Barbárie e descaso nos presídios do Rio Grande do Sul

As inundações recentes que atingiram o Rio Grande do Sul deixaram diversas unidades prisionais isoladas e sem abastecimento adequado de água. Em um contexto de escassez generalizada na região, este grupamento recebe pouco ou nenhuma atenção para sanar suas necessidades mais básicas.

Barbárie e descaso nos presídios do Rio Grande do Sul
Foto: Divulgação Susepe

Por Redação

Se hoje vemos os resultados de longo prazo da tragédia “planejada pelo governo Eduardo Leite nas mais diversas áreas do estado do Rio Grande do Sul, a população carcerária sofre ainda mais com o descaso anunciado pelas autoridades estatais. As inundações recentes que atingiram o Rio Grande do Sul deixaram diversas unidades prisionais isoladas e sem abastecimento adequado de água. Em um contexto de escassez generalizada na região, este grupamento recebe pouco ou nenhuma atenção para sanar suas necessidades mais básicas, e dependem dos familiares, também em situação de desalojamento, para sobreviverem.

Estes são os presídios afetados e as datas em que começaram a enfrentar problemas significativos:

●       Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ):
-          Inundada a partir de 3 de maio, o Jacuí voltou a gerar preocupações no dia 14 do mesmo mês em razão do aumento das águas próximas aos muros.
-          Parte dos detentos foram realocados para galerias superiores, e 1.057 presos foram transferidos temporariamente para a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc).

●       Instituto Penal de Canoas (IPC):
-          Enfrentou inundações e falta de abastecimento de água no dia 3 de maio.
-          Detentos do semiaberto foram liberados para prisão domiciliar.

●       Instituto Penal de Montenegro:
-          Atingido pelas inundações desde o dia 3 de maio.
-          Presos enfrentam condições insalubres e falta de água potável.

●       Instituto Penal de Novo Hamburgo (IPNH):
-          Inundado e com problemas de abastecimento de água e pane elétrica desde o dia 5 de de maio.
-          Detentos do semiaberto liberados para prisão domiciliar.

●       Instituto Penal de São Leopoldo (IPSL):
-          Afetado por inundações ao fim da primeira semana de maio.
-          Enfrentou dificuldades semelhantes com abastecimento de água e energia.

●       Instituto Penal de Charqueadas (IPCH):
-          Parte do complexo prisional de Charqueadas que foi ilhado e teve visitas suspensas desde 2 de maio.

Além destas, outras unidades prisionais na região central do estado, como a Penitenciária Estadual de Santa Maria e Presídio Regional de Santa Maria, também foram afetadas por bloqueios de pista e dificuldades de acesso devido às inundações, com problemas agravados a partir do início de maio.

As esposas dos detentos da Penitenciária Modulada Estadual de Montenegro, localizada a 60 km de Porto Alegre, arriscaram suas vidas para levar mantimentos aos presos. A tragédia do estado, causada pelo alarmante descaso do governo de Eduardo Leite, gerou uma situação onde presos dependem de mantimentos enviados pelos parentes para sobreviver, parentes estes que são também duramente afetados pelo colapso após o rompimento do portão 4 do Cais de Mauá. Um detento de Montenegro descreveu a situação: “Estamos há sete dias sem banho, comendo apenas arroz e feijão. Somos seis dentro de uma cela e recebemos apenas um ou dois litros de água. A situação de higiene é deplorável, estamos defecando em sacolas e jogando para o fundo da galeria. Ninguém aguenta mais o fedor de merda.”

Raquel (nome alterado), esposa de um detento em Montenegro, descreveu os desafios enfrentados pelas famílias para levar água e alimentos aos presos. “Tivemos que buscar rotas seguras até o presídio, já que muitas estradas foram destruídas pelas enchentes. A situação é constrangedora, pois muitos familiares também perderam suas casas e estão em abrigos, mas ainda precisam se deslocar para suprir uma necessidade básica que é responsabilidade do Estado.”

Em Charqueadas, onde há um complexo prisional com sete unidades, três foram inundadas pelo aumento do nível do Rio Jacuí. No último final de semana, 1.057 detentos da Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ) foram transferidos para a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) devido às enchentes. Embora a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) tenha informado que todos os presos retornaram para a PEJ após a queda do nível do rio, familiares relataram dificuldade em obter informações precisas.

A Vara de Execução Penal de Porto Alegre autorizou a liberação temporária de detentos do regime semiaberto no Instituto Penal de Charqueadas e no Instituto Penal de Canoas devido às condições precárias. No entanto, alguns presos tiveram que buscar carona ou caminhar na chuva para chegar a seus destinos. Mateus Schwartz dos Anjos, superintendente da Susepe, afirmou que não houve transporte oficial para esses detentos, pois a maioria é da região metropolitana de Porto Alegre.

No Instituto Penal de Montenegro, a liberação dos detentos do semiaberto foi concedida por 15 dias devido à inundação e pane na rede elétrica. Unidades como o Instituto Penal de Novo Hamburgo e o Instituto Penal de São Leopoldo também receberam autorização para prisão domiciliar devido à falta de abastecimento de água. Mariele (nome alterado), que conseguiu buscar seu companheiro no Presídio Regional de Pelotas, expressou preocupação com o risco de novas enchentes na cidade. Ela relatou que a prefeitura orientou moradores de 14 localidades a deixarem suas casas devido à elevação do nível da água. Já em Porto Alegre, familiares de detentos da Penitenciária Estadual relataram a falta de água e luz, tendo que levar galões de água potável até a unidade.

As autoridades continuam a afirmar que estão fornecendo apoio adequado às unidades prisionais afetadas, mas os relatos das famílias contestam em muito tal narrativa. A Susepe informou que as unidades com problemas de abastecimento receberam apoio de caminhões-pipa, enquanto a Secretaria Nacional de Políticas Penais declarou estar enviando doações para a população afetada. Detentos, porém, afirmam receber 2 litros de água por dia para uma cela de 6 pessoas. Em meio à calamidade e à falta de informações, o governo do Rio Grande do Sul e a prefeitura de Porto Alegre se aproveitam para piorar a situação de vida da população carcerária, chegando mesmo a jogar com suas vidas.

AS ATITUDES DO GOVERNO EDUARDO LEITE

Em meio às inundações que afetaram 90% das cidades do estado, a situação dos detentos ficou crítica, especialmente para aqueles em regime semiaberto. Em uma declaração polêmica no domingo (12), o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), afirmou que os abrigos destinados às vítimas das enchentes estavam sendo “contaminados” por pessoas em regime de liberdade. Melo culpou o Judiciário pela situação, afirmando que a segurança pública é responsabilidade do poder Executivo estadual. A fala gerou indignação entre juízes e defensores dos direitos humanos.

A Associação Juízas e Juízes para a Democracia (AJD) repudiou a declaração de Melo. Em nota divulgada na segunda-feira (13 de maio), a associação criticou o que chamou de “ações higienistas e desumanas”  por parte do Poder Executivo Municipal. A AJD destacou que os detentos em regime aberto deveriam ser tratados de maneira digna e isonômica, conforme prevê a Constituição.

Melo justificou suas declarações alegando ter convocado representantes do Judiciário e da Defensoria Pública para uma reunião sobre a questão dos abrigos, mas que nenhum representante desses órgãos compareceu. O prefeito defendeu a criação de abrigos separados para os apenados, afirmando que a mistura deles com os demais desabrigados representava um risco. A AJD rebateu, ressaltando que a responsabilidade pela vigilância dos apenados é do Estado, que, segundo a associação, falhou ao não oferecer vagas suficientes nas unidades prisionais para o regime semiaberto, nem tornozeleiras eletrônicas em número adequado para o monitoramento.

A Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo respondeu ao Brasil de Fato afirmando que há vagas disponíveis para o regime semiaberto, mas que muitas vezes elas não correspondem aos locais próximos dos familiares dos apenados, como normalmente determinado pelo Judiciário. A Secretaria negou ainda a falta de tornozeleiras eletrônicas, afirmando que a designação do uso desse equipamento depende das decisões das Varas de Execução Criminal.

A falta de investimento público do governo Eduardo Leite na Defesa Civil e na proteção ambiental são parte de um projeto neoliberal e vieram acompanhadas pela falta de orçamento para a manutenção dos presídios estaduais e compra de materiais como tornozeleiras eletrônicas. Este projeto, dentre várias razões, busca no tema dos presídios sucatear essas instituições e facilitar sua entrega ao setor privado – a privatização dos presídios é promovida pelo Governo Federal via BNDES em parceria com os governos estaduais. A população carcerária brasileira já vive em um cotidiano de violência, falta de estrutura e mesmo mortes. Hoje, em meio à calamidade pública gestada pelos interesses neoliberais do governo Leite, a vida dos apenados na prática vale menos do que a de qualquer cidadão do Rio Grande do Sul. A ausência do orçamento público e a falta de um planejamento eficaz entre o Executivo estadual e os órgãos de justiça deixou os encarcerados gaúchos, a quinta maior população encarcerada do país, em situação de extrema vulnerabilidade, tanto dentro quanto fora dos presídios. Famílias e detentos vivenciam condições insalubres e a ausência de apoio adequado, evidenciando um grave problema de gestão e de respeito aos direitos humanos no sistema carcerário gaúcho.