São Paulo: O CRP de SP e a delegação nata
Pelos argumentos políticos do debate e por entendermos que superestimamos a dificuldades da participação des membres do CRP nas etapas de base, a reunião extraordinária do dia 7 de janeiro revogou a existência da delegação nata.
Por Comitê Regional Provisório de São Paulo
Saudações, camaradas.
O presente texto foi escrito após nossa reunião extraordinária ocorrida no último domingo (7), em que foi (re)debatido e revogada a existência da delegação nata. Gostaríamos de compartilhar nosso debate e reflexão, evitar confusões e estabelecer um diálogo franco e aberto com toda nossa militância e pessoas que nos acompanham — em especial à militância de SP.
O que é o Comitê Regional Provisório de SP?
No processo de cisão do Partido, ao rompermos a ligação com os organismos dirigentes do Partido (CR e CC), precisamos reorganizar rapidamente uma estrutura partidária verticalizada a nível nacional, capaz de manter a unidade das diversas organizações, especialmente com o intuito de construir o XVII Congresso Nacional. Nesse sentido, consolidamos uma série de organismos dirigentes provisórios (CNP, CRP, CLs…), através de indicações dos membros e especialmente da atividade prática realizada pelos militantes na direção do processo de cisão. Esses organismos também, rapidamente, se ligaram às bases dos Coletivos que cindiram.
Já a UJC, que cindiu em bloco em todos os níveis na maior parte dos estados e a nível nacional, não precisou constituir novos organismos, mas abriu espaços democráticos e ligou sua atuação através de suas próprias coordenações aos organismos provisórios do PCB-RR. Muitos dirigentes da UJC também participaram da formação dos organismos provisórios do PCB-RR e participaram dessas direções provisórias, buscando unificar os diversos organismos partidários que, no antigo PCB, estavam fragmentados sob diversas direções e com uma ligação apenas tutelar com o Partido.
Porém, rapidamente, esse modelo de organização se mostrou limitado. Em primeiro plano, porque a construção do Congresso com todos os organismos partidários exigia uma organização única capaz de dar assistência a todas as bases e coordenar o trabalho de construção das etapas regionais. Em segundo lugar, porque a unidade de ação necessária exigia uma direção elegível e responsabilizável tanto para o Partido como para a UJC, entendimento que se mostrou ainda mais evidente com a dupla militância de diversas direções da UJC, que também estavam no Comitê Regional Provisório da RR, como na duplicidade de ação e dificuldade de coordenação dos organismos de base, especialmente dos organismos intermediários (CLs). E, especialmente, pela necessidade de constituição de um organismo regional realmente dirigente para coordenar as campanhas e trabalhos na luta de classes, que não para durante a construção do Congresso.
Em outros Estados, a eleição das direções partidárias pôde ser realizada com a participação da maioria das bases e de forma mais organizada e planejada. Em São Paulo, a dificuldade de organização de ambas as direções (Partidária e da UJC), amplificada pela multiplicidade de instâncias do Secretariado da Juventude, dificultou a organização da Plenária, o que piorou pelo fato de que seguimos coordenando, com muito menos recursos do que antes da cisão, o maior contingente de militantes do país, bastante fragmentado, sofrendo ainda também das sequelas do fim do jornal estadual e da seguinte desestruturação de nosso trabalho a nível estadual.
Essa desorganização, conjugada ao incômodo das bases com a decisão pelos Delegados Natos, fez surgir um necessário debate sobre o papel das direções e sobre as perspectivas de organização do Congresso. Queremos dialogar com essa posição e apresentar nossa visão do que é e o que deve ser o Comitê Regional Provisório de São Paulo no próximo período.
O CRP de SP é, atualmente, um núcleo organizativo intermediário composto por militantes indicados pelas próprias localidade que aderiram ao Movimento de Reconstrução Revolucionária, posteriormente unificado com as Coordenações Regionais da UJC e do Ana Montenegro e legitimado em plenária estadual ocorrida no final de outubro. Sua principal tarefa, elencada pela plenária estadual e reforçada pelos encaminhamentos do pleno ocorrido em novembro, é garantir qualidade nas etapas locais e organizar a etapa estadual do XVII Congresso Extraordinário.
Porém, estando à frente de uma organização revolucionária, o Comitê não pode se responsabilizar exclusivamente pela Organização do Congresso, mas precisa também unificar e coesionar nossa intervenção na luta de classes e a própria construção da organização revolucionária, o que não pode esperar até o Congresso.
É natural que, após um processo de racha, desconfianças e imagens que eram constantes em relação ao antigo CR do PCB se façam presentes. É completamente legítimo que parte da militância critique com desconfiança sua direção. O perigo de um aparelhamento dos instrumentos partidários para interesses particulares e individuais é sempre um perigo real e o que garante a legitimidade ou não da direção é sua capacidade de cumprir com o esperado e alcançar a confiança da militância de base. Por isso, cremos que é nossa responsabilidade aumentar a transparência da direção e reforçar o método de trabalho coletivo e a prestação de contas às bases, pilares do centralismo democrático. É adequado, nesse momento, aumentarmos nossa transparência e refletirmos juntes: o que é o Comitê Regional Provisório de SP?
O CR de SP da RR não pode e nem poderia ser um núcleo organizativo semelhante ao CR de SP do PCB. Ao mesmo tempo, não é algo completamente novo, visto que é fruto de críticas e da negação dos problemas do PCB-CC, mas que ainda está se construindo enquanto afirmações do que é a RR.
A primeira diferença é sua composição e estrutura de direção. Através da plenária estadual, a militância aprovou uma nova experiência para buscar superar os problemas de duplo trabalho militante, ruídos de comunicação e dupla direção: a unificação entre o CR da RR e as CR da UJC e do Ana. Essa é uma experiência que está em construção, que ainda estamos experimentando, sentindo, mastigando e aperfeiçoando. Caberá à própria militância avaliar essa experiência no congresso nacional.
Avaliamos que unificação de fato coesionou a direção política e prática da nossa organização no estado de SP. Evitamos a repetição de trabalhos entre instâncias, compartilhamos experiências e acúmulos, encaminhamos orientações válidas para todos os organismos e conseguimos ter uma visualização mais verdadeira de toda a militância. Parar de separar nossa militância e estrutura entre Partido, Juventude e Atuação Feminista nos permitiu olhar para o que realmente importa: somos todes militantes que seguimos a mesma estratégia e programa, buscando objetivos comuns através de uma multiplicidade de trabalhos.
Uma segunda diferença é sobre o estilo de trabalho. Temos entre es militantes que integram o atual CR de SP da RR, militantes que integraram o CR de SP do PCB até o período de cisão. Este último era marcado por um intenso personalismo e uma hipertrofia do secretariado. O pleno do CR era secundário, o trabalho de assistências era deixado de lado e os encaminhamentos nunca eram cumpridos. A verdadeira instância chamada CR de SP do PCB era o Secretariado, que buscava concentrar todo poder decisório, atropelar as críticas e manter o estilo mandonista e federalista reinante.
Estamos buscando construir um novo estilo de trabalho no CR da RR centrado no conceito de trabalho coletivo. O secretariado não é o cérebro nem as mãos nem do CR nem do Partido em SP. O que está direcionando nosso trabalho é, primeiro, o acúmulo da plenária estadual. A partir disso, o pleno discutiu e aprofundou os direcionamentos. O secretariado aparece, em primeira instância, como um organizador do trabalho coletivo que precisa ser realizado por todo CR. Através de Coordenações e Grupos de Trabalho, estamos construindo dinâmicas em que militantes do CR e militantes da base participam, discutem e executam o trabalho estadual. É nesse ponto que os acúmulos da UJC estão sendo mais úteis para a organização do trabalho geral, visto que a CRSP-UJC tinha experiência na coletivização do trabalho.
É claro que temos muitas limitações e autocríticas para realizar. Não estamos conseguindo dar a assistência necessária para todos os organismos. As coordenações e grupos de trabalho ainda não estão funcionando como imaginamos. Estamos errando, aprendendo e buscando encontrar capacidades e mecanismos para superar os problemas. Também temos ciência que estamos em um contexto tenso após cisão, que muitas coisas só serão delimitadas depois do Congresso Nacional e que temos um CR formado por um amplo conjunto de militantes proletáries que precisam dividir seus esforços nas tarefas do CR e da base, na venda da força de trabalho e nas mais variadas atividades pessoais e domésticas. Não se trata, com isso, de desmerecer as críticas enviadas pela militância, mas mostrar que o organismo de direção regional não se pretende perfeito, tem dimensão dos seus erros e está trabalhando para a sua correção.
Organizar o XVII Congresso não seria e não está sendo uma tarefa fácil. Porém, o CR de SP não poderia se limitar somente a essa tarefa. Precisamos estruturar e dar um sentido político mínimo para nossos organismos, conseguir conectar nossas instâncias através das assistências, participar das principais lutas que vem sendo encapadas no nosso estado e buscar superar os vícios e problemas do passado. Assim, a nossa vida interna é bem complexa. Para se ter uma ideia, somos quase mil militantes no estado de SP, interligados por dezenas de organismos de base e comitês locais.
É importante ressaltar que em nossa Etapa Regional do XVII Congresso teremos um momento destinado à apresentação de um balanço dos trabalhos até aquele ponto. Este será um espaço fundamental para retomarmos e avaliarmos não só a condução dos processos após a consolidação da cisão, como também o caminho que nos trouxe até ali. Não há quem negue que trazemos vícios do velho PCB e mesmo da Juventude e dos coletivos, o que também exigirá uma análise particular, ao mesmo tempo em que temos que manter a vigilância contra novos desvios que surgem entre nós. Não pretendemos esgotar com este texto, portanto, todas as análises, críticas e autocríticas que devemos realizar.
Sobre o XVII Congresso
Buscando garantir a qualidade das etapas locais e estadual, o CR encaminhou a criação de um grupo de trabalho especial com quadros destacados sob coordenação das secretarias regionais de organização e finanças. Através de um levantamento, foram mapeadas e organizadas as reuniões das quase 70 etapas locais que serão realizadas em nosso estado. Como diferentes etapas locais ocorrerão com números diferentes de encontros, teremos mais de 110 encontros de etapas congressuais para serem realizados. A atual expectativa é de que o CR não consiga acompanhar apenas 5 desses encontros.
Contando com as etapas de base que es própries militantes do CR fazem parte, teremos uma média em que cada militante do CR acompanhará/participará de 4,6 encontros, variando de 2 a 7 encontros por militante. Sem contar os deslocamentos dentro da região metropolitana de São Paulo, a expectativa é que sejam realizadas pelo menos 33 viagens intermunicipais para garantir o acompanhamento das etapas locais. Em relação a etapa estadual, já estão sendo realizados diversos esforços para garantir um local, infraestrutura, arrecadação financeira e muitos outros detalhes que a etapa estadual demandará.
Delegados natos e confusões
A grande polêmica envolvendo as decisões e o trabalho do CR de SP nesse período está sendo a questão dos delegados natos. De fato, é uma questão complexa que envolve muitas variáveis, cenários e problemas e até por isso alguns organismos e militantes enviaram críticas através da nossa Tribuna de Debates. Antes de entrar na questão em si, precisamos resolver algumas confusões, pois parte das críticas que foram direcionadas ao CR de SP se excederam e o debate não foi organizado enquanto uma polêmica leninista, o que agravou o problema. Aspectos desse excesso se manifestaram na ausência de camaradagem e respeito mútuo entre os militantes, particularmente nas redes sociais, e principalmente em iniciativas que estimularam o boicote às decisões da direção e ao XVII Congresso, as quais são intoleráveis. Vemos esses excessos aparecerem em partes da crítica pública realizada por camaradas da UNICAMP, bem como e mais ainda pelo ex-militante Silco, sendo que este apresentou a acusação de que o Comitê Regional operaria um “golpe”, enquanto aqueles nomearam o curso da atual direção como “picaretagem”, apresentando uma visão de que a direção seria burocratizada, distante das bases e voltada à sua manutenção em posições de poder.
O primeiro erro foi buscar pintar o CRP de SP da RR como um organismo homogêneo. A relatoria do último pleno demonstra como CR é heterogêneo, contraditório e dinâmico. Se a maioria optou pela decisão da existência de delegados natos, uma outra grande parte foi contrária. Além da existência ou não dos delegados natos, outros vários caminhos dentro dessas opções foram discutidos. Todes es militantes presentes no pleno debateram, questionaram-se, pensaram alternativas e votaram. Se uma primeira autocrítica nossa pudesse ser apontada, é que deveríamos ter preparado e iniciado esse debate com mais antecedência.
O segundo erro é que parte de tais críticas caem em argumentos ad hominem que ignoram o debate político que o CR realizou em seu pleno. Concordando ou discordando da existência de delegades natos, todes tiveram acesso a relatoria de tal debate e lá estão presentes as teses e argumentos políticos que sustentam a decisão. É possível dizer que há um receio por parte des militantes do CR de não serem eleitos em seus organismos de bases devido ao acúmulo de tarefas estaduais. Mas afirmar que o elemento principal é uma ardilosidade da instância buscando reproduzir uma manutenção das suas posições de poder é pura suposição e ignora o debate de fato que todes têm acesso.
Ainda não temos bem delimitada a divisão de tarefas entre instâncias da nossa organização e é notável como o acúmulo de instâncias (base e CR, por exemplo) é prejudicial ao nosso trabalho revolucionário. É necessário perguntar: Quais são os critérios para a eleição de delegados? Sua participação nos debates na etapa local? Sua participação nos debates permanentes do organismo local? Sua participação na execução das tarefas cotidianas? Sua participação nas demais instâncias? Se já participou ou não das etapas estaduais de outro congresso? Devemos priorizar quem contribui mais teórica ou praticamente? Como garantir condições justas para as eleições de delegados? Ainda não temos critérios bem definidos e a eleição de delegados mistura questões de mérito pessoal, disputas políticas, experiência, oportunidades e predileção.
Os principais argumentos para a existência de delegados natos foram: 1. de que as tarefas de direção e as tarefas de acompanhamento e organização das etapas locais e estadual do processo congressual demandam um esforço especial de militantes do CR, os quais não conseguiriam contribuir e participar com qualidade da sua respectiva etapa local; e 2. de que es militantes do CR já são indicados ou eleitos (mesmo que provisoriamente) pela base como sua direção e que, sendo delegados natos, isso possibilitaria que outres camaradas fossem eleites nas etapas locais.
Avaliações, revogação e autocrítica
Assim que surgiu a primeira crítica a decisão de existência dos delegados natos, construímos um consenso dentro do pleno do CR de incentivar que esses debates acontecessem, evitar qualquer tipo de intervenção que coibisse o debate e acompanhar as posições das bases. Existiu uma proposta de revogar a decisão do pleno ou de realizar um plebiscito às bases, porém, como uma decisão dessas alteraria o regimento das etapas locais que já estavam para ocorrer e como as críticas a existência de delegados natos foram minoritárias até aquele momento, aparecendo em pouquíssimos organismos, o secretariado decidiu por manter a decisão realizada, priorizar outras demandas e discutir melhor a questão com o pleno. Com o decorrer do tempo, surgiram novos posicionamentos referentes à delegação nata e nosso pleno foi debatendo e amadurecendo suas posições através de e-mails, culminando na reunião extraordinária do dia 7 de janeiro.
As contribuições que recebemos da base representam uma parte ínfima da nossa militância, o que expõem uma cultura de baixa intensidade da correspondência entre os organismos. Entendemos que, nessa polêmica em específico, falhamos em não solicitar de maneira mais formal as contribuições das bases, visto que estamos num cenário em que essa correspondência ainda não acontece naturalmente. O baixo número de cartas que recebemos não representa, portanto, um termômetro adequado de qual seria a posição da massa da militância, para uma posição ou outra.
Percebemos que parte das teses defendidas em pleno do CR para a existência da delegação nata não se demonstrou verdadeira na operacionalização concreta do congresso. Como já esclarecido anteriormente, o acompanhamento das etapas locais e a organização da etapa estadual demandará um enorme esforço de toda militância da direção estadual. Porém, através do excelente trabalho de organização dos acompanhamentos, nenhume militante do CR deixará de estar presente em sua própria etapa local para realizar o trabalho de assistência.
Além disso, entendemos que foi um erro pautar a existência da delegação nata sob justificativa de um determinado acúmulo de tarefas, visto que tode militante, independente de fazer parte ou não da direção, está sujeite a ter sua participação prejudicada por sobrecarga de tarefas, questões pessoais e outras responsabilidades. Compreendemos que foi um erro ainda maior desse pleno encaminhar a existência de delegação nata sem respeitar a proporcionalidade estabelecida em congresso, o que de fato apareceu como um privilégio para militantes da direção.
Nesse sentido, pelos argumentos políticos do debate e por entendermos que superestimamos a dificuldades da participação des membres do CRP nas etapas de base, a reunião extraordinária do dia 7 de janeiro revogou a existência da delegação nata. A partir desse momento, qualquer delegade tem de ser eleite exclusivamente por um organismo de base. Com a queda dessa existência, também alteramos a proporção de delegades de 1:6 para 1:5, possibilitando que a quantidade anterior de delegados natos fosse incorporada na eleição das etapas locais.
É importante que esta polêmica sirva de aprendizado para nós, para o futuro CR de SP e para toda a militância, para que saibamos melhor conduzir futuras divergências no futuro.