sem informação. Qualquer pretensão de se obter resultado com uma ação política, imperativamente, deve ser subsidiada pelo maior número possível de informações e de inteligência. Saber quantos porcento de pessoas de uma dada população tem carteira assinada, trabalha em fábrica ou no mercado informal, ou são sindicalizadas, por exemplo, é um dado fundamental para começarmos uma análise que nos leve a melhores meios de atuar naquela região. Saber, no momento preciso, quantas pessoas defendem uma determinada pauta que se coaduna com uma determinada luta em que temos protagonismo como partido, pode ser crucial para ganhar mais força social ou mesmo conquistar uma importante vitória para nossa classe.”

Dando uma maior concretude, é necessário que tenhamos um órgão de inteligência que seja capaz de formular quais são os dados que precisamos dada nossa estratégia e tática, como coletá-los e formalizar um método regular de análise desses dados. Para a estratégia, o debate está indo em rumos muito vulgares, estamos definindo setores prioritários ao mesmo tempo que indicamos a necessidade de realizar o giro operário-popular em nossas fileiras bem como a interiorização, mas não sabemos onde estão concentrados diversos desses setores. No caso de tecnologia da informação, é claro para mim que a maior densidade de trabalhadores desse setor está em São Paulo capital, que é um setor majoritariamente centrado nas grandes capitais e que isso se dá por serem esses os locais com maior concentração de capital financeiro estrangeiro, o que leva a duas perguntas fundamentais: Quais são os trabalhadores que, em virtude do home office total, trabalham para essas empresas mas moram em outras cidades? Quais são os capitais financeiros presentes e como eles se interligam?

Levanto estas perguntas pois a resposta delas pode nos mostrar com mais clareza como se estrutura o capitalismo brasileiro, afinal Lênin no “Imperialismo, Etapa Superior do Capitalismo” tem tanto poder de convencimento por trazer uma série de dados que caracterizam o imperialismo não se maneira abstrata mas trazendo de forma concreta qual a posição das diferentes nações na cadeia imperialista. Sabemos da influência que fundos de investimentos como o J.P. Morgan têm no capitalismo global, sabemos também da ferrenha competição pelo monopólio entre a Uber e a 99, mas será que sabemos quais de onde são os capitais internacionais por trás dessa disputa?

É central para nosso partido o entendimento de que a disputa interimperialista está se acirrando, mas vemos apenas a expressão disso, as guerras, os golpes e afins, não sabemos quem está disputando com quem e como esta disputa se dá. Isso influencia todos os aspectos da nossa análise de conjuntura, desde a caracterização da extrema-direita até a definição de setores estratégicos. Conseguimos ver com clareza que a extrema-direita ressurge no brasil e no mundo por conta da crise global do capital, mas não conseguimos delimitar as diferenças entre a extrema-direita em países de capitalismo dependente e países centrais na cadeia imperialista, o que impacta no entendimento de quais os objetivos dela para além do arrocho para a classe trabalhadora, quais suas linhas estratégicas de inserção na classe trabalhadora e nem como avançam nessa estratégia, somos incapazes de analisar a totalidade do fenômeno da extrema-direita, caminhando assim para uma ineficiência em seu combate. Já para a definição de setores estratégicos, conseguimos delimitar traços gerais de prioridades mas sem conseguir definir de maneira concreta qual o objetivo da nossa atuação para além de greves que impactam no bolso da burguesia, qual a disputa ideológica que a atuação nesses setores nos permitem pautar, como essa disputa é capaz de questionar as bases estruturantes do capitalismo e como, a partir da atuação nesses setores, estamos criando os germes da nova sociedade, o poder popular, para além das greves.

Também temos o problema de falta de clareza em nossas táticas que, a partir de uma análise muitas vezes corretas das contradições centrais para realizarmos agitação e propaganda, baseiam sua efetividade na lógica produtivista e tarefista de nossa organização, nossas tarefas são realizadas sobrecarregando os poucos camaradas que temos e não a partir de uma análise científica da alocação desses camaradas em determinado local ou campanha. Temos um contingente reduzidos, somos pequenos, camaradas, e para tocar tudo que a conjuntura nos exige, procuramos sempre espremer 100% de produtividade militante em 100% de nossas atividades, desde as tarefas de célula até as tarefas locais, regionais e nacionais. A luta de classes é justamente isso, uma luta, e como qualquer bom lutador sabe, não se pode usar 100% de sua força em todos seus ataques, é necessário também conservar energias através de ataques concentrados em desestabilizar o oponente e, então, atacar decisivamente com tudo que tem, caso contrário quando chegarem os momentos mais decisivos da luta, estaremos exauridos e incapazes de dar os golpes decisivos em nosso inimigo.

Dando um exemplo prático, se queremos fazer uma campanha pela estatização da Enel, por exemplo, precisamos saber quais são os bairros que ficaram mais horas em apagão no último período, levantar a série histórica para saber em qual a tendência de piora e cruzar isso com dados sobre a quantidade de pessoas afetadas nesse bairro. É claro que se formos fazer uma campanha deste tipo, o ideal seria fazer a agitação em todos os bairros proletarizados, mas dado nosso tamanho, é preciso que direcionamos muito bem nossas forças para termos o melhor resultado do nosso esforço, atuando onde as contradições mais são evidentes, e isso passa não só por critérios técnicos mas também por critérios políticos, definidos ou coletivamente ou pelas direções. Não podemos cair na armadilha de despolitizar nossa atuação com os dados, eles são importantes mas o que define nossa tática deve ser a política.

Assim, precisamos conhecer nossas capacidades e ter a tranquilidade do saber que não poderemos dar respostas a absolutamente todas as necessidades da classe, precisamos direcionar nossos esforços para desestabilizar nosso inimigo com uma alocação científica de nossas reais capacidades, exigindo sim um ritmo insano de militância nos momentos decisivos, mas esses momentos não são todo dia, todas as tarefas, e o que nos garantirá que, a partir de nossas decisões políticas, golpearemos com eficácia, serão análises da realidade de um órgão de inteligência centralizado.

Para além da análise de dados quantitativos, o órgão de inteligência deve ser capaz de fazer análises qualitativas. Isso significa que, a partir da análise, por exemplo, dos projetos de lei da extrema-direita, o órgão deve ser capaz de inferir qual a estratégia e a tática desses partidos, como apelam para a classe trabalhadora a partir da propaganda que são os PLs e como buscam aprofundar o controle social. Também significa que, a partir de declarações públicas, campanhas regionais e afins das grandes empresas em competição pelo monopólio total, saber inferir quais suas fragilidades, quais suas forças e qual é sua estratégia na competição interimperialista que representa, tanto nacionalmente quanto internacionalmente, dado que o Brasil é um dos maiores mercados do mundo. Isso nos permitirá acirrar a luta de classes em dada região que demonstra fragilidade para que as empresas direcionam seus esforços para não perder a região, o que pode nos dar a abertura de golpear em outro território fragilizado, a partir de uma estratégia partidária realmente nacionalizada.

A indefinição dos territórios

Em nossas pré-teses, a inserção em territórios aparece como uma não questão. É dito que nos organizaremos prioritariamente por local de trabalho, e que isso não implica que não organizaremos por territórios, mas não delimita como isso se articula com nossa estratégia, com a inserção por locais de trabalho e nem como deve se dar essa inserção. O resultado disso é que o trabalho em territórios ficaria desconexo da nossa estratégia, largado para que as direções locais organizem esse trabalho como acharem melhor, o que reforça uma lógica federalista em nossa organização, aumentando a disparidade no trabalho em cada região e local.

O trabalho nos territórios avança nossa estratégia na medida em que é nele que capilarizamos nossa organização, criando uma base sólida para que nossos ataques à burguesia sejam mais potentes e mais resistentes aos contra-ataques da burguesia. Sem ele, a ofensiva da classe trabalhadora será facilmente desarmada tanto pela propaganda, que volta a população contra uma greve de trabalhadores, e pela repressão, ao não termos redes de apoio solidificadas para reagir contra perseguições políticas e físicas aos nossos camaradas e lideranças sindicais. É no trabalho de territórios que demonstramos na prática como uma nova sociedade é possível, que construímos o germe do comunismo no seio da sociedade, mostrando uma vida que não seja pautada em violência e repressão da classe trabalhadora cuja perspectiva da mesma é garantir estabilidade e paz para seu segmento de classe por meio do direcionamento da violência e insegurança para os setores mais vulneráveis.

Essa lógica de direcionar a violência para um “outro” é, inclusive, justamente o grande apelo da extrema-direita, que pauta que aqueles trabalhadores que aderem disciplinadamente à “ordem natural”, capitalista, não serão mais injustamente alvos de violência pois esta será corretamente alocada aos indisciplinados, os comunistas, sejam eles grevistas ou trans e que tal violência só é indevidamente direcionada para estes trabalhadores disciplinados pois os “comunistas do PT” estão “acolhendo” os comunistas trans indisciplinados.

Disso, a tribuna do camarada Chau [3] já nos dá uma ótima perspectiva:

“Compreendo a importância de infiltração nas “fortalezas produtivas” e meus apontamentos, mais do que discordâncias, estão colocados acima. Entretanto, me questiono se, na periferia do capitalismo, onde a regra é a superexploração, o desgaste e adoecimento dos trabalhadores e um imenso exército de reserva, os aspectos da reprodução da força de trabalho não deveriam constar em nossas formulações do giro operário-popular. Afinal, como, em meio a genocídio, violência, fome, enchente e adoecimento a classe trabalhadora ainda se encontra as condições (sem contar a óbvia necessidade) de acordar todos os dias, ir e voltar do trabalho e garantir os lucros da burguesia? Sob que chão se erguem as “fortalezas produtivas” que queremos tomar?”

“Não temos terremotos acontecendo hoje no Brasil, camaradas. Mas temos, todo ano, enchentes, deslizamentos, apagões e uma verdadeira guerra contra a classe trabalhadora e negra nas periferias de todo país. Se inserir nas redes de solidariedade já existentes (e que até onde entendo existem, precisam existir e têm alguma funcionalidade, afinal tudo segue “normalmente”) e constituir nossas próprias, é não só avançar na nossa inserção mas também preparar nossa organização do ponto de vista logístico e militar.”

O que acredito ser necessário, ainda, é nos questionarmos sobre como direcionar nossos esforços nessa construção, nossos recursos financeiros e militantes são escassos e é necessário que se delimite prioridades também para o trabalho territorial. Para isso, um bom ponto de partida é entender o território nacional através de dados analisados, onde está a maior parte da população? Quais os territórios mais afetados pela privatização dos serviços essenciais? Qual a renda média desses territórios? Qual o custo médio da cesta básica neles? Quais os territórios mais afetados pelos eventos climáticos extremos decorrentes da mudança climática?

Acredito que seja respondendo à essas perguntas com dados que poderemos embasar a delimitação política de características de territórios estratégicos na construção do poder popular, direcionando nossos esforços de maneira eficaz para avançar na construção de um contingente permanentemente mobilizado em torno do projeto revolucionário para desestabilizar a extrema-direita, face atual da burguesia, e dar conta de nossa tarefa imediata: colocar o proletariado como ator político na conjuntura brasileira, impedindo o acirramento do regime na medida que avançamos na construção da revolução.


Referências:

[1] - 'A conta não fecha: uma penumbra reside no debate sobre setores estratégicos' (Kim)

[2] - 'Precisamos de um órgão de inteligência' (Bruno L.)

[3] - 'O giro operário-popular e as áreas estratégias: outros pontos de partida e algumas perguntas fundamentais' (João Chau)