Um ano da demolição do terreiro Ilê Asé Odé Ibualamo

O terreiro Ilê Asé Odé Ibualamo, Unidade Territorial Tradicional do povo Yorubá, localizado em Carapicuíba na Grande São Paulo, completa um ano de sua demolição.

Um ano da demolição do terreiro Ilê Asé Odé Ibualamo
Obras de canalização do Córrego do Cadaval que demoliram o terreiro e ainda estão em curso. Ao fundo o Plaza Shopping Carapicuíba. Outubro de 2023. Créditos: João Pedro Manccini.

Por Frente Ilê Odé Ibualamo

A Unidade Territorial Tradicional (UTT) Ilê Asé Odé Ibualamo, localizada na cidade de Carapicuíba (SP), foi demolida pela prefeitura há exatamente um ano. A violação do território, motivada pela construção de uma avenida em cima de um córrego, foi ponto de partida para a formação da Frente Ilê Odé Ibualamo, que mobiliza diversos setores da sociedade na luta pela defesa dos povos de terreiro.

O terreiro Ilê Asé Odé Ibualamo, UTT do povo Yorubá, foi fundado pela Mãe Caçaile, conhecida como Mãe Nega, em meados da década de 1980. Mãe Nega, nascida em um quilombo na Bahia, após migrar para São Paulo, escolheu o local para o terreiro devido à proximidade com o Córrego do Cadaval e à alta densidade de vegetação no bairro. Em 1997, Mãe Nega faz a sua travessia, ocupando seu lugar junto aos ancestrais e deixando a tarefa de continuar a manutenção do Ilê para sua primogênita, Mãe Zana.

No entanto, em meados da década de 1990, se inicia a canalização do Córrego do Cadaval para a criação da Avenida Marginal do Cadaval. A obra começou em uma região distante do terreiro e teve algumas interrupções de anos, mas foi retomada em 2007 financiada pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em 2022, finalmente as obras alcançam as proximidades da UTT. E sem qualquer diálogo, em 7 de Dezembro de 2022, a Mãe Zana, que morava no local, é informada que teria que desocupá-lo imediatamente. Em 15 de Dezembro de 2022, um despejo seguido de demolição é realizado.

A justificativa que a Prefeitura deu pela pressa para realizar a violação é que a estrutura do terreiro apresentava riscos de desabamento. No entanto, de acordo com Mãe Zana, foi a própria prefeitura que danificou a estrutura devido ao posicionamento de retroescavadeiras impropriamente próximas do Ilê Asé Odé Ibualamo. Além de conceder um prazo nulo para a desocupação, a Prefeitura tentou oferecer indenização por carta de crédito ou aluguel social, mas de acordo com Mãe Zana a perda é muito além do valor material, que nunca será suficiente para reparar as perdas decorrentes da destruição da história de um povo, além das perdas espirituais, pois a demolição não permitiu que diversos objetivos sagrados embaixo do solo fossem desenterrados.

Em resposta à demolição, foi formada a Frente Ilê Odé, originada na luta contra a destruição do terreiro. Assim, devido à mobilização, o movimento conquistou que o Ministério Público Federal convocasse uma audiência pública no dia 27 de abril de 2023, que ocorreu na cidade de Carapicuíba. A audiência contou com a presença de diversas lideranças de terreiros de todo o país, bem como representantes dos ministérios dos Direitos Humanos e Cidadania, da Igualdade Racial e do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, e representantes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Também estiveram presentes representantes da Prefeitura, mas que se retiraram do local após fazerem duas das três falas que lhes foram concedidas.

Mesmo após a demolição, a Frente estava tentando o tombamento do Ilê Asé Odé Ibualamo como patrimônio imaterial junto ao Iphan, que já havia requerido via ofício à Prefeitura a paralisação da obra para fazer o estudo da área e a retirada dos acervos e assentamentos que ainda resistiram abaixo dos escombros. Entretanto, no dia seguinte à audiência, a Prefeitura decidiu retomar as obras, destruindo todo o acervo e assentamentos que restavam.

Apesar dos ataques, a Frente Ilê Odé Ibualamo, liderada pela Mãe Zana, continuou em diálogo com o governo federal, com o intuito de viabilizar projetos que auxiliem os povos de terreiro e formular uma legislação que obrigue o Estado a proteger as UTTs ao invés de violá-las. Hoje, no dia que completa um ano da destruição do terreiro, a Frente coloca ênfase na divulgação do ocorrido. Assim, o terreiro continua vivo através daquelas e daqueles que mantêm sua memória e lutam pela sua reparação, que trabalham diariamente para garantir que a história do terreiro não seja esquecida e que a perda se torne motivação para uma conquista muito maior de proteção a todas as UTTs.