'As tarefas da juventude brasileira e o nosso partido' (Cauan V.)

Não adianta mantermos a mesma estrutura, vendo que o isolamento é caráter estrutural da nossa organização, pensando que somente uma pequena mudança vai resolver nossos problemas. Estamos no meio de uma cisão, não tem nada pequeno aqui.

'As tarefas da juventude brasileira e o nosso partido' (Cauan V.)
"Abandonemos o apego agarrado na lei partidária, de pensar que "célula é pra isso, núcleo é pra aquilo", precisamos reconstruir o partido revolucionário da classe trabalhadora, precisamos de ousadia pra lutar!"

Por Cauan V.* para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Venho aqui trazer uma contribuição sobre a própria existência da organização da Juventude Comunista. Posteriormente vou tentar elaborar sobre a juventude trabalhadora, pois é uma frente que necessita de mais cuidado, mas que conversa um pouco com o que vou trazer aqui.

Histórico

Vou remontar o histórico, porque entendo que com as disputas internas atuais agregadas ao isolamento sistemático do complexo partidário, a própria noção de organização da juventude partidária ficou turva.

Entre a militância, acredito que seja algo firme de que nosso partido segue os preceitos da 3a Internacional, a chamada Comintern ou Internacional Comunista. Antes do seu IV Congresso (1), ocorrido em 1924, havia uma desconexão entre as organizações da juventude com os partidos comunistas, muitas eram realmente paralelas aos partidos, assim como havia um bom debate sobre se havia sentido a construção de uma organização à parte do próprio partido, focado na captação de jovens da classe trabalhadora pra que futuramente ingressassem no partido e o dirigissem.

Ao congresso:

"1. De acordo com as decisões do Terceiro Congresso da Internacional Comunista, o Segundo Congresso Mundial da Internacional da Juventude Comunista (IJC) decidiu subordinar as organizações da Juventude Comunista politicamente aos Partidos Comunistas. O congresso também resolveu as transformar, de organizações de vanguarda estreitas, ensimesmadas e puramente políticas para amplas organizações de massas da juventude trabalhadora (...). Entretanto, as organizações da Juventude Comunista ainda devem permanecer políticas em seu caráter, com sua ação baseada na participação na luta política.". (Grifos meus)

Pois bem, aqui a definitiva junção das juventudes com seus partidos respectivos. Como fica claro, as juventudes tinham um caráter de ser uma espécie de "vanguarda da vanguarda", sendo então uma organização paralela e que não correspondiam à função de partido em Lênin, pois somente atendiam a demandas específicas de uma fração da classe trabalhadora e não buscando dinamizá-las como um todo.

Continuando:

"Os ataques capitalistas ameaçam empurrar os jovens trabalhadores na profunda pobreza e convertê-los em vítimas desamparadas do militarismo e da reação. Isso deve ser enfrentado pela resistência firme e unitária da classe trabalhadora como um todo. (...) A Juventude Comunista deve fincar fortes raízes nas massas da juventude trabalhadora pelo fortalecimento da propaganda econômica, pelo seu contínuo envolvimento na vida e nos problemas da juventude trabalhadora, e por sua permanente e diária defesa de seus interesses, portanto, levando-os a ingressar na luta com a classe trabalhadora adulta. (...) O trabalho de educação da Juventude Comunista requer sua própria estrutura, especial e separada, e deve ser realizado sistematicamente.". (Grifos meus)

A necessidade da organização da juventude passa justamente pelas características específicas do capitalismo na forma como atinge a juventude trabalhadora. No Brasil, a juventude está entregue à precarização, sendo a população de baixa renda a fatia mais afetada, tendo duplas ou triplas jornadas, muitas vezes impossibilitada de estudar por necessidade de trabalhar. Segundo o IBGE (2), mais de 55% da juventude brasileira (14 a 24 anos, especificamente), está em situação de subutilização, ou seja, pessoas que estão "disponíveis pra trabalhar". Dado o exposto, a situação real é de um mercado de trabalho que não tem a capacidade de suprir essa demanda básica, de empregabilidade (por outras questões econômicas, não porque “não pode”, mas enfim), e que possuem características específicas que diferem as lutas da juventude, focada na falsa dicotomia estudo-trabalho (ter que escolher entre um e outro) forçada pelas relações capitalistas, das lutas da classe trabalhadora adulta. Isso que, sequer contamos aqui a categoria de trabalhadores de aplicativo onde a maior parte tem menos de 30 anos de idade, e conforme a pesquisa encomendada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Organização Internacional do Trabalho (OIT), 83,5% não participam de nenhuma organização política (sindicatos, coletivos e afins), uma categoria com mais de 1 milhão de trabalhadores (3).

Para além disso, impossível compreender como esse conjunto de números e gráficos se construíram sem compreender o histórico da escravidão que se desdobra atualmente na guerra às drogas. Com as tentativas do petismo de se compensar o massacre da classe trabalhadora (negra e periférica, mais especificamente) com políticas de bem-estar social, ainda assim não compeliu o trator da burguesia de passar por cima de casas de família e de construir condomínios pra especulação, com o uso das forças repressivas do Estado. Isso é percebido culturalmente com a ascensão dos bailes funk no Rio entre a década de 90 e 2000, com grandes nomes como Mr. Catra e MC Tati Quebra Barraco, a atividade policial cresceu também nesses espaços de cultura e lazer da classe trabalhadora sob argumentos (da mídia burguesa) de "influência da venda de drogas pelas facções" e afins (4)(5). Como bem escreve Benny Briolly, "assim, a seletividade do sistema penal brasileiro, historicamente desenvolvida no país e o uso da força letal da polícia, demarcam que a popularmente chamada “guerra às drogas”, tem alvo certo, definido por cor/raça, faixa etária e classe social." (6). A juventude negra e periférica brasileira, humilhada pelo discurso midiático policialesco, é massacrada pela polícia nos seus momentos de descanso, após a longa semana de exploração.

Demandas específicas que exigem uma estrutura específica, separada, com agitprop e desenvolvimento teórico próprio, mas que nunca devem ser apartadas da construção do socialismo. Por isso demandam da forma-partido pra dar cabo de levar suas lutas imediatas pra luta de horizonte político mais profundo e estrutural, dinâmico com as mais diferentes frentes de luta da classe trabalhadora como um todo. É o todo numa parte, que tem potencial pra movimentar a organização e radicalização da classe pensando no próprio futuro de si!

Da falta que faz um forró

Claro que é impossível conceber uma forma de juventude comunista tal qual se encontra no PCB, com a juventude desconexa do partido, cada um dança no seu canto e tá tudo certo. Do XVI Congresso do PCB (7), encontramos o seguinte artigo em suas resoluções organizativas:

“17. As células são os centros de atuação da vida partidária (...). As células devem realizar o trabalho em seu local de atuação, levando a política do PCB ao proletariado, à juventude e às massas em geral. As células devem ser ativas e atuar no sentido de fomentar a organização e ampliar a influência do Partido nas áreas onde atuam, para que venham a se constituir numa rede de organizações ativas, criativas, disciplinadas e protagonistas da luta de classes em nosso país.”.

Apesar dessa tese resgatar as formulações sobre a juventude no Comintern, isso não se dá na prática, obviamente, denotando um erro estratégico. É sabido que a juventude é quantitativamente maior que o partido, em alguns lugares a própria possui um verdadeiro complexo partidário construído ao seu redor, a exemplo de Uberlândia, MG. É estranho pensar que existe toda uma interface de juventude independente da construção do próprio partido, quase como se a própria juventude tivesse que atuar como partido. Como observamos anteriormente, a juventude não consegue sintetizar toda a dinâmica de lutas da classe trabalhadora em si, mas é assim que está operando.

Esse tipo de atuação isolada é consequência do caráter pouco centralizado da própria organização. Células e núcleos do interior isolados da ação das capitais, assim como diferentes estruturas do complexo separados do próprio partido em suas localidades. Esse caráter passa pela inexistência de formas que consigam tanto nacionalizar rapidamente diferentes experiências, quanto propriamente integrar de forma orgânica o complexo partidário em suas regiões.

Levando uma experiência particular e antagônica à isso daqui da minha cidade, São José dos Campos, conseguimos desenvolver algumas experiências positivas de trabalho em ocupações com a célula partidária e o núcleo UJC, justamente porque a dinâmica em momento algum foi burocratizada (tendo que passar por algum filtro superior para então poder operar, como se a juventude precisasse de permissão da célula para funcionar ou algo assim), realizando formações e compartilhando espaços de desenvolvimento teórico, ora a juventude movimentando a célula, ora a célula movimentando a juventude. Ainda assim, tivemos que desenvolver projetos basicamente do zero inúmeras vezes, alguns desses projetos vimos outras células ou núcleos ao redor do país fazendo, mas havia pouquíssimo ou nenhum acúmulo compartilhado sobre isso e assim gerou uma série de erros que poderiam ter sido evitados; fora que as diversas experiências positivas daqui tiveram pouco espaço para circular nacionalmente também. Não fosse o imenso esforço individual de algumes camaradas durante anos, talvez não existisse um complexo partidário na minha cidade. Em várias regiões diferentes, casos similares apareceram e não se sustentaram pela própria dinâmica da luta de classes local, que provia mais dificuldades pra desenvolvimento do trabalho comunista e que, justamente por essa construção distante do centro partidário, infelizmente não se desenvolveram ou até morreram. Situação particular que denota um isolamento sistemático de células e núcleos do interior devido a ausência de estrutura partidária pra circulação de informações.

Ainda assim, uma experiência de uma unidade concreta de complexo partidário que temos é exatamente o proposto pelo 17o artigo, mas que só pôde (e pode) funcionar por condições próprias locais que fugiam da direção partidária. As células como dinamizadoras da atividade partidária, com verdadeiro suporte à sua juventude e agindo em conjunto nos diferentes espaços.

A colaboração íntima entre partido e juventude em todas as áreas e o contínuo envolvimento da organização de juventude na vida política do partido é essencial para manter o interesse político e a energia política no movimento da juventude Comunista. Essas qualidades são indispensáveis para o Partido Comunista em sua luta e em seu trabalho para levar à cabo as decisões da Internacional Comunista. Os Partidos Comunistas devem oferecer à juventude auxílio organizacional. Eles devem direcionar membros jovens para a colaboração com a juventude Comunista, designar jovens membros do partido e propagandear a tarefa de fundar organizações de juventude em lugares onde o partido está estabelecido.” (Grifos meus)

É compreensivo que a tribuna permanente traga mais qualidade à vida partidária, mas pra que ela viva pra além de uma visão nacional atingindo a interiorização e proletarização efetivamente, precisamos fazer com que essa dinâmica esteja fluindo também de baixo pra cima. Temos muitas cidades onde só existem núcleos da UJC e nenhuma célula, que tipo de apoio partidário é esse e como conciliar as demandas da classe trabalhadora local somente atuando na juventude? E em casos inversos, como realizar uma efetiva aproximação e captação dos movimentos da juventude trabalhadora?

Não adianta mantermos a mesma estrutura, vendo que o isolamento é caráter estrutural da nossa organização, pensando que somente uma pequena mudança vai resolver nossos problemas. Estamos no meio de uma cisão, não tem nada pequeno aqui. Não podemos ter as células agindo separadamente e atuando como porteiras do complexo partidário, interferindo só quando for conveniente pra determinadas figuras. Precisamos reestruturar radicalmente nossa forma, com a fundação de células antes da própria estrutura do complexo partidário, com giros de militantes próximos e dirigentes regionais, construindo o complexo através da dinâmica de lutas local ligada a um planejamento centralizado nacionalmente. Imediatamente, podemos recrutar militantes de núcleos onde não existam células “respectivas” e então constituir essas células, sem prejudicar o planejamento de núcleos do complexo, construindo um planejamento de consolidação da célula. Somando-se a isso, precisamos pra ontem de um jornal leninista de verdade, precisamos das tribunas e precisamos de plenárias em todos os cantos desse país ocorrendo com frequência!

Abandonemos o apego agarrado na lei partidária, de pensar que "célula é pra isso, núcleo é pra aquilo", precisamos reconstruir o partido revolucionário da classe trabalhadora, precisamos de ousadia pra lutar!

*Militante da UJC São José dos Campos, SP.


Referências

(1) "A Internacional da Juventude Comunista (IV Congresso da Internacional Comunista)". Tradução pela Lavra Palavra. Link: https://lavrapalavra.com/2023/08/23/a-internacional-da-juventude-comunista-iv-congresso-da-internacional-comunista/

(2) "Tabela 6397 - Taxa composta de subutilização da força de trabalho, na semana de referência, das pessoas de 14 anos ou mais de idade (%)". Selecionar "Taxa composta de subutilização da força de trabalho, na semana de referência, das pessoas de 14 anos ou mais de idade (%)", "14 a 17 anos" e "18 a 24 anos", e "2º trimestre 2023" e  "1º trimestre 2023". Link: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/6397#resultado

(3) "Condições de Direitos e Diálogo Social para Trabalhadoras e Trabalhadores do Setor de Entrega por Aplicativo em Brasília e Recife", pesquisa feita pela CUT e OIT. Apesar de ter sido feita somente nas duas cidades, tem uma amostragem muito boa e muitos detalhes interessantes. Link: https://www.cut.org.br/acao/condicoes-de-trabalho-direitos-e-dialogo-social-para-trabalhadoras-e-trabalhador-ac01

(4) "Tamborzão, conheça a origem do ritmo que comanda o funk". Link: https://web.archive.org/web/20150619055312/http://www.doladodeca.com.br/2010/10/01/tamborzao-conheca-a-origem-do-ritmo-que-comanda-o-funk/

(5) "Justiça e cultura: Funk proibido". Link: https://www.proibidao.org/justica-e-cultura-funk-proibido/

(6) "Guerra às drogas”: uma metáfora sobre o genocídio negro". Link: https://www.cartacapital.com.br/justica/guerra-as-drogas-uma-metafora-sobre-o-genocidio-negro/

(7) “Resolução de Organização do XVI Congresso”. Link: https://drive.google.com/file/d/1VOOMVUTa3sC11zRbN_qy0X25i0vuOhKq/view