'Precisamos de um órgão de inteligência' (Bruno L.)

Devemos ter em nossa organização um órgão profissional especializado na área, mas, sobretudo para reforçar que devemos, enquanto militantes marxistas-leninistas, buscar ser mais efetivos em nossas ações políticas, otimizando ao máximo nossos recursos e esforços.

'Precisamos de um órgão de inteligência' (Bruno L.)
"Todas as organizações bem sucedidas, até hoje, se utilizam ou utilizaram de algum serviço de inteligência. É uma necessidade vital que uma organização tenha meios mínimos de proteção contra sabotagens, das mais diversas formas, e consiga criar formas próprias de analisar e dar suporte a suas formulações estratégicas para atuar na realidade."

Por Bruno L. para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Sabemos que não é algo comum na cultura da militância marxista contemporânea a compreensão do que seja ou para que sirva um órgão de inteligência em um partido comunista. Isso mostra como estamos defasados em relação à importância que conferimos à profissionalização do trabalho revolucionário. Felizmente, acredito que este seja o momento e o lugar para trazer esse debate em nossa organização. 

Dados os limites de falar publicamente sobre esse tema, tenho convicção de que essa tribuna pode contribuir para o fomento desse debate, também para expor um pouco do que se trata o trabalho de inteligência e contra inteligência, mostrar as razões pelas quais devemos ter em nossa organização um órgão profissional especializado na área, mas, sobretudo para reforçar que devemos, enquanto militantes marxistas-leninistas, buscar ser mais efetivos em nossas ações políticas, otimizando ao máximo nossos recursos e esforços.

Todas as organizações bem sucedidas, até hoje, se utilizam ou utilizaram de algum serviço de inteligência. É uma necessidade vital que uma organização tenha meios mínimos de proteção contra sabotagens, das mais diversas formas, e consiga criar formas próprias de analisar e dar suporte a suas formulações estratégicas para atuar na realidade.

Não se faz política sem informação. Qualquer pretensão de se obter resultado com uma ação política, imperativamente, deve ser subsidiada pelo maior número possível de informações e de inteligência. Saber quantos porcento de pessoas de uma dada população tem carteira assinada, trabalha em fábrica ou no mercado informal, ou são sindicalizadas, por exemplo, é um dado fundamental para começarmos uma análise que nos leve a melhores meios de atuar naquela região. Saber, no momento preciso, quantas pessoas defendem uma determinada pauta que se coaduna com uma determinada luta em que temos protagonismo como partido, pode ser crucial para ganhar mais força social ou mesmo conquistar uma importante vitória para nossa classe.

Mesmo que pareça fácil no mundo de hoje o acesso a informações - muitas vezes é mesmo! -, os dados mais estratégicos são geralmente reservados aos atores mais poderosos, mais próximos do status quo. Obter informações mais valiosas, do ponto de vista estratégico, envolve ter o domínio das operações de coleta e análise de dados.

Pode parecer uma extravagância uma organização proletária com orçamento extremamente limitado se dar ao luxo de ter em sua estrutura um órgão de inteligência, mas a lógica é justamente inversa. Não ter qualquer forma de proteção de dados, proteção de comunicação interna, ou forma própria de obtenção de informações pode custar muito mais caro, principalmente do ponto de vista do dispêndio de energia militante com a baixa efetividade das ações ou com o risco constante de sofrer sabotagem, vazamento de dados internos, ou perseguição à militância por órgãos de repressão.

Na realidade, o custo financeiro de operações de inteligência é extremamente elástico e varia proporcionalmente com as possibilidades materiais e humanas disponíveis na organização. Uma operação de osint (open source intelligence), por exemplo, pode ser gratuita, enquanto uma pesquisa de opinião pode ter um custo bastante elevado. Ambas têm funções específicas, mas são operações possíveis para obtenção de dados.

Diferenças entre informação e inteligência

A informação consiste em dados brutos ou coletados que ainda não foram processados e analisados. São simplesmente fatos, dados ou observações que podem ser úteis, mas que por si só não fornecem uma compreensão completa ou significativa de uma situação. Por exemplo, uma mensagem interceptada entre agentes estrangeiros pode ser considerada uma informação. A inteligência, por outro lado, é o resultado da análise, avaliação e interpretação das informações coletadas. Ela vai além dos dados brutos para fornecer padrões, tendências e avaliações que são úteis para a tomada de decisões estratégicas. Enquanto a informação é o que é coletado, a inteligência é o que é deduzido, analisado, processado e compreendido a partir desses dados. Por exemplo, a identificação dos padrões de comunicação, seja, por exemplo, de uma organização rival, de órgãos de repressão, de uma empresa, suas estratégias, objetivos e capacidades, seria considerada inteligência.

A informação é o ponto de partida, consistindo nos dados coletados, enquanto a inteligência é o produto final, resultante da análise e interpretação desses dados, fornecendo uma compreensão mais profunda e útil para orientar ações e decisões.

Os serviços de inteligência desempenham um papel crucial na obtenção de vantagem estratégica para os atores políticos em várias frentes. Eles conseguem isso de várias maneiras. Em primeiro lugar, eles coletam uma ampla gama de informações, tanto por meios técnicos quanto humanos, permitindo que os atores políticos compreendam melhor o cenário político em que estão inseridos. Essas informações são analisadas para identificar tendências, ameaças e oportunidades, fornecendo uma visão detalhada que ajuda os atores políticos a tomar decisões informadas. Com base nessas informações e análises, os serviços de inteligência podem antecipar os movimentos de seus adversários, permitindo que os atores políticos ajam de forma proativa para neutralizar ameaças ou explorar fraquezas no campo adversário. Além disso, as informações de inteligência podem ser usadas como moeda de troca em negociações ou para influenciar o comportamento de outros atores políticos, moldando o curso das negociações e promovendo os interesses do ator político.

Importância estratégica do órgão de inteligência

A existência de um órgão de inteligência em um partido político como o nosso pode ser considerada uma estratégia importante por várias razões, como por exemplo:

O órgão de inteligência pode ser usado para monitorar as atividades e estratégias dos atores políticos concorrentes. Isso inclui a coleta de informações sobre discursos, propostas de políticas, alianças políticas e outras atividades que possam afetar o desempenho da organização. O monitoramento da oposição ajuda o partido a entender melhor seus adversários e desenvolver estratégias eficazes para competir com eles. 

Também pode analisar as informações coletadas para identificar tendências e padrões no comportamento político. Como por exemplo, na percepção de mudanças, mesmo que sutis, nos perfis ideológicos da população, podendo nos dar a vantagem da antecipação de tendências e uma capacidade preditiva com relação aos movimentos do cenário político. Assim, nos capacitando também a sair de uma posição somente reativa, para uma posição ativa, no cenário da luta de classes. 

Com base nas informações e análises coletadas, o órgão de inteligência pode também ajudar o partido a desenvolver estratégias políticas mais eficazes. Como a formulação de mensagens políticas, palavras de ordem mais certeiras, a identificação mais detalhada de público-alvo e dos perfis dos vários segmentos da classe trabalhadora, bem como a alocação mais racional de recursos e a definição de prioridades políticas.

Um breve exemplo anedótico em que estive envolvido: em uma campanha eleitoral, tínhamos uma lista de mala direta antiga, que sempre tomava uma parte importante dos recursos de campanha para ser enviada, tanto em termos financeiros, como em esforço e tempo de militantes para envelopar e selar as cartas. Essa atividade levava horas e noites de sono, com um custo financeiro considerável. Resolvemos, em um ano de eleição, que usaríamos essa lista para fazer uma pesquisa de opinião. Assim que fomos a campo, percebemos que 80% dos contatos estavam desatualizados. Descartamos então a lista, desistimos da mala direta e assim economizamos recursos valiosos que puderam ser colocados em outra tática mais efetiva. O custo com a obtenção da informação de que a lista estava desatualizada foi compensado em muito com a economia de dinheiro e esforço com o cancelamento do seu envio.

Inteligência e Contra Inteligência

A contra inteligência é um campo especializado dentro das agências de inteligência que se concentra na identificação, neutralização e mitigação de ameaças e atividades hostis direcionadas contra o próprio organismo de inteligência ou contra os interesses que esse organismo protege. Em essência, a contra inteligência é o contra-ataque à espionagem e outras formas de atividades de inteligência adversárias.

Historicamente sabemos como os aparelhos de repressão sempre atuaram e continuam atuando no sentido da infiltração, sabotagem e vazamento de informações contra organizações como a nossa. Não é, portanto, necessário me alongar aqui nas razões pelas quais devemos colocar importância neste tipo de atividade. Basta uma breve descrição sobre do que se trata quando falamos de contra inteligência.

Existem várias áreas de atuação da contra inteligência. Uma delas é a detecção de espionagem, na qual a contra inteligência dedica recursos para identificar agentes infiltrados, informantes e outros indivíduos que buscam obter informações confidenciais ou prejudicar a organização por meio de atividades de espionagem. Além disso, a contra inteligência lida com a proteção das informações sensíveis da organização contra o acesso não autorizado, vazamentos e comprometimentos. Isso envolve a implementação de protocolos de segurança robustos, políticas de acesso restrito e ações para minimizar os riscos de exposição de dados confidenciais. 

A contra inteligência também trata da detecção e neutralização de dispositivos de vigilância eletrônica, escutas telefônicas clandestinas, interferências em sistemas de comunicação e outras formas de espionagem técnica. Quando ocorrem vazamentos de informações confidenciais, a contra inteligência é encarregada de investigar as circunstâncias do vazamento, identificar os responsáveis e tomar medidas preventivas.

Uso de inteligência na internet

Parece clara para boa parte de nossa militância a importância da nossa atuação nas redes, seja nas atividades de agitação e propaganda, seja na nossa pŕópria organização interna, em reuniões online, ou nas nossas comunicações. Não obstante, essa presença coletiva ativa em ambiente online produz uma quantidade imensa de dados que são deixados como rastros em servidores com sede em países que, podemos dizer, não são muito amigáveis à ideia de uma revolução. Esse fato por si só já nos obriga a perceber e aprender a lidar com nossas fragilidades, mesmo entendendo que o uso de ferramentas das NTICs (Novas Tecnologias da Informação e Comunicação) é algo inescapável em nosso mundo hoje.

Como forma de mitigar essas debilidades, devemos investir nossos esforços, em conjunto com nossos camaradas da área de TI, no desenvolvimento de um serviço de inteligência que pode ter a capacidade de detectar e monitorar ameaças cibernéticas que visam comprometer os dados e comunicações de nossa organização. Assim, identificar falhas de segurança, configurações inadequadas e pontos fracos que poderiam ser explorados por adversários para acessar informações sensíveis ou interromper as operações da organização.

Este serviço deve trabalhar para proteger as comunicações sensíveis da organização contra espionagem e interceptação por parte de atores adversários, sejam eles as forças de repressão ou concorrentes políticos. Isso pode envolver o uso de criptografia, medidas de segurança de rede e protocolos de comunicação seguros. Em caso de violação de dados ou comprometimento da segurança da informação, o serviço pode realizar investigações para identificar a origem e o impacto do incidente. Bem como determinar como os invasores conseguiram acesso, quais informações foram comprometidas e quais medidas de remediação devem ser tomadas para evitar futuros casos.

O serviço também pode conduzir operações de contrainteligência para identificar e neutralizar ameaças internas e externas à segurança da organização política. Como detectar agentes infiltrados, traição interna e atividades de sabotagem que possam comprometer os dados, as comunicações e a segurança da organização.

Controle externo do organismo de inteligência

Sabemos que, historicamente, organismos de inteligência, tais como a CIA, MI6, FSB, Mossad etc, concentravam ou concentram ainda uma capacidade muito grande de agir de forma independente de controle externo ou democrático, servindo a interesses que se expressam de forma invertida ou simplesmente mentirosa à população de seus respectivos países. De forma geral, essa é uma tendência que pode e deve ser combatida dentro de nossa organização, para que o centralismo-democrático não se torne mais uma vez só centralismo, e na figura de um órgão que mais serve a perseguição de camaradas e à luta interna do que para o fim de tornar nossos esforços revolucionários mais efetivos.

Uma forma de dificultar a ocorrência desse tipo de concentração de poder é o estabelecimento de um controle externo, mais especificamente, através de um outro órgão - também interno ao partido, claro! - cujos membros sejam eleitos em congresso, que seja independente das instâncias ordinárias do partido e que tenha como atribuição específica a fiscalização e a auditoria das atividades do órgão de inteligência, através de relatórios internos periódicos, classificados ou não, dependendo do tema e da sensibilidade da informação.