'Análise do ensino superior privado no Brasil: onde estamos e para onde vamos - da UNE nas bases ao giro operário popular' (Núcleo das Universidades Particulares - DF)

O ensino privado brasileiro, vem se tornando cada vez mais uma disputa central dentro da luta de classes brasileira. A educação se tornou um dos braços fortes do capital contra a emancipação do proletariado.

'Análise do ensino superior privado no Brasil: onde estamos e para onde vamos - da UNE nas bases ao giro operário popular' (Núcleo das Universidades Particulares - DF)

Por Núcleo das Universidades Particulares - DF para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

ANÁLISE DE CONJUNTURA.

O ensino privado brasileiro, vem se tornando cada vez mais uma disputa central dentro da luta de classes brasileira. A educação se tornou um dos braços fortes do capital contra a emancipação do proletariado e com guerra de classes cada vez mais exposta, a privatização e “particularização” da educação brasileira se demonstrou intimamente ligada ao avanço do capitalismo no Brasil. 

Contextualizando, o “boom” do ensino privado no Brasil se deu na era Vargas, quando, buscando um avanço industrial no país, o Brasil abriu as portas ao desenvolvimento estrangeiro, mesmo com a criação de estatais durante o período. Empresas e famílias do mundo todo, empenhadas e construírem seus próprios exércitos de operários proletários de um lado, e massificar sua cultura liberal dentre a pequena burguesia do outro, investem em criação de escolas e universidades, concentrando o acesso ao ensino de qualidade e com fortes influências liberais na pequena burguesia. 

Foi na ditadura empresarial-militar de 1964 que, com o intuito de erradicar a influência política das universidades públicas contra a ditadura é que o governo federal anunciou medidas econômicas para expandir e incentivar a criação de mais espaços privados de educação. 

Após a redemocratização, a “Era FHC” intensificou a injeção de dinheiro público no âmbito privado e, os governos conciliatórios do Partido dos Trabalhadores por sua vez incentivaram programas de financiamentos como o FIES e criou o PROUNI, o qual oferece vagas em instituições privadas em troca de isenções fiscais para essas instituições.

A realidade, de acordo com o Censo de Educação Superior 2022, é que hoje, três a cada quatro alunos de 18 a 24 anos da classe C que frequentam o ensino superior estão matriculados em uma IES privada, sendo 70% destas matrículas na modalidade remota – uma tentativa desesperada dos jovens trabalhadores tentarem conciliar os estudos com o mundo do trabalho, sucateado na maioria das vezes. Essa relação “trabalho x academia” se apresenta como uma dicotomia para a maioria da nossa juventude brasileira que se encontra majoritariamente nas chamadas universidades privadas de massas. 

A violência do capital se torna cada vez mais brutal fazendo com que a massa trabalhadora sequer tenha tempo de produzir, de fato, conhecimento, mas apenas cumprir uma grade curricular para conquistar um diploma que não necessariamente terá impacto concreto em sua melhoria de qualidade de vida. Esse afastamento dos estudantes das universidades para que consigam trabalhar também afeta a falta de vínculo dos estudantes com a instituição de ensino afastando-os não só do tripé ensino-pesquisa-extensão, mas distanciando do próprio pertencimento ao ambiente e da luta política acadêmica.

Ainda, nas universidades privadas é comum vermos bastante influência do liberalismo na sua mais pura essência não somente na linha de pensamento dos professores, mas em grades que tem matérias como Empreendedorismo; diversas Empresas Juniors (algumas abertas até ao capital estrangeiro/bolsa de valores); e o sufocamento de Centros Acadêmicos (CAs) e Diretório Central de Estudantes (DCE) que, até quando existem, ficam responsáveis por demandas meramente burocráticas e não um trabalho político de organização consequente dos estudantes.

Quando as contradições apertam, a luta de classe se evidencia de forma mais pungente e nesse interregno é que se deve avançar a nossa organização, apresentando uma alternativa radical e expressiva na nossa classe. A tarefa dos comunistas no movimento estudantil universitário privado é, romper com a cultura acadêmica engolfada pelo liberalismo e construir o caráter de classe das universidades, sobretudo porque nas universidades privadas de massas é que se concentra, como o próprio nome sugere, as massas.

O QUE FAZER? ESTRATÉGIA E TÁTICA DOS COMUNISTAS NO MOVIMENTO ESTUDANTIL.

O núcleo das universidades particulares do DF é um núcleo que nasceu (e persiste) na ideia de ser um núcleo provisório que pretende se dividir em cada universidade em que possui militantes. Todavia, ele nunca se dividiu em mais núcleos por “n” motivos, como falta de organização interna, falta de direcionamento político das nossas direções, mas principalmente pela dificuldade de dialogar com a nossa base porque as demandas que surgem dentro do movimento estudantil público (principal demanda do ME como um todo) raramente conversam com as demandas do movimento estudantil privado, além da dinâmica das lutas do âmbito público serem mais imediatas (ato com 1 dia de antecedência, em horário de trabalho/estudo (pela manhã ou a tarde), por exemplo), o que dificulta a participação dos estudantes de IES privadas que são em sua maioria, trabalhadores precarizados com baixa possibilidade de adesão a atos e atividades durante o dia (alguns, inclusive, na escola 6x1).

Como colocado anteriormente, na vida do jovem trabalhador universitário de uma IES privada, o mundo acadêmico (seja o estudo propriamente dito, seja a luta política) acaba por ficar em segundo plano em relação ao mundo do trabalho. Essa contradição posta pelo capital, impôs a dicotomia “demanda de estudante VS demanda de trabalhador”.

A maioria dos jovens de uma universidade superior privada defenderá EAD porque o permite trabalhar mais e aumentar a renda (ou descansar mais depois de uma jornada exaustiva de trabalho); a maioria dos estudantes saem às pressas dos campi para o emprego/estágio ou chegam a noite do emprego/estágio atrasados pela aula e por passarem tão pouco tempo na universidade, sequer se importa ter um RU ou não; o estudante de uma universidade privada muitas vezes não trocaria um emprego/estágio por uma bolsa de iniciação cientifica e por isso para ele “pouca importa” a pesquisa e extensão.

Essa leitura pode parecer pessimista ou derrotista, mas ela parte de uma análise que o núcleo teve no CONUNE de 2023, onde foi observado que as “pautas de educação” (como recomposição orçamentária, eleição de reitores, RUs, pesquisa/iniciação cientifica, etc) tinham poucas ou quase nenhum interesse pelos estudantes, ao passo que demandas como redução da jornada de trabalho; transporte público nos feriados, finais de semana e férias; perdão das dívidas do FIES; estágio com reconhecimento de vínculo empregatício; congelamento do valor das mensalidades e etc conseguiam conquistar a consciência dos estudantes; não à toa, em todas as disputas que tivemos para o CONUNE, saímos a frente da forças da majoritária (e também a frente do J! e PCR) porque as pautas que eles defendiam (relacionadas com o “universo das federais”) não causavam muita adesão com os estudantes das universidades privadas.

Por isso, no próximo ciclo de lutas, o núcleo desenvolverá 4 eixos táticos (e programáticos) centrais para agitar e propagandear a linha política da nossa organização no rumo a universidade popular.

1. PERDÃO DA DÍVIDA DO FIES! POR UMA EDUCAÇÃO GRATUITA E DE QUALIDADE!

A pauta do perdão das dívidas do FIES vem do entendimento que a esmagadora parte da nossa juventude se forma e se encontra desempregada, incapaz, portanto, de quitar suas dívidas, mesmo que parceladas por décadas. Com o “nome sujo” fica incapaz de adquirir casa própria, carro/moto ou até mesmo crédito em cartão de banco. 

A pauta do perdão da dívida do FIES é central para conseguirmos agitar nossa luta por uma educação 100% pública, universal e gratuita, “fazendo um link” que dentro do nosso programa, que luta pela universalização do ensino, sequer faz sentido que nossa juventude fique endividada por ter ousado ter acesso a uma graduação.

Por se tratar de uma pauta essencialmente econômica, muitos questionamentos como “onde arranjar dinheiro?” podem surgir, e se a pergunta tem o cunho econômico, nossa resposta também deve ter.

Segundo o Brasil de Fato[1], os gastos do governo federal com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública em 2022 foram de quase 2 trilhões de reais (R$ 1,879 trilhões), cerca de 46,3% do Orçamento Federal Executado – lembrando que não há teto de gastos para juros da dívida pública – ou seja, quase metade do orçamento total do Brasil destinado a satisfazer grandes empresários, bancos e rentistas. Para entender melhor a questão da dívida pública, vale a recomendação do vídeo do camarada Jones Manoel “Dívida pública, rentismo e o bolsa banqueiro”[2]. 

Nossa proposta é o não pagamento dos juros da dívida pública e distribuição dos valores que outrora seriam enviados a pequenos grupos familiares donos do Brasil aos setores sociais e perdão da dívida do FIES.  Pela taxa SELIC o próprio governo diz o quanto pode e vai pagar de juros aos setores da burguesia que compraram os títulos da dívida pública. É nessa lógica de ditadura do rentismo que o governo brasileiro não quita a dívida pública, e usa os juros para alimentar a burguesia nacional...  

Por fim, ainda nesse ponto podemos trazer alguns debates sobre congelamento dos valores da mensalidade como uma mediação tática, sobretudo com aqueles não beneficiários do FIES ou com os usuários do PROUNI 50%. 

2. ESTÁGIO É EMPREGO!

A Lei de Estágios, define o mesmo como um “ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho”, e por ser um ato educativo não pode ser configurado com vínculo de emprego. Entretanto, mudar o nome do fenômeno não altera sua essência na realidade! O estagiário trabalha e, portanto, gera valor a empresa. A não caracterização de vínculo empregatício serve para a precarização e a não garantia dos direitos trabalhistas aos jovens trabalhadores.

A diferença de “emprego” e “trabalho” não é uma mera questão da língua portuguesa de palavras diferentes com um mesmo significado, essa distinção tem fins jurídicos e que muda completamente a relação existente. Ao contrário dos empregados, o estagiário não tem direito a piso salarial (tido como bolsa, varia em média mil reais – inferior ao valor do salário mínimo -, mas existe categoria de estágio não remunerado), carteira assinada, contribuição previdenciária, seguro desemprego, FGTS, vale alimentação, 13º salário, 1/3 constitucional nas férias e etc...

Além do mais, justamente por não se incorporaram ao regime CLT, não possuem qualquer direito de organização em sindicatos, o que impossibilita qualquer luta consequente por melhoria da categoria e greves, por exemplo.

Por isso, devemos lutar pelo fim da Lei do Estágio, incorporando os estagiários e pequenos-aprendizes às garantias celetistas, inclusive, e principalmente, direito a sindicalização e a greve.

Como mediação tática devemos pautar a proibição de estágios não-remunerados, direitos trabalhistas ampliados e reconhecimento do tempo de estágio, pesquisa e residência como tempo de serviço para fins previdenciários.

Ainda como mediação, podemos utilizar do VAT para angariarmos o debate não só pelo fim da escala 6X1, mas pela redução da jornada de trabalho. Ponto central que conversa com os setores mais proletarizados da nossa classe.

3. PERMANÊNCIA ESTUDANTIL

É muito incomum que universidades privadas ofertem restaurante universitário, dormitórios e auxílios/bolsas para os alunos se manterem na graduação. Atrelados ao valor da mensalidade em constante aumento, custos com materiais dentro do curso, além das questões da economia nacional com alimentos caros, aluguéis surreais e etc, fica claro o porquê de a evasão universitária ser tão comum.

Por isso, para além de políticas de entrada na universidade (como fim dos vestibulares e do ENEM, ampliação das vagas através de cotas e inclusão de cotas para travestis e transexuais, revogação da reforma do ensino médio e etc), devemos lutar por políticas de permanência estudantil como restaurantes populares (que dialoguem com a comunidade universitária), bolsas/auxílios, dormitórios, creches para estudantes e trabalhadores das universidades e da comunidade escolar (trazendo a consciência ao estudante que “não se importaria” com um RU, que ele justamente não se importa com essa pauta pela própria dinâmica do capital que o obriga a almoçar/jantar no ônibus/metrô ao invés de almoçar gratuitamente no final/antes da aula)

Ainda nesse ponto, a abertura pode se dar de tal forma que consigamos trazer o debate de a universidade servir e ser gerida por nossa classe. Ao trazer a importância de hospitais universitários, creches nas universidades e restaurantes populares dentro das IES podemos trazer a importância da extensão atrelado ao ensino e a necessidade de os usuários e os trabalhadores destes espaços tomarem as rédeas da coordenação e direção desses locais.

4. PASSE LIVRE! TRANSPORTE PRA GERAL!

A luta pelo passe livre é uma conquista histórica dos estudantes, mas é preciso avançar! Enquanto as empresas de transporte público, em Brasília e no país todo, arrecadam milhões em subsídio dos governos, este valor poderia ser transferido na estatização do setor buscando ofertar um serviço melhor e estratégico logisticamente, gerido pela classe trabalhadora e gratuito, permitindo o pleno acesso a cidade a todos.

Como uma mediação tática, podemos pautar a expansão do passe estudantil; tanto o número de passagens por dia, como o uso também nos finais de semana, feriados e férias.

A UNE NAS UNIVERSIDADES PARTICULARES E NO CENÁRIO NACIONAL

É fato que a UNE apresenta uma série de “vantagens” para nossa organização, seja uma formação de nossos quadros para o movimento sindical, seja a possibilidade de liberação de militantes e entrada em IES, mas é igualmente fato as contradições da entidade, sobretudo nas IES privadas. 

É evidente a ausência de acúmulos da UNE (e da própria UJC) quanto à disputa de instituições particulares, o que resulta em uma grande quantidade de estudantes de IES privadas que sequer saiba da existência da UNE. 

Tal situação é ainda mais preocupante fora da região sudeste, porque, a exemplo do DF (inclusive mesmo na federal, UnB) a UNE possui pouca ou nenhuma inserção na realidade dos estudantes, o foco exagerado da organização na região sudeste resulta em uma organização insuficiente nas outras regiões e insignificante nas lutas das instituições privadas de massas (com exceção talvez em PUCs).

Diante dessa realidade, as consequências não poderiam ser diferentes: militantes fora da região sudeste e, principalmente os que estudam em IES particulares, sentem que a disputa da UNE (no CONUNE) se caracteriza como uma mera tarefa a ser tocada “por obrigação”, e por vezes, vista como “desperdício de dinheiro e esforço” porque não enxergam uma representação ativa nas pautas de sua universidade, sobretudo nas IES privadas fora do eixo RJ-SP-MG.

Com isso em mente, o núcleo chega à conclusão que a forma como nossa organização disputa e constrói a União Nacional dos Estudantes acaba por ser um esforço que não conseguimos ver a materialidade, e isso é, no mínimo, desanimante. 

Todos os “lados positivos” que iniciaram esse tópico parecem ser meramente teóricos e vazios então, por isso, pautamos que nossa disputa no CONUNE e dentro da entidade, através das diretorias, deva ser a nacionalização da UNE, levando-a de forma mais presente em outras regiões do país e nas IES privadas de massas, e não se restringindo a 4 gatos pingados da UJS (ou as vezes nós mesmos) segurando a bandeira da UNE e vestindo camisa azul num ato (as vezes não há nem isso). 

Não adianta lutarmos por pautas radicais na UNE se for apenas para enfeite sabendo que a majoritária não vai cumprir e sequer dialogar com os estudantes. Para que nossas pautas tenham uma consequência real na vida da nossa classe, é preciso que a UNE consiga dialogar com essas pautas em todos os cantos do país... foi pra isso que a UJC a fundou há 86 anos e foi com essa ousadia que a UNE venceu a ditadura, lutou pelo petróleo brasileiro e se mobilizou contra guerras imperialistas pelo globo.

UM CHAMADO A TODOS OS NÚCELOS DE UNIVERSIDADES PARTICULARES

Pouco ou quase nada temos de acumulo nacional sobre a luta do movimento estudantil nas IES particulares. Assim como as forças da majoritária, nossa atuação se dá mais especificamente nas IES públicas (seja como estudantes, seja como trabalhadores) e não conseguimos assistência e direcionamento para avançar (ou começar) os trabalhos nos espaços privados de educação (sobretudo nas modalidades EAD).

Nem por um momento a tribuna tende a trazer uma “rixa” entre “trabalho em IE publica” e “trabalho em IE privada”, porque são pautas que se conversam em certo grau, mas que possuem suas próprias contradições e lutas específicas. O ponto da tribuna é trazer o debate do entendimento das universidades privadas de massas como um setor estratégico da nossa organização, inclusive como um setor essencial no giro operário-popular, principalmente porque nelas se encontram os setores mais proletarizados do Brasil.

Convocamos a todos os trabalhadores e estudantes de IES privadas para compartilharem de suas experiências e planejamento político de atuação, fazermos acúmulos e socializarmos nossos avanços.

Saudações comunistas,

Núcleo das universidades particulares (UJC DF)


[1] https://www.brasildefato.com.br/2023/05/09/divida-publica-um-sistema-de-espoliacao-cuidadosamente-disfarcado 

[2] https://www.youtube.com/watch?v=HmdZyNBiwM0