'Não sou Bordiguista, mas é o que tem pra hoje!' (Felix Bouard)

Talvez tenhamos algo a aprender ao entender quais eram os apontamentos sendo feitos já naquela época, assim como tendo uma noção clara de que toda nossa estratégia e tática possui sim uma historicidade e representam um processo de disputa (para saber o que manter e o que não).

'Não sou Bordiguista, mas é o que tem pra hoje!' (Felix Bouard)

Por Felix Bouard para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Antes de tudo, é importante colocar:

“O que um leigo com acesso ao google acha do Bordiguismo? Pelo o que pude ver, o Bordiguismo parece ser uma corrente do comunismo que nunca fez nada significante. Os Bordiguistas parecem ficar parados no tempo reclamando de terem sido vítimas da Bolchevização do Partido Comunista Italiano em 1921, além de ficarem eternamente reclamando da União Soviética não ter abolido o dinheiro e a produção mercantil imediatamente, num passe de mágica.”

Glushkovinho (Bordiguistas me respondam)

É importante colocar como apesar do que o trecho acima dá a entender, um militante comunista que tem conhecimento da tão especulada ameaça bordiguista, tem também acesso a por exemplo os textos traduzidos de Bordiga no Marxists, assim como do grupo de tradução fio vermelho, com quem se quisesse poderia ter feito os mesmos questionamentos e fundamentado melhor sua tribuna. Sigamos.

“Primeiramente. É uma falsa polêmica ficar choramingando no twitter sobre o texto de vocês não ter sido publicado na biblioteca marxista-leninista do EDC. Bordiguismo não é parte do marxismo-leninismo e por isso não foi publicado na, e eu repito, biblioteca marxista-leninista. Não tem conversa mole sobre Bordiga se entender como leninista e por isso ser do “marxismo-leninismo”, só parem. Ninguém está proibindo vocês de publicarem tribunas. Então só tenho a dizer: supera que doi menos. Quer fazer disputa? Começa por convencer o partido do Bordiguismo nas tribunas e no congresso. Não ficar choramingando pq foi censurado pela linha editorial do OC. Precisa pegar na mão e ensinar a disputar?”

Além de estar tratando de uma disputa política como se estivesse no ensino fundamental, ainda ignora por exemplo que as teses de Lyon produzidas pela ala esquerda foram não só negadas para compor a biblioteca M-L mas também de serem enviadas como tribunas, assim como outros relatos de militantes indicam que algumas tribunas desta ala também não o foram. 

Por fim, peço que o camarada me responda se esses são os rostos de Marx e Lênin (imagem abaixo), já que por sua lógica seriam apenas esses quem deveria estar incluído na biblioteca:

O QUE A WIKIPÉDIA NÃO FOI CAPAZ DE RESPONDER

  • Bordiga se diz Leninista. Contudo, Bordiga foi alvo de polêmica de Lênin a respeito da sua posição contra a participação de parlamentos burgueses, além de aparentemente criticar a NEP e outras políticas soviéticas. Quais são as discordâncias de Bordiga com Lênin?

Lênin no capítulo 7 de esquerdismo “Deve-se participar nos parlamentos burgueses”, ao tratar sobre a seguinte frase:

"Quando o sistema capitalista de produção é destroçado e a sociedade atravessa um período revolucionário, a ação parlamentar perde gradualmente seu valor em comparação com a ação das próprias massas. Quando, nestas condições, o parlamento se converte em centro e órgão da contra-revolução e, por outro lado, a classe operária cria os instrumentos de seu Poder sob a forma dos Soviets, pode tornar-se inclusive necessário renunciar a toda participação na ação parlamentar" 

Traz os seguintes argumentos (Leia o texto original, por favor, não tenho todo o tempo do mundo pra fazer uma investigação no seu lugar e te entregar mastigado):

  • A ação das massas é sempre mais importante que a parlamentar,
  • A atuação dos bolchevique se deu em um dos parlamentos “mais contrarrevolucionários”
  • A existência de uma oposição revolucionária no parlamento não impedia a dissolução do mesmo pelos sovietes
  • A experiência de uma série de revoluções seria produto do “combinar a ação de massas fora do parlamento reacionário com uma oposição simpatizante da revolução (ou, melhor ainda, que a apoia, abertamente) dentro desse parlamento.”

E por fim traz o seguinte trecho, mostrando que no pensamento marxista leninista não existe tática que flutua no éter mas sim que elas servem para fazer valer a estratégia a depender das condições:

“Não posso tentar formular aqui as condições em que é útil o boicote, já que a finalidade desse folheto é bem mais modesta: analisar a experiência russa em relação a algumas questões atuais da tática comunista internacional. A experiência russa nos apresenta uma aplicação feliz e acertada (1905) e outra equivocada (1906) do boicote por parte dos bolcheviques. Analisando o primeiro caso, concluímos: os bolcheviques conseguiram impedir a convocação do parlamento reacionário pelo Poder reacionário, num- momento em que a ação revolucionária extraparlamentar das massas (particularmente as greves) crescia com rapidez excepcional, em que não havia nenhuma setor do proletariado e do campesinato que pudesse apoiar de modo algum o Poder reacionário, em que a influência do proletariado revolucionário sobre as grandes massas atrasadas estava assegurada pela luta grevista e pelo movimento camponês.”

Por fim, Bordiga é inclusive citado em uma nota ao final do texto, pois o objeto de crítica era principalmente os holandeses e alemães:

“Foram muito poucas as possibilidades que tive para conhecer o comunismo "de esquerda" da Itália. Sem dúvida, o camarada Bordiga e sua fracção de "comunistas boicotadores" (comunistas abstencionistas) estão errados ao defender a não participação no parlamento. Mas há um ponto em que, a meu ver, têm razão, pelo que posso julgar atendo-me a dois números de seu jornal Il Soviet (números 3 e 4 de 18-1 e 1-2 de 1920), a quatro números (1, 2, 3 e 4, de 1-10 a 30-11 de 1919) da excelente revista do camarada Serrati Comunismo e a números avulsos de jornais burgueses italianos que pude ler. O camarada Bordiga e sua fracção tem razão precisamente quando atacam Turati e seus partidários, que estão num partido que reconhece o Poder dos Sovietes e a ditadura do proletariado, continuam sendo membros do parlamento e prosseguem em sua antiga e perniciosa política oportunista. É natural que, ao tolerar isso, o camarada Serrati e todo o Partido Socialista Italiano incorrem num erro tão cheio de prejuízos e perigos como o havido na Hungria, onde os senhores Turati locais sabotaram internamente o Partido e o Poder dos Sovietes. Essa atitude errada, inconsequente ou sem caracter em relação aos parlamentares oportunistas, gera, por um lado, o comunismo "de esquerda" e, por outro, justifica até certo ponto a sua existência. É claro que o camarada Serrati não tem razão ao acusar de inconsequência o deputado Turati (Comunismo, n.3) pois inconsequente é, exactamente, o Partido Socialista Italiano, que tolera em seu seio oportunistas parlamentares como Turati & Cº.”

Agora sigamos, vejamos o que a fração comunista abstencionista defende:

“(...) 3. No período histórico atual, a situação criada pelas relações burguesas de produção, baseado na propriedade privada dos meios de produção e troca, na apropriação privada dos produtos do trabalho coletivo e na livre concorrência no comércio privado dos produtos, vem se tornando cada vez mais intolerável para o proletariado.

4. A estas relações econômicas correspondem as instituições políticas características do capitalismo: o Estado baseado na representação democrática e parlamentar. Numa sociedade dividida em classes, o Estado é a organização do poder da classe economicamente privilegiada. Embora a burguesia represente uma minoria dentro da sociedade, o Estado democrático se constitui como um sistema de forças armadas organizadas para a conservação das relações de produção capitalistas. (...)

(...) 7. O objetivo da ação do Partido Comunista é a derrubada violenta da ordem burguesa, a conquista de poder político pelo proletariado, e sua organização enquanto classe dominante.

8. Enquanto a democracia parlamentar, na qual são representados os cidadãos de todas as classes, é a forma assumida pela organização da burguesia enquanto classe dominante, a organização do proletariado enquanto classe dominante se realizará pela ditadura do proletariado, isto é, por um tipo de Estado no qual a representação (o sistema dos conselhos de trabalhadores) só será exercida por membros da classe trabalhadora (o proletariado industrial e os camponeses pobres), sendo negado aos burgueses o direito eleitoral. (...)

15. Reconhecer a necessidade da luta insureccional pela tomada do poder, mas propor ao mesmo tempo, que o proletariado exerça seu poder concedendo à burguesia representação nos novos organismos políticos (assembleias constituintes ou combinações destas com o sistema dos conselhos de trabalhadores) é um programa inaceitável que contrasta com o conceito comunista central, a ditadura do proletariado. O processo de expropriação da burguesia estaria imediatamente comprometido se esta classe mantivesse os meios para influenciar a constituição dos órgãos representativos do Estado proletário expropriador. Isto permitiria à burguesia valer-se da influência que inevitavelmente lhe restará devido à sua experiência e preparo técnico e intelectual, para efetivar atividade política tendente ao restabelecimento do seu poder em uma contrarrevolução. As mesmas consequências resultariam se fosse permitido sobreviver o mais leve preconceito democrático, com respeito a uma igualdade de tratamento que supostamente seria concedido aos burgueses pelo poder proletário no que tange à liberdade de associação, de propaganda e de imprensa.

16. O programa de um órgão de representação política, baseado em delegados de várias categorias profissionais e de todas as classes sociais não é nem mesmo um caminho formal ao sistema dos conselhos proletários, porque esse é caracterizado pela exclusão dos direitos eleitorais da burguesia e seu organismo central não é designado por categoria, mas por circunscrição territorial. A forma de representação em questão é um estágio inferior até mesmo se comparado com a democracia parlamentar atual. (...)
III

7. A participação em eleições para os órgãos representativos de democracia burguesa e a atividade parlamentar, mesmo que se apresentando a todo tempo como um contínuo perigo de desvio, pode ser utilizada para propaganda e a formação do movimento durante o período em que ainda não existe a possibilidade de abater o domínio burguês e em que, como consequência, a tarefa do partido é restringida à crítica e oposição. No período atual, aberto pelo fim da guerra mundial, pelas primeiras revoluções comunistas e a criação da Terceira Internacional, os comunistas colocam como o objetivo direto da ação política do proletariado em todos os países, a conquista revolucionária de poder, fim para o qual toda a energia e todo o trabalho preparatório devem ser dedicados. 

Por causa da grande importância que a atividade eleitoral assume na prática não é possível conciliar esta atividade com a afirmação de que esse não é o meio de alcançar o objetivo principal da ação do partido: a conquista do poder. Também não é possível evitar que ela absorva toda sua atividade do movimento, desviando-o da preparação revolucionária.

8. A conquista eleitoral de municípios e administrações locais, enquanto apresenta em maior medida os mesmos inconvenientes do parlamentarismo, não pode ser aceita como um meio de ação contra o poder burguês seja porque estes corpos locais não são investidos de nenhum poder real, porque também são sujeitados ao da máquina estatal; ou porque embora a afirmação do princípio de autonomia local possa causar algum embaraço para a burguesia governante, seria antitético ao princípio comunista da centralização da ação e proporcionaria à burguesia um ponto de apoio para se contrapor ao estabelecimento do poder proletário.”

Leiam camaradas, não tirem suas conclusões a partir de espantalhos, conversas do twitter e artigos da Wikipédia. Entendam o que a ala da qual vocês “discordam” defende e apontam em cima disso o que acham estar errado. Percebam por exemplo que não se trata de uma diminuição da luta parlamentar em momentos revolucionários mas sim que a ação eleitoral absorveria as energias do movimento comunista para si, exigindo que os comunistas tivessem de escantear a preparação revolucionária - E se quiserem, façam o exercício de tentar entender se os nossos esforços na última eleição por exemplo, atraindo e massificando nosso partido nos ajudou a constituir uma base considerável e de atividade constante em nosso partido dentro dos setores estratégicos, e se os esforços e os atritos realmente tiveram ganho político. Não acho que deve se tratar de um 8 ou 80, haverão momentos e lugares onde uma tática fará mais sentido que outro, achar que Lênin estava falando a todos os comunistas de todas as épocas “participem de suas eleições” e não os incentivando a investigar se tal tática valeria a pena ou não, já que não poderia ser completamente aceita ou negada a priori é o verdadeiro dogmatismo.

Sei inclusive, que o Kruschovinho pede para que se aponte mais discordâncias entre Lênin e Bordiga - e aqui questiono camarada - porque não ir direto a fonte e investigar por si? Ambos os polemistas citados colocaram por vezes suas posições, se a reputação é o único fator que levará em conta e não a veracidade de seus argumentos, apenas escolha seu marxista-leninista favorito e seja feliz!

  • A wikipédia diz que vocês defendem que no dia 1 da revolução, será abolida o dinheiro e a mercadoria. Onde está a formulação positiva do que vocês vão colocar no lugar da mercadoria e do dinheiro? Não vale dizer que são os trabalhadores que vão decidir isso ex nihilo somente no dia da revolução. A wikipédia está errada e isso é uma grande mamadeira de p*roca?

Pelo amor de Deus! O mesmo tempo que tu gastou lendo esse artigo na wikipedia poderia ter sido investido em pelo menos abrir algum texto do PCInternacional ou da página do Bordiga no Marxists (que vem recebendo traduções inclusive!)

No entanto, sobre o dia 1 da revolução:

“Nos concentramos em comparar a visão marxista e socialista da futura sociedade com a “visão” dos imediatistas (isto é, daqueles que desconfiam da forma-Estado e da forma-partido como vistas por Marx, Lenin e nós mesmos como os pré-requisitos essenciais da revolução), mas ainda não paramos, apesar de termos folheado a parte das “Notas Marginais” da Crítica do Programa de Gotha, para examinar as fases inferior e superior do socialismo, classicamente recuperadas por Lenin.

A superioridade óbvia do sistema econômico no qual a produção e a distribuição não são realizadas por “unidades autônomas” no padrão dos “campos de concentração” capitalistas atuais (com base em empregos, empreendimentos, e várias jurisdições incluindo a nação — cujos muros de arame farpado eliminaremos à força algum dia), mas para e pela sociedade, e numa escala social, já está evidente na fase inferior das duas imaginadas por Marx.

Na fase inferior do socialismo, diferenças de classe ainda não foram eliminadas; não se pode falar ainda da abolição do Estado; ainda assim, as tradições patológicas de uma sociedade dividida em Ordens, até a terceira e a última, sobrevivem; a cidade e o campo ainda estão separados; a divisão social de deveres e tarefas, a separação de mão e cérebro, de trabalho manual e técnico, ainda não foi abolida.

Contudo, no nível econômico, os setores da sociedade que até o momento eram independentes e estavam guardados no armário são postos na panela social fervente. As pequenas comunas, confederações de comércio e empreendimentos individuais, aos quais não é permitida sequer uma existência transitória, já estão desfeitos.

A partir do momento que “ela [a sociedade comunista] acaba de sair da sociedade capitalista”, não há mais lugar para mercados, para a troca entre os “setores autônomos” cercados por arame farpado. “No interior da sociedade cooperativa, fundada na propriedade comum dos meios de produção, os produtores não trocam seus produtos; do mesmo modo, o trabalho transformado em produtos não aparece aqui como valor [destacada por Marx] desses produtos, como uma qualidade material que eles possuem, pois agora, em oposição à sociedade capitalista, os trabalhos individuais existem não mais como um desvio, mas imediatamente [como seria o caso nos esquemas comunal, sindical e do conselho de fábricas] como parte integrante do trabalho total”.

Nas páginas que concluem nosso estudo da estrutura econômica e política da Rússia, desenvolvemos o ponto de que mesmo durante a primeira fase, a inferior, as limitações mercantis da produção mercantil são ultrapassadas. Nela, nenhum indivíduo pode mais adquirir e vincular nada à sua pessoa ou família através do dinheiro: pelo contrário, a ele é garantido o direito a um cupom não-permanente e não-cumulativo que lhe permite um consumo limitado pelo tempo, e que lhe é concedido dentro de limites restritos calculados socialmente.

Nossa concepção de uma ditadura sobre o consumo (isto é, a primeira fase, a qual se seguirá uma racionalidade social e de espécie) significa isto: não estará escrito em cada cupom uma unidade monetária que pode ser convertida em qualquer coisa, digamos, só tabaco e álcool e não pão ou leite, mas nomes de produtos específicos como os famigerados “cartões de racionamento”.

A lei burguesa sobreviverá, contudo, na medida em que a quantidade de consumo corresponder à quantidade de trabalho fornecido à sociedade — após as conhecidas deduções ao fundo comum terem sido feitas — e este cálculo terá de se basear na disponibilidade, bem como na utilidade e necessidade.

Ao invés de os produtos do trabalho humano serem comprados e vendidos e estarem sujeitos à lei do valor (como seria o caso se fossem trocados entre comunas “autônomas”, sindicatos ou empreendimentos), eles formarão uma única massa social. Finalmente, apenas uma conexão similar à troca mercantil permanecerá: aquela que existe que a quantidade de trabalho fornecida e o consumo diário individual.

Um erro crasso que corremos o risco de ouvir nos dá uma oportunidade maravilhosa de explicar este conceito. Alguém — um magnífico imediatista, sem dúvidas! — está dizendo por aí que “numa economia socialista o mercado permanecerá, mas será, é claro, limitado a produtos. O trabalho não será mais uma mercadoria”(16).

Pessoas assim às vezes nos ajudam a expressar uma ideia corretamente — contanto que viremos o que disseram do avesso. Isso é o que devem ter dito: “Na economia socialista não haverá mais um mercado” ou, melhor ainda, “uma economia é socialista quando o mercado não existe mais”. Na primeira fase, no entanto, “uma quantidade econômica ainda será medida como uma mercadoria: trabalho humano”. Na fase superior, o trabalho humano será nada mais senão um modo de vida, ele se tornará um prazer. Marx coloca assim: “o trabalho (…) se torna[rá] a primeira necessidade vital”(17).

Para libertar o trabalho do homem de ser uma mercadoria é necessário destruir todo o sistema mercantil! Não era essa a primeira objeção de Marx a Proudhon?

Mencionamos uma asneira que roda por aí, e aqui está outra que desmontaremos assim que possível num estudo futuro: “é necessário aumentar muito as forças produtivas antes de ser possível eliminar o mercado”. Isto não é de modo algum verdadeiro: Marx considera o aumento das forças produtivas a base da fase superior, isto é, na qual o consumo não é limitado socialmente por uma produção insuficiente, mas não como uma condição para o fim da sociedade mercantil e da anarquia capitalista.

No programa de 1891, numa passagem que deve ter sido ditada por Engels, se diz: “As forças produtivas já se desenvolveram a tal medida que o regime da propriedade privada não é mais compatível com o emprego inteligente delas”(18).

Está na hora de as monstruosas forças produtivas do capitalismo se prostrarem perante o controle ditatorial da produção e do consumo. É simplesmente uma questão de força revolucionária para a classe que, mesmo quando seu padrão de vida está melhorando (que Marx, como demonstramos acima, nunca negou) sente o peso constante da insegurança e da incerteza quanto ao futuro. É uma incerteza que também assola toda a sociedade, e daqui a algumas décadas se manifestará como uma alternativa entre a crise global e a guerra — ou a revolução comunista internacional.

A classe proletária precisará se equipar com a força necessária para realizar sua tarefa histórica. Primeiro, isso envolverá uma reconstrução — uma reinstituição — da teoria revolucionária, e então será uma questão de reconstruir um Partido Comunista numa base internacional: um partido sem fronteiras.”

Algumas coisas são necessárias colocar, o “dia 1 da revolução” não corresponde a instauração do socialismo, isso é dito tanto por Engels em Anti-Duhring quanto por Lênin em O Estado e A Revolução. Isso porque

“Engels diz que o proletariado, ao tomar o poder de Estado, «com isso suprime o Estado como Estado» (...) Na realidade, essas palavras exprimem resumidamente a experiência de uma das maiores revoluções proletárias, a experiência da Comuna de Paris de 1871”

“De facto, Engels fala aqui de «supressão» do Estado da burguesia pela revolução proletária, ao passo que as palavras sobre a «extinção» se referem aos resíduos do Estado proletário, depois da revolução socialista.”

Sim, as relações capitalistas não são eliminadas no dia 1, mas o que falamos de socialismo, fase inferior do capitalismo surge com a eliminação do Estado, que nesse momento é um estado proletário. E no caso, quando falamos da “proposta positiva” é só lembrarmos da frase denominador comum que tantos camaradas adoram falar:

 “Trabalhar menos, trabalhar todos, produzir o necessário, redistribuir tudo!”, como colocado em “Os fundamentos do Comunismo Revolucionário”, o estado e o partido são elementos centrais no processo revolucionário por ao centralizar a produção e distribuição do que é produzido são capazes de aplicar a frase anterior ao seu máximo.

No lugar da mercadoria e do salário, centralização total! simples assim!

  • Que parada é essa de “Centralismo Orgânico”, qual o problema do “Centralismo Democrático”?

Se entende que o Centralismo democrático não deve ser entendido como um princípio:

“O critério democrático até agora tem sido para nós um fator material incidental na construção da nossa organização interna e na formulação dos estatutos do nosso partido; não é a sua plataforma indispensável. Não elevaremos, portanto, a fórmula organizacional conhecida como “centralismo democrático” ao nível de um princípio. A democracia não pode ser um princípio para nós: o centralismo incontestavelmente é, uma vez que as características essenciais da organização partidária devem ser a unidade de estrutura e ação. A fim de expressar a continuidade da estrutura partidária no espaço, o termo centralismo é suficiente, mas para introduzir a ideia essencial de continuidade no tempo – a continuidade histórica da luta que, ultrapassando sucessivos obstáculos, avança sempre para o mesmo objetivo – proporemos dizer, ligando estas duas ideias essenciais de unidade, que o partido comunista baseia a sua organização no “centralismo orgânico”. Assim, embora preservando tanto do mecanismo democrático incidental quanto nos possa ser útil, eliminaremos o uso do termo “democracia”, tão caro aos piores demagogos, mas manchado de ironia para os explorados, oprimidos e enganados, abandonando-o ao uso exclusivo da burguesia e dos campeões do liberalismo, que aparecem sob várias formas, por vezes extremistas.”

Bordiga, O princípio democrático
“A ilusão da democracia é que a maioria sempre sabe o melhor caminho a seguir e que, ao votar, cada indivíduo carrega o mesmo peso e influência. Uma crítica a essa ideia está implícita no pensamento marxista, e essa crítica não apenas rejeita o monumental embuste do parlamentarismo burguês, mas também se aplica ao princípio da maioria sendo utilizado dentro do estado revolucionário, das organizações econômicas da classe trabalhadora e até mesmo do nosso partido, com exceção das situações em que não existam escolhas organizacionais alternativas. Ninguém melhor do que nós, marxistas, sabe a importância das minorias organizadas e a absoluta necessidade, para a classe proletária e o partido que a dirige, de agir de forma estritamente disciplinada e em estrito acordo com a política do partido.”

“Para nós, a posição comunista sobre a questão da organização e da disciplina deveria ser mais completa, satisfatória e original. Para defini-la brevemente, há muito preferimos a expressão “centralismo orgânico”, indicando assim que somos contra qualquer federalismo autonomista e que aceitamos o termo centralismo por seu significado de síntese e unidade, em oposição à quase aleatória e “liberal” associação de forças surgidas das mais variadas iniciativas independentes. No que diz respeito a um desenvolvimento mais completo da conclusão acima, acreditamos que ela pode ser derivada, muito melhor do que da continuação deste estudo do qual estamos dando aqui um mero esboço preliminar, de textos que provavelmente serão discutidos no quinto Congresso Comunista mundial. Em parte, o problema também é tratado nas teses sobre a tática do IV Congresso.”

Bordiga, Organização Comunista e Disciplina

Com isso (e deixo claro que nem sou ume árdue defensore do centralismo orgânico), se entende que o partido não deve estar sempre se reconduzindo a partir das necessidades imediatas, se transformando à medida que a conjuntura é transformada, deve se haver um plano mestre, definindo a linha do partido e não podendo ser abandonado. Deve se combater além disso, uma federalização, que não se possa reavaliar tudo a todo momento e que o partido não se transforme por meras votações obedecendo o princípio democrático. Não se deve pautar as ações do partido a partir de uma unidade de ação, que corrige os dissidentes da linha vitoriosa com apenas um lembrete de que não conseguiram vencer. Deve haver espaço para que o convencimento desses dissidentes seja realizado, a linha vitoriosa não deve ser aquela que mais conseguiu simpatizantes mas sim a que mais resiste às críticas sem desmanchar.

  • Como o Bordiguismo é relevante para a revolução Brasileira?

Da mesma forma que Marx e Lênin não são nascidos e criados no meu querido Cajuru, mas ainda sim trazem contribuições úteis para fazer avançar o processo revolucionário, Bordiga e toda ala do (muito heterogêneo) Comunismo de Esquerda representam um contraponto crítico aos processos revolucionários e deturpações das ideias de socialismo, revolução e partido quando a Internacional Comunista, hegemonizada pela URSS (cujo processo revolucionário foi em muito determinado e limitado por suas condições materiais obviamente) espalhou aos 4 ventos uma compreensão que propunha por exemplo o etapismo (o que hoje consideramos como um desvio, sendo inclusive um dos motivos para o racha). Se a revolução mundial não pôde ser instaurada e o MCI no último século teve várias derrotas (algumas inclusive apoiadas pela própria URSS como no caso da espanha e da grécia), talvez tenhamos algo a aprender ao entender quais eram os apontamentos sendo feitos já naquela época, assim como tendo uma noção clara de que toda nossa estratégia e tática possui sim uma historicidade e representam um processo de disputa (para saber o que manter e o que não).

  • O Marxismo-Leninismo é insuficiente? É fundamentalmente errado? Quais são suas teses?

https://emdefesadocomunismo.com.br/o-desenvolvimento-leninista-do-marxismo/ Sem paciência pra falar sobre isso, o que não faltam são tribunas falando sobre o que seria isso.

  • O que o Bordiguismo fez depois de perder a disputa pelo Partido Comunista Italiano? Alguma consideração sobre práxis? Alguma luta avançou com as teses do Bordiguismo? Bordiguismo tem validação na prática?

O assim chamado “bordiguismo”, perdeu a disputa pelo PCI, sim - No entanto reforço aqui: até antes da realização do congresso a ala esquerda era a imensa maioria dentro do Partido quando comparadas as outras alas. No entanto, a mesma foi expulsa (e aí vem a famosa acusação de trotskismo hehe), com Gramsci assumindo. Além disso, uma coisa chata rolava durante 1926, o congresso sofreu contínua repressão fascista - e a ala esquerda, mais ainda por não receber apoio do Comintern e do Partido Comunista da França (sem falar que os votos dos delegados ausentes contaram a favor da tese de Gramsci. Com Gramsci e Bordiga presos, Togliatti, considerado o pai do eurocomunismo assume a liderança se apoia a tese da “via nacional ao socialismo”, algo que não é nada inédito pro movimento comunista, a diferença é que enquanto se apontava em 1930 a necessidade da aliança com a burguesia nacional e a pequena burguesia, sendo a tese contraposta por Bordiga - temos hoje CERTEZA ABSOLUTA do quão RUIM foi a adoção dessa tática, tanto aqui quanto em qualquer outro país.

É importante colocar, não há como fazer um balanço sobre a derrota da ala esquerda no PCItaliano sem levar em consideração os diversos fatores colocados acima, como se fosse apenas resultado de uma pouca capacidade de argumentar e convencer seus pares durante isso. Houveram muitos fatores que influenciaram nisso, assim como a intervenção feita pelo Comintern. 

TRECHO EXTRAÍDO DE: Amadeo Bordiga foi o último comunista a desafiar Stálin na cara dele

David Broder: Bordiga é pouco conhecido nos países anglófonos, mas também na Itália. Isso se deve, parcialmente, à historiografia produzida pelo Partido Comunista, que no ápice do stalinismo o denunciou ou ignorou, e até mesmo a literatura ligada ao PCI nos anos 1970, como a biografia de Franco Livorsi, foi bastante desdenhosa. Por quê?

Pietro Basso: Na década de 1930, a difamação sistemática de Bordiga foi parte da “luta contra a oposição trotskista”, a qual ele foi acusado de apoiar. Na década de 1940, quando o regime fascista ruiu, os líderes do PCI ficaram preocupados com a possibilidade de Bordiga retornar à atividade política. O líder Palmiro Togliatti sabia que muitos quadros de baixo e médio escalão ainda poderiam ver Bordiga como uma autoridade; ele reconheceu que “excluir o bordiguismo” das fileiras do Partido era “algo mais difícil do que excluir Bordiga”.

Para além disso, me preocupa que tais questionamentos sejam feitos a linha da ala esquerda, enquanto as teses que são publicadas em nosso Órgão Central são as de Gramsci e Togliatti. O que a ala de centro fez após vencer o Congresso do PCItaliano? Quais foram os resultados na compreensão estratégica do PCI e em sua atuação prática?