'Juventude e camaradagem nos debates do CRP PCB-RR/RJ: reflexos da realidade da militância no Rio de Janeiro' (Marte)

Qualquer um pode ser um camarada, mas nem todo mundo, pois não é todo mundo que vai ter a firmeza ideológica para se disciplinar no caminho da luta pela igualdade e solidariedade universais, por uma sociedade sem classes e sem exploração do trabalho.

'Juventude e camaradagem nos debates do CRP PCB-RR/RJ: reflexos da realidade da militância no Rio de Janeiro' (Marte)

Por Marte para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Recentemente, foi enviado para toda a militância do estado o segundo volume do boletim interno do PCB-RR/RJ, contando, sintomaticamente, apenas com contribuições de dirigentes. Entre essas contribuições, estão os textos dos camaradas B., C. e D., todos da CRP do partido no Rio (aqui temos CRP do partido e CRP da juventude). As contribuições dos camaradas nos apresentam, cada uma do seu jeito, dois temas que foram ponto de polêmica entre os membros da referida instância.

Primeiro tema: relação juventude-partido

De um lado, o camarada D. coloca que a cisão no estado tem uma contradição em sua gênese, que é a separação entre partido e juventude desde o processo de organização do racha no Rio (divisão da articulação do RR-RJ entre dois grupos diferentes, um no WhatsApp, para partido e coletivos, e outro no Telegram, apenas para a juventude), que nos levou a problemas de sobrecarga, re-trabalho, dupla e tripla militância, falhas de comunicação entre as direções e entre direção e base, entre outros. Por outro lado, o camarada B. argumenta que, alguns militantes, no ímpeto de “mudar tudo” de uma vez, acabam não mudando nada, no sentido de pedir calma diante das questões apontadas pelo camarada D., dado que a CRP do partido deliberou no ano passado que a juventude se reestruturaria no Rio de Janeiro a partir de organismos de direção e de base separados dos organismos do partido, restando ao Congresso uma deliberação a nível nacional sobre a relação partido-juventude. O camarada também argumenta em seu texto que uma fusão entre partido e juventude não é a solução para um problema de dificuldade de integração dos trabalhos entre os dois, aponta para as diferenças entre partido e juventude que implicariam na necessidade de cada um ter a sua estrutura própria e cita a tendência histórica da separação entre partidos e juventudes no movimento comunista internacional. C. se posiciona também contra D., mas argumentando que o camarada tem a intenção de dissolver a UJC por meio de manobras golpistas e desrespeito ao centralismo democrático e que o camarada seria o operador de uma “reforma liberal do PCB”, em oposição à reconstrução revolucionária.

Todos trazem suas posições e devidas argumentações, mas o debate entre os camaradas do partido parte de um equívoco formulativo e contém uma importante omissão. Começarei pela segunda: não sei se os camaradas têm tido tempo para acompanhar os debates da própria juventude sobre si ou para estudar o tema das JCs no Brasil e no MCI, mas eu, a partir da leitura dos textos históricos e das tribunas referenciadas ao final desta, concluí que as questões centrais dos debates sobre a UJC são: o que é a juventude comunista, quais são suas tarefas e como ela se diferencia do partido?

Os camaradas têm opiniões sobre o que fazer com a juventude, mas falham em não definir de antemão o que é a UJC e para que ela serve, provavelmente porque nunca se debateu isso após o racha no Rio, acredito que nem dentro da CRP do partido, pelo menos não nesses termos. No velho PCB, esse debate se resumia a “UJC frente de massas/coletivo de juventude X UJC escola de quadros”. Na conjuntura interna do PCB, antes da cisão, sempre defendi a construção da UJC como a escola de formação de quadros do PCB, não só pelo simples fato de que era literalmente isso que constava nas teses congressuais do partido, mas também por entender que essa era a melhor linha para evitar o isolamento da UJC em relação aos assuntos do partido, pressionando o mesmo para incorporar os quadros que a juventude formava, pois se éramos a escola de quadros do partido e pretendíamos avançar no processo de reconstrução, com a renovação dos quadros, e não só a correção da linha política no papel, uma hora esses quadros teriam que subir, pois a maior parte dos “quadros” do partido não eram “formados” em uma linha revolucionária de fato (não que todos da UJC fossem). Orientada por essa concepção, a UJC se construiu no estado de São Paulo como um partido dentro de outro partido, pois já tínhamos um ciclo de formações teóricas mais dinâmico que o do PCB, e de melhor conteúdo. Buscava-se formar os militantes com uma compreensão crítica sobre a linha do próprio PCB, pois a base de SP via com seus próprios olhos a inércia do partido, em contraste com a vida cada vez mais dinâmica da juventude, tanto em termos de trabalhos políticos tocados pela juventude, como de avanço nas questões de vida interna e organização. Nada disso significa que a UJC-SP fosse perfeita, muito pelo contrário, até hoje os camaradas do meu estado natal lidam com seus desvios e as consequências negativas dos caminhos escolhidos. O que quero apontar é que a juventude se construía com um horizonte à vista, com uma visão mais ou menos consciente de si, se nem sempre sabendo muito bem o que fazer, aprendendo todos os dias o que não fazer, ousando para avançar e cometer erros novos. Escrevo sobre São Paulo, porque foi no contexto dessa movimentação de estruturar a juventude para dar conta das deficiências do partido, que fomos nos dando conta de que não sabíamos o que é a UJC e qual é o seu papel, afinal, para além de fazer o trabalho que o partido não fazia.

Hoje, estando em um momento de reestruturação de nosso partido, temos a oportunidade de fazer esse debate com qualidade, na esteira das transformações que vêm ocorrendo desde a cisão com o PCB. Então, temos que nos perguntar honestamente como a UJC se diferencia do PCB-RR em termos práticos. Como o trabalho do partido se distingue do trabalho da juventude? Hoje, no Rio, temos casos de núcleos e células que tocam praticamente o mesmo trabalho e têm, inclusive, composições muito parecidas entre si. Um exemplo disso são os organismos de base da Baixada Fluminense, citados nos textos dos referidos camaradas do Rio, onde a célula e o núcleo se diferenciam por 2 militantes, pois todos os outros militantes da célula Baixada também são militantes do núcleo Baixada e tocam as mesmas tarefas! Qual a diferença concreta entre esses dois organismos? Por que eles existem separados um do outro, se até os militantes são quase os mesmos e os trabalhos são exatamente os mesmos? Meu palpite: porque nós não sabemos pra que serve uma juventude comunista no Brasil, no século XXI. Entendo que um fator que contribui para isso é não termos estudos sistematizados e socializados sobre a história das JCs no século passado, assim como nos falta material sobre os trabalhos das juventudes dos PCs de linha revolucionária em nosso tempo. Termos parte desse material disponível na internet não é o suficiente. Nós precisamos estudar esses materiais enquanto partido, buscar novos materiais e produzir sínteses desses acúmulos, para então debatermos novamente sobre o tema e produzir novas sínteses, mais próximas da nossa realidade concreta. Para uma breve introdução ao tema, recomendo o texto “ A Internacional da Juventude Comunista - IV Congresso da IC”, referenciado abaixo. Esse texto é interessante, pois apresenta uma análise de conjuntura sobre a juventude naquele momento histórico, elenca as tarefas das JCs diante da conjuntura e indica como deve ser a relação das JCs com os PCs. Pego esse gancho para seguir para a questão do equívoco formulativo no debate entre os camaradas do CRP PCB-RR/RJ

Colocada aqui a polêmica que é realmente relevante para o nosso congresso, no tocante à juventude, ao menos em minha opinião, explico onde identifico um equívoco no debate dos camaradas. Quando a UJC ligada ao RR no Rio começa a realizar críticas à CRP do partido e indicar a necessidade de se debater uma possível fusão entre os organismos de direção do estado, isso não vem junto de qualquer proposta de fusão da juventude com o partido, mas sim do entendimento de que o centralismo democrático só funciona quando temos um órgão centralizador, senão não é centralismo, mas no máximo um “dualismo meio democrático”, pois a duplicidade de organismos dirigentes leva ao re-trabalho, à sobrecarga e à confusão político-ideológica, principalmente numa conjuntura de estado de exceção, como é a nossa no pós-racha. É totalmente possível que a juventude siga existindo sem que exista um organismo dirigente próprio da juventude, aliás, esse é o conceito de uma juventude centralizada por um partido, uma juventude que segue as diretrizes do partido e está incluída em seu planejamento, suas formulações, sua estratégia e suas táticas. Algo que fica evidente quando olhamos para os últimos anos, é que, se por um lado a ideia de autonomia relativa entre juventude e partido pode ser desejável, pois a juventude atua em um ritmo diferente do ritmo do partido, essa autonomia relativa também pode servir como palavra vazia, como uma forma do partido de negligenciar a juventude e deixá-la à própria sorte, atuando como poder centralizador de forma seletiva e contraditória. Junto a isso, vinha também o fato de que o PCB não produzia grandes acúmulos e debates sobre a juventude, suas tarefas e sua relação com o partido para além dos períodos congressuais. Era isso que se via entre UJC e PCB antes da cisão e é disso que precisamos nos livrar hoje.

Aqui no Rio, o que ocorre é que ambas as direções vêm sofrendo com quebras e sobrecarga, não vêm dando conta de tocar as assistências com qualidade, manter as comissões permanentemente operantes, nem de garantir a assiduidade de seus respectivos plenos (quórum das reuniões de CRP), pois, ao menos na juventude há, sem dúvida, grandes incompreensões acerca do papel das direções e, principalmente, do que é o secretariado. Os militantes levam suas vidas esperando que as tarefas se realizem por conta própria, pois existe uma direção toda-poderosa chamada secretariado, que com certeza dará conta de tudo. Falarei melhor sobre isso mais adiante. Agora, o central é expor os problemas da duplicidade de direções. Uma questão fundamental nesse âmbito é a construção de nossa etapa regional para o XVII Congresso, que começou com partido e juventude tocando as etapas de base separadamente, sem assistência do partido nas etapas da juventude, enquanto a direção do partido já começava a discutir questões da etapa regional e emitir portarias sem qualquer diálogo com a juventude. As nossas nominatas vêm sendo elaboradas separadamente, tanto para a nova CR do estado, como para a delegação da etapa nacional. Mesmo após o cansativo período de atritos mais intensos entre os organismos, quando foram feitas reuniões entre eles, inclusive para iniciar uma construção unificada da etapa regional, a Comissão Executiva, composta por ambos os plenos, não se dedicou à elaboração conjunta das nominatas. Isso se dá por um problema na raiz da cisão no estado, citado pelos camaradas D. e B., que é a separação entre juventude e partido desde a articulação inicial do RR no Rio.

A juventude foi separada dos militantes do partido e seus coletivos em um grupo próprio no telegram, enquanto partido e coletivos estavam juntos em um grupo no whatsapp. Isso levou à realização de duas plenárias de reorganização no estado, primeiro a do partido, que elegeu seu CRP, que deliberou por conta própria que partido e juventude operariam no estado com direções e bases separadas. Aqui já vemos a reprodução de uma prática do velho PCB, deliberar coisas referentes à juventude sem incluí-la no processo, ainda mais nesse caso, em que o que foi deliberado foi “só” a forma organizativa da juventude no Rio de Janeiro. A partir daí, toda tentativa de sequer debater a questão era respondida com “esse é um debate congressual que não pode ser atropelado”, quando, na verdade, era uma decisão unilateral do partido de se separar da juventude nos organismos de base e direção, por motivos desconhecidos, pois a ata da reunião do CRP do partido onde isso foi discutido não é nada esclarecedora (aqui temos outro problema, nem as atas da juventude e do partido conseguem seguir um modelo único. Se os núcleos da juventude já não conseguem fazer isso, que dirá duas instâncias que mal se conversam.). O CRP estava preocupado em não atropelar o congresso, mas ele mesmo atropelou a juventude.

A minha compreensão, é que a decisão do CRP do partido orientou sua forma de lidar com as críticas da juventude posteriormente, bloqueando a compreensão de alguns de seus membros sobre o elemento lógico e organizativo que a CRP da UJC-RJ trazia: temos duas direções se vendo como insuficientes em seus trabalhos, tocando assistências para organismos que mal se diferenciam entre si, coordenando comissões duplicadas, dirigindo dois secretariados…enfim, o apontamento central da juventude é esse, que unificando os organismos de base e direção, muito do trabalho que nos sobrecarrega se reduziria, pois diminuem pela metade as comissões, reduzem-se as assistências dos organismos de bairro da capital (ZO, ZS e ZN), é reduzido pela metade o número de militantes em tarefa de secretariado e aumenta o número de camaradas na direção disponíveis para, pasmem: dirigir! Hoje, a direção não dirige. Não temos condições de formular, de nos especializarmos em nossas secretarias, comissões, tarefas específicas, etc. Unificando os organismos de direção, o tamanho da direção dobra e o número de tarefas se reduz consideravelmente, aumentando as chances de se construir um trabalho de direção de maior qualidade.

Além disso, teremos um pleno mais diversificado, que terá condições de fazer análises e formulações mais completas sobre a realidade, pois não há sentido em apartar a realidade da juventude do resto da realidade da classe. Esse é o argumento central da minha outra tribuna sobre a juventude, se tanto criticamos o caráter pequeno-burguês do Movimento Estudantil universitário, por que seguimos mantendo-o isolado do resto do partido, em núcleos exclusivamente estudantis nas universidades, principalmente públicas, onde há uma presença muito maior da pequena burguesia do que do proletariado no corpo discente? A juventude pode se organizar nos mesmos espaços que o partido e seguir existindo enquanto juventude, dirigida por um organismo de direção unificado e assistida pela secretaria de juventude desse organismo. Na base, a fusão de certos núcleos e células pode dar início a construção de um novo tipo de trabalho de base.

Vejo aqui uma oportunidade de tirarmos do papel as formulações do MUP. Em uma célula Niterói, por exemplo, que incorpore para dentro de si o núcleo UFF, seria resolvido não só o problema do baixo número de militantes no núcleo UFF, como também se criaria um espaço onde as condições para formular uma política de trabalho de base que toma como central o território onde a universidade se encontra para pensar uma atuação conjunta entre ME e bairro/cidade, e não tendo a própria universidade como centro, como o sujeito único desta formulação. Inclusive, essa proposta vai na direção diametralmente oposta ao que ocorre na UJC-CC no Rio, e acredito que em muitos outros estados: a CE usar os núcleos de bairro como reserva dos núcleos de ME, em vez de se dedicar a formular uma política para os núcleos de bairro. E, novamente, com a fusão de determinados organismos de base, aumenta-se o número de militantes no organismo e as tarefas são centralizadas em um só secretariado, que agora tem uma base maior para quem delegar tarefas e ter tempo livre para formular e dirigir, de fato, aquele organismo nos períodos entre reuniões.

Acrescento também que um CR unificado auxiliaria no fortalecimento de nossa unidade ideológica, porque hoje, com dois plenos, é muito frequente os plenos debaterem um mesmo tema e chegarem a conclusões bastante diferentes. Estando em um mesmo organismo de direção, seríamos obrigados a chegar em sínteses de nossas posições, essas formulações e debates conjuntos entre dirigentes do partido e da juventude auxiliaria na resolução das contradições entre juventude e partido e no alinhamento ideológico entre seus dirigentes.

Ou seja, camaradas, bate-se em um espantalho, pois em momento algum falou-se em fusão da juventude com o partido, e sim na unificação dos organismos de direção e na possível fusão de alguns organismos de base. Mas, na verdade, nada disso foi muito bem falado, porque o simples ato de fazer o debate deste tema foi recusado pelo CRP do partido, até o momento em que surgiram as reuniões entre direções, onde também não tivemos muito tempo para fazer um debate de maior qualidade sobre a questão, por um lado, devido ao baixo quórum dessas reuniões (principalmente da parte do partido) e, por outro, pelos moinhos de vento presentes no debate. 

Segundo tema: polêmica “afeto X camaradagem/disciplina/organização”

 O camarada B. critica, assim como fez o camarada C.A. em sua carta de desligamento do CRP PCB-RR/RJ, uma fala do camarada D., em que ele disse algo como “em tempos de maior dificuldade, o afeto pode nos salvar”. C. aponta que a frase seria uma clara distorção do “princípio da camaradagem”, a substituição da “confiança política e unidade ideológica” pelo afeto. B. aponta para algo semelhante, sem citar D., desenvolvendo sobre as problemáticas da substituição da camaradagem pela amizade em um partido comunista. D. defende em seu texto que a camaradagem deve, sim, se sustentar em confiança política e unidade ideológica, mas que reduzi-la a isso, desconsiderando o cultivo da empatia entre os militantes, torna a camaradagem estéril e que cultivar afetos de forma saudável pode trazer maior eficiência na mitigação de violências na vida interna.

Camaradas, um dos legados malditos do PCB em todo o país, mas principalmente no Rio de Janeiro, é o amiguismo, a “confusão” entre amizade e camaradagem, que leva a alianças e arranjos políticos espúrios, parcialidade, grupismo/espírito de seita, entre outros problemas. Vejo como sintomática essa questão do debate sobre afeto e camaradagem no Rio justamente por conta disso. Aqui, o próprio processo do racha foi marcado desde o início pelo amiguismo. Além de diversas situações em que observei de perto esse desvio no núcleo UFF, dentro de um contexto geral do Rio, antes da cisão, após a cisão, militantes que racharam me relataram muitos outros exemplos onde a marca do amiguismo nos processos é explícita.

Antes da cisão, esse tema era um dos que gerava maior descontentamento e afastamento das bases, quando não promovia o escanteamento de militantes “indesejados” pelos círculos organizados pela ala direita (núcleos duros da CRUJC e do CRPCB + quadros nacionais do Rio) no estado. Nos núcleos, esses círculos se estabeleciam a partir da criação de uma franja do secretariado na base e da construção de “linhas de sucessão” no secretariado, não a partir da delegação de tarefas, política de formação de quadros e da organização científica do trabalho, mas sim das relações pessoais. Os militantes que não eram parte dos círculos da ala direita, se tinham posições divergentes deles, ou renunciavam à disputa, ou disputavam e se tornavam elementos subversivos aos olhos do círculo, geralmente sendo escanteados, colocados na “geladeira”. Com o tempo, essa dinâmica fortaleceu os círculos da ala direita e criou uma base muito carente de formação e com um tempo médio de militância muito pequeno, ou seja, militantes se desligando com menos de dois anos de organização, desligamentos que muitas vezes também eram consequência da ausência de uma política de recrutamento elaborada à luz de uma estratégia clara e dos critérios “afetivo-ideológicos” utilizados pela ala direita nos recrutamentos. Isso levou os núcleos a um cenário de inércia formulativa, onde a absoluta maioria das propostas trazidas nas reuniões vinham do círculo da ala direita, não se debatia quase nada seriamente e não se votava praticamente nada, era tudo por “consenso”. Militantes de mais tempo, cansados dessa dinâmica, acabavam se desligando, militantes recém ingressos observavam essa dinâmica e faziam o mesmo, geralmente via desligamentos “não oficiais” (o famoso sumiço). Aqui também vale citar a construção de uma noção de militância comunista como identidade e não como práxis. Após a cisão, vejo que olhando o núcleo de fora também é possível perceber essas dinâmicas, mesmo que em outro nível de apreensão. 

Dito isso, a tarefa de fazermos diferente não implica na negação da necessidade do cultivo de afetos saudáveis dentro do partido, como bem coloca o camarada D.. Jamais no sentido de os afetos pautarem a vida política, mas de desde já buscarmos converter em prática nossas críticas sobre o modo de produção capitalista e a sociedade burguesa, sobre a construção da sociabilidade nessa sociedade ser marcada por diversos tipos de opressão e dinâmicas relacionais que nos degradam enquanto seres humanos. Se não toleramos a reprodução disso fora do partido, que dirá dentro dele! Não devemos nos tratar com truculência, suspeição, cinismo, moralismo, ares de superioridade, nem nada desse tipo. Entendo que são coisas que acontecem, que todos desenvolvemos mecanismos de defesa, gatilhos e bloqueios por conta dos mais diversos motivos ao longo da vida e é por isso mesmo que é nossa tarefa enquanto comunistas fazer um trabalho formativo robusto em relação à nossa subjetividade, localizada no tempo e espaço em que vivemos, nas condições de existência atuais dentro do capitalismo, esse é um dos muitos passos rumo à elevação de nossa consciência enquanto partido sobre o tema da revolução na cultura e nas relações sociais, pois a tomada do poder e a socialização dos meios de produção não são suficientes em si para a transformação radical das relações sociais, temos diversos textos sobre isso na história do movimento comunista.

No mais, não acredito que o camarada D. defenda que o afeto deve ser um elemento central na relação de camaradagem, como ele mesmo indica em seu texto. Acrescento também um comentário sobre a camaradagem, com base nas “quatro teses sobre o ´camarada´”, de Jodi Dean: a camaradagem se sustenta na firmeza ideológica e em uma disciplina proporcional a essa firmeza, que se desenvolve justamente pela fidelidade dos camaradas à verdade (“a verdade política que os une”) que os guia rumo à utopia (no sentido de algo que rompe com o realismo capitalista), essa utopia sendo o comunismo (a condição comum), baseado nos princípios de igualdade e solidariedade. Ou seja, a camaradagem, para Jodi Dean, é constituída de quatro elementos principais: um horizonte político compartilhado, disciplina coletiva, igualdade e solidariedade. Entendo que “confiança política e unidade ideológica” são sinônimos para os dois primeiros elementos, e “igualdade e solidariedade” são bons princípios base para cultivarmos afetos mais saudáveis dentro da militância. 

Apontamentos finais

Tive a ideia de escrever essa tribuna justamente quando terminei de ler os textos dos camaradas no Boletim Interno e pensei no quanto os debates ali expostos espelhavam as ruínas sobre as quais tentamos construir o novo no Rio de Janeiro. Camaradas preocupados com a degeneração da camaradagem em coleguismo, dificuldades na relação entre partido e juventude por conta de uma reprodução mecânica de certas posturas em ambos os lados, pois também há na juventude um perceptível espontaneísmo por parte de alguns camaradas, muita dificuldade de enxergar o todo - capacidade essencial para os dirigentes - além de um relaxo generalizado em relação a métodos e disciplina. Além do famoso “fuso horário carioca” (atrasos escandalosos), a maioria dos militantes não são formados em metodologia e carecem de convencimento político em relação ao tocar das tarefas, à disciplina e ao comprometimento com a revolução. Tarefas caem como chuva no fim de março, como as lágrimas do secretariado da CRP, que vai pegando as tarefas para si conforme elas são lançadas ao ar por militantes que, não por sua própria culpa, ainda são muito vacilantes. Esse também é um problema que vi em São Paulo, acredito que seja uma condição geral de nosso partido.

Lamento muito, verdadeiramente, as animosidades que surgiram nos últimos meses entre CRPs no Rio. Defendo com muita firmeza uma postura de boa fé diante dos debates e disputas, pois essa é a postura mais positiva que podemos adotar em benefício coletivo, pois até no tratamento com oportunistas agir de boa fé ajuda a explicitar o oportunismo, pois quem se aproveita da boa fé de um camarada para conduzir manobras políticas espúrias e fazer a disputa de forma covarde, dificilmente é também um camarada. E é esse o último elemento que Jodi Dean elenca sobre a camaradagem, ela é genérica. Qualquer um pode ser um camarada, mas nem todo mundo, pois não é todo mundo que vai ter a firmeza ideológica para se disciplinar no caminho da luta pela igualdade e solidariedade universais, por uma sociedade sem classes e sem exploração do trabalho.

Que a etapa regional do Rio de Janeiro seja um marco no fortalecimento de nossa unidade, na elevação da qualidade de nossos debates e da nossa disciplina.

 A Reconstrução Revolucionária vai avançar!

Venceremos, camaradas!


Referências

 

A Internacional da Juventude Comunista (IV Congresso da Internacional Comunista)

A Fundação da Juventude Comunista do Brasil – TraduAgindo

'As relações entre a juventude e o partido a partir do XVII Congresso –a necessidade da dissolução da UJC?' (P. Acácio)

'Quais são os rumos da UJC agora que estamos passando por uma reestruturação? Diálogo com P. Acácio' (Felipe Carvalho)

'De que serve a UJC? Uma resposta ao camarada P. Acácio' (Pedro Alcântara)

'O Papel da Juventude. Resposta ao camarada P. Acácio' (Machado e Gabriel Tavares)

'Tarefas “de juventude” ou “partidárias”?! Uma proposta de organização da UJC' (Marte)

'As tarefas da juventude brasileira e o nosso partido' (Cauan V.)

'Por teses que dialoguem com as juventudes brasileiras' (Valen)

Quatro teses sobre o camarada – TraduAgindo