'E a saúde, camaradas? - A falta de debate e a quebra de quadros' (A.C.)

Essa Tribuna surge, também, como um apelo para que mais camaradas da área da saúde em suas mais diversas atuações possam formular debates para compor acúmulo que beneficiem o proletariado brasileiro e nossos camaradas na luta pela revolução e superação do Capitalismo.

'E a saúde, camaradas? - A falta de debate e a quebra de quadros' (A.C.)

Por A.C. para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, escrevo esta Tribuna após a etapa de São Paulo do XVII Congresso Extraordinário do PCB-Reconstrução Revolucionária a fim de trazer uma reflexão sobre a área da saúde em nosso caderno de teses e, também, sobre a questão da saúde mental em nossas fileiras. Além disso, trago inquietações que me surgiram após a leitura das tribunas 'Saúde mental e relações de camaradagem' de camarada M.F e 'A questão da saúde mental na organização marxista' de camarada Vinicius Nogueira. Inclusive, gostaria de agradecer es camaradas por suas contribuições e levantamentos.

Essa Tribuna surge, também, como um apelo para que mais camaradas da área da saúde em suas mais diversas atuações possam formular debates para compor acúmulo que beneficiem o proletariado brasileiro e nossos camaradas na luta pela revolução e superação do Capitalismo.

Para trazer meus apontamentos, vou estruturar essa Tribuna em 3 partes que, ao meu ver, podem facilitar a leitura e compreensão dos pontos que quero debater. A princípio, quero trazer um contexto histórico resumido sobre a chegada da Psicologia no Brasil, algo que considero de extrema importância para entender a formação dos profissionais e do trabalho na área de saúde mental em nosso país e, também, o surgimento de políticas públicas na área da Saúde. Entendo que esse trecho possa ser um pouco mais extenso e denso de ler, mas não consigo pensar uma discussão sobre saúde e política brasileira sem compreender a historicidade da Psicologia no nosso país, que está ligada a história de outros setores da saúde no Brasil. 

Em seguida, quero discutir o que entendemos enquanto saúde de forma geral, com o intuito de demonstrar a falta de visão política dentro do caderno de teses sobre esta área e levantar como esse debate é de suma importância em diversos pontos da vida dos trabalhadores brasileiros. 

Por fim, quero levantar alguns pontos sobre como podemos pensar a questão da saúde mental dentro das nossas fileiras a partir desses dois pontos que foram levantados anteriormente.

Entendo que esse texto pode ficar um pouco longo mas, por outro lado, pela falta de debates e formulações acerca do assunto no caderno de teses, penso que isso pode ser benéfico em vários pontos para o avanço da questão da saúde em nosso país através da nossa militância. Além disso, entendo que esse texto pode passar por algumas questões sensíveis que vou deixar mais ao final e terá um aviso sobre para não causar mal estar desnecessário aos camaradas que estão lendo.

1 - Resumo sobre a história da Psicologia no Brasil e ponderações sobre a Saúde Pública

As discussões sobre áreas da Psicologia no Brasil surgem ao final do Século XIX e ganham força nas primeiras décadas do século XX, principalmente dentro de duas outras áreas da ciência: A Medicina e a Educação. De um lado, o início se dá pela Medicina que se debruça sobre os estudos da Psicofisiologia, entendendo as respostas do cérebro a diversos tipos de estímulos. Nesta área temos os primeiros registros sobre menções e formulações acerca da Psicologia no Brasil baseados em outros estudos vindos, principalmente, de cientistas alemães e franceses.

Por outro lado, após o desenvolvimento de alguns estudos médicos sobre o tema, a Educação, principalmente dentro das Escolas Normais, trouxeram estudos sobre a Psicologia do Desenvolvimento e, também, criação de testes estatísticos na área da Pedagogia.

Aqui, temos que essas duas áreas, a princípio, foram importantes na criação de um contexto propício para estudos com um olhar biologizante da Psicologia no Brasil. Os principais enfoques de debates eram estímulos corporais, respostas biológicas e o desenvolvimento humano de forma geral. Os ideais advindos da Medicina e da Educação nos primeiros estudos da Psicologia no país eram de que o Brasil era atrasado em relação à Europa, fazendo com que os debates tivessem um ideal higienista acerca da população como uma forma de “avançar” culturalmente e socialmente o povo brasileiro. Para comprovar isso, quero destacar a criação da Liga Brasileira de Higiene Mental em 1923, que muitas das vezes não é citada na história do desenvolvimento da Psicologia brasileira por ter assumido uma posição eugenista na década de 30.

Grande parte desse ideal de que era necessário avançar as pessoas e cultura brasileira já vinha de meados do século XIX, quando já era nítido que crescia o número de pessoas em situação de rua, sem trabalho e vivendo à margem da sociedade. Por isso, em 1852 criou-se o primeiro hospício no Brasil, o Hospício de Alienados Pedro II, que serviu para institucionalizar e isolar da sociedade as pessoas pobres e que fugiam do ideal social colonial que, em sua grande maioria, eram pessoas racializadas, indígenas, neurodivergentes, pessoas com deficiência ou que fugiam da cisheteronormatividade e do ideal cristão. 

Então, a Psicologia surge nesta época nas formulações brasileiras como uma forma de dar força ao trabalho dos hospícios, que cresceram em número e capacidade fortemente a partir da segunda metade do século XIX, principalmente por influência política, de instituições religiosas e investimento de intelectuais e os considerados filantropos. Apesar de já haver ideais diferentes sobre a Psicologia e Psiquiatria entre os intelectuais, esse contexto ligado a Higiene Mental, institucionalização e correção dos indivíduos era o hegemônico.

Este olhar biologizante e corretivo da Psicologia vindo da Psiquiatria da época ajudou em grande escala no acontecimento de um dos episódios mais marcantes da história da saúde mental brasileira que ficou conhecido como o “Holocausto Brasileiro”. Ele aconteceu no maior hospício do Brasil, o Hospital Colônia de Barbacena, sendo responsável pela morte de 60 mil pessoas entre a década de 20 e 80, em um local que tinha apenas 200 leitos. Recomendo tanto a leitura do livro “Holocausto Brasileiro” quanto a visualização de seu documentário para quem quiser entender um pouco melhor esta história da trajetória da Saúde no Brasil, porém, aviso que eles são repletos de imagens e relatos pesados, mas necessários para o entendimento de nossa história.

Deixo aqui as perguntas: quem vocês imaginam que eram encarcerados e morriam nessa instituição e tinham seus órgãos vendidos para as faculdades de Medicina da época? Quem ganhava dinheiro com a morte dessas pessoas? Quais eram os interesses políticos na criação e ampliação dos números de hospícios desde meados do século XIX? Parece que as respostas são óbvias porque elas realmente são, ainda mais porque vemos a reprodução de muitos desses ideais ainda hoje, mas sem a presença dos manicômios e sim das Comunidades Terapêuticas.

Finalmente, gostaria de falar sobre a Luta Antimanicomial Brasileira, que surgiu no fim da década de 80 como um braço da Reforma Sanitária Brasileira. É de extrema importância ressaltar que essas duas lutas surgiram e avançaram através dos trabalhadores e trabalhadoras da área da Saúde. Foram 2 movimentos sociais que trouxeram ganhos para a população trabalhadora e, que aqui, destaco dois: a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e a criação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). É importante lembrar que essas duas políticas são referências internacionais quando se pensa em tratamentos de saúde públicos, tanto pelos seus pilares que são: Universalidade, Equidade e Integralidade, quanto pelas suas diretrizes organizativas.

A Luta Antimanicomial foi central para a extinção dos manicômios no Brasil e para a organização de bases mais humanas para o tratamento de pessoas neurodivergentes e com drogadição. Bem como, luta constantemente contra ataques da ideologia liberal que tenta trazer de volta o tratamento desumano e arcaico praticados nos manicômios através das Comunidades Terapêuticas, principalmente se utilizando de técnicas ultrapassadas e derrubadas cientificamente como a abstinência, isolamento social, forte medicalização e culpabilização dos internos.

Enxergo aqui, um importante espaço de disputa política onde os comunistas ainda falham e, talvez, não vejam seu potencial por um afastamento dos debates na área de saúde. Por que penso isso? Bem, desde a criação do SUS e do RAPS, as discussões sobre avanços na área da saúde pública ficaram restritas a pequenos ganhos financeiros e técnicos, perdendo o forte caráter político que se havia antes com a Reforma Sanitária e a Luta Antimanicomial. 

Como estão organizados hoje os trabalhadores da área da saúde que pensam criticamente a construção de uma saúde pública, universal, multidisciplinar e integrada? Muitas das vezes, esses trabalhadores estão quebrados, assim como alguns de nossos quadros, por se sentirem isolados dentro de equipes que precisam constantemente lidar com altas demandas de trabalhos que se acumulam pelo sucateamento e falta de um maior número de profissionais. 

Diversos desses trabalhadores são mal remunerados em comparação aos médicos e, muitas das vezes, estão na linha de frente lidando com assuntos delicados. Tive a oportunidade de estagiar em uma UBS durante meu curso de Psicologia, pegando o início e ascensão da pandemia de COVID. Nesta UBS, havia apenas uma psicóloga responsável por um conjunto de bairros, com uma fila de espera para atendimentos psicológicos com suas mais diversas características. Ali, ao lado desta psicóloga responsável, lidamos com casos como: luto pela COVID, adoecimento físico e psicológico, perda de empregos e renda, empobrecimento, aumento da população em situação de rua, entre outros. Pude ver de perto apenas uma pessoa ter que gerir e lidar com todos esses casos, aguentando a carga psicológica e se expondo a riscos em plena pandemia.

Mesmo com o sucateamento e dificuldades, essa profissional entendia a importância política e social do SUS e sempre destacou isso. Assim como tive contato com camaradas durante a etapa estadual do Congresso que partilharam suas visões sobre a delicadeza da área da saúde e o isolamento desses profissionais tendo que lidar com as mais diversas demandas, mas, que mesmo assim, entendem o potencial político do setor.

Aqui não vou me debruçar sobre a precarização dessas duas políticas públicas da área da saúde, pois entraria em um foco que não é o do meu texto, mas é claro que, no papel, o SUS e o RAPS são muito mais bonitos que na prática, por outro lado, é inegável a importância dessas duas políticas na vida de qualquer trabalhador e trabalhadora brasileira mesmo diante do sucateamento e corte de verbas feito ativamente pelo Estado Burguês.

Continuando, quero ressaltar uma inquietação que me surgiu tanto na leitura da Tribuna 'A conta não fecha: uma penumbra reside no debate sobre setores estratégicos' de camarada Kim, quanto na discussão sobre setores estratégicos durante a etapa de São Paulo do XVII Congresso Extraordinário do PCB-Reconstrução Revolucionária. A saúde é um setor estratégico? Bem, se a Reforma Sanitária Brasileira e a Luta Antimanicomial não servem como base histórica para defender esse ponto, quero trazer outros que acredito reforçar isso.

Hoje em dia os trabalhadores do SUS têm uma forte penetração territorial em diversos estados, cidades, bairros e comunidades de todo o Brasil, principalmente pelas suas diretrizes organizativas como Regionalização e Descentralização. Ao meu ver, alguns profissionais do SUS e do RAPS como agentes de saúde e enfermeiros, conhecem diversos trabalhadores e trabalhadoras de suas regiões, conhecem suas histórias e suas demandas, sendo isso de um potencial político e estratégico enorme. Como queremos nos inserir em diversas realidades da classe trabalhadora sem conhecer suas demandas? Vejo aqui, principalmente nos profissionais das equipes de Atenção Primária à Saúde, um conhecimento que pode ajudar a avançar nossa luta política em diversas regiões por acompanharem de perto essas realidades.

Além disso, o SUS está inserido em frentes como: Vigilância Sanitária, ANVISA, Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Vigiagua), Subsecretaria de Vigilância, Fiscalização Sanitária e Controle de Zoonoses (Subvisa), Programa  Nacional de Imunizações (PNI), entre diversas outras. Se há tantas frentes de trabalho da saúde, com diversos profissionais atuando, como não há ainda um claro consenso entre os militantes de que a saúde é um setor estratégico?

Enquanto profissional da área, imagino o impacto que teria na vida dos trabalhadores e trabalhadoras precarizados a falta dos profissionais da saúde pública (algo que já vemos com o sucateamento do SUS). São esses profissionais que estão na linha de frente do atendimento das pessoas que não têm condições mínimas de acessar a saúde privada. O que seria da saúde da classe trabalhadora sem esses profissionais? O que aconteceria se eles entrassem em greve? Quem sofreria mais com sua ausência? Se os trabalhadores não estiverem saudáveis ou, no mínimo, com condições de trabalhar medicalizados, a economia brasileira seria amplamente impactada.

Aqui então deixo uma questão: será que é a saúde, em geral, ou a saúde pública um setor estratégico? Não sei se essa separação pode ser feita enquanto discussão de setor estratégico mas, para mim, é impensável não enxergar os trabalhadores e o próprio SUS como “essenciais à manutenção do funcionamento da economia e sociedade”. Para finalizar este tópico, queria dizer que fiz um esforço para resumir e passar pelos pontos que considero mais importantes para o debate futuro do texto e, por isso, peço a contribuição de mais camaradas nesta discussão. Por fim, afirmo, se não fossem os trabalhadores do SUS e sua luta diária veríamos o adoecimento e falecimento da classe trabalhadora, principalmente a mais empobrecida, crescer altamente, ainda mais levando em conta o ideal liberal que não se importa nem um pouco com a morte dos pobres.

2 - O que entendemos enquanto saúde?

Acredito que há uma visão muito distorcida sobre o que é saúde, tanto na população em geral, quanto nas nossas fileiras. É claro que quando pensamos em saúde há uma forte ligação imediata com aspectos da Medicina em geral e suas especializações, bem como de aspectos biológicos. Atualmente, a Psicologia também tem ganhado muita força no imaginário sobre saúde, o que, para mim, é um claro indício do adoecimento psicossocial da população no Capitalismo e da inserção dessa área nas discussões sobre o setor.

Enfim, o que quero trazer aqui é que a saúde é muito mais ampla que isso para refletirmos algumas coisas que estão no caderno de teses. A princípio, quero trazer a discussão sobre o que é ser/estar saudável?

Essa determinação é uma discussão que se arrasta por muito tempo nas mais diversas áreas da saúde. Estar saudável é a ausência de doenças? É estar apto para realizar as tarefas do nosso cotidiano? É o poder de reproduzir padrões sociais considerados normais? É estar apto a trabalhar nas condições mais precárias mesmo que isso exija a medicação constante? É não ceder aos enfrentamentos psicológicos colocados pelo ideal de vida liberal e da meritocracia?

Bem, a Biologia é muito utilizada pela Medicina para essa definição mas, nas últimas décadas, vemos cada vez mais determinações sociais para entender alguns processos de adoecimento. Por isso quero destacar a amplitude do conceito de saúde e seu impacto em diversas áreas da vida humana.

Por exemplo, quando falamos de segurança alimentar e garantir uma alimentação de qualidade para toda a classe trabalhadora, isso passa por questões de saúde para determinar os padrões de alimentação que permitam uma melhor qualidade de vida, o impacto dos agrotóxicos, e problemas de saúde que podem ser resultantes de uma alimentação precarizada.

Quando falamos de dar fim às Comunidades Terapêuticas temos que pensar em como a área da saúde vai ajudar na volta das pessoas institucionalizadas ao convívio social, sem que sejam isoladas novamente e, principalmente, sem que sejam medicadas massivamente como forma de mantê-las inertes e silenciadas dentro de suas casas e de seus próprios corpos.

Quando falamos de uma mudança da política sobre drogas e o tratamento de dependência química nós nem discutimos como seria feito isso no caderno de teses, qual é a nossa percepção acerca desses dois pontos que considero de extrema importância e que a área da saúde já avançou em alguns estudos de destaque como a política de Redução de Danos.

Quando falamos sobre garantir um “sistema de saúde 100% público, gratuito, universal e gerido democraticamente” estamos falando sobre qual ideal de saúde, sobre qual formação de profissionais que atuarão nessa frente, sobre qual ideal frente a medicalização e determinações sociais do adoecimento corporal e psíquico?

Esses e outros pontos mostram como nosso debate ainda é muito raso politicamente no que tange a área de saúde e, por isso, acredito que o nosso caderno de teses esteja totalmente esvaziado sobre o tema.

Se a Saúde está inserida em diversas frentes, não é possível que continuemos reproduzindo um olhar apenas biologizante para a determinação do que é saudável, do que é doença, do que é normal, do que é patológico, do que é norma e do que loucura, por exemplo. Por isso, acredito ser de extrema importância termos debates sobre isso para definir qual ideal queremos defender em uma saúde pública, para que não haja a continuidade de reprodução apenas de padrões médicos-biológicos que acabam por influenciar diretamente nas condições de vida dos trabalhadores e trabalhadoras diariamente.

Camaradas, saúde é muito mais que apenas médicos, psicólogos e remédios. É muito mais que consultas, exames e procedimentos cirúrgicos. É muito mais que cura e doença. A saúde está conectada com diversas áreas da vida humana e, consequentemente, com as condições de vida da classe trabalhadora.

Por fim, temos como compromisso um “sistema de saúde 100% público, gratuito, universal e gerido democraticamente”. Então, é importante discutir o que podemos aproveitar do que já acontece no SUS, que tem em suas diretrizes e pilares muito do que já entendo que buscamos. Percebi que nenhuma dessas discussões foram levantadas no caderno de teses, nem na sistematização da etapa estadual, mas espero que pelo menos uma parte de tudo isso seja discutido no Congresso Nacional e tenho confiança nos camaradas que irão nos representar nessas discussões.

3 - Saúde mental na militância e caminhos possíveis para a camaradagem

Deixei aqui ao fim, o tópico que considero ser sensível para algumas pessoas que tange a minha área de atuação, que é a saúde mental. Atualmente, temos um cenário de destruição social tanto nacionalmente, quanto internacionalmente. O que quero dizer com isso? Bem, se olharmos ao nosso redor, veremos o crescimento da população em situação de rua, vamos perceber a precarização das condições de vida e de trabalho, vamos perceber amigos, familiares e camaradas exaustos e com demandas de saúde, vamos perceber a continuidade de massacres contra populações como nas favelas do Brasil e na Palestina, vamos perceber a dificuldade de pais e mães de família que trabalham o dia todo para conseguirem dar o mínimo aos seus filhos, violências de diversos tipos, crise climática… Poderia citar aqui inúmeras outras situações da realidade capitalista que influenciam diretamente na saúde mental do povo brasileiro. Qual o resultado disto tudo? 

Além do adoecimento psíquico, temos o Brasil como um dos países que sofre com o aumento das taxas de suicídio, indo na contramão das estatísticas globais (com exceção das Américas), mesmo com a criação de um plano nacional para a diminuição destes números. O número de suicídios aumenta principalmente entre os adolescentes, além do número de tentativas e das lesões autoprovocadas. Isso é uma clara indicação da falta de perspectiva diante da juventude brasileira, onde a falta de estrutura e amparo culmina no ato de tirar a própria vida.

Por outro lado, se formos levar em conta a história da Psicologia no Brasil (trecho 1), podemos perceber uma forte influência de conceitos europeus e estadunidenses nas universidades brasileiras que formam os trabalhadores da linha de frente no atendimento destas demandas específicas de outra região global. Assim, podemos entender também como a Indústria Farmacêutica e as Comunidades Terapêuticas (CT) ganharam força como resposta para as demandas sociais. Essas duas frentes são respostas rápidas e simplistas para os problemas de saúde mental que avançam cada vez mais.

Contudo, uma discussão muito presente na Psicologia é sobre o fato dos remédios psiquiátricos não serem métodos de cura, ao contrário de remédios para condições biológicas. É impossível reproduzir o ideal hegemônico médico dentro da saúde mental, pois diferente de doenças como, por exemplo, gripes e resfriados, as condições mentais não são vírus ou patógenos que entram no corpo humano e desregulam seu funcionamento.

Os remédios psiquiátricos servem para amenizar sintomas, permitir a existência em sociedade sem que, por exemplo, a ansiedade, pânico, depressão, melancolia afetem seu trabalho, estudos e afazeres. Contudo, se não mudamos as condições de vida ao nosso redor, como vamos melhorar desses sintomas que não são considerados comuns à homeostase corporal? Se, a todo instante vemos morte e destruição, vemos a precarização da vida, como vamos nos sentir menos ansiosos, depressivos ou em pânico?

Bem, não quero ser fatalista como se não houvesse uma resposta, mas acredito fortemente que está na própria militância e na camaradagem uma forma de superar isso. Explico aqui o porquê: se a vida capitalista não faz sentido porque tende a destruição da classe trabalhadora e da Terra, estaria, possivelmente, na construção de um novo sentido a resposta para essa angústia.

Contudo, diante de todas as armas estruturais e políticas que o capitalismo possui, não é possível a construção individual deste sentido, pois isso poderia nos deixar ainda mais isolados, persecutórios e angustiados. Então, é na construção coletiva de um novo sentido que podemos reforçar o sentimento de pertencimento a uma forma de enfrentar todas as mazelas e, além disso, ter forças para superar o diário embate contra as forças do Capitalismo.

Deixo aqui então outra questão: o quanto sabemos sobre as condições de vida dos camaradas de nossas fileiras? O quanto partilhamos nossa vida com os camaradas para além de trabalhos e atividades da militância?

Acredito que a quebra de quadros possa ser um sintoma que se repete dentro da militância por um sintoma que se desdobra fora dela também, o isolamento em momentos críticos. O que quero dizer com isso? Quando estamos sobrecarregados e precisamos lidar com algo, costumamos colocar nossos resquícios de forças para lidar com essa situação e terminá-las, ocasionando a quebra durante e ao final desses afazeres. Além disso, compartilhar as dificuldades pode ser visto como fraqueza e não queremos ser vulneráveis diante dos outros, queremos demonstrar que podemos fazer o que nos propomos a fazer ou o que confiaram a nós. Se eu não consigo terminar o que os camaradas confiaram a mim, o que sou dentro da militância? Isso é uma clara incidência do ideal liberal de que precisamos ser fortes individualmente, de que precisamos lidar sozinhos com o que assumimos e que não podemos ceder, mesmo dentro de nossas fileiras.

Bem, acredito que algo que possa ajudar na manutenção dos quadros, para além de uma boa organização do Partido, é essa partilha para além da militância. Se somos camaradas, se estamos unidos, se queremos construir algo em comum, também temos que partilhar outros aspectos da vida para além dos compromissos. Afinal, se olharmos historicamente, todos os grupos sociais comemoravam suas vitórias, seus marcos e sua união para além das batalhas e compromissos. Quantas vezes nos propomos a estar juntos para partilhar, ouvir e sermos ouvidos? Por exemplo, uma ideia possível (mas podem haver diversas outras) seria um dia, com certa periodicidade, com algumas atividades internas sem o peso de sermos apenas militantes. Essa foi uma ideia que surgiu ano passado por alguns camaradas da região que faço parte mas que, infelizmente, não conseguimos manter por todas questões do racha, reestruturação interna e quebra de quadros. Mas nesse dia teríamos uma roda de conversa sobre saúde mental na militância e a possibilidade de outras atividades, como Cine Debate, almoço coletivo, formação aberta com camaradas de outras localidades e apresentações artísticas. 

Isso pode parecer mais uma atividade e compromisso militante, mas quando desenvolvida coletivamente, o resultado pode ser benéfico, porque permite o encontro dos camaradas em um espaço que não seja de atividade política, permite estreitar os laços e o surgimento de novas ideias, indo contra o isolamento citado anteriormente. Também permite que os camaradas conversem para além dos espaços de reuniões, manifestações, atividades e panfletagens. 

Como disse, podem haver outras ideias sobre como criar um espaço coletivo para que os camaradas possam estar presentes e partilhando suas vidas para além da militância, para que possamos ser humanos além de militantes, para que possamos partilhar nossas fraquezas internamente e, assim, estarmos mais forte nas nossas batalhas externas.

Também acredito que essa não seja a solução e resposta definitiva para a quebra de quadros, mas pode ser uma ideia inicial para que possamos construir outras. Anteriormente citei que uma boa organização do Partido também vai ajudar nisso, com uma melhor compreensão e divisão das tarefas por todos os militantes. Além disso, a construção de uma nova realidade para a Classe Trabalhadora é o que vai ajudar na questão da saúde mental, uma vez que o Capitalismo se mostra cada vez mais insustentável em diversas esferas, sendo a mente e o pensamento duas delas.

Por fim, queria deixar uma sensação que partilhei com outros camaradas durante a Etapa Estadual que foi o sentimento de voltar para nossas cidades com algumas esperanças renovadas sobre a militância. Ao conhecer, ouvir e debater com militantes de outras localidades foi possível ver e compreender os trabalhos desenvolvidos em outras cidades com maior riqueza de detalhes. Foi possível construir diálogos que podem resultar em novas ideias, trabalhos e, também, foi isso que me motivou a escrever esta tribuna mesmo com todas as questões pessoais que tenho. 

Ou seja, essa partilha presencial durante alguns momentos fora dos debates congressuais permitiu que saíssemos de nosso isolamento e questões regionais, permitiu a visualização de novos panoramas e nos tirou de uma inércia sensorial sobre problemas específicos daqui, reforçando meu ponto anterior sobre a partilha para além da militância.

Enfim, espero que esse texto possa ser, pelo menos, uma faísca para novas coisas em nossa militância. Espero também poder conversar e construir novas ideias com os camaradas que estão lendo esta Tribuna. Que possamos construir esse futuro que desejamos no presente, a cada dia, através da camaradagem, do poder popular e da luta coletiva.


Referências:

https://www.scielo.br/j/pcp/a/9KqzhPLhtm58PQNGQB39GLq/

https://humanas.blog.scielo.org/blog/2016/10/28/o-primeiro-hospicio-do-brasil-e-o-controle-social-no-fim-do-seculo-xix/

https://www.scielo.br/j/pcp/a/j6f3HznKpVNrwSKM3gcPGpy/?lang=pt

https://jus.com.br/artigos/67093/violacoes-de-direitos-humanos-na-historia-da-psiquiatria-no-brasil

https://portal.fiocruz.br/noticia/2024/02/estudo-aponta-que-taxas-de-suicidio-e-autolesoes-aumentam-no-brasil