'Postura nas redes sociais e polêmica pública' (Paupa)

Me parece que muitos camaradas estão esquecendo a parte fundamental que antecede as palavras “polêmica pública”, que é a organização! Organização da polêmica não é ter que dar uma opinião sobre tudo, e muito menos quando se coloca essa posição em espaços onde não existe a organização dessa polêmica.

'Postura nas redes sociais e polêmica pública' (Paupa)

Por Paupa para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, escrevo esta tribuna, pois há algum tempo vêm me incomodando muito a postura de vários militantes nossos nas redes sociais. Não sei se esta tribuna apresentará muitas soluções, mas espero que através dela, nossas direções - e mesmo cada um dos nossos militantes individualmente a partir da leitura desta - possam repensar e refletir sobre o que é um uso responsável das redes sociais enquanto militante e qual vem sendo o papel das redes para a nossa perspectiva de polêmica pública. Pretendo estruturar esta tribuna citando exemplos que eu vi nas redes sociais e pontuando, em seguida, as problemáticas que enxergo em cada um deles.

O primeiro exemplo, e aqui coloco como uma crítica fraterna à camarada gatasoviética, é em relação à sua postura nas redes. Apesar da camarada não ser uma figura pública da nossa organização, é fato que ela tem um certo alcance no seu perfil e, portanto, deve-se ter um cuidado maior ao fazer qualquer publicação relacionada com a militância. O exemplo que pego, foi quando a camarada publicou uma “carta de desligamento” em que o documento era um texto de Bordiga. Não entrarei no mérito do texto em si, mas veja, se a camarada acha necessário fazer uma disputa trazendo essa linha, não é por meio de um clickbait no twitter que isso deve ser feito, e sim com as ferramentas internas de polêmica e disputa - que nesse ponto do campeonato é impossível falar que não existem. Coloco também a situação de quando a camarada utilizou o twitter para fazer um tipo de “denúncia” de que o órgão central não publicou as teses de Bordiga que ela enviou na biblioteca marxista. Ora, um dos maiores propósitos da biblioteca é a formação de nossos militantes e da propagação da nossa linha, que em um momento congressual, de debates e discussão, ainda não é 100% fechada, portanto é impossível colocarmos textos de uma linha política que ainda está em disputa e não é consenso na organização. A postura de denunciar esse ocorrido como uma forma de “censura” por parte do órgão central não serve para fazer a disputa, mas serve como mais uma forma de levarmos porrada - que não são poucas - de oportunistas que esperam cada mínimo deslize para nos enfraquecer enquanto organização. Uso estes exemplos da camarada gatasoviética não como uma crítica única e individual a ela, mas para que todes es militantes que tenham certo alcance nas redes e que muitas vezes “furam a bolha” possam refletir sobre a forma como utilizam as redes sociais e que, apesar da individualidade de cada camarada, nunca seremos vistos apenas enquanto “Paupa” ou “gatasoviética”, mas sempre como “Paupa da UJC”, “gatasoviética da UJC”, etc. Agora, aproveito para realizar um elogio à camarada, pois no momento que escrevo este documento vejo que ela mandou uma tribuna sobre uma linha que ela acredita que deva ser disputada.

Agora trago outros dois exemplos que vi nos últimos dias. Após tribunas de críticas à CRP-SP, pudemos ver diversos militantes “polemizando” o debate nas redes sociais (lê-se mandando indiretas pelo twitter). Camaradas, polêmica pública é isso? É essa a visão que nossos camaradas têm sobre polêmica pública? Se sim, temos um grande problema. Me parece que muitos camaradas estão esquecendo, ou optando por esquecer, a parte fundamental que antecede as palavras “polêmica pública”, que é a organização! Organização da polêmica pública não é ter que dar uma opinião sobre tudo, e muito menos quando se coloca essa posição em espaços onde não existe a organização dessa polêmica. Aqui, não delimito esses espaços de forma extremamente rígida, mas sim o espaço de uma rede social onde não temos controle nenhum sobre como isso irá se propagar, qual alcance vai ter, etc. Nenhuma indireta em rede social vai ajudar minimamente a resolvermos nossos problemas internos, camaradas. Nenhum membro das nossas instâncias de direção vai ler um tweet e pensar “opa, ótima crítica, vamos pautar isso”. O problema de ter esse tipo de postura é que ela só cria uma visão para pessoas de fora de que somos uma organização desorganizada e pouco séria e, inclusive, abrindo espaço para oportunismo e mal-caratismo. Também nesse sentido, trago o que aconteceu com relação ao posicionamento (bastante ruim) recente do camarada Gaiofato sobre entregadores de aplicativos. Acho que a primeira coisa aqui é que as direções deixem claro para a militância como está sendo organizada a tarefa de figura pública da nossa organização para que possamos pensar em melhores formas dessa tarefa ser tocada e centralizada para que erros como o posicionamento do camarada sejam evitados e minimizados. O enfoque que gostaria de dar aqui é na reação extremamente fora de medida de militantes nossos nas redes sociais. Camaradas, nossas figuras públicas, por terem como uma de suas tarefas fazer a agitação e propaganda da nossa linha também nas redes sociais, evidentemente estão propícias a errarem. E quando isso ocorrer, não é através de comentários fora de medida ou indiretas nas redes sociais que o camarada irá repensar seu posicionamento ou até realizar uma autocrítica. Essa discussão escalonou de uma maneira que pudemos ver aberrações como o MBL se apropriando da pauta, além de vários comentários oportunistas e até difamatórios em relação ao camarada gaiofato e à nossa organização.

O próximo ponto que quero trazer não vem de um exemplo específico, mas de uma observação mais geral que também vejo sendo posta por diversos militantes nas redes sociais, que é a “crítica” de que nossas fileiras são compostas somente por homens, brancos, e pessoas cis. Evidencio aqui que esta parte não se trata sobre uma eventual reação que algum camarada de grupos oprimidos teve após passar por uma situação de opressão dentro dos nossos espaços de discussão, deliberação, etc. Camaradas, é óbvio que o problema da composição da nossa organização ser majoritariamente masculina, branca e cis existe e que devemos ter como uma das nossas prioridades mudar essa situação, afinal, jamais alcançaremos um partido verdadeiramente revolucionário se isso se mantiver, e temos tribunas excelentes que discorrem sobre as questões de opressões para que possamos alcançar isso. Agora, camaradas, não é raro encontrarmos publicações de militantes fazendo essa crítica da pior forma possível, que é, em primeiro lugar, através de um comentário de alguns caracteres no twitter, que como falei anteriormente, não nos ajuda em nada a resolver nossos problemas. Em segundo lugar, a forma como isso é posto, a partir de uma caracterização do tipo “só tem homem”, “só tem branco”, etc. E vi comentários desse tipo vindos de militantes nossos, camaradas, não de pessoas de fora da organização. Essa forma traz duas problemáticas: primeiro, a invisibilização de nossas camaradas mulheres, camaradas racializades, camaradas trans. Segundo, fazendo comentários desse tipo em rede social, isso afasta pessoas em situações de opressão que teriam vontade de se aproximar do partido ou até de compor nossas fileiras, pois claro, se temos “apenas homens, brancos e pessoas cis” em nossa organização, porque uma pessoa que já vive em situações de opressão ingressaria em uma organização onde ela irá sofrer dessas mesmas opressões? Em suma, é uma postura que não ajuda em nada a resolvermos questões sobre opressões dentro do nosso partido, nos enfraquece enquanto organização, e afasta pessoas das nossas fileiras.

Como último exemplo, e talvez o que mais me incomoda, é que essas posturas são tomadas também por nossas direções, camaradas! O caso mais recente que coloco pode ser visto na discussão travada no twitter pelo camarada Lazzari a partir da tribuna lançada recentemente que citei ao final do meu primeiro exemplo. Acredito que uma justificativa totalmente válida para a não escrita de um tribuna é a falta de tempo (pelo menos foi o meu caso até então). Mas ora, se há tempo pra fazer uma discussão - consideravelmente longa - pelo twitter, há tempo para que se escreva uma tribuna como resposta ao invés de uma direção nacional fomentar essa discussão pela rede social! Novamente, trago uma crítica nominal a um camarada, mas que não se limita a ele. Camaradas, se as nossas próprias direções estão tendo esse tipo de postura nas redes sociais, isso só acarreta na normalização desse tipo de coisa entre a nossa militância e, novamente, não nos ajuda em nada a resolvermos nossos problemas, nossas disputas de linha política e na construção da organização revolucionária que almejamos!

Para finalizar, camaradas, senti a necessidade de escrever essa tribuna a partir de um incômodo pessoal, mas também, e principalmente, após conversar com recrutamentos nossos, que tem convicção na nossa linha política, mas que estão vacilantes em ingressar na nossa organização por conta, justamente, de todos esses exemplos que citei acima, camaradas! Isso é um erro gigantesco da nossa parte, pois se recrutamentos ou aproximados, que tem contato direto com militantes  da nossa organização - ou seja, nos conhecem bem - estão nos enxergando desta forma a partir da postura de nossos militantes nas redes sociais, imaginem aquelas pessoas que estão se radicalizando, sentem a necessidade de se organizar em um partido de vanguarda e se deparam com esse tipo de postura vindo de nossos militantes!?

Em síntese, todos esses exemplos que coloquei acima, e não só eles, mas toda postura desse tipo em redes sociais, são a fórmula perfeita para darmos brechas para oportunistas, para enfraquecer nossa organização e para afastar aproximados e possíveis novos militantes. Meu objetivo com esta tribuna não é que seja proibido nossos militantes terem redes sociais, por óbvio, mas sim trazer essa reflexão aos camaradas, e de forma mais concreta, propor que sejam esquematizadas nacionalmente, diretrizes sobre o que deve ser a postura de nossos militantes nas redes sociais. No momento não consigo detalhar melhor o que serão essas diretrizes, se mais rígidas ou não tão rígidas, mas vejo como essencial que elas existam, e por isso faço um apelo para que os camaradas também formulem sobre isso.

No mais, essa foi minha primeira tribuna, então peço que os camaradas opinem critiquem, respondam, etc.