'Questão eleitoral: quais são os fins e quais são os meios?' (Ju Sieg e Vinícius Okada)

A tarefa estratégica de organizarmos um partido revolucionário se torna viva na realidade concreta por meio de nossas lutas táticas, contanto que adotemos as táticas adequadas para cada momento histórico, de maneira a fazer avançar a estratégia da revolução proletária

'Questão eleitoral: quais são os fins e quais são os meios?' (Ju Sieg e Vinícius Okada)

Por Ju Sieg e Vinícius Okada para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

“Todo o espírito do marxismo, todo o seu sistema, exige que cada proposta seja considerada (α) apenas historicamente, (β) apenas em conexão com outras, (γ) apenas em conexão com a experiência concreta da história.” Lênin [1]

Em circular do início de Janeiro de 2024, o CNP orientou a militância partidária a debater e enviar contribuições (preferivelmente nas Tribunas de Debates) a respeito de nossa posição a ser adotada nas eleições municipais de 2024 a partir dos seguintes pontos para análise:

“a) quais entre os possíveis meios de nossa participação no processo eleitoral (agitação de um programa sem candidaturas; apoio crítico a candidaturas de determinados partidos; filiação democrática em algum partido – nesse caso, também cabe a discussão sobre em quais seria aceitável ou não tal filiação democrática – etc.) são os mais adequados no atual momento político nacional e de nossa organização;

b) as particularidades de cada região e localidade, bem como as articulações eleitorais existentes entres as forças políticas de esquerda nessas circunscrições.”

Das tribunas enviadas até agora [2], ainda que com suas particularidades, duas convergem ao centralizar o debate no problema da participação eleitoral em um partido ainda novo, vindo de uma cisão bastante recente – tratam-se das tribunas dos camaradas Ivan Pinheiro e Leonardo Vinhó. Contudo, limitam-se a caracterizações gerais dos partidos que poderiam servir como legenda (sem, portanto, adentrar nas especificidades regionais, tanto dos partidos quanto das eleições em si), e também a recusar a alternativa da “filiação democrática” (sem, no entanto, apresentar qualquer plano de trabalho para o período eleitoral).

Nesses termos, o camarada Ivan discorda da tática da filiação democrática (qualquer que seja a legenda), e o camarada Leonardo vai além e discorda também de utilizarmos este período para iniciarmos o processo de legalização do partido (proposta que pode ser apreciada, em termos gerais, como uma possível mediação entre a filiação democrática e a não participação).

Salientamos os critérios estabelecidos pelo CNP para a análise da questão não por mero formalismo (afinal, os camaradas têm o direito de enveredar por quaisquer rumos que quiserem em suas contribuições), mas para apontar uma tendência desse debate: definir a posição a ser adotada pelo partido a partir da própria realidade do partido, e não a partir da realidade histórica nacional (e internacional) em conjunto com a realidade histórica de nosso partido (e do Movimento Comunista Internacional).

Ao que nos parece, o camarada Ivan tende a analisar as eleições deste ano por meio da caracterização geral dos partidos da esquerda, como nas eleições federais, esquecendo-se de que as eleições municipais possuem um caráter muito mais local e vinculado às demandas imediatas do eleitorado (e seus distintos interesses de classe); desse modo, ainda que seja de suma importância caracterizarmos as movimentações dos arcos de alianças partidários no seio da esquerda, não podemos esquecer que o momento político imediato é o que sobressai nas eleições municipais, não à toa, é o momento no qual se prolifera na social-democracia alianças e acordos escandalosamente oportunistas (os casos de aliança petista com a direita e a extrema direita em várias cidades brasileiras é um exemplo bastante ilustrativo disso) e tendencialmente se diminui o peso do voto ideológico.

Ao mesmo tempo, o camarada parece fincar os pés na necessidade de construção de uma frente anticapitalista e anti-imperialista – isto é, a tática da frente única –, conforme salientado em nossas pré-teses; contudo, também parece elevar essa formulação ao nível de uma questão de princípio, posição que, na prática, inviabiliza qualquer formulação que vise a participação no processo eleitoral. O problema disso é que se trata de uma posição que passa ao largo de uma caracterização do cenário eleitoral de 2024, ainda que caracterize os partidos em jogo.

O camarada, em certo momento de sua tribuna, estende o debate contrário a tática da filiação democrática às dificuldades enormes que envolveriam o processo de legalização do partido, afirma corretamente que a análise dessa proposta hoje não envolve os mesmos problemas que em 1992, quando se tratava da luta pela sigla do PCB contra os liquidacionistas; contudo ressalta que a magnitude do processo de legalização, forçaria o partido a se mergulhar nessa tarefa como principal; o que nos leva a crer que há uma compreensão implícita aí, a respeito de uma contradição entre o trabalho de legalização do partido (e talvez o próprio trabalho eleitoral no geral) e o trabalho de construção de um partido revolucionário com plena firmeza ideológica.

Por sua vez, essa posição aparece de maneira clara e explícita no texto do camarada Leonardo. O camarada diverge da proposta de legalização do partido porque “seria desgastante”, na medida em que estamos experimentando “formas organizativas novas”, e nossas “direções mais experimentadas ainda precisam aprofundar sua autocrítica”, enquanto as “novas direções precisam de muita assistência para fazer seu trabalho sem quebrar”; desse modo, conclui que “uma campanha pela legalização nestas condições é exaurir ainda mais a militância, com uma estrutura bastante nova que sequer temos certeza se provará acertada no decurso dos próximos anos”.

Basicamente, o camarada apresenta como argumento contrário à legalização do partido, a nossa insuficiência organizativa, e distancia o debate sobre organização de uma perspectiva política, isto é, não apresenta qual deve ser o método de trabalho correto, não apresenta qual deve ser o caráter do trabalho comum a todos que possibilitará a reconstrução revolucionária, e, sobretudo, não debate quais as táticas adequadas para fazer avançar a estratégia socialista no período em questão. As insuficiências partidárias são analisadas a partir da própria “vida interna” do partido, não se apontam quais as determinações que a realidade histórica brasileira impõem ao nosso partido no próximo período. Lênin falava sobre como a formação de uma organização revolucionária se assemelha a de um exército regular, na qual este se experimenta por meio de assédios constantes e sistemáticos contra o inimigo [3]. Na concepção que separa as lutas táticas da luta estratégica de construção de um partido revolucionário, o exército regular se experimenta lutando contra si próprio, em desconexão com as lutas reais.

Em 1901, criticando o uso oportunista pela Rabótcheie Dielo da máxima de Karl Liebknecht, “se as circunstâncias transformam-se em vinte quatro horas, é preciso modificar a tática em vinte e quatro horas”, Lênin responde delineando precisamente a relação entre as táticas e as questões de princípio:

“Em vinte e quatro horas pode-se mudar a própria tática de agitação nessa ou naquela questão específica, a própria tática em questão ou alguma particularidade da estrutura do partido, mas somente indivíduos sem princípios podem mudar em vinte e quatro horas, ou mesmo em vinte e quatro meses, a própria ideia sobre a necessidade – em geral constante e absoluta – de uma organização de luta e de agitação política entre as massas. [...] Mas para poder mudar a tática é necessário antes de tudo ter uma tática, e se não existe uma organização viva, preparada para a luta política em qualquer momento e em todas as situações, não se pode falar de qualquer plano sistemático de ação, iluminado por princípios firmes e rigorosamente aplicado, que é só o que merece o nome de tática.” (grifos nossos) [4].

Ao se levantarem contra a possibilidade de sermos engolidos pelo oportunismo social-democrata (Ivan) e nossas insuficiências organizativas diante de uma tarefa nacional extenuante (Leonardo), e assim, cada um a seu modo, recusarem a priori a participação no processo eleitoral, os camaradas transformam questões táticas em questões de princípios, ao invés de formularem uma tática orientada por princípios firmes.

Agora, passaremos às posições do camarada Jones, o qual, ainda que tenha deixado para um escrito futuro a apresentação de um plano de trabalho para as eleições deste ano, apresentou suas considerações gerais sobre o tema tanto em sua tribuna quanto na ata da reunião do CNP.

Já falamos brevemente (e de maneira insuficiente) sobre o caráter das eleições municipais; mas precisamos também destacar algumas tendências. A primeira delas, é que a conjuntura desde 2014 se caracteriza por uma ofensiva burguesa, com ataques contínuos contra a classe trabalhadora, visando uma intensificação da superexploração da força de trabalho brasileira e desmantelamento das parcas seguranças legislativas e constitucionais, bem como do aparato sindical. É notório, nesse período, o avanço contínuo das privatizações, da apropriação do fundo público, e a hegemonia dogmática do ajuste fiscal na economia – os últimos dez anos são marcados por uma aterradora estabilidade do programa burguês.

A segunda tendência que se observa, pelo menos há seis anos, é a tendência dos partidos de esquerda se aglutinarem a longo prazo em uma “frente popular contra o fascismo”, de maneira amorfa – no sentido em que as distintas posições de classe dos partidos tendem a se nublar –, e acrítica – na medida em que a esquerda no geral não tem criticado o petismo, pelo contrário, a tendência desde 2018 é o reboquismo generalizado com o programa petista, e o abandono de qualquer perspectiva crítica no terreno público, o que é exemplar no conhecido caso do PSOL, mas também é notório no caso da UP (como bem destaca o camarada Jones). A construção de uma frente de oposição à esquerda para com o petismo é uma tarefa que tem regredido nos últimos anos, e o cenário aponta para a impossibilidade de se organizar algo consistente nesse sentido a curto prazo. Ao mesmo tempo que a maioria das forças de esquerda se concentram tendencialmente na órbita do petismo (acriticamente contra o perigo fascista), a posição crítica ao governo Lula encontra-se dispersa; mas é importante destacar que ela existe – sobre isso, o camarada Jones faz uma caracterização e uma listagem de personagens que deve ser considerada com atenção.

Pelo caráter contínuo e crescente da ofensiva burguesa, outra tendência que já é visível no imediato é a relevância assumida pelas demandas imediatas da classe trabalhadora; isso, em conjunto com o fortalecimento (no sentido de consistência e continuidade) de nossas intervenções públicas e a unidade efetiva de nossa organização (no sentido de firmeza estratégica) são pontos centrais para o próximo período.

Para além do que já consta como listado no caderno de teses, podemos elencar, a partir da conjuntura e tendências do movimento, alguns setores da classe trabalhadora que serão (e já vem sendo) de suma importância para uma mobilização contínua que vise superar a letargia e a prostração social-democrata; o camarada Jones destaca duas (em seu texto e na ata): o sindicalismo público, em especial os funcionários públicos federais que não terão aumento salarial por conta do Novo Teto de Gastos; bem como o setor da enfermagem, que se encontra em luta contra os ataques do STF ao piso nacional da categoria. Nesse sentido, é importante que o partido construa essas lutas sempre no sentido de organizar e concentrar forças a nível nacional, o que implica em estabelecer um trabalho sistemático, e estudar e analisar metodicamente as particularidades locais, como cada um dos setores dos trabalhadores destacados a nível nacional se apresenta na realidade local, no sentido de como podemos intervir nas lutas, buscar uma inserção orgânica no movimento (em especial, o sindical), e a construção de planos de trabalho regionais subordinados a um plano de trabalho nacional.

Tudo isso implica, no entanto, em superarmos a letargia de nossa organização, e para isso é preciso, acima de tudo, formarmos um Comitê Central que realmente seja capaz de dirigir nosso trabalho a nível nacional, acompanhar e orientar as formulações locais sugeridas acima, e sintetizar um quadro geral de nosso trabalho a nível nacional para o próximo período, tanto em termos de tarefas, quanto em termos de debilidades.

Com isso, afirmamos que não há contradição, em termos de princípios, entre o trabalho eleitoral (qualquer que seja a tática que venha a ser adotada) e o trabalho de construção de um partido revolucionário com firmeza ideológica, isso porque responder aos problemas imediatos do proletariado brasileiro não entra em contradição com o trabalho de mantermos (e reconstruirmos) uma firme coesão ideológica. A tarefa estratégica de organizarmos um partido revolucionário se torna viva na realidade concreta por meio de nossas lutas táticas, contanto que adotemos as táticas adequadas para cada momento histórico, de maneira a fazer avançar a estratégia da revolução proletária.

As eleições municipais deste ano são um fato dado. Sua importância na atual conjuntura e na delimitação da correlação de forças das distintas classes sociais (e de seus partidos) na luta política dos próximos anos destacam sua importância nesse período, além de demarcar sua relação de continuidade, em maior ou menor grau e respeitadas as particularidades, com as eleições de 2026. A necessidade de identificar no plano nacional e nos planos locais (momentos distintos da mesma processualidade) uma correta caracterização dos setores estratégicos do proletariado e como atuar sobre eles não se desvincula do plano eleitoral; pelo contrário, o processo eleitoral é um momento bastante oportuno para estudarmos o posicionamento, reivindicações e demandas não apenas dos partidos, mas sobretudo dos vários movimentos sociais, categorias profissionais, sindicatos, e setores diversos do proletariado, cabendo balizar junto a isso as condições e as capacidades históricas e objetivas de mobilização de cada uma, sempre a partir de critérios programáticos e de classe.

O camarada Jones aponta em sua tribuna, de maneira correta, a dificuldade política e organizativa do Comitê Nacional Provisório (e aqui acrescentamos as debilidades iniciais de estruturação do trabalho ideológico do Órgão Central) de atuar (e dirigir) o trabalho de agitação e propaganda do partido a nível nacional, especialmente no que tange o acompanhamento das mobilizações políticas, a luta parlamentar, e as principais lutas imediatas das diversas localidades do Brasil em suas particularidades; e mais importante: o camarada ressalta que a dificuldade de produção teórica contínua e qualificada se demonstra também na ausência (por vezes completa, como no caso do Rio Grande do Sul) de uma atuação prática sistemática e planejada.

Antes de seguirmos adiante, cabe ressaltar a recente reestruturação da redação do Órgão Central como forma de aprimorar o trabalho de estudo sistemático sobre a realidade internacional e a realidade brasileira, produzindo material agitativo, mas sobretudo, propagandístico, para ampliar a nossa capacidade real de intervenção na luta de classes e na conformação da coesão ideológica da nossa militância partidária. A proposta da Diretoria do Órgão Central (a qual compomos), inclusive, em diálogo com o camarada Jones, se desdobrará com a sua inserção no corpo redacional de nossa imprensa partidária, auxiliando na prospecção de pautas e questões candentes para os comunistas brasileiros, do mesmo modo, redigindo e formulando teoricamente, como colunista mensal, por exemplo, para o nosso futuro jornal.

Retomando às atuais debilidades de nosso momento político-organizativo, observamos, por um lado, que muitos camaradas do Comitê Nacional Provisório não se apropriaram do trabalho de direção no último período, não apenas por conta da debilidade das assistências aos estados, mas sobretudo da debilidade na direção política da atividade prática a nível nacional. O debate eleitoral é bastante exemplar disso. É verdade que a questão tem um prazo curto para deliberação e que isso prejudica a qualidade do debate. Mas a resposta para esses problemas deveria ser um zelo metodológico maior. A ata da reunião e a respectiva circular foram insuficientes para demarcar de maneira precisa as distintas posições em debate, e sobretudo para apresentar para a militância, de maneira clara, os diferentes planos sistemáticos de ação. O tempo é curto, é verdade, mas essas distintas posições e esses distintos planos de ação existem, e podemos observá-los (de maneira não sistematizada) no debate do CNP pela ata. Seria muito benéfico para o nosso partido, que o CNP se apropriasse dos debates e dos mecanismos disponíveis para tal; se podemos observar, de maneira mais ou menos clara, a existência de, pelo menos, três linhas distintas de atuação para a eleição, o nosso organismo de direção poderia exigir de um ou outro camarada do pleno que escrevesse uma tribuna, em tempo hábil, apresentando os pontos essenciais de sua proposta.

Por outro lado, vemos que os meios fundamentais para a construção de um partido revolucionário envolvem a consolidação do Órgão Central e a criação de um jornal publicado regularmente para todo o Brasil (complementado com outras formas de publicação, como um revista teórico-política centrada nas polêmicas fundamentais do Movimento Comunista Internacional, e demais meios que possam tornar nossa agitação e propaganda o mais abrangente possível, como o acompanhamento centralizado dos canais de YouTube e Twitch de nossos propagandistas, a criação de uma produtora audiovisual, nossas plataformas em redes sociais, etc.) que possibilite a implementação de um trabalho sistemático comum a todos os nossos militantes, superando assim o caráter estreito dos trabalhos locais desconexos nacionalmente, e que permita a construção de uma literatura comum para o nosso partido.

As críticas do camarada Jones permeiam a implementação sistemática dos meios que possibilitarão a construção de nosso partido revolucionário, e envolvem justamente a superação do atual estado de coisas, no qual o camarada, por exemplo, é um dos únicos com uma produção regular e qualificada acerca da realidade brasileira, e do acompanhamento das questões fundamentais da luta de classes em nosso país. A solução para isso está na centralização e concentração desses esforços no Órgão Central como centro ideológico de nosso partido, subordinado ao Comitê Central, o centro político – uma boa contribuição sobre o tema (que não esgota esse debate), encontra-se na recente tribuna do camarada Acácio [5]; uma boa análise sobre o papel fundamental do Órgão Central na nossa participação nas eleições (qualquer que seja a tática adotada), encontra-se na tribuna do camarada Gelli [6]. 

Tais meios, inegavelmente, ainda se encontram em período de formulação e compreensão comum de sua estrutura e funcionamento. Parte desafiadora da centralização de nosso partido em construção atravessa o desenvolvimento desigual da cisão partidária nas mais diversas regiões e localidades de nosso país, que ainda não foi plenamente sistematizado e apreendido pelo Comitê Nacional Provisório. Consequentemente, a construção de uma tática nacional para as eleições municipais torna-se ainda mais árdua, seja pela ainda incipiente apropriação das distintas realidades locais, seja pela difícil compreensão das (poucas) experiências exitosas de campanhas eleitorais passadas no velho PCB, ou seja, quais herdamos e quais queremos herdar.

Sendo assim, nos deparamos, concretamente, com uma questão: a filiação democrática hoje é uma formulação de abrangência nacional ou apenas local? Nos colocamos dispostos ao convencimento contrário, mas nos parece que não há hoje outro quadro político em nossa organização experimentado na teoria, na propaganda, no trabalho eleitoral, no trabalho de direção, como figura pública e, ressaltamos, com lastro eleitoral e possibilidade de vitória do que o camarada Jones Manoel. Poderíamos citar alguns outros quadros potenciais de que temos conhecimento, alguns inclusive que já se candidataram no passado, porém, ainda carecendo de recursos, ao nosso ver, para apostarmos em uma tática tão complexa em termos de manejo, e que impõe riscos e contradições de médio prazo na demarcação clara e precisa para com a social-democracia. A falta de formação e experimentação prática sistemáticas de nossos quadros no último período dificulta a nacionalização da tática da filiação democrática. A nacionalização “pelo alto”, ou seja, tomar como orientação nacional uma tática fundamentada na análise real de uma única possível candidatura ressalta os riscos do processo de filiação democrática.

Como garantir não sermos engolidos pela social-democracia programática e ideologicamente quando ainda não temos um programa claro dos comunistas brasileiros para o nosso país? Como garantir a nossa diferenciação política de classe em uma filiação democrática quando ainda permeiam tantas confusões ideológicas sobre o que é o conceito marxista de classe social entre nossas fileiras? Como acompanhar o trabalho propagandístico e agitativo de cada candidatura, nas mais diversas localidades desse país, com um Comitê Nacional Provisório ainda repleto de debilidades políticas?

São questões primárias que devemos nos fazer a respeito da adoção da tática da filiação democrática. A possível confusão ideológica provocada por essa tática, tanto para nossa classe, quanto em nossas fileiras, deve ser levada em conta. Ao mesmo tempo, devemos ter em mente que qualquer que seja a tática adotada, o problema da demarcação programática e de classe, isto é, o combate firme à social-democracia, se imporá como uma problema da prática, e somente através dela, da experimentação efetiva de nosso partido e de nossos militantes no embate real do processo eleitoral é que colocará à prova nossos potenciais e nossa capacidade de superarmos nossas debilidades. Na realidade, os problemas maiores, em termos de impeditivos à filiação democrática, envolvem colocarmos camaradas pouco experimentados na linha de frente para manejarem uma relação de empréstimo de legenda com a social-democracia, sendo resguardados por nosso partido ainda em construção inicial e bastante imaturo em termos políticos, um aparato partidário que como retaguarda aos camaradas destacados para a tarefa seria muito insuficiente e desorganizado em termos de prover garantias em meio à dinâmica acelerada do processo eleitoral.

Contudo, não podemos tropeçar no equívoco de recusar a priori a nossa participação no processo eleitoral devido às nossas debilidades e insuficiências. A resolução da contradição entre a construção de um partido revolucionário com incidência real na classe trabalhadora e de sua consolidação em termos de firmeza ideológica ortodoxamente marxista-leninista não ocorre em momentos distintos, ou seja, primeiro recuamos para cimentar e erigir os nossos princípios e, posteriormente, pensamos na agitação política do programa dos comunistas para a classe trabalhadora brasileira e a participação concreta nos processos efetivos de disputa de consciência de nossa classe. Portanto, a tarefa do Comitê Nacional Provisório neste final de semana será eleger a tática adequada que mantenha a nossa organização viva, participando do processo eleitoral para fazer avançar a nossa estratégia socialista.

No decorrer desse ano, as disputas políticas e econômicas da nossa classe convergirão, inexoravelmente, para as eleições, seja por meio da articulação de determinados setores do proletariado, por meio de pautas imediatas que se tornarão discussões eleitorais, seja pelo abandono de interesses centrais da classe trabalhadora por parte das lideranças progressistas em prol de avanços eleitoreiros. Desconsiderar esse cenário é, de fato, negligenciar a própria realidade, renunciando à linha de frente da luta política e se limitando a combater na retaguarda. Construiremos a capacidade de intervir de maneira consistente e unificada nas eleições dos próximos anos, a partir de nossos princípios ideológicos solidificados, enquanto construímos a nossa intervenção de maneira nacionalizada e unificada desde já. Ao participarmos ativamente dos debates, levando nossas propostas e programa, provaremos pelo convencimento na prática sermos o verdadeiro partido do proletariado brasileiro. Essa será também uma oportunidade conjuntural para forjar novos quadros e fortalecer os que estão em formação, preparando o terreno para a luta legal e ilegal de nosso partido.

Defendemos, assim, a proposta de luta pela legalização do partido como a tática correta de como participarmos ativamente do processo eleitoral de 2024, utilizando esse período eleitoral como catalisador dessa tática. Ao incorporarmos a luta pela legalização na dinâmica das eleições, romperemos com a limitada lógica institucional do oportunismo eleitoreiro, visando construir uma participação comunista coerente e combativa nas eleições burguesas. Esta campanha não será apenas uma ação isolada, mas um momento preparatório fundamental para a participação dos comunistas nas eleições de 2026. Inclusive, destacamos nossa concordância com a proposta do camarada Jones de utilizarmos os eventos de pré-campanhas como oportunidade política de agitarmos o nosso programa, nos diferenciarmos da social-democracia e da tendência geral da “frente antifascista”, buscando acelerar a cisão das bases políticas dessas organizações. Um trabalho planejado e centralizado de atuação nessas pré-campanhas, com pré-condições claras e delimitadas em termos de princípios, será capaz de aprimorar a nossa capacidade de demarcação da linha divisória entre a estratégia da revolução proletária e suas mediações táticas das traições conciliatórias da social-democracia.

Por fim, como proposta tática para a nossa participação no processo eleitoral, defendemos:

1) O partido não deve buscar filiações democráticas.

2)  O partido deverá tomar como tarefa imediata a nossa legalização, com o objetivo de concluir este processo em tempo hábil para a participação nas eleições de 2026; essa tarefa exigirá um planejamento nacional, precedido de um estudo rigoroso das normas e metas a serem atingidas para o cumprimento legal do processo.

3) O partido deve elaborar um programa a ser agitado para as eleições (com base no programa partidário a ser aprovado ao final do congresso) que compreenda eixos básicos para nossa diferenciação com os demais partidos (e classes); de início, delineiam-se como centrais os eixos de combate às PPPs, combate ao Novo Teto de Gastos, revogação das contrarreformas, implementação do piso salarial da enfermagem e redução da jornada de trabalho.

4) A direção nacional do partido deve dirigir nossa participação no processo eleitoral a partir de um minucioso estudo e levantamento sobre as diversas regiões do país, visando um levantamento de candidaturas lançadas em cada local, setores estratégicos do proletariado, pautas centrais em debate, e planos de atuação para cada região; isso requer o trabalho dos CRs e CLs para se efetivar, mas sobretudo exige o trabalho de direção e síntese política da direção nacional, resultando num plano de ação nacional para o processo eleitoral.

5) O partido deve evitar posições abstencionistas, avaliando o possível apoio crítico a candidaturas específicas por meio de critérios programáticos e de classe; quando se deliberar pelo apoio, devemos explicitar e agitar publicamente não apenas os pontos em comum, mas também os pontos de divergência.

6) Está liberada, mediante aprovação prévia caso a caso pela direção nacional, a participação de camaradas em eventos de pré-campanha de outros partidos, contanto que não caracterize a priori apoio a essas candidaturas, e que se utilize desses eventos para agitarmos nosso programa, e, sobretudo, nos diferenciarmos da social-democracia por meio de critérios programáticos e de classe.


Notas

[1] V. I. Lênin, Carta para Inessa Armand de 30 de Novembro de 1916; disponível online, em inglês, em marxists.org.

[2] Em ordem: 1) 'Para começar: participaremos dessas eleições?' (Bessa); 2) 'Sobre a participação do PCB-RR no processo eleitoral 2024' (Gerardo Santiago e Gabriel Lima); 3) 'Que tipo de Partido queremos construir?' (Ivan Pinheiro); 4) 'Questão eleitoral: quem quer os fins deve também querer os meios' (Leonardo Vinhó); 5) 'O “Partido Testemunho” e a nossa tática eleitoral' (Jones Manoel) ; e 6) 'Aperta, confirma e PIRILILILI' (Rafael Gelli)

[3] “O corpo principal de nossa força militar é composto por voluntários e pelos insurretos. Possuímos somente algumas pequenas divisões de tropas permanentes, e ainda essas não são mobilizáveis, não são amigáveis entre si, não são adestradas, em geral, para alinhar-se em uma coluna militar e menos ainda em uma coluna de assalto. Nessas condições, qualquer pessoa capaz de compreender as condições gerais de nossa luta sem esquecer cada “reviravolta” do curso histórico dos acontecimentos deve ter claro que nossa palavra de ordem, neste momento, não pode ser “lançar o assalto”, mas deve ser “organizar um cerco regular à fortaleza inimiga”. Em outras palavras: a tarefa imediata de nosso partido não pode ser convocar todas as forças disponíveis para atacar imediatamente, mas promover a formação de uma organização revolucionária capaz de unir todas as forças e de dirigir o movimento não somente em palavras, mas de fato, isto é, de estar sempre pronta a sustentar qualquer protesto e qualquer explosão social, desfrutando deles para multiplicar e consolidar as forças militares que possam servir para a batalha decisiva.” — V. I. Lênin, Por onde começar? (1901); transcrito a partir da coletânea Estratégia e tática da hegemonia proletária, pp. 72; disponível online, com outra tradução, em marxists.org.

[4] V. I. Lênin, Por onde começar? (1901); transcrito a partir da coletânea Estratégia e tática da hegemonia proletária, pp. 70-71; disponível online, com outra tradução, em marxists.org.

[5] 'O Órgão Central é nossa tarefa mais importante – apontamentos sobre seu funcionamento e conteúdo' (P Acácio)

[6] 'Aperta, confirma e PIRILILILI' (Rafael Gelli)