'PT, neoliberalismo e o Novo Ensino Médio' (Camarada Lipe e Júlia Reginato)

Antes do racha, havia um processo de organização na UJC para a luta da revogação do NEM, acreditamos que seria questão de ordem no congresso trazer essa questão como uma tarefa também do partido, mas pensando principalmente, como espaço de agitação.

'PT, neoliberalismo e o Novo Ensino Médio' (Camarada Lipe e Júlia Reginato)
Crédito da arte: Allan Kunha

Por Camarada Lipe e Júlia Reginato para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, a partir de uma reflexão conjunta devido ao diálogo de nossas tribunas relacionadas à educação, decidimos ir mais a fundo em como o capitalismo passa a se relacionar com a educação e como o NEM é um sintoma da reprodução do capitalismo, como isso passa pelo sucateamento da educação pública no Brasil aliada a um projeto neoliberal e como o PT não é nosso aliado nessa luta, colocando a forma pela qual devemos organizar nossa posição e reivindicação da revogação da reforma.

Para começar, retomamos uma citação de Emir Sader no Prefácio de A Educação Para Além do Capital[1]. “Digam-me onde está o trabalho em um tipo de sociedade e eu te direi onde está a educação”[2]. Esse princípio retoma algo que nós enquanto partido e movimento revolucionário perdemos de vista, isto é, da vinculação entre o trabalho e educação e a construção de uma escola unitária, como Gramsci teorizou exaustivamente, que vise mais do que o aluno ir para escola para ver aula, onde o aluno passa 9 meses dentro e 3 meses fora, de uma escola que se torne um espaço em constante atividade, visando a construção de um sujeito que se veja capaz de emancipar-se na educação de forma que ele seja capaz de agir no mundo pleno de si, visando sua transformação. Tendo em horizonte também que a escola também cumpra uma função da própria socialização do cuidado.

Com isto posto, por mais que amemos a palavra de ordem “Educação não é mercadoria”, é necessário notar que no capitalismo, a educação é sim mercadoria, e está condicionada por isso, ela cumpre papel central no capitalismo ao possuir a necessidade produzir por meio de sua educação formal, a própria reprodução do capitalismo, só mediante a aceitação dessa afirmação, somos capazes de começar a pensar uma estratégia que contemple nossas tarefas na educação.

Dito isso, explanamos agora o problema de que a educação formal burguesa não tem por objetivo contemplar uma formação básica de qualidade para toda a classe trabalhadora. Não é de interesse da burguesia que a educação seja de fato direito público para todes, principalmente  pelos grandes grupos empresariais educacionais aliados ao Governo Federal. O sucateamento das escolas públicas é um projeto de desmonte do ensino, da profissão do professor  e que visa a reorganização do ensino a fim de que se forme uma mão de obra desde a escola  para favorecer estas mesmas empresas.

Não à toa, a criação e expansão dos oligopólios privados na educação e a ampliação do PROUNI, ocorrem nos governos petistas, que posteriormente são as mesmas empresas que se alinham à MP do Temer pós-golpe de Dilma, sancionando o NEM e a Base Nacional Curricular Comum. O NEM, em resumo, consiste em tornar 60% da carga horária a ser composta de conteúdo mínimo obrigatório e os 40% restantes serem compostos para itinerários formativos.

Isso significa que a carga horária de disciplinas como filosofia, sociologia, artes e educação física sofreram intensamente com a redução de carga horária obrigatória, pois essa MP em seu 3º artigo no 10º Inciso coloca:

§ 3º O ensino da língua portuguesa e da matemática será obrigatório nos três anos do ensino médio, assegurada às comunidades indígenas, também, a utilização das respectivas línguas maternas.

Ou seja, se padronizou como obrigatório somente português e matemáticas como obrigatórias nesse projeto do NEM. No resto dessa carga horária indicada aos itinerários foram incluídas matérias completamente vagas como “projeto de vida”, “o que rola por aí”, entre outros, que não tem por intenção uma formação direcionada para que o aluno se desenvolva enquanto sujeito para emancipado, pleno de si em direção à transformação do mundo, mas uma formação de “habilidades e competências” baseada na resolução de problemas (ao estilo ENEM) e que tem por intenção fazer com que o aluno entre para o mercado de trabalho sem intenção de buscar curso superior ou especialização do tipo.

O que agrava ainda mais a reforma à época do teto de gastos do Temer e atualmente com o arcabouço fiscal do Haddad é que as escolas brasileiras em geral, já apresentam uma desigualdade abissal em: formação de quadro profissional, infraestrutura dos prédios, material escolar básico e frequência dos alunos. A maioria das escolas públicas do país quase não tem giz, que dirá capacidade de oferecer mais do que um ou dois itinerários, o que expande o sucateamento do ensino público e faz deslanchar as escolas particulares de Ensino Fundamental e Médio, que vão portar um discurso privatista dizendo que as públicas não prestam e que são instituições de ensino mais “preparadas” para oferecer um futuro profissional e educacional às crianças de nossa classe, enquanto as escolas públicas sequer recebem verba.

Como medida de avaliação de dados do quanto os grupos de educação básica arrecadam, a Positivo Educacional cresceu o faturamento em 30% no ano passado, um aumento de R$850 milhões, e o Grupo Objetivo arrecada por volta de R$2,5 bilhões por ano. Já no ensino superior, o grupo Kroton, responsável por diversas faculdades privadas, fechou o primeiro trimestre do ano de 2023 com o faturamento de R$11,7 milhões[3]. Sem falar que principalmente na educação básica, circula uma intensa compra e venda de livros didáticos, que são baseados na Base Nacional Curricular Comum (BNCC), que também merece destaque nesta tribuna.

A Base Nacional Curricular Comum, como o próprio nome expressa, visa a seleção e a construção de um currículo comum para o ensino do país inteiro, que possui dimensões continentais e com desigualdades regionais e nas suas escolas já anteriormente citadas aqui, e como bem sabemos, seleção de conhecimento é seleção de cultura[4], e essa seleção passa pelos aparatos de dominação da classe burguesa, constituídos nosso tempo histórico a partir de um estado burguês, logo, esse estado também mantém direcionamento à manutenção do capitalismo e sua reprodução. Com isso posto, a BNCC passa a se dividir em 4 áreas de conhecimento:

A Base Nacional Comum Curricular definirá direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio, conforme diretrizes do Conselho Nacional de Educação, nas seguintes áreas do conhecimento:

I - linguagens e suas tecnologias;

II - matemática e suas tecnologias;

III - ciências da natureza e suas tecnologias;

IV - ciências humanas e sociais aplicadas.[5]

ovamente, como dito acima, a BNCC conduz sua construção através da idéia de uma formação voltada à resolução de problemas, direcionando todo o conteúdo do Ensino Médio a realização do vestibular do ENEM ou a uma formação técnica precarizada, que sequer oferece uma profissionalização decente, mas agora ainda mais agravado pelas desigualdade regionais de nossas escolas públicas, e sua desigualdade com as escolas particulares

Mesmo com inúmeras críticas e protestos, o NEM foi finalmente implementado no governo Jair Bolsonaro. Agora no governo Lula, mesmo que tenha sido reivindicado pela campanha do PT, o governo não comprou a briga e a luta pela revogação, ao invés disso o presidente atual abriu espaço para a MegaEdu, ONG financiada pelo empresário Jorge Paulo Lemann, fundador da Ambev e um dos homens mais ricos do Brasil, a fechar acordo com o Ministério da Educação para definir parte dos cerca de R$ 6,6 bilhões destinados à conectividade dos estudantes à internet. A Fundação Lemann foi uma das corresponsáveis e incentivadoras pela reforma do ensino médio. Lula já declarou que não pretende revogar o NEM, e sim, “aperfeiçoá-lo”, um claro sinal de que da mesma forma dos governos anteriores, tem interesse apenas em servir aos mais ricos.

Nisso, o governo mandou uma contraproposta ao congresso que modifica do texto da reforma em especial um ponto, às horas direcionadas a Formação Geral Básica (FGB)  às ampliando para 2.400 horas ao longo do ensino médio[6]. Ou seja, em toda a reforma do ensino médio, o texto só foi modificado. O que só reforça o caráter do governo neoliberal do PT que não vai buscar a revogação de um projeto assinado por Temer e posto em prática por Bolsonaro.

Ainda reforçamos que os investimentos do governo para grupos de instituições de ensino privadas em detrimento do ensino público, faz com que as escolas tenham pouca qualidade de ensino, infraestrutura precária e uma formação que só reforça o processo de alienação sobre o mundo.

Pois então, e o PT?

A paráfrase, por mais que geralmente seja usada de forma irônica, é necessária para que enxerguemos com clareza o momento que passamos, a reforma do Ensino Médio precariza o ensino público, amplia suas desigualdades com o ensino privado enquanto fortalece o mesmo, precariza a profissão do professor ao abrir margem para profissionais de “notório saber” sem formação de licenciatura, cria um currículo que precariza a formação básica. Ainda assim, o PT não se move para a revogação, por quê?

Camaradas, por mais que para alguns colocar isso seja chover no molhado, Lenin já deu a letra em “O estado e a Revolução”[7] Quando nos lembra que o estado é um aparato de dominação de classe, o PT, enquanto partido burguês, vai reproduzir o domínio da burguesia brasileira contra a classe trabalhadora, e no momento atual, de um afloramento neofascista bolsonarista, isso fica ainda mais claro. O PT que dá continuidade a essa reforma, a da reforma trabalhista, da reforma da previdência e do arcabouço fiscal não é nosso aliado, nem da classe trabalhadora, de forma alguma. As medidas em especial no campo da educação são bem comuns de um governo neoliberal e de direita, “curiosamente”, o ministro da educação é do PT e na recente votação da urgência da PL, a base do governo e deputados do PT foram favoráveis a urgência do projeto escrito pelo Mendonça Filho (União - PE), que foi o ministro da educação do Temer que deu início a reforma[8].

Dessa forma camaradas, como organizar nossa oposição frente a uma situação tão adversa no congresso extraordinário? Antes do racha, havia um processo de organização na UJC para a luta da revogação do NEM, acreditamos que seria questão de ordem no congresso trazer essa questão como uma tarefa também do partido, mas pensando principalmente, como espaço de agitação, algo que L. Queen, expõe muito bem em sua tribuna do Anti-MUP 2, além disso, pensamos que o congresso deve debater se devemos ter ou não um projeto para o Ensino Médio hoje em dia, e se sim, delimitar bem o que é esse projeto. Retomando a tribuna de Queen, “a luta por uma Universidade Popular é uma luta que só será realizada plenamente após o socialismo.” Logo, trazendo a questão para o Ensino Médio, reorganizar a luta pela revogação do NEM, é reorganizar nossa agitação pela revolução socialista através dessa pauta. Reforçando nossa linha e se diferenciando do campo democrático-popular.

Por isso, reforçamos, o PT não é nosso aliado nessa luta. É questão de ordem que em nosso congresso organizemos a agitação pela revogação do NEM com nossas palavras de ordem, e que através dessa agitação, sejamos capazes de junto das massas, desempenhar nosso papel enquanto vanguarda capaz de demonstrar as limitações do campo democrático-popular e os seus governos progressistas para “remediar” as contradições de nosso capitalismo dependente. Apontando como única solução possível a essa doença, uma revolução socialista, nacional e popular[9].


[1] MÉSZÁROS, István. Educação Para Além do Capital. 2. ed. Tradução Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2005. 128 p.

[2] Ibidem. p.17

[3] Aos 50 anos, Grupo Positivo comemora recuperação pós-pandemia. Acesso em 21/11/2023

Di Genio, o último rei do ensino | Exame. acesso em 21/03/2023

Cogna (COGN3) tem salto de 113% do lucro ajustado no 1º tri; "Kroton quase gabaritou no balanço", diz CEO - InfoMoney. Acesso em 21/11/2023

[4] RIBEIRO, Márden de Pádua. Currículo e conhecimento sob diferentes perspectivas teóricas. Currículo sem Fronteiras, v. 17, n. 3, p. 574-599, set/dez. 2017. https://www.curriculosemfronteiras.org/vol17iss3articles/ribeiro.pdf. Acesso em 14/11/2023

[5] BRASIL, LEI Nº 13.415 DE 16 DE FEVEREIRO DE 2017.Alteração da Lei de bases da educação nacional. Diário Oficial da União. Brasília, DF. 16 de fevereiro de 2017; 196º da Independência e 129º da República. Disponível em: L13415. Acesso em 14 dez. 2023

[6] COLETIVO EM DEFESA DO ENSINO MÉDIO DE QUALIDADE. PL do Novo Ensino Médio: Repetiremos no futuro os erros do passado? Carta capital. Dez. 2023. Disponível em: PL do Novo Ensino Médio: Repetiremos no futuro os erros do passado? – Artigo – CartaCapital. Acesso em 14 dez. 2023

[7] LENIN, Vladimir Ilitch.O Estado e a revolução:a doutrina do marxismo sobre o Estado e as tarefas do proletariado na revolução. São Paulo: Boitempo, 2017b

[8] LEÓN, Lucas Pordeus.Câmara aprova urgência para votar projeto do Novo Ensino Médio. Agência Brasil. Brasília, Dez. 2023. Educação. Disponível Em: Câmara aprova urgência para votar projeto do Novo Ensino Médio. Acesso Em 18 dez. 2023

[9] Fixamos aqui o Link de nossas tribunas anteriores. Tribuna de Lip e Tribuna de Júlia Reginato