PCB Santa Maria: Declaração de adesão ao XVII Congresso Extraordinário

O Partido está dividido em duas alas. Apesar de compreensível os anseios dos e das camaradas que desejam uma terceira via, mais conciliatória, para resolução da trama, essa proposta carece de materialidade e resulta no fortalecimento da ala direita

PCB Santa Maria: Declaração de adesão ao XVII Congresso Extraordinário
É urgente a readmissão dos camaradas expulsos ou dos que se desligaram em função das arbitrariedades que, lamentavelmente, imperam em nosso Partido.

EM DEFESA DA RECONSTRUÇÃO REVOLUCIONÁRIA DO PCB!

Santa Maria, 09 de agosto de 2023


Os que discordam no interior do partido não são inimigos de classe. As discordâncias são uma contingência dialética do desenvolvimento da consciência e [devem] ser toleradas e admitidas normalmente. Na luta interna não se trata de liquidar quadros. Não se trata de aplicar medidas de coação” (Marighella, 1966).

Camaradas, é com grande preocupação que toda a militância do complexo partidário de Santa Maria vê o desenrolar da crise político-organizativa instaurada no nosso Partido. As linhas que seguem abaixo são produto de um consenso formado pelos militantes partidários em conjunto com a militância dos coletivos de Santa Maria, todos críticos à conduta do Comitê Central (CC), refletindo o saldo de um ativo realizado no domingo, dia 30 de julho de 2023, com a presença de todos os organismos partidários e concluído pouco antes de descer a lamentável circular do CC (004/2023) que reforça sua falta de comprometimento com a democracia partidária ao tensionar a quebra da unidade promovendo um centralismo seletivo e uma onda de expurgos.

Destacamos que, diante de um longo e tortuoso período de lutas internas municipais, nossa célula qualificou significativamente sua análise em torno da construção de uma “cultura política” profundamente pautada no respeito ao Estatuto e às resoluções congressuais, combatendo o monolitismo que hoje identificamos consensualmente e cristalinamente na conduta do Comitê Central. Historicamente convivemos com uma formação bastante diversificada do ponto de vista dos debates internos e nos pautamos pela compreensão de que toda instância partidária, das células às instâncias superiores, precisa representar a heterogeneidade de posições presente em nossa base, desde que dentro do espectro do marxismo-leninismo e respeitada a posição majoritária do Partido. Entendemos nossa história em Santa Maria como um processo de aprendizagem e é através do balanço dos erros e acertos que fomos amadurecendo nossa compreensão sobre a forma-partido e do que precisa ser promovido e respeitado ao longo de conflitos. Abaixo, segue nossa posição sobre a trama nacional e propostas para a militância discutir e incorporar — algumas objetivas, podendo ser executadas desde já, outras como bandeiras da luta interna.

1. SOBRE A ARTESANIA DO PARTIDO COMUNISTA

Não é de hoje que o Partido não tem cumprido satisfatoriamente com o seu propósito de ser um instrumento organizativo eficiente de intervenção das e dos trabalhadores na luta de classes. Se é verdade que não podemos esperar passivamente pelo avanço na consciência revolucionária do proletariado brasileiro, é justo cobrar das organizações que se pretendem vanguarda que estejam intervindo ativamente nas lutas econômicas a fim de potencializar nossa luta política, organizando formações públicas e internas, fomentando o debate na sociedade não só pela sua base, mas também pela sua direção, de forma coordenada e não apenas individual, sempre trabalhando para o avanço das condições subjetivas para a Revolução Brasileira. Em outras palavras, consideramos justo exigir que o PCB seja uma efetiva ferramenta nas mãos do proletariado, potente, com ampla comunicação e democracia interna, afinal é isso que se espera do centralismo democrático e do marxismo-leninismo que nos serve de guia.

Para além dos princípios políticos e das resoluções que cotidianamente são rasgadas, não temos hoje um Partido com ampla participação das bases nos processos de tomada de decisão, em que pese o papel dos coletivos nas tarefas práticas. Ao contrário, temos células com paredes de chumbo, erguidas por direções regionais e central cegas ao trabalho político-organizativo dos órgãos inferiores e dos coletivos partidários. Nesta esteira, identificamos uma divisão intelectual e operacional do trabalho, na qual a militância não-partidária, embora massivamente envolvida com o trabalho de base cotidiano, não está suficientemente presente nos espaços de formulação mais amplos de nossa política, sujeitando-se a orientações verticalizadas muitas vezes oriundas de direções alienadas de seu trabalho político no dia a dia.

Expressão disso são os boletins internos, aprovados no XVI Congresso e nunca operacionalizados pelo CC, que deveriam servir como espaços democráticos de elaboração e compartilhamento de nossas experiências. Menores expressões desse fenômeno são latentes em nosso cotidiano na relação com as direções: cerceamento de debates, indisposição para o aprofundamento e resolução de polêmicas, falta de retorno para os questionamentos e críticas das bases e, sobretudo, a inexistência de uma coordenação político-organizativa que qualifique o trabalho realizado em amplas regiões através de sua planificação. Ao invés de aprofundar a via democrática como motor para resolução da crise, o Comitê Central, com o auxílio de inúmeros Comitês Regionais, opta pela negação das contradições e pelo expurgo em massa, fazendo o uso sistemático da violação do Estatuto partidário, em perseguições abertas ou veladas.

Mesmo que cada célula possua diversos acúmulos particulares, funcionam como um oásis no deserto, sem qualquer comunicação com outras células do nosso próprio estado, que dirá do país. Dessa forma, experiências raramente são trocadas e aprendemos muito pouco sobre o movimento comunista que compomos; nossa militância é constantemente exposta a problemas cuja solução já existe em outros lugares. Infelizmente, o que tem guiado a atuação do Partido são ações e experiências espontâneas, o esforço muitas vezes frustrado e abafado de cada militante.

Somado a isso, a composição hegemonicamente pequeno-burguesa tem nos freado há muitos anos, sobretudo no sudeste e no sul do país. Neste quadro, o avanço no Giro Operário-Popular só pode ser consequente a partir do avanço da luta interna. Esperar que essa composição social planeje a perda de seu próprio protagonismo é de uma ingenuidade sem tamanho, e, por isso, o enraizamento do Partido na classe trabalhadora, destacadamente em seus setores estratégicos, só pode avançar a partir da ampliação da liberdade de crítica em nossas fileiras, que hoje é criminalizada no PCB a partir do espantalho do combate ao fraccionismo e às tendências — proposta que, no que toca à crise recente, nunca teve projeção a nível nacional. É desonesto afirmar que toda forma de polêmica interna e de ampliação dos debates é fraccionismo, em especial, quando é de conhecimento público que a fração que dirige o PCB nacionalmente não só nega o marxismo-leninismo, como atua de forma coordenada para descaracteriza-lo apesar das sucessivas derrotas em processos congressuais. Nisso consiste, precisamente, a caracterização da direção central como fracionista: sua descentralização sistemática frente às posições majoritárias do Partido, cristalizadas em nossos documentos congressuais, em prol da ação orientada por suas próprias concepções vencidas, agravada, ainda, pelo controle da máquina partidária que permite-os impor sua vontade à revelia de nossa instância máxima, calando com sanções seus divergentes.

Essa descaracterização é expressa na atrofia do centralismo democrático, no abuso das medidas administrativas e autoritárias que não se traduzem no fortalecimento da disciplina partidária e levam a um quadro do que viemos chamando de internismo, enfraquecendo a ação política que é justificativa da nossa existência. Diferente do que argumenta em circular o Comitê Central, não são os perseguidos que tomam as energias de nossas direções, mas sua própria incapacidade de converter as críticas destes em vigor político e organizativo para o trabalho do complexo partidário.

A inexistência de um planejamento central joga toda a responsabilidade do avanço do trabalho partidário nas costas das células e dos coletivos, esperando que espontaneamente a divisão de células-cidade em células por locais de atuação aconteça através de um trabalho disperso, fragmentado e profundamente exaustivo. É exigido que as células aumentem o volume de suas cotizações mensais e digam o que têm feito através das assistências, mas raramente há justificativa sobre quanto dinheiro foi arrecadado e onde está sendo gasto, muito menos isso é acompanhado de planejamento e diálogo permanente com as instâncias superiores. Isso despotencializa um trabalho profissionalizado com relação às finanças, e nos mantém numa prática artesanal que de nada ajuda a fortalecer o Partido Comunista nacionalmente, inclusive prejudicando sua própria independência política. As iniciativas bem sucedidas de autofinanciamento e de planificação do trabalho como um todo nos coletivos não são absorvidas pelo Partido e, como resultado, temos uma animosidade entre os órgãos, aumentando o espaço para o corporativismo, o federalismo e a divisão entre o trabalho intelectual e material. Exemplos idênticos se expressam na agitação e propaganda quando, na melhor das hipóteses, nossas direções partidárias tentam devorar o trabalho realizado pelos coletivos, tomando para si quando exitoso para, em seguida, abandoná-lo completamente. Se observarmos mais atentos a composição social de quem opera a burocratização, é compreensível que essa estrutura viciada resulte também na desigualdade racial, etária e de gênero.

2. SOBRE O ACADEMICISMO E O ABANDONO DO MARXISMO-LENINISMO

Não são recentes as divergências sobre o marxismo-leninismo dentro de nossa organização. Em nossos últimos congressos, já havia forte disputa em relação ao termo e ao seu significado teórico-prático. Mesmo que os camaradas que se opõem ao marxismo-leninismo em seu sentido holístico tenham sido derrotados sucessivamente em congressos, seguiram agitando de forma descentralizada esta posição. Se em um primeiro momento faziam isso de forma escancarada, hoje operam uma espécie de lento, gradual e seguro abandono do marxismo-leninismo, visto que o termo ganhou muito mais popularidade a partir de iniciativas de propaganda paralelas ao Comitê Central. Sendo assim, a descaracterização do marxismo-leninismo, o boicote à sua produção na imprensa oficial e o uso de termos visando confundir a militância (como marxismo “e” leninismo) buscam afastar cada vez mais o PCB da práxis revolucionária e do campo revolucionário do Movimento Comunista Internacional.

Além dos desdobramentos organizativos, as consequências ficam explícitas em diversos conchavos, na redução da crítica à social-democracia e no reboquismo aos seus setores mais palatáveis, no abandono da nossa independência de classe em processos eleitorais e de algumas bandeiras de luta como a Greve Geral.  Evidentemente, não há problema de princípio em dividir algumas lutas com partidos reformistas, desde que a posição estratégica do proletariado revolucionário fique explícita diante de suas mediações táticas. Nesta esteira, repudiamos a resistência que a ala direita, representada pela maioria do Comitê Central do PCB, possui em externalizar críticas a partidos comunistas que adotaram políticas reformistas do MCI, bem como às vacilações do autoproclamado campo “socialista” da luta de classes brasileira.

3. DAS CRÍTICAS ÀS DECISÕES RECENTES DO CC

De tudo que foi dito anteriormente, sabemos que partidos da ordem funcionam de forma muito pior, inclusive outros partidos de esquerda que também não fogem de problemas semelhantes. Apesar da conjuntura favorecer todo tipo de oportunista que queira surfar na crise para atacar o Partido, certamente o PCB é o mais avançado dentre os partidos do Brasil, e esse é o motivo porque militamos nele e queremos nele continuar, assim como todos camaradas que atualmente discordam dos rumos tomados pelo Comitê Central e que, por isso, prezam pela unidade e resolução interna do conflito.

Por esta razão, achamos justas as críticas apontadas por Ivan Pinheiro, Jones Manoel, Ana Karen, Gabriel Landi, Gabriel Lazzari e tantos outros que se insurgiram nos últimos meses denunciando as arbitrariedades e violações graves do centralismo-democrático e do Estatuto das quais foram vítimas. Aliás, essas violações não vitimam somente os camaradas injustamente expulsos, mas todo o complexo partidário do PCB que vê estupefato a intransigência do CC em sua empreitada rumo ao rompimento da unidade e à promoção de expurgos ilegais. É evidente que não queríamos nos deparar com essas denúncias através das redes sociais e lamentamos a necessidade de utilizá-las, visto que as informações não têm circulado adequadamente e qualquer denúncia interna ou não é respondida ou é arquivada sem maiores satisfações.

Ao que parece, a partir das manifestações de setores da militância até agora, muito se apega ao formato e pouco ao conteúdo político dos problemas partidários, ignorando também que forma e conteúdo deveriam fazer parte de um só todo a ser analisado. Usam toda a energia para denunciar a utilização das redes para fazer a crítica, acusam de fracionistas e liquidacionistas, mas pouco consideram o fundamento político das críticas, a guinada à direita na questão internacional, as curiosas alianças partidárias do último período, os ataques abertos e velados ao marxismo-leninismo e a tentativa de aparelhamento das Coordenações Nacionais. Consideram as denúncias fracionistas, mas pouco questionam a presença de frações legalizadas em nossas direções.

4. A URGÊNCIA DO XVII CONGRESSO EXTRAORDINÁRIO

O Partido está dividido em duas alas. Apesar de compreensível os anseios dos e das camaradas que desejam uma terceira via, mais conciliatória, para resolução da trama, essa proposta carece de materialidade e resulta no fortalecimento da ala direita, porque apesar de discordarem dos métodos persecutórios, acreditam na legitimidade do Comitê Central em expulsar toda divergência a revelia do nosso método organizativo e do Estatuto. A única forma de resolver o conflito interno e evitar a cisão é através da organização de um novo Congresso Extraordinário, onde se possa debater e aprofundar a polêmica. Enfatizamos, ainda, que a realização de uma Conferência Política é, agora, insuficiente para a reversão da cisão nacional impulsionada pelo CC. Longe de se tratar, apenas, da desconfiança frente ao referendo destas decisões pelo Comitê, trata-se de forjar uma unidade sólida em torno de definições e orientações nítidas, distantes da heterogeneidade de resoluções marcadas pelo acordo artificial e não pela síntese científica de nossas diferentes posições.

É urgente a readmissão dos camaradas expulsos ou dos que se desligaram em função das arbitrariedades que, lamentavelmente, imperam em nosso Partido. Uma leitura atenta deste documento permite verificar facilmente que nenhum dos valorosos revolucionários de Santa Maria buscam romper com o Partido Comunista Brasileiro, mas, pelo contrário, buscamos avançar na Reconstrução Revolucionária deste Partido. Nesse sentido, conclamamos o conjunto do complexo partidário a declarar sua irrestrita defesa desta ferramenta histórica, não pelo valor de sua legenda, mas pelo seu potencial de intervenção na luta de classes brasileira.

Em toda a nossa solidariedade, partilhamos das angústias coletivas, cientes de que há um terror que utiliza do medo da cisão para apassivar nossas e nossos combatentes. Estamos convencidos que não será o XVII Congresso a mudar o caráter do nosso Partido, mas a manutenção desta tão evocada “cultura política” estranha ao marxismo-leninismo. A organização paralela deste Congresso através de Comissões Provisórias não é um convite à divisão, mas uma necessidade imposta pela autarquia partidária.

5. PARA APROFUNDAR A RECONSTRUÇÃO REVOLUCIONÁRIA DO PCB

Para avançar na unidade entre os comunistas, reivindicamos:

Adesão ao XVII Congresso (Extraordinário) do PCB com a participação dos coletivos partidários e, para tanto, realização de plebiscito nacional junto à militância de todo o complexo partidário a fim de verificar o desejo das bases;

Fim do “Estado de Exceção” e cumprimento imediato do Estatuto do PCB por parte das direções, com suspensão dos processos disciplinares até o XVII Congresso (a exceção daqueles cuja justificativa se sustenta em casos de opressão);

Realização urgente de ativo do complexo partidário gaúcho para definição de posição sobre a crise;

Autocrítica pública do Secretário Geral pela responsabilidade nas descentralizações envolvendo a PMAI;

Destituição de todo o CC com substituição por composição de Comissão Política Nacional Provisória eleita desde as Comissões Provisórias Regionais, encaminhadas junto ao conjunto dos complexos partidários regionais;

Reconhecimento por parte das células partidárias, dos CRs e do CC que os coletivos não são mais frentes de massas e sua militância passa a ser caracterizada da mesma forma que a militância do partido, ou seja, quadros e militantes revolucionários;

Condução transparente de toda denúncia envolvendo opressões cometidas por dirigentes e militantes de base, resguardando em primeiro lugar as vítimas;

Fim do etapismo no recrutamento de quadros e militantes revolucionários ao PCB, ou seja, acabar com os estágios probatórios, com ou sem tempo definido, de militância em um coletivo como pré-requisito para ingresso ao Partido. Essa prática facilmente recai no desvio de deixar afastado dos debates internos do PCB militantes indesejados pela criticidade, mesmo que comprometidos com o centralismo-democrático;

Respeito à subordinação dos Secretariados, CPR e CPN aos respectivos plenos das células, CRs e CC;

Implementação imediata da cotização progressiva;

Implementação imediata dos boletins internos, abertos ao conjunto do complexo partidário, com ampla liberdade de crítica;

Reversão das expulsões de Ana Karen, Gabriel Landi, Gabriel Colombo, Gabriel Lazzari, Jones Manoel, Ivan Pinheiro e reintegração imediata dos demais militantes expulsos em processos persecutórios.

EM DEFESA DO MARXISMO-LENINISMO!

VIVA A RECONSTRUÇÃO REVOLUCIONÁRIA DO PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO!

Célula Santa Maria do Partido Comunista Brasileiro
Núcleo Santa Maria da União da Juventude Comunista
Núcleo Santa Maria do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro
Comitê de Base Santa Maria da Unidade Classista