Lula prometeu reconstruir e transformar o Brasil: 1 ano depois, o que aconteceu?

O orçamento público se encontra apropriado pelo rentismo e os diversos setores da burguesia interna e monopólios estrangeiros, marcando uma gestão do modelo neoliberal de capitalismo dependente.

Lula prometeu reconstruir e transformar o Brasil: 1 ano depois, o que aconteceu?
Reprodução/Ricardo Stuckert

Por Redação

Lula assumiu pela 3° vez a Presidência da República em 2023, após derrotar Jair Bolsonaro em 2º turno com 50,9% dos votos válidos. O ex-presidente Bolsonaro escolheu ir para os EUA e não realizar a entrega da faixa presidencial, com isso, Lula recebeu a faixa de 8 pessoas representantes da sociedade, entre elas um indígena, uma mulher negra, uma criança negra e um jovem ativista na luta anti-capacitista. No discurso de posse abordou temas como a defesa da democracia, a rejeição à violência e a luta contra todas as formas de desigualdade. Lula prometeu reconstruir e transformar o Brasil, mas vejamos 1 ano depois o que realmente aconteceu.

Com um forte investimento no agronegócio desde os primeiros meses, o governo Lula-Alckmin aposta na exportação de commodities como soja, café, carne bovina e minério de ferro para salvaguardar a economia brasileira. 51 novos mercados para produtos agrícolas foram abertos no exterior entre janeiro e setembro de 2023 e o Plano Safra de 2023/2024 será o maior da história, representando um aumento de 27% de investimento no agronegócio em relação ao programa passado. O próprio Partido dos Trabalhadores, em seu balanço, se orgulha ao dizer que o “avanço do agro é uma marca dos governos do PT”.

Essa política mantém o padrão primário-exportador, característica essencial do neoliberalismo para os países da periferia do sistema capitalista. Nesse contexto, a reindustrialização apresentada no Novo PAC, apesar de propagada em discurso, não passa de uma ilusão, submetida ao Novo Teto de Gastos, “autonomia” do Banco Central, manutenção do padrão primário-exportador, ausência de pesquisa de reforma agrária, enfrentamento da superexploração da força de trabalho (fundamental para ampliar a escala do mercado interno) e criação de um sistema nacional de inovação, pesquisa e desenvolvimento, confrontando os interesses do imperialismo e da burguesia dependente brasileira. Aliado a isso, não retoma estatais já privatizadas e não busca soberania por meio da reconfiguração de ativos como o petróleo. O orçamento público se encontra apropriado pelo rentismo e os diversos setores da burguesia interna e monopólios estrangeiros, marcando uma gestão do modelo neoliberal de capitalismo dependente.

Privatizações de presídios e florestas em curso

A população carcerária no Brasil ultrapassa 830 mil pessoas e é composta majoritariamente por homens negros de 18 a 29 anos, com o ensino fundamental completo e que cometeram crimes contra o patrimônio (furto e roubo) ou infringiram a dita lei antidrogas. O Brasil ocupa, atualmente, o terceiro lugar no ranking de encarceramento mundial, perdendo apenas para China e Estados Unidos. Esse fenômeno é chamado de encarceramento em massa, consequência direta da aplicação burguesa do direito penal, inerentemente seletiva e com um foco desproporcional em jovens negros e pobres. Enquanto o número de encarcerados aumenta, a violência urbana também aumenta, ou seja, as prisões não cumprem com o seu suposto dever de garantir segurança e longe de promover justiça, legitimam vieses de classe, raça e gênero no funcionamento do estado penal.

A resposta do governo Lula-Alckmin a esse cenário foi o decreto presidencial N°11.498 que incluiu presídio e segurança pública como áreas a serem privatizadas via Parcerias Pública Privadas (PPPs), ampliando as áreas disponíveis para privatização no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), criando por Michel Temer no contexto do golpe de 2016. O atual presidente, ao invés de acabar com o programa, não apenas o manteve como ampliou os setores possíveis de serem privatizados, ainda nos primeiros meses de mandato, em abril de 2023. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) passou a financiar a privatização dos presídios. O banco que deveria apoiar a indústria e a produção de ciência e tecnologia está atuando diretamente para o aumento do lucro via encarceramento. O decreto também proporciona acesso ao crédito público via Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil.

O ministro da Cidadania e dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, se posicionou terminantemente contra as privatizações dos presídios. Em entrevista concedida no início de fevereiro de 2024 afirmou: “privatização de presídios ou do sistema socioeducativo abre espaço para infiltração do crime organizado, que é tudo ao contrário do que a gente quer fazer” e complementou: “abre espaço para que o crime organizado tenha mais um pedacinho do Estado Brasileiro”. A privatização dos presídios aumenta a violência, a desigualdade na aplicação da lei penal e gera um mercado que lucra com a exploração do setor. Significa transformar o encarceramento em massa em um investimento de mercado.

Como se não bastasse a privatização dos presídios, o decreto ainda prevê a privatização de “parques urbanos e unidades de conservação”. Um dos exemplos recentes é a concessão do Parque Nacional de Jericoacoara, no Ceará (no começo do Governo Lula, a promessa era acabar com a ideia de privatização do Parque de Jericoacoara, mas, em seguida, veio a privatização). O governo Lula-Alckmin está refazendo os editais de privatização do governo Bolsonaro e está usando a linha de crédito do BNDES para isso. Tais medidas representam um ataque à administração pública direta e permite a apropriação privada da nossa biodiversidade, sem nenhum compromisso com a conservação ambiental.

O novo arcabouço fiscal

O incentivo à Parceria Público Privada (PPP) como política de governo foi iniciativa do executivo, assim como o novo arcabouço fiscal e ambas estão diretamente relacionadas. O movimento nacional vigente de instalação de PPP caminha junto a diminuição do dinheiro público para políticas públicas, via novo arcabouço fiscal. Ou seja, a tendência é a gestão da educação, da saúde, da cultura, da assistência social ficarem nas mãos da iniciativa privada, que está preocupada somente com o aumento da própria lucratividade. Há uma redução do gasto público com política pública (austeridade) e um aumento da gestão privada.

A lei do Regime Fiscal Sustentável, conhecida como novo arcabouço fiscal visa substituir o teto de gastos vigente - implementado por Michel Temer em 2016 - e limita o crescimento do gasto primário do Estado (gasto primário é o gasto com tudo: saúde, educação, cultura, assistência social, moradia popular, funcionalismo público etc.). Lula defende o arcabouço como forma de garantir um crescimento sustentável para o Brasil e o discurso é que haverá mais recursos para programas de transferência de renda como o Bolsa Família.

A tramitação do projeto aconteceu em 2023, em regime de urgência, ou seja, sem nenhuma audiência pública e sem debate nas comissões do legislativo. Fernando Haddad, ministro da fazenda, negociou com Arthur Lira (presidente da câmara) para que o novo arcabouço fiscal fosse direto para a votação, sem nenhum tipo de debate, seja no legislativo ou junto à própria sociedade e aos movimentos sociais. Haddad recebeu economistas e banqueiros, mas não debateu com a população.

O Estado brasileiro tem dois grandes gastos: o financeiro, que é voltado para o pagamento da dívida pública - que só de juros ultrapassa 700 bilhões de reais anualmente - e gastos primários, que são todas as despesas necessárias para promover serviços públicos à sociedade, como saúde, educação e cultura. O teto de gastos de Temer estabelecia um limite para os gastos primários, mas deixava livre o crescimento da despesa financeira com a dívida pública. O novo arcabouço fiscal mantém essa mesma lógica.

Um dos principais pontos é justamente o limite de crescimento da despesa primária a 70% da variação da receita dos 12 meses anteriores. Ou seja, se nos últimos 12 meses o governo arrecadar 1 trilhão, poderá gastar 700 bilhões com todos os serviços públicos para a sociedade, o gasto está limitado à arrecadação. Além disso, estabeleceu-se mecanismos de punição, a porcentagem de 70% pode diminuir e caso as metas fiscais do novo arcabouço não sejam cumpridas é possível que não tenha concursos públicos e que haja congelamento de benefícios sociais e salários.

Na prática, teremos um terceiro governo Lula que irá investir menos em política pública em relação aos dois primeiros governos do próprio Lula, dos dois governos de Dilma e até mesmo de Bolsonaro. Há uma diminuição significativa dos investimentos em direitos sociais e do papel do estado em curso.

As contrarreformas trabalhista e da previdência permanecem intactas?

Apesar das promessas de campanha de revogação das contrarreformas trabalhista e da previdência, ambas permanecem intactas. Não há qualquer ação dos ministérios de Lula para reverter o cenário, ao contrário, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que "não há nenhuma proposta sendo analisada ou pensada" em relação à mudança nas regras.

O discurso hegemônico aponta para a questão da minoria legislativa, mas  isso é só parte da questão e não debate as opções ideológicas de ação política dos ministérios. É possível pautar o debate público a partir do enfrentamento e trazer para o centro da questão a recomposição dos direitos trabalhistas. A participação dos salários no montante do Produto Interno Bruto (PIB) caiu para menos de 40%, o menor nível em 19 anos. Além disso, estamos assistindo às consequências diretas das contrarreformas, como o aumento do regime de contratação de PJ, a piora crescente nas condições de trabalho com quase 40 milhões de trabalhadores na informalidade e a destruição da previdência e possibilidades de aposentadoria.

Ao passo que há mobilizações populares em curso, como foi o caso da luta pelo piso salarial da enfermagem e o surgimento do movimento VAT (Vida Além do Trabalho), que foca na redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6X1. O trabalho no Brasil está cada vez mais adoecedor e o Governo Lula-Alckmin sequer pauta a recomposição dos direitos trabalhistas como forma de mobilizar a população e politizar o debate público. A reconstrução e transformação do Brasil caminha nas mãos do agro, dos barões da mídia, dos oligopólios educacionais, dos rentistas e dos banqueiros, ou seja, os interesses que estão sendo atendidos são interesses privados da burguesia.