Alta histórica do preço do açaí em Belém do Pará prejudica diretamente paraenses que têm o fruto como alimento essencial em suas refeições diárias

Este fenômeno é agravado pelo avanço do agronegócio, que contribui para a destruição do ecossistema amazônico e para a perturbação dos ciclos naturais, exacerbando ainda mais a vulnerabilidade das comunidades locais.

Alta histórica do preço do açaí em Belém do Pará prejudica diretamente paraenses que têm o fruto como alimento essencial em suas refeições diárias
Reprodução: Irene Almeida/Diário do Pará

Por Redação

Um produto da economia amazônica

O açaí, fruto nativo da Amazônia, não apenas constitui um alimento fundamental nas refeições das famílias paraenses, mas também desempenha um papel significativo na movimentação econômica do Brasil, ultrapassando a marca de R$ 2 bilhões em vendas anuais, de acordo com dados da Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa). 

Nos últimos dez anos, sua participação no mercado aumentou em 15.000%. Entretanto, apesar de sua crescente popularidade, os habitantes do Pará enfrentam um desafio persistente: o aumento constante dos preços. Após seis meses consecutivos de queda, desde meados de 2023, um dos alimentos mais consumidos pela população local voltou a ver seu valor subir e atingir preços recordes.

Em Belém, conhecida como a capital mais chuvosa do Brasil, os primeiros meses de cada ano são marcados pelas chuvas torrenciais do inverno amazônico. Nesse período, além do volume de chuva, o preço do açaí, uma das iguarias mais apreciadas na capital paraense e em mercados nacionais e internacionais, também apresenta uma tendência de alta. 

Nos anos anteriores, mesmo com o preço elevado, a demanda pelo fruto permaneceu alta devido à sua relevância na alimentação dos belenenses. O açaí não é apenas um alimento para muitos paraenses, é um componente essencial de suas dietas diárias, consumido com farinha seca, farinha de tapioca, charque, peixe ou camarão. 

Além da necessidade alimentar, o consumo de açaí incorpora questões culturais e, mais recentemente, aspectos relacionados à estética e saúde, devido aos seus benefícios como alimento funcional, rico em fibras, vitaminas e antocianina, atraindo consumidores cada vez mais seletivos e exigentes.

Em Belém, o açaí é facilmente encontrado, principalmente em bairros periféricos, em pontos de venda conhecidos como "batedores de açaí" ou "amassadeiras de açaí", identificados por placas vermelhas com letras brancas. No entanto, em recente vídeo que viralizou, temos uma realidade alarmante: um coletor de açaí denunciou que a saca do fruto está sendo vendida por R$ 1 mil no Porto do Açaí, no bairro do Jurunas, um local de intensa atividade na venda do fruto. 

Esta situação levou a uma diminuição considerável na movimentação habitual do local, atribuída à escassez do fruto, destacando a vulnerabilidade dos trabalhadores frente às flutuações do mercado e à exploração dos grandes intermediários. 

Carlos Noronha, presidente da Associação de Vendedores de Açaí de Belém (Avabel), corroborou essa informação, destacando que o preço praticado em 2024 é o mais alto já registrado na história, evidenciando a exploração da mão de obra e a lógica da acumulação capitalista que perpetua desigualdades sociais.

Para evidenciar a importância do açaí na dieta dos paraenses, uma pesquisa realizada pela Embrapa revelou que o Pará comercializou mais de 50 mil toneladas de polpa para outros estados desde 2014. Estima-se que entre 8% e 10% dessa produção seja exportada para outros países, 30% destinados à exportação interestadual e 60% consumidos no próprio estado. 

Isso demonstra que, mesmo antes de ser comercializado em larga escala fora do Pará, a maior parte da produção de açaí ainda é consumida diariamente pelos habitantes locais.

A economia política do Açaí

A entressafra do açaí no Pará impõe desafios tanto para os produtores quanto para os consumidores, devido aos preços elevados decorrentes da escassez do fruto típico da região amazônica. Durante o inverno amazônico, nos primeiros meses do ano, a produção da fruta sofre uma significativa redução devido a condições climáticas adversas, como as chuvas intensas e a menor incidência de luz solar. 

Esses fatores comprometem a quantidade e a qualidade dos frutos, resultando em uma oferta limitada no mercado. Além das condições climáticas, outros elementos contribuem para o aumento dos preços do açaí durante esse período, tais como a oferta reduzida, a demanda constante ou crescente, os custos de produção e logística, e a especulação de mercado. 

Durante a entressafra, a oferta de açaí diminui significativamente, enquanto os custos de produção e logística podem aumentar devido à necessidade de importação de regiões onde a produção ainda é viável, acarretando custos adicionais de transporte e armazenamento. 

Os preços do açaí durante esse período podem ser influenciados por especulações de mercado, levando os produtores e distribuidores a ajustarem os preços para refletir a oferta limitada e maximizar os lucros. Os produtores artesanais relatam que o preço por litro do fruto tende a continuar em ascensão durante a entressafra. Logo, de janeiro a junho, é frequente a escassez na produção e distribuição, afetando diretamente o bolso dos consumidores. 

Segundo o Dieese-PA, a última pesquisa indicou novos aumentos nos preços do açaí, vendido em feiras, supermercados e outros pontos de venda na Grande Belém. Entre outubro e novembro do ano passado, o produto ficou 6% mais caro para os consumidores, alcançando, por exemplo, R$ 18,63 por litro de açaí médio. O Dieese/PA também observou que os preços variam consideravelmente entre diferentes locais de venda.

Os coletores de açaí nativo, que dependem da comercialização do fruto nos municípios produtores, enfrentam desafios devido à redução da oferta e ao aumento dos custos de produção, afetando aspectos de seu rendimento e sustentabilidade financeira. 

Durante esse período, os coletores recebem uma parcela do aumento de preço, enquanto a maioria do lucro é destinada aos atravessadores, responsáveis por estabelecer o preço de venda para os coletores. Para estes últimos, esse período não é vantajoso, pois, apesar do alto preço para o consumidor final, o lucro é limitado, levando a uma redução significativa na compra do açaí batido, devido aos preços praticados pelos coletores na ponta final da logística do açaí.

O Pará, responsável por 95% da produção de açaí no Brasil, abriga quase 50 empresas que comercializam o fruto para outros estados, totalizando mais de 1,2 milhão de toneladas. Esse montante injeta cerca de US$ 1,5 bilhão na economia paraense, correspondendo a apenas 3% do Produto Interno Bruto (PIB) do estado, segundo dados fornecidos pelo Sindicato das Indústrias de Frutas e Derivados (SINDFRUTAS).

O Amazonas é o segundo maior produtor do fruto, com 52 mil toneladas, seguido por Roraima, com apenas 3,5 mil toneladas, de acordo com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Quanto à comercialização do açaí, é importante salientar que o próprio fruto não é diretamente vendido. Em vez disso, a polpa é enviada para outras regiões, onde passa por diversos processos. Nos principais estados consumidores de açaí após o Pará, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, é comum encontrar o fruto servido com grãos e frutas.

Anteriormente, o açaí era adquirido em lanchonetes, mas atualmente há lojas especializadas que oferecem opções personalizadas do produto, inovando com diversas formas de consumo do fruto. No entanto, é crucial ressaltar que grande parte do lucro gerado pela exportação do açaí não permanece no Estado do Pará. Assim, surge a questão: para onde vai o dinheiro?

A nacionalização do Açaí o desequilíbrio regional

O mercado de exportação do açaí é atualmente dominado por empresários do eixo sul-sudeste do país. Os principais exportadores do fruto obtêm lucros consideráveis e alcançam cifras recordes a cada safra.

Um exemplo notável é a Polpanorte, uma empresa familiar do Grupo Zeppone, 100% nacional, com 28 anos de experiência dedicados ao processamento de frutas, produção de polpas de açaí, cremes e sorbets, além de frutas congeladas; que não apenas comercializa o açaí brasileiro em 16 países da Europa, América Latina e Estados Unidos, mas também desempenha um papel significativo no mercado interno.

Em 2022, a empresa registrou um aumento de 22% nas suas vendas diretas do produto, estabelecendo-se como líder de mercado nas regiões Sul e Centro-Oeste. Apesar de mais de 90% da produção de açaí vir do Pará, sua origem é paranaense, especificamente da cidade de Japurá, uma das principais indústrias do país especializada na produção do mix do chamado "ouro roxo".

Em Benevides, no Pará, a Polpanorte mantém uma planta industrial em uma área de 200 mil metros quadrados, onde são processadas diariamente 20 mil latas de polpa de açaí. No entanto, o processo de transformação da polpa em cremes e sorbets ocorre na matriz da empresa, localizada no Paraná.

A empresa tem como meta superar os R$ 520 milhões em vendas até 2024, expandindo o número de distribuidores em São Paulo e explorando iniciativas voltadas para o consumidor final, como a abertura de lojas próprias. Além disso, planeja impulsionar as exportações por meio de novas parcerias, para triplicar o volume de exportações até 2024.

Outra empresa importante no ramo de exportação de açaí no Pará é a Oakberry. Sua concepção surgiu com Georgios Frangulis, que decidiu investir no mercado de açaí após residir vários anos nos EUA.

O Oakberry inaugurou sua primeira unidade no shopping Cidade São Paulo, com um investimento de R$ 300 mil. Hoje, entre unidades próprias e franquias, a rede conta com aproximadamente 600 lojas em 38 países.

O sucesso do empreendimento foi impulsionado após receber um aporte de R$ 84 milhões, em dezembro de 2021. A maioria desses recursos foi destinada à aquisição de uma fábrica em Santa Izabel do Pará (PA), que tem capacidade para processar 800 toneladas por mês e atende todas as lojas da marca.

Em outubro de 2022, a Oakberry captou R$ 50 milhões por meio de um CRA (Certificado de Recebíveis do Agronegócio), valor destinado à compra de polpa de açaí de ribeirinhos e cooperativas também localizadas no Pará.

O mercado de exportação de açaí, embora seja uma fonte significativa de financiamento para o cultivo e produção no Estado do Pará, revela uma realidade desequilibrada e injusta. Enquanto o Pará é responsável por uma parcela esmagadora da produção de açaí no Brasil, os maiores beneficiários desse comércio estão localizados no eixo sul-sudeste do país.

Empresas como a Polpanorte e a Oakberry obtêm lucros exorbitantes explorando a matéria-prima paraense, mas grande parte desses lucros não é reinvestida na região produtora. Ao contrário, são destinados a outras regiões, deixando apenas uma fração mínima para o Pará, o principal produtor.

Essa disparidade é especialmente evidente durante a entressafra, quando os preços do açaí atingem níveis exorbitantes devido à escassez do fruto. Enquanto os consumidores locais sofrem com os altos custos devido à oferta limitada, as empresas exportadoras lucram ainda mais com a alta demanda e os preços inflacionados. Isso cria um ciclo de desigualdade, onde os produtores e coletores de açaí no Pará enfrentam dificuldades financeiras, enquanto os intermediários e exportadores enriquecem às custas do trabalho árduo dos produtores locais.

Portanto, é fundamental repensar e reestruturar o modelo de exportação de açaí para garantir que os benefícios econômicos gerados por essa indústria sejam distribuídos de forma mais justa e equitativa para todas as partes envolvidas. Isso poderia ser alcançado por meio de políticas estatais de regulação que promovam a valorização dos produtores locais, o incentivo ao desenvolvimento de cooperativas e o estabelecimento de preços justos ao longo de toda a cadeia produtiva. Somente assim poderemos verdadeiramente honrar a riqueza natural e cultural representada pelo açaí, garantindo que seus benefícios se estendam a todos os envolvidos em sua produção e consumo.

A dinâmica imperialista contra a soberania alimentar

A Amazônia é historicamente submetida a um processo de exploração desenfreada, resultante em consequências socioeconômicas e ambientais desastrosas para o meio ambiente e para as populações locais.

A exploração das riquezas naturais, tanto pelo mercado nacional quanto pelo internacional, tem como resultado a marginalização e empobrecimento dos pequenos produtores locais. Este cenário se traduz em uma desigualdade exacerbada, onde os lucros das exportações são desproporcionalmente apropriados por poucos enquanto a maioria da população enfrenta condições precárias de subsistência.

A comercialização do açaí, um recurso fundamental para a dieta e economia paraense, exemplifica essa dinâmica capitalista. Durante a entressafra, os preços elevados do açaí tornam-se inacessíveis para a população de baixa renda, resultando em privações alimentares significativas, onde o açaí passa a ser artigo de luxo, aumentando em até 70% seu valor.

Este fenômeno é agravado pelo avanço do agronegócio, que contribui para a destruição do ecossistema amazônico e para a perturbação dos ciclos naturais, exacerbando ainda mais a vulnerabilidade das comunidades locais. 

Além disso, a conivência das autoridades locais em acordos e parcerias com entidades e empresas envolvidas em práticas questionáveis de exploração e corrupção, como o acordo entre a prefeitura de Belém e a refinaria estadunidense North Star, que responde vários processos por crimes ambientais em vários países da Europa, apenas perpetua a injustiça e a desigualdade na região.

Estas ações comprometem não apenas a soberania alimentar e o bem-estar das populações amazônicas, mas também a preservação ambiental e a sustentabilidade de longo prazo da região.

Além da North Star, a empresa norueguesa Hydro, também avança no interior do estado e leva consigo as mazelas da sua exploração, causando destruição e devastação por onde passa, como é o caso do município de Barcarena, que ficou conhecido como a “Chernobyl da Amazônia”, devido ao alto grau de minério em seus rios, o que consequentemente contaminou grande parte da população que depende das atividades de pesca para a sobrevivência, além do consumo diário nas residências.

Em contraste a estes desafios, é urgente que busquemos alternativas que priorizem o bem-estar das comunidades locais e a preservação dos ecossistemas amazônicos, estas alternativas devem ser alcançadas através do combate direto aos causadores das mazelas da região.

Precisamos dialogar e construir uma abordagem socialista, que reconheça e combata as estruturas de poder desiguais e promova a participação popular e o controle comunitário sobre os recursos naturais, o que pode ser uma solução viável. Tal abordagem não apenas buscaria garantir a soberania alimentar e econômica das populações locais, mas também defenderia a integridade ambiental da Amazônia e a justiça social para as gerações presentes e futuras.


Referências

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  4. https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/doc/1143144/1/LV-Sinergias-446-465.pdf
  5. https://dol.com.br/noticias/para/848199/preco-do-acai-chega-a-impressionantes-mil-reais-em-belem?d=1
  6. https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/152645/1/CPAF-AP-2016-Acai-producao-de-frutos.pdf
  7. https://www.scielo.br/j/rceres/a/5Nk5bYG7bxrHwWQcYDzDDFp/?format=pdf&lang=pt
  8. https://istoedinheiro.com.br/franquia-de-acai-quadruplica-faturamento/
  9. https://exame.com/negocios/do-interior-do-parana-ate-o-para-como-esta-empresa-se-tornou-lider-do-mercado-de-acai/
  10. https://neofeed.com.br/negocios/oakberry-amplia-menu-e-leva-o-seu-acai-aos-supermercados/?utm_source=the_bizness&utm_medium=newsletter&utm_campaign=19-03-2024
  11. https://neofeed.com.br/blog/home/oakberry-levanta-cra-verde-de-r-50-milhoes-ancorado-pela-jgp/?utm_source=the_bizness&utm_medium=newsletter&utm_campaign=19-03-2024
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  16. https://emdefesadocomunismo.com.br/qual-o-papel-dos-comunistas-na-luta-pela-terra-e-por-territorio-e-por-que-nos-recusamos-a-assumi-lo/