'O ME Universitário e como obter conquistas' (Danilo B)

E é a partir da contradição entre a qualificação da mão-de-obra dos universitários e a não-industrialização do Brasil que, em tempos de neoliberalismo, vamos conseguir massificar o ME Universitário bem como construir a unidade entre os estudantes e o proletariado.

'O ME Universitário e como obter conquistas' (Danilo B)
Imagem de diretores da UNE participando da campanha O Petróleo é Nosso, colorida artificialmente pelo autor da tribuna.

Por Danilo B para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Durante o ano de 2023 ocorreram ocorreram algumas greves de estudantes em universidades estaduais, pelo menos na USP (SP), UNICAMP (SP) e UEFS (BA). As greves foram bem massivas e efetivamente pararam a vida universitária, entretanto, todas foram parcialmente derrotadas. A partir disso, as questões que nos são colocadas são: Por que essas greves não foram suficientes? E, principalmente, como obter conquistas?

A tese autonomista para explicar as derrotas é a tese da “crise das direções”. Para os autonomistas (anarquistas, maoistas, alguns trotskistas e outros), as conquistas são proporcionais ao “nível de radicalização” das ações diretas, sendo necessário então escalonar a greve para ocupações, para depredação do patrimônio da universidade, etc. E, junto disso, está a perspectiva de que essa radicalização não ocorre apenas devido ao peleguismo das direções nos CAs, DCEs, UEEs e na UNE, sendo necessário então se centrar no combate a essas direções, e realizar ações diretas em grupos pequenos, pois em teoria os estudantes se inspirariam nessa radicalidade e se somariam a ela.

A tese, entretanto, não apenas mostra uma falta de conhecimento do capitalismo, como também desrespeita a agência e capacidade das massas de estudantes. Vejam, camaradas, a universidade pública não é um espaço de valorização de capital, nem os estudantes nem os trabalhadores desta estão produzindo mais-valor para a burguesia, dessa forma a paralisação do estudo com a greve não resulta em um prejuízo imediato à classe dominante, mas a ocupação de prédios para impedir o trabalho de professores, técnicos administrativos e burocratas também não causa esse prejuízo visto que estes não são trabalhos produtivos. A depredação do patrimônio, de forma paralela, também não tem o efeito desejado, visto que o orçamento universitário não é capital, e portanto, o direcionamento de verba para recuperar o patrimônio também não causa prejuízo à classe dominante. Assim, aumentar o “radicalismo” nas ações apenas pode dar dor de cabeça para alguns burocratas que ganham 50mil por mês, mas pouco prejudicam aqueles que de fato decidem os rumos do país. Não só isso como, diferente dos burocratas do Estado, os burocratas das reitorias são menos afetados pela opinião popular, visto que garantem suas posições de privilégio não através das eleições, mas através de indicações do poder executivo. Portanto, a tática de aumentar a radicalidade pode, no máximo, obter algumas conquistas pontuais que a burocracia universitária daria como migalha para se estressar menos, mas não será capaz de alcançar conquistas de longo prazo, que realmente farão diferença na vida dos estudantes.

Não só isso, como a tese desrespeita a agência e capacidade das massas dos estudantes ao defender que o nível de “radicalismo” das ações é culpa das direções do ME, como se as massas por si só não conseguissem facilmente atropelar essas direções se assim quisessem. Os autonomistas abandonam a disputa sistemática de consciência ao não entender que as escolhas das direções são consequência do nível de consciência das massas, e que, é com a agitação, a propaganda e com a própria experiência prática que os estudantes vão passar a defender uma tática ou outra, e assim escolher uma direção ou outra. Isso de nenhuma forma é colocar que as direções do ME sempre devem ser respeitadas, vide a justa vaia que os estudantes da USP fizeram à presidenta da UNE, mas sim entender que essa ação apenas é possível pois os estudantes desta universidade em específico aprenderam, pela experiência, que direções do campo social-liberal prejudicam a sua auto-organização, o que não é a realidade para todas as universidades do país, pelo contrário. Se os autonomistas querem massificar a própria linha, então que disputem suas visões em assembleia e em eleições de entidade, ao invés de atrapalhar os espaços de auto-organização e de constantemente desrespeitar as decisões do ME.

Outra tese incorreta que tenta explicar as derrotas do ME é a tese pelega de conciliação de classes. A tese defendida pelas organizações sociais-liberais (JPT, UJS, JPL, etc) coloca que a falta de conquistas em universidades dirigidas pela oposição é devido à falta de articulação com a instituição. Aqui creio que nem há necessidade de me delongar sobre, a tese ignora que os burocratas da reitoria dependem do bom grado da burguesia para manter suas posições de privilégio, e que a burguesia não tem interesse na formação superior da população brasileira. Apenas uma situação de grande organização do proletariado em toda sociedade poderia criar condições de escolher uma reitoria que faça enfrentamento ao projeto burguês. A tática da conciliação pode, no máximo, conseguir algumas migalhas da burocracia quando essa achar necessário fortalecer o social-liberalismo dentre os estudantes.

Se essas teses estão erradas, o que explica as derrotas das greves universitárias? Como apresentei anteriormente, nem os estudantes nem os trabalhadores das universidades valorizam o capital, portanto, as greves não funcionam para pressionar a burguesia. Igualmente, os burocratas da universidade são pouco afetados pela opinião da comunidade devido ao poder de intervenção do poder executivo. Acontece que o ensino superior público no Brasil chega a proporção que tem hoje não devido a necessidade da burguesia de qualificar a mão-de-obra, mas inicialmente devido a luta das classes populares para valorizar o próprio trabalho, e posteriormente devido a oportunidade que a burguesia encontra de lucrar com a educação superior privada. Assim, tanto os universitários têm pouca perspectiva de futuro pela falta de empregos qualificados para absorver a demanda, quanto tem pouca possibilidade de melhorar suas condições de estudo.

Isso não significa que as lutas estudantis estão fadadas ao fracasso, ao invés, é necessário direcionar as lutas para pressionar por formas de, tanto absorver essa mão-de-obra, quanto de criar pressões econômicas que façam o Estado precisar investir cada vez mais na formação dos trabalhadores brasileiros. Mas, em tempos de neoliberalismo, os estudantes não encontrarão na burguesia o mínimo interesse nesse processo para se apoiar, e resta, então, apenas contar com o proletariado, que precisa desta qualificação para desenvolver tecnologias próprias que possam garantir a soberania nacional do país, aumentar a produtividade do trabalho e usar esse aumento para diminuir a jornada de trabalho e valorizar as mercadorias nacionais, ou seja, precisa industrializar o país. E a industrialização que o proletariado precisa também cria a necessidade econômica de formar não só trabalhadores especializados, mas formar todos os trabalhadores, o que cria pressão econômica para valorizar a educação básica, setor que absorve a maioria dos formados em universidades hoje em dia.

Portanto, os estudantes têm interesse central em apoiar o proletariado na luta pelo poder. E é a partir da contradição entre a qualificação da mão-de-obra dos universitários e a não-industrialização do Brasil que, em tempos de neoliberalismo, vamos conseguir massificar o ME Universitário bem como construir a unidade entre os estudantes e o proletariado. 

Onde, então, essa luta ocorre? O espaço privilegiado é dentro da institucionalidade do Estado, que tem a capacidade de industrializar o país com a criação de indústrias públicas, assim como tem a capacidade de desindustrializar o país também. E na atual conjuntura defensiva da classe trabalhadora, essa luta toma a forma nas tentativas de resistência contra a privatização de empresas públicas. Por exemplo, a SABESP, empresa de saneamento do estado de SP, não só garante saneamento para a população, como também serve de pólo de desenvolvimento tecnológico na área de saneamento, e sua privatização representa o desmonte desse polo que poderia servir de emprego para os trabalhadores paulistas especializados. Outro exemplo é a Petrobrás, empresa que quanto mais  se desenvolve mais necessita de engenheiros, geofísicos, biólogos, e diversas outras profissões que exigem qualificação, e cuja venda de refinarias representam o desmonte de um ramo com grande possibilidade de absorver essa mão-de-obra especializada.

Não faltam exemplos. Os estudantes têm necessidades econômicas centrais de disputar contra o processo de desindustrialização do país, e para isso precisam se colocar nas disputas políticas que ocorrem na institucionalidade. Isso, entretanto, não é uma fórmula pronta, e os métodos de luta serão diferentes conforme a conjuntura. É possível que em determinado momento os estudantes se organizem para aprovar candidaturas que articulem as suas disputas com o espaço institucional, ou possivelmente se organizarem para apoiar um candidato proletário e manter contato para conseguir tal articulação. Em outro momento é possível os estudantes realizarem campanhas de difamação para deputados apoiando determinados projetos. Em outro momento é possível os estudantes ocuparem os espaços de decisão legislativa. Enfim, as táticas possíveis são muitas e dependem da conjuntura, mas precisam se conectar com o espaço privilegiado para essa disputa.

Isso, de nenhuma forma, significa ser contra as greves estudantis ou mesmo as greves universitárias dos trabalhadores que estão ocorrendo agora, mas deve servir para guiar a nossa intervenção dentro do próprio movimento para tentar fortalecê-lo. Se apenas uma greve não é capaz de dar prejuízo para a burguesia, os estudantes e trabalhadores universitários já têm muito mais chance de conquista se conseguem pressionar os burocratas do Estado (ao invés de burocratas da reitoria) a partir da opinião pública. Não só isso, como essas greves se fortalecerão conforme se fortalecer a luta contra as privatizações e pela industrialização.

Devemos, sim, continuar nas lutas cotidianas dos estudantes: RU/Bandejão, bolsas de permanência, expulsão de professores assediadores, etc., mas os comunistas precisam ser capazes de, em cada uma dessas lutas, esclarecer para os estudantes como ter vitórias de longo prazo, para elevar a consciência das massas e garantir o avanço do movimento. Nossa agitação está a bastante tempo descolada da contradição do emprego dos universitários, pois damos centralidade a reformas apenas universitárias. Por exemplo, bradamos pelo fim do vestibular sem conectar este fim à reestruturação econômica do país, e, assim, defendemos, na prática, a geração de mais mão-de-obra especializada que não será absorvida. Ao invés, precisamos ser claros: os universitários precisam da industrialização.