'Dicotomia capital-interior: considerações acerca do núcleo UNESP' (Elis Martins, Vitor Gimenez e Leticia Severini)

Isso significa que não há uma defasagem na militância em lugares fora da capital? Não! Mas longe de ser uma dicotomia, a verdade é que nosso trabalho artesanal não permite que nossa organização vá além da dinâmica socioeconômica de cada local.

'Dicotomia capital-interior: considerações acerca do núcleo UNESP' (Elis Martins, Vitor Gimenez e Leticia Severini)

Por Elis Martins, Vitor Gimenez e Leticia Severini para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas,

Desde a etapa de base do IX Congresso da UJC no núcleo UNESP, passando por discussões locais, até a etapa regional de São Paulo do XVII Congresso (Extraordinário) do PCB-RR, uma falsa polêmica se evidencia: a “dicotomia capital-interior”. Essa tribuna tem como objetivo evidenciar o que es camaradas apresentam dessa forma é, na verdade, um reflexo do trabalho artesanal e fragmentado na nossa militância. 

Resolvemos escrever essa contribuição após a etapa regional de São Paulo do XVII Congresso (Extraordinário) dada a constância com que o tema aparece em espaços estaduais, e sempre com os mesmos argumentos, evidenciando que não houve um avanço no tema em questão. Somos militantes que estão, ou que passaram pelo núcleo UNESP, e viram, pelo menos dentro desse núcleo que está amplamente espalhado pelo interior do estado, o debate nascer. 

A Universidade Estadual Paulista - UNESP possui 24 campus em 22 cidades. O respectivo núcleo tem uma estrutura fracionada: um único núcleo com 8 frações, onde cada fração tem uma extensão das pastas do secretariado, sendo priorizadas as de política, finanças e organização. A extensão, um militante destacado que vira uma espécie de “mini secretário”, tem contato direto com o secretário da pasta em questão. 

O mais importante a se mencionar é que existem campus da UNESP em diversas cidades espalhadas pelo interior paulista, desde São Vicente até Presidente Prudente. Isso faz com que o núcleo seja complexo e esteja em locais de atuação com demandas, forças políticas e correlação de forças completamente diferentes, ainda mais pelo fato da UNESP não ter um DCE (que não tem gestão desde 2007 quando a UJS perdeu completamente a credibilidade nas bases), apesar da entidade estar em processo de reconstrução.

A primeira vez em que a crítica da “dicotomia capital-interior” apareceu foi na etapa do núcleo UNESP do IX Congresso da UJC. Tal crítica surge no contexto de atividade do jornal O Futuro de São Paulo, baseada no fato de que pouquíssimas matérias do interior do Estado eram publicadas especialmente na edição física do jornal, e isso dificultaria o trabalho político. A partir disso, camaradas fazem a análise de que a UJC teria uma política de privilegiar o desenvolvimento da militância no município de São Paulo em detrimento dos trabalhos do interior.

Já nesse momento, uma camarada da Coordenação Estadual (instância dirigente da época) rebate a crítica, dizendo que matérias não eram postadas porque a militância do interior não enviava, ou enviava pouquíssimas matérias para o jornal. Essa argumentação não foi suficiente, até porque não se investigava o próximo questionamento: por que os núcleos do interior enviavam poucas matérias? Afinal, se há um problema na base, provavelmente também há um problema de direção.

Outro ponto apontado na suposta dicotomia é de que a CE da época seria formada em sua grande maioria apenas por quadros da capital. É fato que boa parte dos quadros desenvolvidos da UJC residem na região metropolitana de São Paulo. Mas o que faz com que tantos quadros se desenvolvam?

De imediato, a conclusão de alguns camaradas foi: existe uma defasagem que só poderia ser explicada por uma política deliberadamente centrada na capital, que cria uma dicotomia na militância, uma divisão entre os núcleos da capital e do interior. Curiosamente na etapa Estadual do IX Congresso, surge outra formulação parecida: haveria uma dicotomia entre núcleos de Movimento Estudantil (especialmente a USP) e núcleos de bairro, na qual haveria uma política deliberada de negligência com a militância dos bairros. Assim surgiram tais concepções de dicotomia, que afirmamos ser extremamente equivocadas, um espantalho forjado em uma leitura mecanicista da realidade da UJC em São Paulo. 

A partir daqui, precisamos dar elementos que indicam que não existe, e nunca existiu, uma política deliberada de abandono do interior, se tratando especificamente do núcleo UNESP.

  1. Durante anos a UNESP teve como assistência quadros muito sólidos da nossa organização, e a maioria deles fazia parte do secretariado da CE (e até membros da CN) em sua época. 
  2. A fração mais desenvolvida da história do núcleo sem dúvida foi a do campus de Assis, cidade extremamente afastada da capital, em processos que forjaram quadros estaduais (e inclusive nacionais) da nossa organização. Houve momento em que a fração de Assis chegou a ter dezenas de militantes e conduziu uma greve em que até a diretora admitiu aos nossos militantes que havia perdido o controle do campus. 
  3. Durante anos a CE ajudou financeiramente o núcleo UNESP, isentando a instância de realizar os devidos repasses e fornecendo empréstimos. 
  4. Atualmente se encaminha a formação de um grupo de trabalhos ligado a CR para formular sobre a fundação do DCE. Ainda que podemos criticar por sua formação atrasada ao processo que se dá ao núcleo.
  5. Durante anos a fração São Paulo, da capital, teve 1 único militante, e atualmente mesmo tendo mais membros, a fração passa por sérias dificuldades. Os militantes da UNESP na capital, anterior ao racha, desconheciam quase que por completo o restante da militância.

Camaradas, tais elementos são indicativos de que a conjuntura do núcleo UNESP não é simples a ponto de se analisar como uma dita “dicotomia capital-interior”. 

Uma premissa sobre a realidade do núcleo UNESP é que militantes não são formados e sim “forjados”. Eles são de fato forjados nas tarefas cotidianas da militância, porque em absoluto não temos um planejamento para a formação de quadros. E isso aumentou nos últimos períodos no núcleo UNESP, pois a secretaria de formação não conseguiu organizar de forma consistente um planejamento de formações para o núcleo, deixando os militantes que entraram nas nossas fileiras nos últimos anos completamente defasados teoricamente. E até os problemas de vida interna do núcleo podem ser apontados nesse sentido, pois  falta aos militantes mais novos o entendimento sobre o centralismo democrático, assim como desconhecem método de análise de conjuntura. 

Porém, essas questões não se deram apenas no núcleo UNESP, mas sim em diversos núcleos, mesmo na região metropolitana de São Paulo.  As dificuldades de consolidação do trabalho político e formação de quadros é um problema da nossa organização como um todo. 

Isso significa que não há uma defasagem na militância em lugares fora da capital? Não! Mas longe de ser uma dicotomia, a verdade é que nosso trabalho artesanal não permite que nossa organização vá além da dinâmica socioeconômica de cada local. 

Isso quer dizer que nosso crescimento, formação e inserção, não se dá de forma completamente planejada, especializada, profissional, e acabamos virando reflexos dos nossos locais. Obviamente uma metrópole com milhões de habitantes e com a maior universidade da América Latina, que tem uma dinâmica política insana, vai formar mais quadros. Existem mais facilidades para giros entre tarefas da capital, os militantes se encontram com mais facilidade em espaços formais e informais. E é assim que nos desenvolvemos como um reflexo dos nossos locais, e notem: de forma espontânea e não planejada, o que evidencia ainda mais o problema que devemos nos pôr a superar. 

O problema não é uma “dicotomia”, mas sim o trabalho fragmentado e artesanal que não permite que avancemos para além das respostas imediatas da conjuntura e da dinâmica das possibilidades de cada lugar. Apenas dizer que se trata de uma “dicotomia” é ocultar o verdadeiro problema que se expressa em nossa organização. 

Diversas são as divergências que os camaradas da UNESP tem com a linha política tocada pela nossa antiga CE e atualmente pela CR. Divergências que não deveriam ser ocultadas por essa dicotomia e sim trazidas à tona. Os camaradas não podem ocultar as suas divergências por trás de argumentos como “de que adianta me colocar se vou perder a votação…”. Minorias políticas devem ter espaço dentro do nosso partido e num momento de reconstrução é o espaço para que elas sejam colocadas para que possam ser debatidas. Além disso, faz parte do processo formativo colocar suas opiniões políticas a debate, mesmo que sejam depuradas! É coletivamente que superamos nossos erros na nossa práxis. 

Diante disso, com certeza precisamos de uma política de inserção em cidades do interior e regiões rurais, obviamente. O mundo não é a região metropolitana. Mas nem de longe esse problema se trata de uma política deliberada!

É muito comum que esse debate da “dicotomia capital-interior” apareça e se torne ainda mais fervoroso em momentos de nominatas! Camaradas, nossas direções devem ser quadros preparados para as devidas tarefas. Não importa qual a sua localidade; os núcleos não são clubes, não há um privilégio de um núcleo sobre outro porque há militantes de um determinado espaço na coordenação regional, e se há, deve ser feita a devida crítica. Não é uma representatividade regional que nos levará a superar o problema em questão.

Também é falso o apontamento de que os camaradas, simplesmente por serem da capital, defendem os nomes uns dos outros para a nominata. Ao contrário, é mais fácil um nome desconhecido passar simplesmente por ser desconhecido e os camaradas não terem críticas a serem apontadas àquele nome do que um nome mais conhecido na militância, que teve mais espaço de atuação e portanto mais atuação a ser criticada. E as indicações por amiguismo devem ser combatidas como um todo, sejam elas advindas da capital ou do interior.

É responsabilidade dos núcleos formular sobre suas localidades, e é responsabilidade da coordenação regional subsidiar e acompanhar o núcleo para a efetividade de seus trabalhos. Colocarmos um nome de um camarada do interior do estado, simplesmente por ele ser do interior não garante a) a formulação das várias regiões do interior de São Paulo, pois um camarada sozinho não faz verão; b) que o camarada esteja a par das tarefas que requerem a instância de direção naquele momento; c) que tal camarada estará preparade para dirigir trabalhos de tarefas específicas, incluindo possíveis assistências em grandes metrópoles; d) a capacidade de leitura e síntese políticas necessárias para as formulações e aplicação das corretas táticas. 

Isso nos leva a questionar qual o fundo político dessa dita “dicotomia”: se trata de uma questão de representatividade na instância? É uma ausência de uma política de formação de quadros? Há uma dificuldade no acompanhamento dos trabalhos dos núcleos do interior do estado? Se sim, como? Se trata de uma questão material? Falta direcionamento político? É preciso que os núcleos formulem, debatam e esmiúcem acerca do que isso significa e subam como síntese a Coordenação Regional ou então continuaremos a ouvir o mesmo argumento que nada nos faz avançar em nossa política. 

O núcleo UNESP por ser um núcleo estadualizado em seu cerne tem potencial de formar ótimos quadros capazes de formular a nível estadual. Se isso não se expressa na realidade é preciso que os camaradas se debrucem e encontrem o gargalo de seu trabalho político. 

Portanto, fazemos um apelo aos camaradas. Por favor, troquem o disco riscado que repete a crítica vazia de “dicotomia capital-interior”, e vamos formular políticas que realmente possam dar conta de criarmos uma organização nacional, não fragmentada, que consiga planejar sua política de forma eficiente e não espontânea.