Nota política - Um ano da enchente no RS: um povo sem memória é um povo sem futuro!
Em qualquer cidade atingida pela grande enchente de 2024, as marcas e as consequências estão visíveis a todos. Mas as causas, tentam esconder para que os responsáveis continuem dominando a narrativa de que nada poderia ser feito a respeito.

Nota política do PCBR em na região metropolitana de Porto Alegre, Serra Gaúcha e Litoral Norte (RS)
Nunca antes, tínhamos testemunhado tamanha destruição em nossas terras. Milhares de deslizamentos de terras, destruição de pontes e estradas, campo e cidade inundadas, colapso total dos sistemas de proteção contra cheias, milhões de atingidos, milhares de desabrigados, centenas de mortos e dezenas de desaparecidos. Economia, cultura e vidas destruídas. Não faltam testemunhos de quem perdeu tudo e teve que encontrar forças na solidariedade coletiva para reconstruir suas vidas.
Em qualquer cidade atingida pela grande enchente de 2024, as marcas e as consequências estão visíveis a todos. Mas as causas, tentam esconder para que os responsáveis continuem dominando a narrativa de que nada poderia ser feito a respeito.
A começar pela emergência climática. Da destruição do meio ambiente que manipula a natureza de forma predatória, prejudicando o clima e o solo, aumentando cada vez mais a frequência de desastres ambientais de grande impacto. O Rio Grande do Sul, que em 1941 passou por uma enchente parecida, e na repetição de enchentes localizadas e rápidas nas décadas seguintes, adotou medidas de contenção de enchentes dos mais variados tipos. Apesar de limitadas, e em alguns casos, obsoletas, teriam contido por muito mais tempo os alagamentos, se não fosse o seu abandono proposital, nos processos de privatização, corte de gastos, falta de manutenção e atualização das medidas protetivas já existentes, dos estudos já feitos, dos “avisos prévios” já dados pela natureza, como as enchentes de setembro de 2023, que arrasou o Vale do Taquari e ameaçou inundar a região metropolitana de Porto Alegre.
A destruição da natureza para ceder espaço a exploração do agronegócio, o aterro desenfreado de banhados, a liberação de lotes para residências em áreas que deveriam ser de preservação ambiental, a reversão de leis ambientais na assembléia legislativa para favorecer os grupos econômicos que compõem a burguesia local, o arquivamento do plano nacional de prevenção das enchentes, enfim, uma combinação de descaso com a memória histórica dos eventos do passado que determinaram a preocupação do presente e futuro ignorado.
As famílias gaúchas que perderam tudo, em sua grande maioria enfrentam desafios para a reconstrução. Um alto endividamento para repor os bens materiais perdidos, uma série de direitos trabalhistas quebrados pelos patrões com a enchente usada como desculpa para passar ataques e ameaçar com demissões os trabalhadores atingidos. como se esse empresariado não tivesse recebido isenções fiscais, corte de impostos e uma série de doações apropriada individualmente por empresários e políticos oportunistas, para mostrar serviço e exaltar a iniciativa privada em detrimento da força pública coletiva.
Os voluntários, durante as enchentes, merecem ser lembrados, exaltados e apoiados. Não podemos esquecer de sua abnegação pela reconstrução. Porém, ao olhar para trás, todo aquele potencial poderia ser muito melhor usado se o estado brasileiro não tivesse falhado com os trabalhadores gaúchos. Dizemos que os trabalhadores gaúchos ainda estão desamparados, traídos e abandonados. O que fracassou e falhou miseravelmente em maio de 2024 foi o Estado Brasileiro em seu conjunto. As prefeituras, com seus cargos comissionados, assessores, cabos eleitorais e todo tipo de embuste mais preocupados em como capitalizar aquelas ações de solidariedade para limpar suas imagens perante a população, desviando doações, assinando contrato com empresas privadas especializadas em limpar a reputação de governos e empresas envolvidas em escândalos ambientais. O mesmo vale para o governo do estado do Rio Grande do Sul, seja a atual gestão, seja as antigas, pela continuidade de negligência e precarização das companhias de saneamento, no baixo investimento na Defesa Civil, no treinamento preventivo diante da emergência climática e na total incompetência em auxiliar os trabalhadores na perda de suas casas, bens materiais, dos seus empregos, ao dificultar ao máximo políticas de habitação voltadas para os desabrigados e na liberação de um medíocre auxílio de 2500 reais.
Essas duas instâncias de governo, conseguem “limpar a sua imagem”. Usaram a máquina pública, o apoio da grande imprensa e dos empresários locais e nacionais para sair como a verdadeira força motriz da reconstrução do RS. Isso só é possível porque exploraram ao máximo as contradições e limitações do governo federal. Na demora de mobilizar efetivos para auxiliar nos resgates, na resistência de liberar recursos diretamente aos trabalhadores atingidos pela enchente em nome da responsabilidade fiscal, na reconstrução de estradas, pontes e viadutos sobre responsabilidade federal e, o principal, em apenas adiar a criminosa dívida pública do RS com a União, que será retomada daqui há alguns anos, acelerando a decadência econômica, política e social do rio Grande do Sul.
A bem da verdade, embora tivemos heroicas iniciativas de solidariedade dos movimentos organizados dos trabalhadores. A ausência de uma coordenação centralizada desses esforços, combinados ao exército de voluntários locais e nacionais, teria não só, tornado os resgates, o auxílio e a administração das doações, abrigos, cozinhas solidárias e ações emergenciais de liberação de vias, remoção de entulhos, limpeza e reconstrução de residências muito mais eficientes, como deixaria um legado social, político e ambiental. Do contrário, reinou a anarquia das iniciativas individuais, a propagação de notícias falsas, a autopromoção de demagogos de todos os tipos.
Ficamos aquém dos que poderia ser feito. Não cabe retornar ao passado para pensar no “e se…”. Infelizmente, a perspectiva que uma enchente nas mesmas proporções é real, que tais eventos climáticos tornam-se mais frequentes, e isso exige que os comunistas estejam mais preparados. Mais que isso, precisam recordar a responsabilidade do capitalismo na destruição do planeta, no aumento dos eventos climáticos extremos, na particularidade gaúcha de ser o estado brasileiro que mais sofrerá com as mudanças climáticas e os principais fiadores locais e nacionais dos desastres. As perdas humanas e materiais estavam ao seu alcance, mas em nome do lucro, tudo fizeram para postergar as medidas necessárias para conter os desastres. Mas atuam com rapidez para reverter seus prejuízos e terceirizá-los para os trabalhadores. Qual está sendo a consequência mais prática no RS de toda a destruição promovida pelas enchentes senão o êxodo dos gaúchos do estado? Esse é um sinal claro de que não estão vendo uma perspectiva de futuro.
A memória das enchentes, impossível de ser apagada, está sendo disputada. Se o domínio da narrativas dos fatos que levaram essa enchente a ser o maior extremo climático da história brasileira está sendo monopolizada por aqueles que a tornaram pior, encoberta por um ufanismo gaúcho vazio de conteúdo, que deturpa a memória das centenas de mortos e dezenas de desaparecidos, é o mesmo que exigir que os trabalhadores esqueçam a enchente, esqueçam a responsabilidades deles, que apenas trabalhem, reconstruam suas casas, não faltem no serviço, aceitem os salários, a jornada de trabalho e as condições de trabalho existentes. Aceitem o avanço da especulação imobiliária, impedindo que se mudem para áreas mais seguras, aceitem remoções forçadas e reintegrações de posse, aceitem auxílios miseráveis, aceitam, apenas aceitam, a vida é assim.
É apropriado que o título dessa nota seja “um povo sem memória é um povo sem futuro”. Os comunistas gaúchos lutam por um futuro melhor para os trabalhadores. E não podemos permitir que os responsáveis sigam impunes e aprofundem os ataques que tornaram toda aquela desgraça possível, na dimensão que ela tomou e na dificuldade diária que os trabalhadores gaúchos ainda encontram. Que essa data possa enriquecer nossas análises, recordar os fatos, formular sobre eles, estudar políticas públicas e planos de ação, e ao final, lembrar mais do que nunca que apenas uma mudança radical que os trabalhadores sejam protagonistas, que tragédias como essa tornam-se menos frequentes até que cessem, porque fatores que as tornaram tão destrutivas foram combativas.
O Partido Comunista Brasileiro Revolucionário presta sua homenagem a cada trabalhador que sofreu com as enchentes. E a sua força, que move a real reconstrução, possa se impor contra os interesses da burguesia gaúcha e brasileira, que ousou arruinar nossas vidas de uma vez.