Sorocaba (SP): trabalhadores universitários encontram dificuldades em sobreviver à escala 6x1
Há um completo abandono nacional das centrais e dos partidos da esquerda liberal em mexer sequer um dedo para organizar grandes atos e manifestações durante o governo Lula-Alckmin. Não há mais o que se esperar.
Por Redação
As inoperâncias da vida do estudante trabalhador são inúmeras, além de ser impedido de viver plenamente, muitas vezes não são encontradas maneiras de organizar a insatisfação, a revolta, e o desejo por uma nova vida.
Em rotinas desgastantes e incertas de boas condições futuras, jovens universitários têm encontrado inúmeras dificuldades para se manter firmes no principal objetivo da graduação: sair formado e com um diploma que oriente a entrada para o mercado de trabalho. A realidade é que o jovem trabalhador não possui segurança alguma durante seu percurso no ensino superior, seja pelas péssimas condições de moradia, pela inviabilidade de pagamento da mensalidade, ou seja pela exploração de sua força de trabalho. Esta última já é um problema antes de muitos entrarem para a graduação.
Com baixos salários, péssimas condições de trabalho, insegurança e em escalas que minam a possibilidade de descanso do trabalhador, o capitalismo tem avançado em garantir com que a classe trabalhadora volte a viver sob circunstâncias que eram vividas há dois séculos atrás.
Em pesquisa realizada com 69 estudantes da Universidade de Sorocaba (Uniso), 38 responderam que já trabalham na escala 6x1 e possuem sérias dificuldades em conciliar os estudos e o trabalho. “Parece que não temos vida além daquele ambiente de trabalho e sinto que é realmente isso que a empresa quer que os funcionários pensem, para deixar a gente ainda mais pilhado e focado em metas diariamente”, descreve Gabrielli Maria, estudante de psicologia na Uniso. Aos 20 anos, ela trabalha na escala 6x1 há um ano, e já sente sua vida limitada ao trabalho, “notei os primeiros sinais de que essa escala estava me afetando com o cansaço físico mesmo. Não sentia mais vontade de sair à noite com os meus amigos, coisa que eu tinha costume antes. Me vi apática perante a diversas situações e senti que meu humor foi extremamente afetado, fazendo com que as vezes eu prefira me isolar das pessoas por medo de descontar o estresse do dia a dia nelas”, relata a estudante.
Gabrielli exerce a função de suporte técnico em uma empresa de telecomunicação em Itapetininga, cidade onde mora e que faz parte da Região Metropolitana de Sorocaba. No momento está no terceiro semestre de seu curso, e o tempo que encontra para estudar é em seu horário de almoço do trabalho. “No final de semana, em meu único dia de folga é difícil encontrar motivação para usar esse tempo que tenho de sobra para fazer trabalhos, tarefas ou colocar a matéria em dia. As vezes me pego frustrada pensando se meu desempenho ou dedicação a algo que quero dedicar à minha vida não está sendo o suficiente”, o desabafo é acompanhado da consciência de que estas dificuldades são vividas por milhares de outros estudantes no país. Como também é o caso de Lucas Marsura, 26, estudante de psicologia na Uniso e que trabalha como técnico de enfermagem na escala 6x1 há seis anos.
Além da carga extensa de trabalho, Lucas, por trabalhar em hospital enfrenta os regimes de plantão que só garantem folga no sábado e no domingo uma vez por mês, tendo as outras folgas durante a semana, ou seja, se não estiver trabalhando terá compromisso com a universidade. “Comecei a trabalhar nessa escala antes de iniciar meus estudos em 2021. Depois que comecei a estudar ficou bem complicado. Minha vida social é muito restrita por conta disso, não consigo planejar viagens aos fins de semana. É uma escala que me desagrada muito, ainda mais na área da enfermagem que é bastante insalubre, tanto na saúde física como na saúde mental”, diz. No sétimo semestre da graduação, Lucas comenta que seu projeto de vida é se formar e conseguir sair dessa rotina, “quero um salário melhor, claro, mas só de diminuir minha carga horário já me satisfaria imensamente”.
A encruzilhada que todo trabalhador encontra no capitalismo é ter tempo para viver a vida. Entre momentos de lazer, atividades físicas, estudar, curtir em família ou com amigos, deve-se escolher apenas um. Lucas, recentemente, conseguiu iniciar atividades físicas para cuidar melhor da saúde, mas explica, de maneira simples, como é difícil dar continuidade e manter o cuidado consigo mesmo, “porque entre o trabalho, a faculdade e a atividade física, se tiver que tirar algum para ter um tempo de descanso e de lazer, sempre vai ser a atividade física.”
Sete anos após a reforma trabalhista do golpista Michel Temer, o povo brasileiro encontra-se em um cenário onde há maior precarização e piores relações de trabalho, já que se flexibilizou mecanismos para as empresas reduzirem o horário de almoço do trabalhador para 30 minutos, ampliou a terceirização, até mesmo em setores essenciais das empresas, e também trouxe mais liberdade para o patronato demitir seus funcionários. A advogada Malu Francine do Nascimento, 28, mestranda no programa de Comunicação e Cultura da Uniso, tem em sua pesquisa analisar as condições de trabalho de jornalistas sorocabanas após a aprovação da reforma trabalhista. Ela afirma que o texto da reforma não exemplifica nada sobre o regime 6x1, porém o aumento da terceirização gerou mais áreas de trabalho nesta escala, com menor segurança de direitos para a classe trabalhadora.
Para os estudantes, Malu encontra dificuldades de explicar como dar conta da rotina. “O problema piora quando se tem hora extra para cumprir. A CLT prevê 11 horas de descanso entre uma jornada e outra, embora isso na realidade não aconteça. Não existe qualidade de vida, pois nem sempre os descansos serão no domingo, quando se pode ter um convívio familiar e uma oportunidade de lazer. Então, em que momento estuda, em que momento fica com a família, em que momento vai ter lazer, cuidar da saúde, fazer exercícios físicos?”, questiona.
As inoperâncias da vida do estudante trabalhador são inúmeras, além de ser impedido de viver plenamente, muitas vezes não são encontradas maneiras de organizar a insatisfação, a revolta, e o desejo por uma nova vida. Nas universidades os principais meios para os estudantes se organizarem politicamente são os centros acadêmicos, diretórios acadêmicos ou diretórios centrais, onde irão pautar demandas do corpo discente e lutar por elas. Entretanto, pouco será abordado pautas que “fogem” do movimento estudantil, como o fim da escala 6x1, a redução da jornada de trabalho e melhores condições de sobreviver ao emprego, que possuem potencial de mobilizar estudantes trabalhadores. Um jovem trabalhador que busca um diploma para ter chances de encontrar empregos que ofereçam condições aceitáveis de trabalho, têm mais chances de se organizar para construir uma entidade de base, ou pela pauta de redução no regime de trabalho?
Há clara dificuldade da juventude comunista em se inserir em ambientes que não seja a universidade pública. Percebe-se a pouca inserção da juventude comunista na vida da juventude trabalhadora, quando observamos que até mesmo dentro do movimento estudantil há baixo contato com os filhos e filhas da classe, já que estes estão, majoritariamente, nas universidades privadas de massa e nas graduações de ensino à distância, onde a juventude comunista ainda não consegue chegar com propriedade.
Há jovens trabalhando como Uber, como motoboy, empacotador, repositor de mercadoria nas grandes redes de supermercado, atendente e garçom em pequenos comércios, caixa, ficando de pé por mais de oito horas seguidas seis vezes por semana. E essa juventude quer saber como abrir um processo contra seu patrão, contra a empresa que a explora, tem ânsia em não ter que precisar vender seu dia de folga. A juventude trabalhadora quer se defender, quer conhecer seus direitos e saber como aplicá-los. Os empacotadores, repositores, garçons, atendentes, caixas, balconistas, querem descanso, querem pelo menos mais um dia de folga.
Nos últimos meses de 2023, surgiu no Brasil o movimento Vida Além do Trabalho (VAT), criado por Rick Azevedo, a fim de pautar o fim da escala 6x1. Em Sorocaba, cidade do interior do estado de São Paulo com uma população de 723.574 de pessoas no Censo de 2022, o VAT foi estruturado em janeiro deste ano por militantes comunistas. Assim como em muitas regiões do país, trabalhadores, militantes e ativistas desenvolvem a luta contra a escala 6x1 pelo VAT.
No último 1º de maio, Dia do Trabalhador, sete militantes que constroem o VAT Sorocaba foram até a zona norte da cidade, para panfletar sobre o fim da escala 6x1 e conversar com cerca de 200 trabalhadores das grandes redes de supermercado, de farmácias e em obras. A receptividade por parte de quem era abordado foi grande, a felicidade em ouvir a proposta por fim de um regime que proíbe o trabalhador de viver, ficou estampada no rosto de cada um. Em um município onde partidos da esquerda hegemônica não têm organicidade nas massas, não constroem trabalhos para além de suas candidaturas (PT e PSOL) - que carregam papéis importantíssimos no combate ao prefeito fascista Rodrigo Manda, é uma oportunidade de se inserir e mobilizar a classe trabalhadora sorocabana, apresentar o programa comunista, e de aprender, com o avanço do partido na cidade ou com os erros que podem ser cometidos.
Sorocaba teve seu 1º de maio sem o tradicional evento cultural que a Central Única dos Trabalhadores (CUT) costuma realizar na data. Em virtude da comemoração dos 70 anos do Sindicato dos Metalúrgicos (SMetal), e para não causar animosidade em ano eleitoral, não foi interessante para a CUT gastar verba para realizar seu showmício. Há um completo abandono nacional das centrais e dos partidos da esquerda liberal em mexer sequer um dedo para organizar grandes atos e manifestações durante o governo Lula-Alckmin. Não há mais o que se esperar. Há muito tempo estão entregues ao calendário da justiça eleitoral, se pautam somente em como angariar votos, e alguns setores de suas bases comprometidas para que tensionem com quem está comprometido com a construção do socialismo no Brasil.
É compreensível toda a desconfiança para cima do VAT, sua organização, sua independência e seu apartidarismo. Embora, sim, há empresas no Brasil que estão adotando a escala 4x3, e que certa parcela do empresariado paute o tema, nada do que vier da burguesia será pensado como benéfico ao trabalhador, à sua saúde, ao seu lazer, à sua melhora na qualidade de vida, nada. Se tem patrão pensando em adotar a escala 4x3 e ampliar o número de empregados trabalhando de casa, é para que se cortem gastos de infraestrutura e manutenção de suas empresas, é para que não se pague vale-transporte, é para que não se pague vale-alimentação, é para que o trabalhador não tenha contato com trabalhador.
Somente enfrentando e conhecendo as debilidades do movimento é que se poderá avançar na pauta e na organização da luta, considerando a real possibilidade de aumentar a influência do partido comunista no seio da classe trabalhadora.