'Planilha das agências: As “denúncias de fábrica” em tempos de Google Forms' (Contribuição anônima)

Um trabalho como esse poderia ser replicado na imprensa partidária. Uma coluna ou seção do jornal poderia conter as denúncias mais importantes, enquanto o resto pode ser divulgada em canais digitais.

'Planilha das agências: As “denúncias de fábrica” em tempos de Google Forms' (Contribuição anônima)

Contribuição anônima para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

O que é a planilha das agências?

Criada em 2016, a planilha das agências é basicamente um apanhado de milhares de relatos/denúncias voltado para trabalhadores de agências de publicidade do Brasil (mas não se limitando à essas), sobre questões salariais, desigualdade entre gêneros, racismo, assédio sexual ou moral e vários outros problemas presentes na vida do trabalho.

Todo ano, um formulário do google é divulgado em redes sociais e circular tanto no boca a boca no setor publicitário quanto rodando organicamente em grupos de trabalhadores em apps de mensagem (WhatsApp, Telegram). Os principais campos de resposta desse forms, ou pelo menos os que mais nos interessam aqui, são para a identificação do local de trabalho, a cidade na qual este está localizado, e um espaço para um comentário breve sobre alguma experiência de trabalho, uma denúncia, etc, e é importante notar também que não existe um campo para nome ou outra forma de identificação pessoal. As respostas do forms são, então, divulgadas sob a forma de planilha nas redes sociais (@planilhadasagencias no Instagram) e circulam organicamente entre grupos de trabalhadores das agências de publicidade. 

Em uma realidade de crescente desemprego formal e consequente precarização do trabalho no Brasil, fruto da desindustrialização nos últimos 30 anos, as agências de publicidade são apenas um de vários exemplos de categoria com alta rotatividade e baixos salários dos trabalhadores de cargos mais baixos. Em condições como essas, a agitação política no local de trabalho é extremamente dificultada pela ameaça de demissão constante. A planilha das agências, ainda que sem um direcionamento político claro que dê consequência prática para esse trabalho, aparece aqui como uma experiência de socialização de informações acerca das condições de trabalho, para além de um espaço de desabafo des trabalhadores: salários, denúncias contra opressões e assédios, desigualdades regionais, raciais e de gênero, demissões em massa e outros aspectos do trabalho no setor de comunicação.

O que podemos tirar da planilha?

Essa experiência pode ser facilmente replicada, no que tem de útil para o trabalho partidário, em outras categorias de trabalho. O setor de telemarketing, por exemplo, é um que es trabalhadores enfrentam condições similares no tocante à falta de segurança e estabilidade no emprego. Nos parece que algo similar poderia auxiliar a organização des trabalhadores em quatro sentidos que se complementam: 1) Sendo um espaço de desabafo onde es trabalhadores podem fazer denúncias e externalisar suas aflições, perceberem que não estão sós, minando ainda que inicialmente a alienação da realidade do trabalho; 2) A possibilidade de um levantamento de dados, mesmo que insuficiente em si, acerca de empresas e/ou categorias específicas para subsidiar um trabalho de análise marxista da realidade nas empresas, refinando o direcionamento político e orientando a luta de forma objetiva; 4) A partir das denúncias, o partido pode, através de sua imprensa, direcionar desde uma questão mais “simples” como orientações acerca de direitos trabalhistas que muitas vezes es trabalhadores desconhecem, até algo mais complexo como debater táticas da luta econômica da categoria; e 3) Ser um espaço de disputa ideológica em que o partido deve trazer análises e orientações que conectem as lutas econômicas ou específicas da categoria com as lutas políticas maiores, em conjunto com outras categorias de trabalho, movimentos sociais e organizações políticas. Um exemplo disso é o próprio trabalho de panfletagem junto ao VAT que já está sendo tocado na entrada de call centers. A diferença é que essa agitação poderia partir também das denuncias e sofrimentos des trabalhadores desses call centers, aonde é bastante comum as jornadas 6x1 e salários baixos. 

Imprensa Partidária

Um trabalho como esse poderia ser replicado na imprensa partidária. Uma coluna ou seção do jornal poderia conter as denúncias  mais importantes, enquanto o resto pode ser divulgada em canais digitais. A partir do jornal, continuar a agitação nas portas de empresas, dando consequência prática ao trabalho de organizar a polêmica dentro da categoria, além de divulgar o formulário para novas denúncias e relatos (pode ser feito através de um código QR em panfletos ou no próprio jornal, por exp), atraindo cada vez mais trabalhadores em contato com a imprensa partidária. Isso não só vai ajudar a dar um norte para as lutas especificas da categoria, mas também vai estimular o trabalho de imprensa e o envolvimento das massas com a produção de literatura partidária no sentido mais amplo do termo. A possibilidade de que se socialize entre es trabalhadores — além do conteúdo geral do jornal — relatos, análises e formulações, partindo da própria categoria, sobre as particularidades e similaridades entre seus locais de trabalho. Um espaço para a organização da polêmica pública des trabalhadores, partindo da leitura de suas realidades de trabalho, e sempre que possível mediado pela teoria e método marxista-leninista, disputando ideologicamente es trabalhadores e sua análise da situação concreta. 

Mas nada disso basta em si. Por um lado, essa forma de organizar as aflições des trabalhadores não nos parece, muito por desconhecimento das particularidades de outras categorias, ser replicável para qualquer categoria de trabalho. Por outro, a mera divulgação desses relatos não vai dar consequência prática na organização des trabalhadores. A menos que nos tenha passado desapercebido, a categoria da publicidade e da comunicação de mercado não é conhecida pela sua organização. Ainda assim, a experiência da planilha das agências se mantém ativa desde 2016 — ainda que com potencial agitativo e alcance reduzidos pela periodicidade que entendemos ser anual — e foi se popularizando entre es trabalhadores da categoria, de modo que uma parte de sua divulgação vêm de forma orgânica entre es trabalhadores. Pode ser uma experiência interessante para se replicar o que for útil na organização da classe trabalhadora, nas categorias onde for possível e em constante disputa pela linha política do partido comunista, que deve estudar sobre a realidade dos locais de trabalho e oferecer a melhor solução para as questões que surgem na luta. Esperamos que essa contribuição possa servir de alguma coisa para es camaradas do PCB-RR e UJC. 

Nos vemos nas lutas, camaradas!