Novo PAC: governo acelera privatizações, não o crescimento econômico

Prioridade do governo, segundo próprio ministro da Casa Civil, é acelerar a concessão de obras e a criação de Parcerias Público Privadas com os R$ 1,7 trilhão de investimentos previstos no programa.

Novo PAC: governo acelera privatizações, não o crescimento econômico
Na terceira edição do programa, o investimento através de recursos do governo federal é o menor de todas as anteriores. (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Por Redação

O governo Lula lançou em agosto de 2023 a terceira edição do Programa de Aceleração do Crescimento, chamado de Novo PAC. Estão previstos R$ 1,7 trilhão de investimentos totais, em nove eixos de atuação definidos como prioritários, com ênfase para infraestrutura. Mais do que crescimento econômico, o PAC prevê a aceleração do processo de privatizações das empresas estatais, até o nível municipal, com facilitação de crédito e acesso a recursos públicos para setores privatizados.

O programa foi organizado em “Medidas Institucionais e nove Eixos de Investimentos”. As Medidas Institucionais buscam a alteração de leis e normas de gestão e planejamento para melhor articulação dos investimentos do programa. Os nove Eixos de Investimentos são: transporte eficiente e sustentável; infraestrutura social inclusiva; cidades sustentáveis e resilientes; água para todos; inclusão digital e conectividade; transição e segurança energética; inovação para indústria de defesa; educação, ciência e tecnologia; saúde.

O primeiro PAC foi criado em 2007, no segundo governo Lula, e o segundo em 2011, durante o primeiro governo de Dilma Rousseff. Desta vez, os investimentos através de recursos governo federal é o menor de todas as edições: na primeira, em 2007, os investimentos da União foram previstos em R$ 414 bilhões, conseguindo a aplicação concreta de R$ 227 bilhões; no PAC 2, criado em 2011, a previsão de investimentos subiu para R$ 621 bilhões, com aplicação de R$ 434 bilhões. O atual programa prevê investimento de apenas R$ 371 bilhões de recursos do governo federal.

Com o baixo investimento, o governo Lula busca atingir a meta de R$ 1,7 trilhão através de outros três eixos: o financiamento de R$ 362 bilhões, onde R$ 440 bilhões serão feitos através de bancos públicos; utilização de R$ 343 bilhões dos lucros das empresas estatais, sendo R$ 323 bilhões apenas da Petrobrás e a utilização de outros R$ 612 bilhões de empresas privadas. Destes investimentos, 56,4% serão destinados apenas ao novo programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) que prevê a conclusão e construção de 2.182.960 de residências em todo país.

Segundo o governo, o programa irá criar cerca de 4 milhões de empregos em todo o país, direta ou indiretamente. A estimativa é de que 2,5 milhões de vagas sejam geradas diretamente através das obras do Novo PAC, e outros 1,5 milhão indiretamente.

Concessões e PPPs

O Novo PAC prevê o “aprimoramento dos mecanismo de concessão e PPPs” como uma de suas Medidas Institucionais. O que o projeto chama de aprimoramento é, concretamente, a facilitação da privatização dos serviços públicos nas áreas de transporte, mobilidade urbana, abastecimento de água e saneamento, gestão de resíduos, transmissão e distribuição de energia, entre outros.

Tal facilitação ocorrerá através da simplificação de contratação de estudos técnicos e relicitação; aumento da segurança jurídica dos entes privados através da isenção das responsabilidades fiscais e trabalhistas das empresas estatais para as empresas que adquirirem a concessão; prorrogação antecipada de contratos e estabelecimento de diretrizes para repactuação contratual para ativos estressados; financiamento do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) por ressarcimento automático através do Fundo Nacional de Desestatização; entre outros. Para isso, o projeto prevê a alteração das leis nº 8.987/1998 e nº 11.079/2004 que dispõem sobre o processo de concessão de serviços públicos e as normas de licitação para parceria público-privada (PPP), respectivamente.

A mudança nessas leis irá estimular a privatização dos serviços públicos no Brasil. Seguirá o que foi feito através do decreto presidencial do dia 25 de abril de 2023, nº 11.498/2023, que alterou o Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), decreto n° 8.874/2016, legalizando a privatização da educação, saúde, segurança pública e sistema prisional, parques urbanos e unidades de conservação, equipamentos culturais e esportivos e habitação social e requalificação urbana.

Como um passo adiante, o Novo PAC almeja o fortalecimento da concessão a setores privados e PPPs também nos setores de dragagem e canal de acesso dos portos, portos hidroviários, mobilidade, hidrovias, infovias e estradas vicinais, além de concessões florestais. A estruturação de PPPs para o setor rodoviário para desburocratizar a privatização de rodovias. A definição do conceito de saneamento rural, que facilitará a concessão ou criação de PPPs nesse serviço. O governo pretende, também, criar mais fundos para financiar esses projetos de privatização.

Um dos eixos previstos no Novo PAC é o Programa Água Para Todos. Atualmente, mais de 100 milhões de brasileiros não têm acesso a esgoto e mais de 35 milhões não têm acesso à água tratada. Uma das metas do Novo PAC é que, até 2033, 90% da população tenha acesso a esgoto e 99% tenha acesso à água tratada. O decreto que alterou o Novo Marco Regulatório do Saneamento incluindo essas metas, também alterou as regras sobre as concessões dos serviços de distribuição de água, facilitando a privatização do serviço. Como afirmou o próprio ministro da Casa Civil, Rui Costa, em junho de 2023, “os decretos anteriores limitavam a participação da iniciativa privada a 25%. Não é possível que num país continental se ofereça apenas um modelo de solução. O objetivo foi abrir o leque de opções para as diferentes realidades do país”.

A retomada do Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV), que tem como meta o investimento de 316,7 bilhões de reais até 2026, acabou com a exclusividade da Caixa Econômica Federal (CEF) como operadora de financiamento. No novo programa, bancos privados, digitais e cooperativas de crédito poderão operar com financiamento público, desde que forneçam informações sobre as transferências ao Ministério das Cidades. Apesar de juros anuais mais baixos, os 30 anos de parcelas do financiamento do MCMV fazem com que a dívida aumente em mais de 250% para as faixas 2 e 3 do programa, a abertura para que esse financiamento sejam feitas por bancos privados fará com que a burguesia desse setor aumente ainda mais seus lucros anuais, intensificando a desigualdade social no país.

A previsão de investimentos de R$ 1,7 trilhões deu a aparência de uma mudança na política econômica do governo. Já em agosto de 2023, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, precisou vir a público afirmar que o teto de gastos não seria quebrado, pois grande parte dos investimentos viriam de empresas públicas e não recursos da União: “A grande preocupação, diante de número tão grandioso, é como fica a responsabilidade fiscal. Se estaremos ou não dentro dessa meta fiscal que, sim, é audaciosa, mas extremamente factível, de zerar o déficit primário já em 2024”. A ministra fala a verdade: menos de um quarto dos recursos previstos no programa, apenas 21,8%, serão de investimentos do governo federal.

O foco do governo não é o crescimento econômico, mas o déficit zero. Já nos primeiros dias de janeiro deste ano, pela inflação do país ter sido 0,23% abaixo do previsto, o Ministério do Planejamento e Orçamento anunciou que os recursos públicos do Poder Executivo foram reduzidos de R$ 32,4 bilhões para R$ 28 bilhões, ou seja, uma diminuição de 13,5%. A burguesia brasileira pode descansar tranquilamente, o Novo PAC é, na verdade, um programa que aumentará seus lucros. Pois, com o Novo Teto de Gastos, ele será impossível de ser aplicado sem a ampliação da privatização dos serviços públicos brasileiros.

Aceleram-se as privatizações

Temos cada ano menos empresas estatais no Brasil. A privatização de empresas públicas vem sendo feita desde a criação do Programa Nacional de Desestatizações (PND), do governo de Fernando Collor, em 1990, que recebeu uma atualização  no governo de Fernando Henrique Cardoso, em 1997, permitindo que o BNDES financiasse a desestatização de empresas e serviços públicos de estados e municípios. Desde a criação do Programa, mais de cem empresas e órgãos públicos federais foram privatizados nos mais variados setores: petroquímico, siderurgia, energia elétrica, mineração, portuário, aeroportuário, rodoviário, financeiro, entre outros. Quando consideramos as privatizações de empresas estaduais e municipais a quantidade de desestatizações dobra.

Hoje, temos 96 processos de privatização em andamento pelo PND, entre eles da Casa da Moeda do Brasil (CMB), da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev), da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), da Eletronuclear - Angra 3, da Telecomunicação Brasileira (Telebras), do Porto de Santos, complexos prisionais nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina e da exploração de produtos florestais da Amazônia.

O governo Lula não apenas não promove a reestatização de serviços e empresas estratégicas, que foram indevidamente transferidas para as mãos da burguesia brasileira, mas também intensifica a política de privatizações, consolidando a agenda neoliberal das classes dominantes.

As privatizações são uma medida necessária para a aplicação da política econômica do governo, que tem como prioridade o “déficit zero” das contas públicas - o que torna-se um entrave a qualquer tipo de investimento, pois, dentro dessa política, é preciso que estejam sempre abaixo da arrecadação do ano anterior. Mesmo com a aprovação da Lei do Novo Arcabouço Fiscal (PLP 93/2023), o Novo Teto de Gastos, o governo não conseguiu fazer com que o déficit primário de 2023 fosse menor do que o superávit de 2022. Por isso, é esperado que medidas econômicas que restringem ainda mais o orçamento público sejam aplicadas nesse próximo ano.

A política de “déficit zero” agrada a burguesia brasileira porque traz uma garantia ainda maior de que os títulos da dívida pública não só não deixarão de ser pagos, como também não serão desvalorizados. Tais medidas tornam o Estado brasileiro um grande balcão de investimentos, de baixos riscos.