'Sobre “reivindicar o passado” e a incapacidade dos comunistas de analisarem seu passado de maneira marxista' (P. Acácio)

O passado não é um adereço que escolhemos se vestimos ou não, o passado é um fato, e é um fato que produziu e produz efeitos na história do movimento comunista hoje.

'Sobre “reivindicar o passado” e a incapacidade dos comunistas de analisarem seu passado de maneira marxista' (P. Acácio)
"É absolutamente antimarxista uma análise que “pega os lados positivos” e “critica os lados negativos” ou qualquer coisa nesse sentido. Apaga completamente qualquer noção de totalidade e esquece que um partido comunista ou um país socialista não são um amontoado de coisas desconexas, entre as quais algumas são positivas e outras não."

Por P. Acácio para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, é muito comum o debate sobre reivindicar o passado do movimento comunista brasileiro ou internacional, tanto integralmente, quando em partes. Agora com o processo do racha, visto que surge a polêmica de se somos um novo partido ou não, muitas defesas levantam o ponto de que, “entendendo os lados positivos e negativos reivindicamos toda a história do PCB” ou “reivindicamos a história do PCB/do MCI de maneira integral, com todas as suas contradições”. Acho terríveis todos esses tipos de posicionamento, assim como acho terríveis os posicionamentos de não reivindicação do passado por não concordar com dada tradição (algo que os trotskistas fazem, só “reivindicando” a Internacional até 5º congresso, por exemplo).

O passado não é um adereço que escolhemos se vestimos ou não, o passado é um fato, e é um fato que produziu e produz efeitos na história do movimento comunista hoje. Reivindicar não significa nada, é uma palavra vazia de qualquer significado verdadeiro, que veicula um falso debate sobre a conexão com o passado e, nos piores casos, oportunismo.

É absolutamente antimarxista uma análise que “pega os lados positivos” e “critica os lados negativos” ou qualquer coisa nesse sentido. Apaga completamente qualquer noção de totalidade e esquece que um partido comunista ou um país socialista não são um amontoado de coisas desconexas, entre as quais algumas são positivas e outras não. O que quero dizer com isso? Um breve exemplo histórico nos ajuda na exposição aqui: o PCB encampou lutas importantíssimas, históricas, da classe trabalhadora brasileira, especialmente do proletariado brasileiro, até a liquidação do partido na década de 90, o PCB foi uma força dirigente em uma série de processos políticos importantíssimos. Ao mesmo tempo, esse mesmo partido cometeu erros políticos estratégicos e táticos seguidos que facilitaram muito a realização do golpe militar em 1964. Não estou dizendo que o golpe é culpa do PCB, mas apontando o fato de que, por erros do PCB, o partido foi incapaz de combater o que precisava ser combatido. Por fim, juntando aquele lado “positivo” com o lado “negativo”, temos o fato de que o auge da luta de classes nesse país e o auge do PCB, onde a maioria das grandes lutas e conquistas da classe trabalhadora ocorreu foi exatamente no período de 1945 a 1964, que culmina no golpe.

Percebem que a mesma estratégia, as mesmas táticas, as mesmas concepções teóricas e a mesma cultura política deram como fruto coisas positivas e negativas? Logo, é impossível separá-las em polos isolados. Pelo contrário, trata-se não de reivindicar nem de desmembrar a história para “aproveitar o que é certo e descartar o que é errado”, se trata, na verdade, de fazer um BALANÇO DA HISTÓRIA DO MOVIMENTO COMUNISTA, para entender quais eram as estratégias, táticas, concepções teóricas e culturas políticas reinantes e quais foram seus resultados todos, o “bom” e o “mal”, para que se realize um crítica profunda e para que se superem as contradições visando o aprimoramento do movimento comunista. Precisamos tratar com mais seriedade da história do movimento comunista se desejamos avançar nosso movimento rumo a revolução.

É muito curioso que temos a perfeita capacidade de fazer esse tipo de análise com o PT e não conseguimos fazer isso com nós mesmos. Toda vez que vem um petista falar “mas o PT foi responsável pela maior expansão do ensino público que o país já viu, o Lula colocou o filho da empregada na universidade”, nós prontamente respondemos que sim, é verdade, mas esse processo de expansão do ensino superior se inseria num projeto político que criou a maior burguesia da educação privada do mundo, que hoje é um inimigo central da classe trabalhadora, apontamos todos os problemas de permanência e estrutura da universidade pública que o PT não quis resolver, apontamos que o PT não quis lutar pelo fim do vestibular exatamente para manter e reforçar a burguesia da educação e entendemos que aquele primeiro “lado positivo” e os “lados negativos” são parte de um todo único que é o projeto oportunista do PT baseado em dar pequenos alívios à classe trabalhadora que são estruturados de uma maneira tal que tendem a ser extremamente lucrativos à burguesia e acabam por reforçar as causas do problema que parecia se estar combatendo, e, chegando nesse nível da análise do que é a política petista, somos então capazes de localizar a natureza fundamental da concepção política petista, fazer sua crítica e tirar como lição que esse tipo de política enfraquece a classe trabalhadora e trabalha contra a revolução.

Somos até hoje incapazes de fazer qualquer análise desse tipo com a história do PCB, com a história da Internacional Comunista, com a história da União Soviética e com a história das revoluções socialistas e nacionalistas anti-colonias da Guerra Fria. Enquanto a gente não for capaz de fazer esse tipo de análise séria sobre a história do PCB e do MCI, não conseguiremos aprender com ela, encararemos muitas situações históricas que são semelhantes as do passado e teremos de inventar a roda, esbarraremos em muitas questões de organização partidária, em muitas questões de tática e estratégia e de concepção teórica e seremos obrigados a tirar da cartola análises como se essas questões fossem absolutamente novas, quando a gente poderia ter a possibilidade de APRENDER COM A EXPERIÊNCIA HISTÓRICA, entendendo que coisas que pareceram dar certo no passado, por estarem imbuídas numa linha política mais geral não revolucionária de fato, acabaram mais na frente virando um problema sério, por exemplo.

Infelizmente, não temos nem no horizonte de debate a prática de um trabalho historiográfico militante a nível partidário para produzir esse tipo de análise, e penso que sem isso, e sem uma cultura militante de estudo sério dos determinantes de nosso passado, não conseguiremos avançar.