Maceió, a cidade fantasma do extrativismo predatório

O início da exploração do minério se deu durante o período da ditadura empresarial-militar, no governo Ernesto Geisel, e seguiu até o ano de 2019, o último período em que a Braskem pode explorar silenciosamente aquele que era o lar de milhares de famílias.

Maceió, a cidade fantasma do extrativismo predatório
Instabilidade do solo em Maceió, causada pela mineração do sal-gema. Reprodução: Defesa Civil de Maceió.

Por Ingrid Coutinho

A quadricentenária capital do estado de Alagoas, Maceió, vivencia um estado de calamidade pública apontada como a maior tragédia ambiental em espaço urbano do mundo. Trafegar nas ruas dos bairros do Bebedouro, Mutange, Bom Parto e Pinheiro, é reconhecer nos espaços que já foram casas, ruas, avenidas e lar para milhares de famílias, o real significado de cidade fantasma. Mas essa história não teve início nos últimos anos, nem muito menos neste século.

A história da exploração de minério no território maceioense tem início no ano de 1976, época em que o mandato de Ernesto Geisel na ditadura empresarial-militar brasileira estava vigente. Naquele momento, a Salgema Indústrias Químicas, com sede no Pontal da Barra, iniciou suas atividades com a extração de Sal-Gema para produzir dicloroetano. Em 1996 a Salgema passa a se chamar Trikem, até que no ano de 2002 recebe o nome de Braskem, se fundindo com outras empresas do setor.

Durante os 47 anos de exploração predatória no território de Maceió, a convivência dos movimentos sociais com a atuação da Braskem era de desconfiança permanente. No entanto, todos os riscos eram postos para baixo do tapete por meio da instrumentalização de ações sociais. Em 1987, a empresa inaugurou a Estação Ambiental Cinturão Verde, um espaço voltado para pesquisa e sustentabilidade, abrigando espécies de árvores e animais, além de ser aberto para visitação da sociedade civil e de instituições educacionais.

Foi então que em fevereiro de 2018, surgiram as primeiras rachaduras no bairro do Pinheiro, que chegaram a ter 280 metros de extensão. No mês seguinte, um tremor de magnitude 2,5 foi registrado na região, provocando mais rachaduras, crateras e desta vez, danificando permanentemente diversos imóveis. Pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas foram os primeiros a apontar que os fenômenos geológicos não eram frutos de falhas ou abalos sísmicos, mas sim da ocupação predatória da Braskem.

Em 2019, o Serviço Geológico do Brasil confirmou que a instabilidade do solo na região foi causada pela exploração da Braskem através de suas 35 minas. Com a confirmação, os bairros do Pinheiro, Mutange e Bebedouro começaram a ser evacuados, seguidos por Bom Parto e Farol. Em novembro do mesmo ano, a Braskem encerrou suas operações nos poços de extração de sal-gema em Maceió.

Em novembro de 2023, 5 tremores de terra levaram a Defesa Civil de Maceió a anunciar o estado de risco de colapso em uma das minas, fazendo que moradores que ainda restavam no bairro do Bom Parto fossem retirados de suas casas, inclusive através do uso das forças policiais. O risco é de que a mina 18, localizada nesta região, possa afundar a qualquer momento, abrindo uma cratera do tamanho de um estádio de futebol.

De acordo com a lei 9.605/98, artigo 65 e incisos, a pichação é um crime com pena de detenção de três meses a um ano. No entanto, em um cenário onde a vida humana é tratada com desprezo em favor do lucro, a pichação foi a forma mais simbólica de expressão de luto vivido por milhares de pessoas e suas famílias, no contexto de descarte de suas vidas em benefício do capital financeiro.

"Amarei eternamente minha casa e bebedouro", é o que diz as letras em vermelho pichadas sobre a fachada do que um dia foi uma casa, do que um dia foi lar de abrigo, descanso e recolhimento para uma família. Não é preciso andar pelas ruas de Maceió para se espantar com o clima fantasmagórico da cidade. Basta ver através de fotos e vídeos para entender a tragédia que acomete quem um dia viveu a vida nos bairros do Pinheiro, Bom Parto, Bebedouro e Mutange.

A Braskem iniciou o processo de realocação das famílias que habitavam estes bairros, além de ter sido condenada a pagar uma risível indenização coletiva por danos morais e sociais. Mas quem vai devolver o brilho da vida, da ancestralidade e da dignidade tiradas de forma tão cruel da mão dessas pessoas? Isso, o dinheiro sujo de sangue da Braskem não poderá lhes devolver.

De acordo com a lei 9.605/98, artigo 65 e incisos, a pichação é um crime com pena de detenção de três meses a um ano. No entanto, neste cenário em que a 47 anos a vida, ancestralidade e dignidade social dos habitantes dos bairros do Pinheiro, Bebedouro, Mutange e Bom Parto, é tratada com desprezo pela Braskem, a pichação é  a forma mais simbólica de expressão do luto vivido por milhares de pessoas e suas famílias, no contexto de descarte de suas vidas em benefício do capital financeiro.

A história de exploração predatória da Braskem na capital alagoana não teve início nos últimos 5 anos, mas sim desde o começo da exploração do sal-gema, por meio da antecessora da Braskem, a Salgema Indústrias Químicas. O início da exploração do minério se deu durante o período da ditadura empresarial-militar, no governo Ernesto Geisel, e seguiu até o ano de 2019, o último período em que a Braskem pode explorar silenciosamente aquele que era o lar de milhares de famílias.

A Braskem cometeu 47 anos de crimes contra a vida humana e segue se acovardando da responsabilidade por essa exploração. A exploração carniceira do sal-gema em suas 35 minas destruiu a vida de milhares de pessoas na cidade de Maceió. O silêncio não pode ser uma opção. Burgueses, acionistas, figurões da política e demais responsáveis por esta, que é a maior tragédia ambiental em espaço urbano do mundo, precisam ser penalizados da forma em que esmagaram a vida de tantos trabalhadores.