Prefeitura de Carapicuíba (SP) asfalta terreno com achados históricos afro-brasileiros e causa riscos ambientais
O seguimento das obras ocorreu apesar das diversas notificações que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) encaminhou para a prefeitura, avisando que na região haviam sido encontrados achados históricos da cultura afro-brasileira.
Por Redação
A Prefeitura de Carapicuíba (SP), gerida pelo prefeito Marcos Neves (PSDB), asfaltou terreno do antigo terreiro Ilê Asé Odé Ibualamo, terreiro de candomblé histórico na cidade, recém despejado e demolido pela mesma gestão. O seguimento das obras ocorreu apesar das diversas notificações que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) encaminhou para a prefeitura, avisando que na região haviam sido encontrados achados históricos da cultura afro-brasileira.
O terreiro da Iyalorixá Mãe Zana sofreu processo de remoção e demolição há 01 ano e 06 meses, em ação violenta da prefeitura para a canalização do Córrego do Cadaval. A partir do despejo, foi formada a Frente Ilê Odé Ibualamo, coletivo organizado que busca a reparação à comunidade do terreiro e a construção de uma legislação que reconheça efetivamente os direitos dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (POTMA), evitando novas violências. Mais sobre o processo pode ser lido na matéria “Um ano da demolição do terreiro Ilê Asé Odé Ibualamo” no site Em Defesa do Comunismo.
Devido a importância histórica do terreiro para a preservação da memória ancestral dos POTMA, além da memória e verdade sobre a escravidão e o tráfico transatlântico, o IPHAN acompanhou o processo e as lutas que se seguiram. Ao todo, o instituto entrou com três pedidos na tentativa de salvaguardar o espaço, a cultura e a comunidade do Ilê, entretanto, todos foram ignorados. O primeiro, em 12 de dezembro de 2022, solicitava o tombamento material do edifício que abrigava o Ilê, que foi respondido com a sua demolição apenas 03 dias depois do pedido. O segundo, em 2023, solicitava acesso seguro da comunidade ao território, com objetivo de recuperar documentos históricos soterrados na demolição, o que foi ignorado. O terceiro, em 08 de março de 2024, pedia a fiscalização e paralisação imediata dos trabalhos no local devido ao afloramento de achados arqueológicos ligados ao Ilê no trecho da obra, o que também foi ignorado.
Além do apagamento da memória afro-brasileira, especialistas também apontam os riscos dos impactos ambientais da canalização do córrego, questionando os métodos utilizados nesse processo, já que a pavimentação da avenida impermeabiliza ainda mais o solo e tende a sobrecarregar os sistemas de drenagem ao invés de reduzir as enchentes na região. Apesar da prefeitura ter alegado ao G1 que possui licenciamento dos órgãos ambientais competentes, a informação não procede, visto que nenhum dos licenciamentos contou com a anuência do IPHAN, conforme determina a Instrução Normativa IPHAN 001/2015. Assim, as irregularidades no processo de licenciamento ambiental apontam prejuízos para a comunidade local tanto na perda cultural quanto na efetividade da mitigação de riscos de enchentes.
Apesar das diversas tentativas de tratativa com as autoridades competentes e junto ao governo municipal, no dia 18 de junho de 2024, a prefeitura asfaltou o local onde ficava o Ilê, prejudicando de maneira crucial a recuperação dos achados históricos. De acordo com o IPHAN, a ação significa a ‘mutilação e destruição’ do patrimônio por parte da prefeitura. A partir disso, a prefeitura cercou parte do terreno, raspou o asfalto previamente colocado, e colocou uma placa escrita “Área interditada / Não escavar”, mas continuou as obras no terreno mesmo assim. De acordo com Mãe Zana, essa ação seria apenas simbólica da prefeitura na “tentativa de minimizar o crime já cometido”.
De acordo com João Pedro, membro da comunidade do Ilê, esta ingerência da prefeitura gera revolta na comunidade: “Ver tudo isso me revolta porque é clara a situação de perseguição política, a falta de responsabilidade da prefeitura. É um ato embutido em racismo e violência, não tem outras palavras”. Para Mãe Zana, a luta que decorreu da demolição de seu terreiro vai muito além do Ilê: “A história de Carapicuíba, marcada pela expulsão dos indígenas de suas terras, reflete um padrão de negação e marginalização que também afeta os Povos Tradicionais de Matriz Africana. Esse contexto histórico destaca a necessidade de uma mudança significativa no reconhecimento e na valorização das culturas e dos direitos dos povos tradicionais. A defesa desse espaço sagrado representa uma forma de resistência contra a opressão histórica e a discriminação que os povos de matriz africana enfrentaram e ainda enfrentam”. Assim, a Iyalorixá coloca que a luta continuará, e traz esperança para a Frente Ilê Odé Ibualamo e toda a comunidade “Espero que haja um fortalecimento contínuo de nossas tradições e cultura. Com reconhecimento e respeito por parte das autoridades locais e da sociedade em geral. Isso inclui políticas públicas que promovam a preservação de nossos espaços sagrados, educação sobre as contribuições culturais e históricas que a população negra fez e faz e proteção contra discriminação e o Racismo sistêmico que sofremos.”