Manifesto em defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB!

"Seguimos lutando pela Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista Brasileiro, tomando o espírito de iniciativa e de crítica e autocrítica como o coração de nosso centralismo democrático. Tomamos o caminho da luta, não o da conciliação, como acreditamos ser o dever dos comunistas."

Manifesto em defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB!
"Nós, que não subordinamos a luta revolucionária das massas à institucionalidade burguesa, sabemos que, antes de tudo, nosso compromisso é com a Revolução Socialista em nosso país e no mundo, e com a construção do instrumento político capaz de levá-la a cabo."
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No último dia 30 de julho, em uma reunião virtual, a maioria do Comitê Central do PCB decidiu rechaçar o clamor da militância comunista pelo XVII Congresso (Extraordinário) do PCB, que poderia sanar de modo unitário e democrático a atual crise partidária. Além disso, do mesmo modo como iniciou a presente crise por meio de expulsões e perseguições, a maioria do Comitê Central optou também por tentar encerrá-la lançando mão de um expurgo – iniciado no CC, mas acrescido do indicativo aos Comitês Regionais de que promovam sua segunda onda.

Esse expurgo é um motivo a mais que se soma a muitos outros que já justificavam as razões e propostas aqui desenvolvidas, em que se destaca a realização do XVII Congresso (Extraordinário) do PCB.

Acreditando agir em consonância com as aspirações de milhares de militantes marxistas-leninistas em todo o país, a Coordenação Provisória do Movimento Nacional em Defesa da Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista Brasileiro apresenta este Manifesto, na expectativa de oferecer um caminho organizado de luta pela Reconstrução Revolucionária do PCB.

Frisamos que se trata de um texto para debate, como uma espécie de pré-tese para abertura desse necessário e inadiável processo. Assim sendo, sugerimos que as/os camaradas que optem por se somar ao Movimento Nacional que aqui lançamos remetam suas opiniões, críticas e sugestões sobre este anteprojeto para o e-mail indicado ao final, e que promovam em suas diversas formas de reorganização o debate com as/os camaradas que se identifiquem com a nossa iniciativa.

A reconstrução revolucionária do movimento comunista internacional e seus impasses

Na última década, no mundo inteiro, como desdobramento da crise e das contradições do modo de produção capitalista, a ofensiva da burguesia contra o proletariado entrou em um novo estágio. Essa situação se manifesta com nitidez nos ataques econômicos e no desmantelamento de direitos sociais, por um lado, e no fortalecimento da extrema-direita e do militarismo, por outro.

Nesse quadro de agudização das lutas de classes, a reconstrução do movimento comunista internacional encontrou um terreno fértil para seu desenvolvimento em um novo patamar de amplitude. Em muitos países, e no Brasil em particular, a propaganda e a agitação revolucionária marxista-leninista voltaram a atrair a simpatia de setores crescentes da classe trabalhadora, em especial de suas parcelas mais jovens. Esse ressurgimento do marxismo-leninismo vinha, em muitos casos, acompanhado de importantes autocríticas sobre as insuficiências do próprio movimento comunista em questões como as raciais e de gênero, oferecendo combate às correntes liberais do movimento dos oprimidos a partir de uma elaboração proletária revolucionária sobre as mais diversas questões que atravessam e marcam desigualmente nossa classe trabalhadora.

No entanto, já desde a crise de 2008 e mais especialmente após o início da guerra inter-imperialista na Ucrânia, as imensas contradições do movimento comunista vieram à tona, e as alas revolucionárias e conciliadoras começaram a se demarcar com maior nitidez dentro dos partidos marxistas e entre eles. Diversas organizações ditas comunistas, mesmo algumas que vinham se aproximando do bloco revolucionário dos Encontros Internacionais de Partidos Comunistas e Operários (EIPCO), passaram a defender posições chauvinistas mais ou menos abertamente, abandonando a defesa da atualidade da revolução socialista em nome da luta por uma “etapa” de capitalismo multipolar que, supostamente, minaria as forças do imperialismo ocidental e da OTAN.

Enquanto Lênin, à sua época, defendeu a transformação da guerra imperialista em guerra civil revolucionária e definiu o imperialismo como um estágio global do desenvolvimento capitalista; alguns comunistas de hoje equivocadamente consideram o imperialismo como uma mera política externa, exclusiva do bloco EUA-UE, e como “antifascista” e “anti-imperialista” a guerra expansionista da burguesia monopolista russa – iniciada, não por coincidência, logo em seguida à contundente declaração conjunta China e Rússia, declarando sua “parceria sem limites”, nos marcos da disputa pela hegemonia mundial no campo político e econômico!

De fato, o regime ucraniano é um joguete fascista nas mãos do expansionismo da OTAN. Mas isso não autoriza nenhum revolucionário a declarar-se favorável às ações do exército chauvinista grão-russo de Putin, apoiado pelos elementos mais reacionários das classes proprietárias russas – apenas o proletariado russo e ucraniano poderiam, caso fossem capazes de formar uma vanguarda revolucionária, oferecer ao conflito em questão um desfecho favorável à classe trabalhadora. Tamanho desvio do marxismo-leninismo não poderia deixar de resultar, em diversos países, senão em uma onda de conflitos e cisões. Com o Partido Comunista Brasileiro não foi diferente.

No início da guerra, o PCB emitiu uma nota (Declaração Política sobre a crise militar na Ucrânia) que, em um árduo esforço de unidade, tentou conciliar o inconciliável. Ao mesmo tempo em que a nota afirmou, sob pressão da luta interna da ala esquerda partidária, que “os interesses das burguesias estadunidense e russa são evidentes nessa luta pela partilha do mundo capitalista e a guerra não interessa aos trabalhadores”; a nota hesitou em uma caracterização rigorosa do imperialismo, atribuindo o termo reiteradamente apenas como adjetivo do bloco sob hegemonia estadunidense. Foi o suficiente para que o Secretário Geral e o Secretário de Relações Internacionais, à revelia do Comitê Central, se sentissem livres para agitar em suas redes sociais a celebração das vitórias militares russas contra a OTAN e, no plano do movimento comunista internacional, ampliar o afastamento do PCB em relação aos partidos do bloco revolucionário (que as próprias resoluções do XVI Congresso do PCB definiram, sem nenhuma ambiguidade, como as organizações “que se articulam em espaços como a Iniciativa Comunista Europeia e a Revista Comunista Internacional” – ou seja, o KKE, o TKP, o PCM, o PCTE, o PCV etc.)

Essa reorientação internacional do partido, em direta violação às resoluções aprovadas pela maioria partidária no XVI Congresso (2021), atingiu um patamar absurdo quando, após sucessivas manobras e ocultações, e agora violando uma decisão direta do próprio Comitê Central, o Secretário de Relações Internacionais enviou pela terceira vez uma declaração do partido à famigerada “Plataforma Mundial Anti-Imperialista”, da qual vinha buscando aproximar o PCB sob a anuência do Secretário Geral do Partido (que chegou a comparecer à reunião da Plataforma em Caracas). Essa articulação internacional, que admite abertamente entre seus objetivos a organização do apoio político da esquerda mundial ao bloco Rússia-China, defende a tese de “que a principal contradição no mundo de hoje é aquela entre o bloco imperialista da OTAN liderado pelos EUA e a massa da humanidade sofredora” (vide a Declaração de Seul) – e não, como defendem os comunistas revolucionários, a contradição entre capital e trabalho. A chamada “PMAI” conseguiu, em menos de um ano, organizar quatro encontros internacionais, sabe-se lá com quais recursos, uma vez que seu principal articuladoré um recém-criado e obscuro partido sul-coreano… Quais os interesses por trás dessa sorrateira aproximação, que viola não apenas as resoluções congressuais do PCB sobre o internacionalismo proletário, mas também sucessivas notas políticas e decisões do Comitê Central?

Essa deriva à direita na política internacional do PCB talvez fosse pouco, por si só, para justificar uma cisão no movimento comunista brasileiro. Mas a vacilação centrista não é exclusividade do internacionalismo do PCB, marcando também a política nacional do partido ao longo de todo o último período. E, como buscaremos evidenciar, essa vacilação é uma das principais expressões da hegemonia pequeno-burguesa centrista sobre o Partido Comunista – e, como tal, expressão da luta de classes em nossa organização.

Um marxismo vacilante e o ressurgimento do etapismo na tática

Vale lembrar que, ainda em seus XIV e XV Congresso (2009 e 2014), o PCB reafirmara sua defesa do marxismo-leninismo e da ditadura do proletariado. No entanto, diferente do que pode parecer à primeira vista, essa polêmica dividiu alas já naqueles Congressos. A fração academicista do partido, com sua vacilação típica, sempre teve como principal preocupação a produção de um “marxismo puro” – ou seja, um marxismo que, em nome de afirmar seu direito à existência, precisa o tempo todo reiterar suas penitências diante das experiências das ditaduras proletárias do século XX e de hoje. Portanto, a fim de assegurar esse marxismo academicamente aceitável, preferem a defesa de uma formulação menos rigorosa, o “marxismo e leninismo” – uma fórmula que rapidamente se justifica afirmando o “marxismo na teoria social e o leninismo na teoria da organização”, demonstrando não apenas uma visão escolástica do marxismo, mas também seu repúdio ao leninismo em suas decorrências político-filosóficas. E ainda mais: mesmo com essa concessão retórica ao leninismo, por diversas vezes reiteraram publicamente considerar a teoria organizativa leninista como “datada”. À guisa de crítica à experiência soviética, rompem com o próprio leninismo.

Ora, mas porque essa ala do Partido travou por tanto tempo uma polêmica de princípio tão persistente contra um hífen? Aprofundaremos em outra ocasião os aspectos teóricos dessas divergências. Basta registrar aqui que a derrota política dessa ala não os impediu de permanecer em posições destacadas na direção, de seguir agitando publicamente contra a linha do Congresso e de tomar a frente das formulações políticas do PCB, levando a um ecletismo e a posições hesitantes em relação à social-democracia, que começaram a transformar a tática do Partido. Dois anos depois, na Conferência de 2016, lutaram inclusive para reverter a decisão congressual, reabrindo o mesmo debate vencido no Congresso.

Com a saída do camarada Ivan Pinheiro da Secretaria Geral, em outubro de 2016, essa fração academicista ganhou novo ímpeto. Sem este camarada que consideravam “duro” e “sectário” a fazer-lhes contrapeso, acreditaram que sua hora havia chegado. Mas é evidente que a vacilação do Partido à direita tem bases materiais muito mais profundas do que apenas a substituição de um membro da direção: com o impeachment de Dilma Rousseff e a correta reorientação tática do Partido no sentido da política de frente única proletária, germinavam, no entanto, condições favoráveis para o ressurgimento do etapismo na tática, uma vez que o Partido se reaproximava, nas lutas, das bases sociais do campo democrático e popular. A aprovação, em novembro de 2019, da resolução O PCB, o marxismo e a revolução proletária, buscando atestar o anti-stalinismo do PCB, na verdade apenas repreendia e coibia o trabalho de agitação em defesa das experiências socialistas e a polêmica em torno do balanço liberal dessas experiências, hegemônico na “esquerda” – um trabalho de agitação firmemente fundado também em resoluções congressuais do partido, notadamente, o documento Socialismo: Balanço e Perspectivas (XIV Congresso, 2009).

Em paralelo a isso, com a publicação em 2017 de um documento elaborado pelo novo Secretário Geral, Edmilson Costa, o “Preparar o Partido para o Novo Ciclo”, deu-se início ao giro que concebia como principal objetivo do partido não mais o aprofundamento de sua Reconstrução Revolucionária, mas seu mero crescimento quantitativo, em números. A estratégia socialista, anti-etapista, que vinha se consolidando desde o XIII Congresso, era defendida em público, mas o etapismo reaparecia nas concepções táticas, de forma mais nítida nos espaços particulares das direções partidárias, mas de forma objetiva em sua aplicação.

O primeiro sinal desse giro à direita nas questões nacionais ocorreu na política eleitoral. O PCB manteve, no período de 2008 a 2014, uma política eleitoral própria, expressão da independência política do proletariado, em oposição a um governo de conciliação de classes e recusando a subordinação política à pequena burguesia. Mas das eleições municipais de 2016 em diante, o PCB passou a coligar-se com o PSOL nas eleições nas principais capitais do país e depois em âmbito estadual e nacional, sem que houvesse qualquer balanço oficial do Partido sobre a correção da tática eleitoral anterior ou os fundamentos dessa mudança. Mesmo com o XV Congresso (2014) afirmando por diversas vezes a necessidade de uma postura eleitoral ligada estreitamente a nossos objetivos estratégicos, novamente em 2018 e 2020 o PCB foi colocado a reboque do PSOL não apenas no campo eleitoral, mas também no campo sindical, com alianças cada vez mais rebaixadas com essa vertente da social-democracia. Esse reboquismo produziu situações absurdas como, em 2016, o apoio do PCB a Edilson Silva, candidato do PSOL à prefeitura de Recife, cuja campanha adotava o mote “Recife, cidade empreendedora”; ou, ainda naquele ano, o apoio a Luciana Genro, que defendia em sua campanha abertamente as terceirizações no serviço público. E ainda hoje esse seguidismo se manifesta em nossas táticas, como no caso da adesão do PCB, em SP, à chapa reformista majoritária nas eleições sindicais da APEOESP em 2023.

É também entre o XV e o XVI Congresso que o PCB passa a dedicar-se cada vez menos às definições e construções voltadas para a Frente Anticapitalista e Anti-Imperialista, nosso norte estratégico (o que pode ser exemplificado pelo fim dos diálogos bilaterais com diversas organizações anticapitalistas). Em substituição, o PCB passa a adotar uma postura errática em relação às diversas frentes de luta e de articulação no movimento de massas. Sob a lógica de que, por um lado, só se pode fazer política a partir das frentes em que estamos (um abandono prático de nossa independência política) e que, por outro lado, “devemos participar de todas as frentes e fóruns de luta”, o PCB foi colocado em diversos espaços de articulação que, na prática, o centralizavam na ação política – sem qualquer avaliação do sentido tático de cada frente, sua composição, seus objetivos e os meios de disputá-las e ampliar nossa influência nelas. Também aqui, somos constantemente caudatários da hegemonia reformista. O predomínio da intelectualidade pequeno-burguesa no PCB impede uma demarcação e diferenciação nítida com a política da pequena burguesia “radical”, expressa nos nossos “aliados socialistas” do PSOL, por exemplo, que durante todo o último período abriram mão de sua independência política em nome da reconciliação com o petismo.

Esse “vale-tudo” tático ficou ainda mais nítido na conformação da Campanha Nacional Fora Bolsonaro, especialmente durante a pandemia. Essa Campanha, com um claro caráter de frente ampla, não apenas era reivindicada pela direção do PCB como o principal fórum de articulação, como terminou impondo a própria tática da Campanha ao Partido. Em 2020, o PCB foi submetido à tática de defesa do impeachment de Bolsonaro, demonstrando a vacilação em ter uma política proletária independente mesmo participando da Campanha Nacional; ou seja, pelo medo de desenvolver palavras de ordem proletárias para a luta e, com isso, “melindrar” os “aliados” do momento (que incluíam o PSB, o PDT, o PV e outros partidos burgueses). A tática do impeachment da Campanha, que objetivamente significava apelar à direita parlamentar para que “mudasse de lado”, nada teve de resultado prático. Ainda pior foi a outra tática simultânea (porque o ecletismo permitiu à direção do PCB ter diversas táticas desconexas) de apelar ao TSE pela cassação da chapa de Bolsonaro e Mourão, em vez de assentar sua agitação exclusivamente na palavra de ordem por uma Greve Geral (para a qual havia até mesmo necessidades sanitárias!) como o único caminho tático adequado para o proletariado, não apenas para derrubar Bolsonaro e Mourão, mas também para enfrentar as contrarreformas em curso. Ao arrepio do leninismo, o PCB demonstrou conceber suas palavras de ordem sem nenhum rigor, como um compêndio de sensos comuns militantes. Mas, na concepção da maioria da direção, “não faz sentido falar em desvio à direita”, já que bastaria simplesmente coroar toda nota e discurso com um “Pelo Poder Popular e pelo Socialismo” e dar por encerrada a questão.

Essa oscilação e a indefinição de um plano tático independente impedia, naturalmente, a unificação do trabalho de massas em escala nacional sob uma orientação comum, com palavras de ordem comuns, dentro de um plano comum de organização e profissionalização do trabalho de massas. Nesse período, como regra, o enraizamento em meio às ocupações urbanas e rurais e a ampliação do trabalho político nos bairros periféricos se deram pelo esforço e espírito de iniciativa das bases, em especial as mais jovens, e em contraste com a completa ausência de um planejamento geral das direções. A falta do compartilhamento das experiências de luta, na ausência de uma comunicação partidária pautada no fluxo intenso de informações, inviabilizava a socialização dos acúmulos e a unificação do trabalho sob métodos comuns, imprimindo a cada nova iniciativa um caráter amador, sem o benefício das lições já adquiridas em outros espaços.

Por exemplo: as importantes experiências do Partido na luta por moradia no Ceará (seja em Fortaleza, por meio da Unidade Classista, ou no interior do estado, por meio da OPA), desconhecidas da maioria da militância partidária, foram sempre subutilizadas como referencial para nosso aprendizado coletivo, e as lutas desenvolvidas posteriormente nesse mesmo campo se beneficiaram pouco ou quase nada dos acúmulos possíveis a partir do trabalho naquele estado do nordeste. Outro exemplo: até numa mesma região do país, pouca ou nenhuma articulação existe entre os organismos dirigentes locais, diretamente ou no âmbito do CC, de modo que tornamos fragmentário nosso processo de reflexão científica e política sobre as particularidades do desenvolvimento histórico e político ao longo do território nacional. Sob essa ausência de uma comunicação comum eficiente, que socialize as experiências e discussões, floresce aquilo que as resoluções do XIV e do XV Congressos do PCB condenam sob a denominação de federalismo.

Acrescentamos que, apesar de reiteradas definições e redefinições dos setores do proletariado considerados estratégicos, também o trabalho nessa frente avançou timidamente e, na ausência de um plano definido, muito mais contando com a espontaneidade dos trabalhadores e trabalhadoras conscientes que batiam à nossa porta. Nas instâncias partidárias, o avanço nesse sentido era muitas vezes retardado por aqueles que insistiam na necessidade de “crescer na sociedade como um todo”, secundarizando o trabalho em meio ao proletariado. E mesmo entre os setores mais ligados ao trabalho sindical, muitas vezes o reboquismo tático implicou a priorização da construção de fóruns comuns com forças políticas vacilantes, em detrimento da priorização do fortalecimento da própria corrente comunista em meio ao movimento operário.

Por fim, seria importante destacar a incapacidade deliberada da direção central em coordenar em um complexo de comunicação unificado e coeso as inúmeras iniciativas militantes de agitação e propaganda nas redes sociais. Ao mesmo tempo em que tenta restringir burocraticamente essas iniciativas, a direção hesita em fazê-las convergir em um aparato verdadeiramente centralizado porque teme as consequências práticas e ideológicas disso. Sabe que é impossível operar esse processo de centralização sem incorporar em pé de igualdade uma série de camaradas responsáveis por esse trabalho bem-sucedido. E sabe que, enveredando nesse caminho, aceleraria ainda mais a perda da direção ideológica por parte da intelectualidade profissional universitária. Portanto, vale mais a pena manter a dispersão dessas iniciativas e o amadorismo na comunicação do que promover uma verdadeira centralização e coordenação, sob a direção de militantes experimentados nessas tarefas. Por isso, até hoje não se deu qualquer passo no sentido de cumpriar a resolução do XVI Congresso que afirma: “A propaganda e agitação em meios virtuais também precisa passar por um processo de profissionalização e centralização por parte do Partido e seus coletivos, a exemplo do que já vem sendo feito por parte parte do complexo partidário.” (Organização, parágrafo 86).

O mesmo se reflete no caso do jornal partidário, que permanece em um nível artesanal de conexão com nosso trabalho político e organizativo, e revela debilidades notórias. Enquanto isso, iniciativas bem-sucedidas da juventude (como o jornal O Futuro de São Paulo) são combatidas e temidas pela maioria da direção partidária. Se o jornal da juventude é distribuído mais amplamente e comunica um conteúdo muito mais interessante (um conteúdo que socializa entre a militância as informações e experiências de luta, e que se vincula organicamente ao trabalho político entre as massas) do que a “revista” do Partido, seria o caso de aprender com o trabalho jornalístico dessas e desses camaradas, sobretudo da juventude, e incorporar ao máximo essa experiência na própria imprensa do Partido. Mas hoje, meses depois de a direção partidária convencer a maioria da juventude a abrir mão de um jornal nacional próprio, o nosso jornal partidário não superou nenhuma de suas debilidades. Nesse sentido, inclusive, cabe uma autocrítica de alguns camaradas da ala esquerda pela ingenuidade em acreditar nesta proposta de mediação, quanto tudo já indicava que não havia nenhuma disposição da maioria da direção em reformular o jornal Poder Popular.


Os limites do XVI Congresso

Conforme se multiplicavam as críticas às vacilações e insuficiências, se endurecia a perseguição política interna. As direções intermediárias se recusavam a sequer transmitir as críticas da militância ao Comitê Central e diversos processos de expulsão política foram engatilhados. Essa situação atingiu seu ápice durante o processo do XVI Congresso do PCB, que se iniciou ainda em 2019 e foi suspenso durante a pandemia. O PCB já tivera, em 2013, uma experiência semelhante: teve que suspender seu XV Congresso, já iniciado, diante das Jornadas de Junho, e o retomou do começo posteriormente, em 2014. Dessa vez, temendo o crescimento do partido e a perda de influência sobre a militância, a opção foi outra: suspender o Congresso por um ano e meio, mas não recomeçá-lo do zero, temerosos do crescimento e da mudança na composição social e correlação de forças do Partido. Assim sendo, os delegados eleitos no começo de 2020 permaneceram “congelados” até o fim de 2021, distorcendo a representação política partidária de modo significativo. Em um ato de cerceamento aos debates internos, a maioria do CC do PCB restringiu aos delegados da etapa nacional o acesso à Tribuna de Debates interna, em que diversos militantes já colocavam suas críticas às confusões organizativas e erros políticos das direções do Partido. Mesmo com diversos organismos partidários solicitando a reabertura da Tribuna, o Comitê Central negou a participação ampla da militância e permitiu que apenas os delegados eleitos para o XVI Congresso pudessem ler e enviar seus textos para discussão – além, é claro, dos próprios membros do CC. Essa situação é ainda mais absurda se considerarmos que, na história do PCB, as Tribunas de Debates congressuais foram publicadas nas páginas da própria imprensa partidária, mesmo nos períodos da mais feroz repressão do Estado.

Nesse período entre março de 2020 e outubro de 2021, prévio à etapa nacional do Congresso, se intensificaram as perseguições políticas internas: entre outras aberrações burocráticas, camaradas foram chamados para “reuniões” individuais com membros das direções regionais em Minas Gerais e em São Paulo para que fossem literalmente inquiridos sobre o que votariam e quais seriam suas posições no Congresso; o Comitê Regional da Bahia intensificava uma campanha de difamação contra diversos militantes, incluindo um documento enviado ao CC às vésperas do Congresso, com o intuito de revogar o mandato de uma delegada; camaradas foram proibidos de realizar debates e lançamentos de livros em outros estados.

Mais preocupados com o controle da máquina do que com a discussão política, a esmagadora maioria do então CC não contribuiu para a discussão nas Tribunas. Essa maioria da direção, que sempre foge a expor perante a militância suas convicções políticas, permanece politicamente amorfa, merecendo a velha designação consagrada por Lênin de pântano. O silêncio daqueles que tentavam impor uma nova linha política ao Partido justificava-se pelo expediente que já estava sendo utilizado: independentemente do que fosse aprovado no XVI Congresso, bastava “o controle da máquina” para que as decisões tomadas posteriormente fossem na linha que bem entendessem.

A exceção dessa postura foi a de Mauro Iasi, que tomou para si a luta para disputar a linha a favor da minoria do XV Congresso e publicou, não na Tribuna de Debates, mas no Blog da Boitempo, uma verdadeira Tribuna contra o marxismo-leninismo, durante o processo congressual. Novamente, nenhuma reprimenda ao membro do grupo academicista.

A bem da verdade, essa fração academicista nunca renunciou a polemizar publicamente contra as concepções da maioria do Partido. Utilizando o Instituto Caio Prado Jr. como centro de sua propaganda fracional, chegou a publicar diversos documentos com vistas à disputa interna. Durante o XVI Congresso, para citar um exemplo, mesmo com a Tribuna de Debates restrita apenas às e aos delegadas/os da etapa nacional, publicaram a brochura “O fogo da conjuntura”, onde o triunvirato ideológico dessa fração (Mauro Iasi, Milton Pinheiro e Edmilson Costa) defendia publicamente suas posições congressuais. E, novamente, essa agitação centrista da fração academicista encontrou espaço em meio à leniência da maioria da direção do PCB.

Nas resoluções do XVI Congresso, sagrou-se vencedora a linha de aprofundamento da Reconstrução Revolucionária. Essa linha da ala esquerda prevaleceu na política de relações internacionais, consagrando a adesão do PCB ao “bloco revolucionário” articulado em torno da Revista Comunista Internacional e derrotando as Pré-Teses propostas do Comitê Central que, por incrível que pareça, diziam: “Lutamos pela transformação da ONU e outros organismos multilaterais em instâncias efetivas de promoção do desenvolvimento e da justiça social no plano internacional”.

Outra vitória da ala esquerda se manifestou com nitidez na caracterização do capitalismo brasileiro como dependente, em uma defesa que reivindicava abertamente a Teoria Marxista da Dependência (derrotando no Plenário a fração academicista antileninista). Por trás dessa polêmica estava a possibilidade de armar o Partido com uma concepção teórica antietapista consistente, capaz de evitar qualquer vacilação política em direção ao nacional-desenvolvimentismo e à defesa de alianças táticas com a burguesia. Estava em jogo a definição das bases materiais que fundamentam o caráter socialista da estratégia revolucionária no Brasil. Se, como defende o atual Secretário Geral, a “maturidade do Brasil para o socialismo” se baseia apenas no nível de desenvolvimento das forças produtivas, portanto compreende-se porque a política do Partido hoje vacila nitidamente em direção ao reformismo quando debate temas como a desindustrialização e os meios para revertê-la. Mas, no XVI Congresso, a maioria partidária rechaçou esta concepção incapaz de ultrapassar por completo o etapismo e definiu que é no caráter dependente do capitalismo monopolista brasileiro que se assenta o fundamento material da revolução proletária em nosso país.

A ala esquerda prevaleceu também, por fim, nas próprias definições de tática, formuladas em contraposição à indefinição patente das Teses originais do CC do PCB, e alertando justamente para os riscos de reavivamento do etapismo nas mediações táticas frente à extrema-direita – um alerta que, apesar de registrado em resolução congressual, jamais encontrou eco em qualquer documento partidário posterior.

As Pré-Teses elaboradas pelo CC diziam que “o atual momento do PCB caracteriza-se pela ultrapassagem da etapa de reconstrução revolucionária”. Num gesto discreto, decretavam seu fim iminente. Em diferentes células e estados venceu a formulação da ala esquerda: o atual momento caracterizava-se pelo aprofundamento da reconstrução revolucionária, e assim foi incorporada às resoluções finais. Mas a divergência velada começava a delinear rumos inconciliáveis.

Com as contradições acirradas dentro do Partido e do Congresso, com a ala esquerda disposta a abrir às claras a discussão sobre os desmandos, perseguições e boicotes, rapidamente o Secretário Geral começou a organizar um “acordo”, que colocamos a público pela primeira vez neste documento. Esse “acordo” implicava que a ala esquerda abriria mão da denúncia no plenário de diversos dirigentes em troca da garantia de que se encerrariam os processos disciplinares e perseguições internas. Acusada até então de pôr em risco a unidade partidária com seus destaques contra membros do antigo Comitê Central, alguns camaradas da ala esquerda acreditaram que esse “acordo” permitiria, ao menos, a possibilidade de manutenção da unidade no trabalho prático positivo, bem como as condições de fazer a luta ideológica internamente ao Partido. A incorporação de alguns poucos quadros da ala esquerda nos organismos centrais ajudava a firmar a seriedade do compromisso – que, contudo, não tardaria a ser rasgado pela ala direita após o Congresso.

Já na véspera da primeira reunião do Comitê Central recém-eleito, uma carta, em nome do Comitê Regional do Rio de Janeiro, foi encaminhada ao CC, contendo uma leitura fracionista do processo congressual, a título de “balanço do congresso”. Nessa carta, acusações de “armação de uma claque” por parte do camarada Ivan Pinheiro demonstraram que não havia nenhuma disposição para manter a unidade do PCB, sob a linha do XVI Congresso, mantendo as divergências internas.

A ala defensora da Reconstrução Revolucionária buscou, nesse momento, preservar a unidade do PCB por meio do trabalho prático positivo – construindo nossa inserção no proletariado e nas lutas de classes em uma situação em que o mundo mal saía de uma pandemia global e já entrava num cenário de guerra inter-imperialista; cerrando fileiras sem qualquer boicote nas lutas de massas e nas eleições. Aqui, no entanto, é necessário ressaltar uma autocrítica da ala defensora da Reconstrução Revolucionária: ela tardou demais a reconhecer a fragilidade do “acordo” costurado pelo Secretário Geral no XVI Congresso, que não interrompeu os boicotes e perseguições. Se esse movimento de compromisso pela unidade nos permitiu defender o Partido contra a cisão e aprofundar o trabalho positivo do PCB, ao mesmo tempo contribuiu para certa confusão ideológica das bases que já haviam compreendido as divergências que amadureciam no seio do Partido.

Assim, o XVI Congresso, que deveria aprofundar a Reconstrução Revolucionária, ultrapassando o estágio de dependência partidária em relação à intelectualidade pequeno-burguesa, e a necessidade de apoiar o desenvolvimento cada vez mais amplo de uma intelectualidade proletária de novo tipo; vacilou, deixou de cumprir sua tarefa, e resultou em um compromisso entre a ala esquerda e a ala direita.

Mesmo para além da linha política, até mesmo as medidas organizativas avançadas conquistadas pela ala esquerda no XVI Congresso tiveram sua aplicação boicotada. A cotização progressiva (que deveria forçar os academicistas e outros setores mais bem remunerados do partido a contribuir financeiramente mais do que os militantes desempregados e precarizados) continua sendo letra morta. O boletim interno para debates e socialização de informes, que poderia avivar a participação das bases nas polêmicas ideológicas e táticas, segue inexistente, embora isso não impeça os acadêmicos de polemizar publicamente por todos meios possíveis, nem os burocratas de cobrarem a militância para que mantenha as divergências limitadas ao interior da organização. A subordinação do Instituto Caio Prado Jr. ao Partido, aprovada no Congresso apesar da resistência da fração academicista, revelou-se uma falsa vitória, pois esse organismo, na prática paralelo ao Partido, continuou sendo instrumentalizado por eles para a propaganda de suas visões antileninistas. Não é difícil compreender a conexão entre o boicote a essas decisões congressuais e os interesses (materiais e ideológicos) da fração academicista antileninista.

Ao longo de toda a campanha eleitoral de 2022, o CR baiano seguiu sua perseguição fracional a diversos camaradas, chegando a implantar denúncias públicas obscurantistas e reacionárias contra uma camarada candidata a deputada federal. E no meio do ano de 2022, buscando reafirmar a linha burocrática do cerceamento das divergências, a ala direita do PCB rompeu definitivamente com o “acordo” e iniciou sua perseguição pelo estado de MG, onde empreendeu a agora pública expulsão de um camarada delegado do XVI Congresso – com conhecimento e anuência do Secretário Geral.

No curso do trabalho eleitoral, os desvios e perseguições prosseguiram. Durante a campanha, a candidata Sofia Manzano convence a maioria da CPN à assinatura pelo Partido da “Carta às Brasileiras e Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito”, demonstrando nossa subordinação política, até mesmo eleitoral, ao democratismo da burguesia, justificando esse reboquismo num etapismo “tático” que vê a superação do fascismo como uma etapa anterior à ofensiva socialista. Outro exemplo flagrante de violação à nossa linha revolucionária durante a agitação eleitoral é o modo como o tema da segurança pública foi apresentado nas campanhas estaduais na Bahia e no Rio de Janeiro. Na Bahia, uma proposta reformista jamais debatida no Partido de cobrar dos soldados da PM o custo de cada bala que usassem, que pretendia ser a panaceia contra a violência policial, apenas expôs a militância partidária a uma onda de ameaças e intimidações de retaliação, sem de fato apresentar qualquer alternativa revolucionária para a classe trabalhadora. No Rio de Janeiro, além da demagogia no discurso do combate ao crime organizado, o candidato ao governo sequer levou em conta o programa aprovado no XVI Congresso do Partido e defendia abertamente uma concepção excêntrica acerca da reorganização do aparato policial.

Em paralelo, internamente, a Comissão Política Nacional do CC buscou impedir a reeleição de camaradas da Coordenação Nacional da UJC com a diminuição da idade máxima para a participação na UJC. A perseguição foi rechaçada parcialmente e a intervenção na UJC não conseguiu impor a nova linha – em flagrante desacordo com o XVI Congresso – no próprio IX Congresso da UJC. Esse episódio, evidentemente, foi apenas um entre dezenas de boicotes ao trabalho da UJC e dos coletivos partidários.

Na prática, os coletivos partidários estão sendo construídos apesar de determinadas direções partidárias a nível nacional e estadual. Não adianta termos coletivos que tentem expressar e abarcar as contradições de classe, gênero e raça, se eles são secundarizados na vida partidária. Ao não serem vistos como tarefas da organização, militantes que estão nos coletivos, em geral, têm múltiplas tarefas de militância entre células, direções, coletivos e trabalhos nas bases. Essa sobrecarga da militância inserida nos coletivos não deixa de ser uma expressão das contradições da divisão sexual e racial do trabalho em nossa organização.

A situação da Bahia e São Paulo, onde coordenações estaduais do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro e do Coletivo Negro Minervino de Oliveira foram totalmente desintegradas devido a processos de perseguição, ou a saída de metade do Comitê Regional da Bahia do partido (maioria de mulheres e homens negros), são alguns dos casos mais gritantes. É sintomático que o processo disciplinar movido contra Jones Manoel tenha caminhado em tempo recorde e um processo contra o assédio promovido por militantes da Comissão Política Regional da Bahia esteja parado há mais de um ano.

Com o refluxo das lutas de massa, na virada do ano e após a instauração de um novo governo de conciliação de classes no Brasil, se intensificam as perseguições e as violações da linha congressual. A posição vacilante do CC do PCB nesse momento é marcada pelo abandono prático da estratégia socialista – em vez de declarar a oposição de princípio a todo governo burguês, o CC determinou que ficaria numa posição de “independência” ao petismo. Para verificar as implicações dessa concepção inconsistente que a maioria do CC sustenta sobre a “independência” do PCB, basta observarmos as posições do Partido desde que Lula reassumiu o governo. Nossa resposta imediata em relação ao Novo Teto dos Gastos, por exemplo, limitou-se a um artigo do Secretário Geral no site da organização, e então ao compasso de espera, recusando a tomada de iniciativa na luta. Com seu seguidismo característico, o PCB apenas colocou-se em movimento quando, por influência de outras organizações anticapitalistas, alguns sindicatos convocaram pequenas mobilizações locais.

Durante esse período poderíamos ter lançado panfletos, declarações dos coletivos, realizado  atividades nos nossos locais de atuação com material de agitação, convocado pequenas manifestações, ou seja, poderíamos ter uma política organizada pela própria CPN para a atuação das células e coletivos. Contudo, a orientação para a realização de atividades de rua só foi enviada na semana anterior à aprovação da medida  no Congresso, e ainda assim sem qualquer indicação de caráter prático.

Outro exemplo é o plebiscito popular contra as contra reformas liberais, aprovado há meses no Comitê Central e, até agora, sem qualquer perspectiva de efetivação. O plebiscito poderia agitar a classe trabalhadora contra o conjunto de ataques dos últimos anos, publicizar a linha política do partido e aproximar setores da classe trabalhadora onde não temos inserção. Mas, em compasso de espera de nossos “aliados táticos”, não nos movemos para efetivar por nossas próprias mãos uma proposta que nasceu de nossas propostas fileiras.

É nesse contexto, finalmente, que, sem consulta ao CC, a CPN do Partido decide aprovar nossa participação nos encontros da Plataforma Mundial Anti-Imperialista, com a ida do Secretário Geral a Caracas, em evento organizado pelo PSUV em pleno período de perseguição judicial liquidacionista ao PCV. Na sequência, mesmo desautorizado pelo próprio CC do PCB, o Secretário de Relações Internacionais, Eduardo Serra, compareceu à Conferência de Seoul da PMAI.

O grau de publicidade da violação das resoluções do XVI Congresso (que falam sobre nosso posicionamento internacionalista revolucionário e antietapista) e do CC (que não apenas suspendeu a participação na Plataforma, mas aprovou por duas vezes uma posição sobre a Guerra da Ucrânia distinta da posição da PMAI, que é abertamente pró-Rússia) foi a gota d’água. Em seguida a um texto do camarada Ivan Pinheiro, a sua denúncia ao giro à direita do PCB deu a conhecer entre os militantes o grau de violação de nossa linha política e gerou a agitação de alguns camaradas, mesmo conscientes de que se abateria sobre eles o centralismo seletivo que hoje é método corrente no Partido.

Longe de ser o começo dessas divergências, o episódio foi o ponto culminante das diversas violações à linha do XV e do XVI Congressos nas quais incorreu a maioria do CC. Os processos persecutórios se intensificaram mas, sem surpresa, de modo unilateral: enquanto o camarada Jones Manoel foi destituído dos Comitês Central e Regional de Pernambuco por ir à público denunciar a violação das resoluções congressuais partidárias, em nome da defesa de nossa linha revolucionária; o CC aceitou de bom grado a “autocrítica” do então Secretário de RI, mesmo após ele ter assumido a escrita, junto com o Secretário Geral, do documento apresentado na Conferência da PMAI na Coreia do Sul. O centralismo seletivo se tornava cada vez mais evidente para a ampla massa da militância partidária.

Fracionismo no PCB

A análise de todo esse período recente da luta interna no Partido Comunista Brasileiro revela uma multifacetada divisão fracional no interior da organização, que foi se acirrando cada vez mais justamente diante do fato de que a ala esquerda, mesmo sendo minoria nos organismos de direção, crescia em influência e preponderância ideológica nas fileiras do partido. A insuficiência de nosso centralismo democrático em promover uma verdadeira síntese ideológica propiciou terreno fértil para a cristalização das divergências e para a consolidação crescente do paralelismo organizativo. Quando as alas difusas existentes em cada polêmica partidária deixam de expressar apenas diferenças momentâneas e se consolidam em grupos de interesse, significa que a luta interna conduziu à conformação de blocos ideológicos fracionais. Consideramos esse desvio do centralismo democrático como um fenômeno extremamente danoso. Não somos defensores da consolidação de tendências no interior dos Partidos Comunistas. Mas não adianta praguejar contra a realidade sem compreender seus fundamentos. Esse é o único modo de encontrar meios para solucionar a presente crise.

Nos últimos meses, a acusação de fracionismo foi utilizada por todos contra todos e, a bem da verdade, como afirmou um camarada, “onde há uma fração, há pelo menos duas”. Mas, afinal, o que é o fracionismo, e como ele se expressou no PCB nesse último período?

O fracionismo, em sentido amplo, consiste na organização da luta interna por meio de círculos cujos agentes são centralizados não pelo partido, mas por seus próprios objetivos particulares, de grupo. Consiste no paralelismo organizativo como meio de articular a influência na luta interna partidária, em vez de travar uma luta ideológica aberta.

A forma preponderante assumida pelo fracionismo no PCB é, há muito tempo, o federalismo. Denunciado em sucessivas resoluções de Congressos e Conferências anteriores como uma mazela que permanecia marcando a vida partidária, o federalismo foi curiosamente esquecido entre as menções do XVI Congresso. Não bastasse o arroubo fracional de tantas bancadas regionais no plenário do Congresso (algumas até com reuniões paralelas), aceitável talvez em um Congresso partidário; o fracionismo dos organismos intermediários do partido continuou vicejando no período posterior. Colocando-se quase como organismos superiores ao XVI Congresso, diversos Comitês Regionais se reuniram logo após para realizar, de forma inédita, “balanços” do Congresso – onde uma minoria que combatera abertamente a ala esquerda partidária no XVI Congresso foi à desforra, esbravejando contra o desfecho do Congresso e contando agora com o apoio dos oportunistas que nele preferiram calar diante de questões de princípio.

Durante todo o período posterior, alguns dos principais Comitês Regionais do país (em especial, BA, MG, SP, RJ) seguiram travando uma luta interna sem princípios contra a ala esquerda, se valendo da máquina partidária para promover perseguições, boicotes, expulsões, recusando a incorporação de militantes nos mais diversos trabalhos e travando os recrutamentos de modo arbitrário, segundo seus interesses. As Comissões Políticas Regionais, em especial, se tornaram organismos abertamente fracionais: de organismos executivos subordinados aos plenos dos Comitês Regionais, se mantiveram cada vez mais hipertrofiadas e onipotentes, sonegando informações aos membros plenos dos Comitês e às bases, se recusando a enviar suas atas para apreciação, embargando discussões prementes de planejamentos e balanços, ocultando desmandos e assédios de dirigentes e recusando a abertura de processos disciplinares contra absurdos notórios e exigindo de seus membros centralismo estrito nas discussões e votações junto ao conjunto dos membros dos organismos plenos. A ala direita partidária optou pelo caminho da instrumentalização fracional das direções executivas na luta interna e exigindo uma disciplina de corpo das Comissões Políticas perante os Comitês plenos, como se elas estivessem acima deles, e não subordinadas a eles. Com essa opção, a ala direita partidária fez, por diversas vezes sucessivas, uma escolha consciente e consistente pelo fracionismo e pela luta interna sem princípios. Uma escolha por cercear a luta ideológica no interior do partido por meios burocráticos, deixando como única alternativa a ausência de críticas ou a contraofensiva em bloco dos descontentes – o que sempre permitia à direção executiva responder brandindo a acusação de fracionismo!

Esse fracionismo dos secretariados executivos se assenta firmemente na maioria politicamente pantanosa e amorfa dos Comitês, que pouco se envolve com o trabalho de direção como um todo e pouco se preocupa em concebê-lo de modo integral e sistemático – se limitando também, por sua vez, à política federalista em suas próprias cidades e regiões respectivas, e indispostos a botar em risco seus “prestigiados” cargos de direção por conta de uma crítica qualquer... Assim, o federalismo e a hipertrofia das Comissões Políticas se retroalimentam. O mandonismo e o carreirismo vicejam sob a complacência de direções pouco ativas e lenientes.

Em seus tempos, Lênin combateu duramente os métodos dos chamados komitetchki, os “homens dos comitês”, que temiam a ampla participação da “periferia” do partido (as células e coletivos vinculados ao partido) nas decisões e nas informações. Mas esse tipo de fracionismo da direção, que se posiciona de modo mais consistente à direita e em direção ao obreirismo, não é o único que se acentuou ao longo de todo esse período. A fração dos academicistas também atuou com uma unidade de ação orquestrada nos últimos meses. Essa ala, que ao longo da maior parte da reconstrução revolucionária do PCB teve uma expressiva influência ideológica pequeno-burguesa sobre o partido, já havia sido derrotada, contudo, no XIV e no XV Congresso (respectivamente, 2009 e 2014), em sua tentativa de revisionismo do marxismo-leninismo. Mas, em 2016, com a saída da Secretaria Geral de Ivan Pinheiro (que, por sua firmeza, os vacilantes academicistas costumavam denominar covardemente nos bastidores como “Sectário Geral”), acreditaram que voltariam a influir de modo determinante – mas se depararam com a oposição de uma nova geração de militantes cuja influência tendia a ultrapassar a dos academicistas.

Assim, a fração academicista antileninista foi confrontada no XVI Congresso com a sombra da perda de seu predomínio, diante do trabalho de agitação e propaganda de toda uma nova geração de organizadores, tribunos e publicistas, além de um trabalho prático, sobretudo na juventude, que os apavorava pela falta de referência em seu marxismo escolástico. Com cada vez mais recrutamentos batendo às portas do partido por influência desse trabalho da ala esquerda (que não só estava à frente do trabalho de comunicação de massas, mas também fortemente presente na juventude e nos coletivos partidários, e que nunca escondeu sua oposição aos antileninistas), a fração academicista tentou promover expurgos à beira do Congresso, mas foi refreada pelo temor da cisão. Esbravejando contra o suposto “anti-intelectualismo” desses quadros e mil outros espantalhos contraditórios entre si, daí em diante a fração academicista antileninista se articulou em uma crescente ofensiva.

A despeito de seu menosprezo pelos obreiristas, a fração academicista antileninista estabeleceu com eles uma aliança tática em questões de organização, em nome do combate à linha dura antiacademicista da ala esquerda. De fato, a recente recomposição da Comissão Política Nacional do Comitê Central do PCB, em julho de 2023, marca a vitória dessa tática da fração academicista antileninista que, apoiando-se na ala mais à direita para esmagar a ala esquerda, colheu os espólios da fragilização de alguns quadros centristas e avançou nas nomeações para a CPN.

Ao longo desse processo, a ala direita partidária conformou-se como um bloco constituído principalmente por essas frações academicista e obreirista, que têm na prática perdido o horizonte revolucionário e se conformado dentro da estrutura sob práticas burocratizadas, buscando manter-se na direção a todo custo. Essa aliança tática se deu sob a égide daquilo que há muito tempo denominamos “pecebismo”: o chauvinismo partidário acrítico, o espírito de seita, na contramão do profundo espírito autocrítico que marca a Reconstrução Revolucionária. Esse “pecebismo” nada mais é do que a vinculação a uma organização política sem a preocupação com seu desenvolvimento histórico e político para tornar-se vanguarda do proletariado no Brasil. Essa defesa não é nova: no IX Congresso do PCB, em 1991, essa posição recebeu 8% dos votos na eleição do CC – eram os membros que desejavam manter o PCB, com sua legenda e nome históricos, mas fazer a mudança na linha política no sentido proposto pelos eurocomunistas. É compreensível que, naquele período de “maré baixa” do movimento comunista internacional, de derrotas do proletariado, o desejo nostálgico a retornar ao “PCB de massas” (etapista e nacionalista) de parte do século XX alimente esse senso de pertencimento sem princípios a um nome, a uma legenda, à alcunha de “Partidão”. Para esses setores, a “Reconstrução Revolucionária” significa, tão somente, a recuperação do registro legal do partido no TSE. A defesa incondicional de uma organização em detrimento dos princípios que devem ser defendidos por um partido revolucionário acaba por enfraquecer inclusive seu próprio senso de autocrítica – todas as tentativas de fazer avançar o Partido que choquem com o senso de comodismo e morosidade dos dirigentes é agitado por eles como “ataques ao PCB”.

Além disso, é justamente o conteúdo ideológico praticista das frações federalistas que tornou-as propensas a ceder a direção ideológica à intelectualidade pequeno-burguesa: no espírito economicista, pensam que os militantes de base do partido devem trabalhar sem criticar, e só os intelectuais podem criticar e formular, pois detém o monopólio da teoria. Por isso mesmo, apesar da aliança com os praticistas, a fração academicista antileninista constantemente acusa a ala esquerda de “anti-intelectualismo”: estão tão convencidos que os acadêmicos detêm o monopólio da teoria que não conseguem conceber qualquer crítica ao academicismo senão como “anti-intelectualismo”.

É evidente que frente a esse quadro de uma luta interna sem princípios, assentada não na luta ideológica aberta, mas na perseguição burocrática, a ala esquerda do Partido apenas poderia optar entre um grau crescente de articulação ou o esmagamento. Acusada falsamente de “defender o fracionismo”, a maioria dos elementos da ala esquerda chegou a hesitar, e tardou a compreender que a luta fracional tornara-se irreversível no partido. Por isso, assistiram por meses, desorganizados, à ofensiva burocrática que atingiu dezenas de militantes com expulsões irregulares. Essa relutância tinha motivo: as e os camaradas da ala esquerda têm a consciência de que o fracionismo (definido por Lênin como a unidade nominal do partido, mas sua efetiva desunião organizativa) é a antessala da cisão. Justamente conscientes disso, foram apenas uns poucos camaradas da ala esquerda, a princípio, e apenas a partir do segundo semestre de 2023, que deram forma coordenada à sua luta, preparando-se para a crise armada pela “frente única antiesquerdista”. Esses camaradas da ala esquerda compreenderam crescentemente a necessidade de oferecer resistência coesa em defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB. Evidentemente, a ala direita teria preferido apenas expulsar uns, isolar outros, etc., sem resistência. A ala esquerda, unida pelos princípios da Reconstrução Revolucionária do PCB, não poderia facilitar esse intento.

Crise e cisão

A proximidade dessa crise se tornou cristalina após o pleno de julho do Comitê Central, que rechaçou com ironias e zombarias a proposta do camarada Ivan Pinheiro, da convocação de um XVII Congresso Extraordinário do PCB. Um Congresso era o único meio para pôr fim à divisão fracional, abrindo os debates internos à participação do conjunto da militância e fazendo cessar as perseguições, os boicotes e as violações aos princípios comuns da estratégia, táticas e organização do Partido. Ao fazer pouco caso do Congresso, a maioria do Comitê Central optou por resolver a crise partidária esmagando uma ala (a esquerda) e fazendo vista grossa para as articulações nacionais de outras alas. Uma votação em particular deixou isso evidente: o pleno acatou a proposta de Mauro Iasi, de que o escopo da Comissão Disciplinar estabelecida seria “apurar indícios de formação de tendência em torno do ex-Secretário Geral Ivan Pinheiro” – em detrimento da proposta de outros camaradas, de que a Comissão Disciplinar constituída apurasse qualquer denúncia e evidência de grupismo que ela eventualmente recebesse. Portanto, o CC optou por uma investigação unilateral. Além disso, com a recusa à convocação do Congresso, a maioria do Comitê Central sinalizou com nitidez que coloca a imposição da política de uma ala, violando as resoluções congressuais, acima da unidade partidária dos comunistas. E, tendo a maioria da direção adotado uma escolha que certamente vai na contramão da vontade pela unidade da maioria dos comunistas, não deixou àqueles que lutam pelo aprofundamento da Reconstrução Revolucionária outra opção, senão a radicalização da luta interna e (com a falta de disposição para um debate democrático e unitário, e com a continuidade dos expurgos) a cisão, em nome de levar adiante aquilo com o que a maioria da direção rompeu.

Mas essa recusa a resolver a crise por meio de um Congresso, bem como a tomada de partido da maioria do CC em prol da ala capitaneada pela fração academicista antileninista é, a bem da verdade, bastante compreensível, uma vez que expressa justamente os impasses do atual estágio da Reconstrução Revolucionária do PCB em torno de sua concepção sobre o centralismo democrático. Um impasse cujo principal denominador comum envolve o debate sobre o centralismo teórico e a liberdade de crítica no Partido. Na Reconstrução Revolucionária do PCB, pretendeu-se superar o monolitismo teórico que caracterizou, de maneira anti-leninista, inúmeros partidos organizados em torno da III Internacional. Mas o predomínio ideológico da fração academicista antileninista deu a essa transformação ideológico-organizativa do Partido um aspecto puramente negativo: o “não-monolitismo teórico”, a “inexistência de um centralismo teórico”, significa a impossibilidade do coletivo partidário de restringir a liberdade de polêmica para os acadêmicos, em suas divergências teóricas nos mais variados âmbitos da sociedade, seja nas universidades ou no mundo editorial.

Vemos, portanto, que a “inexistência de um centralismo teórico” foi uma formulação que expressou apenas a conveniência aos acadêmicos, não um resgate do centralismo democrático leninista. É por isso que quando, através de um verdadeiro trabalho de recuperação histórica do centralismo democrático leninista, a ala esquerda do Partido passou a erguer a bandeira da organização da polêmica na imprensa partidária, os acadêmicos tentaram relativizar essa mesma liberdade. Tirada de sua expressão negativa e posto em termos positivos, a ausência do centralismo teórico passava a implicar a necessidade de forjar dialeticamente, por meio de uma “literatura” comum, a unidade ideológica partidária. Isso significava elevar a liberdade de crítica a seu patamar organizativo prático na vida partidária – mas isso, para os acadêmicos, significa a consolidação do processo de perda da influência ideológica para os mais jovens militantes do Partido, e, portanto, tratava-se de uma batalha de vida ou morte contra o centralismo democrático leninista. É também no campo das polêmicas de princípio sobre nossa forma organizativa que se expressa em nosso Partido a luta de classes contra a hegemonia pequeno-burguesa sobre o proletariado.

Mas como construir um centralismo efetivamente democrático sem organizar coletivamente as vozes críticas individuais? Sem recepcionar abertamente as polêmicas e, por meio de respostas e debates, convencer ou ser convencido pela militância? Sem manter o partido aberto à autocrítica profunda, como versava o espírito abandonado do XV Congresso? O fato é que enquanto alguns camaradas veem na crítica e na autocrítica um mero meio de desgastar a direção na luta interna, ou uma autoimolação que pode apenas agradar aos nossos inimigos; outros camaradas veem na crítica e na autocrítica um método científico de trabalho, pelo qual avançamos, educamos, convencemos e aprendemos. Enquanto alguns camaradas consideram as polêmicas públicas como desorganizadoras por princípio, outros camaradas consideram-nas pedagógicas e instrutivas, e que seriam tanto mais assim se soubéssemos organizá-las de modo a neutralizar sua explosão espontânea e anárquica, que resultam do cerceamento do debate partidário. Assim, a direção do Partido prefere deprimir o espírito de iniciativa das bases, especialmente no âmbito da produção da comunicação digital, do que organizar-se em um patamar superior para estar à altura das novas tarefas e das novas forças à nossa frente.

E ainda pior: justamente porque proíbe qualquer dissenso externo e persegue o dissenso interno, a direção inviabiliza quaisquer métodos legítimos de luta ideológica no partido, tornando a luta pelos cargos o único caminho para garantir espaço às opiniões, e criando um clima de servilismo, subserviência e apatia entre a militância. Deseja debater com o conjunto dos camaradas? Leve o debate apenas para a sua célula – apenas se você estiver em posições de direção, aí poderá levar o debate para essa sua instância superior etc. De modo que a posição na estrutura partidária se torna condição desigual para a imposição de sua linha política ou combate às demais.

Como não poderia deixar de ser, esse burocratismo crescente vem produzindo em nossas fileiras desânimo e refluxo. Há vários meses tentamos dissuadir dezenas de camaradas de se afastarem da organização, apontando a iminência da Conferência partidária e a possibilidade de, talvez nesse âmbito, promover as necessárias retificações em nosso Partido. Mas, com o acirramento das perseguições, expulsões e boicotes, foram se esvaindo as expectativas com o potencial verdadeiramente democrático desta Conferência, ainda mais diante de seu reiterado adiamento.

Finalmente, no último domingo (30 de julho de 2023), a maioria do Comitê Central fechou em absoluto qualquer caminho à unidade partidária: não apenas aprovou uma série de expulsões à revelia de quaisquer provas, garantindo no CC uma paz de cemitério, como orientou as direções regionais a aprofundarem o expurgo, agora pelas bases.

E, o que é ainda mais importante: reiterou a recusa à convocação do XVII Congresso Extraordinário do PCB, mesmo depois de ter recebido moções e manifestações de diversos organismos partidários em favor desta saída unitária. E dizemos mais importante porque, efetivamente, mesmo se essa reunião não tivesse aprovado as expulsões absurdas que aprovou, apenas um Congresso Extraordinário poderia resguardar meios legítimos de luta interna e de preservação da unidade partidária – justamente porque o que está em jogo não é apenas a situação pessoal de um ou outro militante, mas os princípios do centralismo democrático e da Reconstrução Revolucionária do PCB.

Conclusão

Camaradas: não nos alegra que, para seguirmos levando adiante a Reconstrução Revolucionária, tenhamos que romper a unidade organizativa entre comunistas revolucionários e comunistas vacilantes, que nos últimos anos foi possível no interior do PCB sob o espírito do chamado “pecebismo”, sectário e identitário; uma unidade sob a qual, inclusive, tantos etapistas e reformistas permanecem até hoje, tentando evitar se expor abertamente, mas traindo suas convicções pessoais nos debates sobre tática e por meio de elogios aos Partidos Comunistas reformistas mundo afora.

Camaradas, tínhamos diante de nós uma escolha, a qual tentamos evitar e adiar o quanto pudemos, em nome da unidade organizativa. Mas finalmente fomos forçados a ela: ser combatidos isoladamente pelos fracionistas academicistas e ver o fim da Reconstrução Revolucionária na prática; ou nos organizarmos para encarar de peito aberto a cisão inevitável, agora deflagrada pela ala direita, e seguirmos lutando pelo aprofundamento da Reconstrução Revolucionária. Tomamos o caminho da luta, não o da conciliação, como acreditamos ser o dever dos comunistas.

Seguimos lutando pela Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista Brasileiro, tomando o espírito de iniciativa e de crítica e autocrítica como o coração de nosso centralismo democrático. Trabalharemos pela coordenação mais plena e consciente entre o trabalho político e o trabalho de comunicação de massas, superando o amadorismo e o espontaneísmo presentes em nossa organização. Seguiremos buscando construir uma organização comunista firmemente enraizada em meio à classe trabalhadora e ao povo pobre e oprimido; um Partido que assuma de modo orgânico e com plena responsabilidade o trabalho que, hoje, o PCB terceiriza para seus coletivos, de cujos acúmulos não se apropria de maneira verdadeira e consequente. A luta contra toda forma de opressão deve ser uma luta de toda a militância partidária, não apenas daqueles que a sofrem diretamente. Forjaremos o mais estreito vínculo entre o partido comunista e as lutas da classe trabalhadora levando em conta toda a suas particularidades histórico-concretas de raça, de gênero e orientação sexual.

Trabalharemos, além disso, pela superação do federalismo que caracteriza hoje o PCB e que torna a unidade nacional do partido meramente formal, enquanto os mais diversos métodos e políticas contraditórias vicejam sob a mesma sigla. É preciso estabelecer fóruns de discussão permanente que permitam aos organismos de uma mesma região do país formularem em conjunto seus desafios e tarefas, para uma nacionalização verdadeiramente orgânica dos comunistas.

Queremos um Partido Comunista Brasileiro que, à altura do seu nome e consequente com sua estratégia anticapitalista e anti-imperialista, declare uma oposição combativa e decidida ao governo social-liberal de Lula e Alckmin em aliança com o centrão de Arthur Lira. Na sociedade burguesa, o partido proletário revolucionário deve ser o partido de oposição a todo governo burguês. É assim que o marxismo revolucionário concebe a verdadeira independência política da classe trabalhadora – não por meio de vacilações que consideram a independência como uma posição em cima do muro entre a adesão e a oposição. E isso significa, entre outras coisas, dar à nossa estratégia revolucionária rigorosa definição não só tática, mas organizativa, encarando abertamente tanto quanto possível as questões das mais diversas formas de organização e luta do partido revolucionário.

Ao mesmo tempo, estamos convencidos de que, ao dar esse passo atrás na unidade nominal dos comunistas, nos colocamos em condições mais favoráveis para darmos saltos em frente. Colocamo-nos a tarefa de superar o espírito sectário do pecebismo, e de estabelecer a mais firme unidade de ação entre todos os comunistas revolucionários organizados para além da legenda do PCB, independentemente de tamanho e registro no TSE – organizações que, hoje, o PCB trata com menosprezo e distanciamento. A despeito de divergências existentes, não se pode falar a sério de uma frente anticapitalista e anti-imperialista no Brasil de hoje sem o diálogo e a unidade de ação consequente entre todas as forças comunistas de fato, não apenas em palavras.

Igualmente, estaremos dispostos a seguir atuando na mais estreita unidade de ação com a militância que vier a optar por permanecer no PCB, em todas as atividades de massas e todas as lutas onde hoje compartilhamos fileiras. Temos convicção de que, com o tempo e a prova da prática (que é, afinal, o critério da verdade), a maioria dos e das camaradas seguirá o mesmo caminho que agora seguimos, e tornaremos a nos unir. Mas, por agora, nos comprometemos a trabalhar sem qualquer sectarismo e hostilidade, em nome de não deixar cair o nível organizativo prático das diversas lutas em comum que conduzimos. Permaneceremos plenamente solidários a toda trabalhadora e todo trabalhador combatendo na luta de classes que se desenrola em nosso país. Avancemos para além do espírito de seita, em direção a uma solidariedade de classe real, que não seja impedida pela existência de polêmicas táticas e organizativas. Apenas assim avançaremos na construção do Poder Popular, do socialismo e do comunismo.

Esse caminho de independência, é verdade, poderá significar um período temporário de reorganização. Mas nós, que não subordinamos a luta revolucionária das massas à institucionalidade burguesa, sabemos que, antes de tudo, nosso compromisso é com a Revolução Socialista em nosso país e no mundo, e com a construção do instrumento político capaz de levá-la a cabo. E hoje, afirmamos sem hesitação, nem a atual direção do PCB, nem nosso próprio movimento em defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB, estamos à altura dessa tarefa. A diferença é que, da nossa parte, construiremos uma organização que admite essa sua insuficiência em alto e bom som, e trabalha para resolvê-la; enquanto a maioria da direção do PCB seguirá em seu caminho covarde de silenciamento às críticas e de autoproclamação vazia.

Por fim, apelamos a todos os organismos do Partido Comunista Brasileiro e de seus coletivos partidários para que debatam em suas reuniões esse Manifesto e a possibilidade de aderir conosco a esse rumo de luta em defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB, por meio de uma alternativa organizativa que, nesse momento, avance para além da legenda jurídica do PCB, embora siga lutando para fazer jus ao legado centenário do movimento comunista brasileiro. Evidentemente, esse convite implica a mais completa abertura ao recebimento de críticas e manifestações de divergências sobre quaisquer aspectos de nossa tática e deste Manifesto. Daremos pronta resposta a qualquer comunicação que nos seja enviada, nos marcos de um debate democrático que, rumo ao XVII Congresso, abarque não apenas a militância que hoje compõe as células do PCB, mas também estendendo plenos direitos partidários à militância que hoje atua nos coletivos, na corrente sindical e na juventude do PCB. Apenas assim poderemos superar a profunda desorganização e descoordenação existente no interior daquilo que alguns chamam hoje de “complexo partidário”, expressão que por si só já indica a segmentação da ação política do Partido.

Não é possível seguir reconhecendo a autoridade de um Comitê Central que viola as resoluções do Congresso do Partido (instância máxima dirigente de nossa organização) e que endossa unilateralmente a política de perseguição e boicote promovida pela fração academicista antileninista, que se recusa a colocar abertamente suas divergências em um Congresso partidário. Esperamos contar com a confiança das e dos camaradas do PCB e de todos os organismos vinculados ao Partido para, através de um processo de debate amplo, transparente e franco, organizar o XVII Congresso (Extraordinário) do Partido Comunista Brasileiro.

Solicitamos às e aos camaradas que organizem plenárias em suas localidades de modo a eleger, onde couber, membros para as Coordenações Provisórias Regionais incumbidas da preparação congressual, bem como para eleger em cada estado um ou uma camarada que possam se somar à Coordenação Provisória Nacional que subscreve esse Manifesto, a fim de tornar o mais democrático e abrangente possível o processo de organização de nosso Congresso – que deverá ser realizado no prazo mais curto possível, embora sem prejuízo do mais amplo e aprofundado debate. Aproveitamos para submeter à apreciação da militância a proposta de designação provisória de nossa iniciativa como “Partido Comunista Brasileiro – Reconstrução Revolucionária” (PCB-RR). Esse nome, proposto intuitivamente por dezenas de camaradas ao longo das últimas semanas, aponta com nitidez o legado ao qual não pretendemos renunciar, tanto quanto os rumos que pretendemos seguir.

Contatos coletivos e individuais, para mais orientações, informações, críticas e sugestões, podem ser realizados pelos seguintes meios:

Email: pcb.rr.central@gmail.com
Facebook: /pcb.rr
Instagram: @pcb_rr
Twitter: @pcb_rr

As adesões a esse Manifesto serão divulgadas nos próximos dias e atualizadas posteriormente, de modo a sinalizar nossa intenção, como redatoras e redatores, de não colocar nenhum nome individual acima desse amplo movimento coletivo.

Organizar o XVII Congresso (Extraordinário) do PCB!


Coordenação Provisória do Movimento Nacional em Defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB