Lobby do potássio na Amazônia e a histórica resistência Mura

Segundo o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) encomendado pela mineradora, o empreendimento tem causado efeitos negativos, sociais e ambientais, com impactos na fauna e flora locais.

Lobby do potássio na Amazônia e a histórica resistência Mura

No dia 08 de abril de 2024, em pleno mês dos povos indígenas, foi oficializada pelo governo do Estado do Amazonas a licença de instalação do Projeto Potássio Autazes, no município de Autazes, localizado a 108 km de Manaus, na região sudoeste do estado.

Por meio da empresa Potássio do Brasil Ltda (PDB), o projeto tem como prerrogativa a exploração dos recursos de potássio para produção de fertilizantes, atendendo o agronegócio nacional. Apesar da inserção da palavra “Brasil” em seu nome, a mineradora pertence ao banco canadense Forbes & Manhattan, que também é dono da mineradora Belo Sun, comandante da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, em Vitória do Xingu, no Pará.

A operação, considerada inconstitucional, acontece em um território indígena reivindicado pelo povo Mura, na região do Lago do Soares e Urucurituba. Durante 15 anos, os Mura vem combatendo um processo repleto de ilegalidades, forte lobby na região, cooptação, coação, ameaças; e tem como contrapartida social, a geração de subempregos temporários, precarização da vida na região de Autazes e impactos irreversíveis à flora e fauna amazônica, bem como das populações tradicionais, única frente de batalha diante do saqueador estrangeiro e de seu lacaio local.

Em um excelente trabalho de pesquisa e investigação, a Amazônia Real revelou que os trabalhos da Potássio do Brasil começaram antes mesmo da liberação da licença. Indígenas relataram abertura de picadas, desmatamento e marcação de áreas georreferenciadas, além de avistarem periodicamente drones sobrevoando a comunidade.

“Eles se instalaram em 2010, com escritório na cidade de Autazes, e começaram os estudos e perfurações. Não perguntaram nada pra ninguém”, relata José Claudio Pereira Yuaka, presidente do Conselho Indígena Mura, em entrevista ao site Infoamazonia. “Por volta de 2015, nós ficamos sabendo pela televisão dos desastres em outros projetos de mineração e procuramos saber mais sobre essa mina”, completou.

Desde então, a empresa vem perfurando ilegalmente Autazes em busca de potássio, o que já lhes custou R$ 250 milhões, segundo a ação judicial. Hoje, já sabendo onde encontrar o mineral, justificam que a exploração não impacta a região ocupada pelo povo Mura, por ocorrer no subsolo.

Segundo o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) encomendado pela mineradora, o empreendimento tem causado efeitos negativos, sociais e ambientais, com impactos na fauna e flora locais. Entre os problemas estão: a alteração na qualidade da água, a fuga de animais, a especulação imobiliária, o aumento populacional, a destruição de sítio arqueológico, entre outros danos.

Contudo, mesmo sob más condições, o EIA sinaliza a favor da operação, com promessas de prosperidade local e regional, riqueza e desenvolvimento e ações para mitigar os impactos. Promessas essas que, na prática, constituem mais uma faceta duvidosa desse poderoso Lobby do Potássio na região.

Ansiando por mais um genocídio e agindo como o “funcionário do mês” ou “garoto propaganda” da operação, o governador do estado, Wilson Lima, conhecido por asfixiar e enterrar em valas comuns milhares de amazonenses no período da covid-19, cooptou “lideranças” indígenas Mura na sede do governo, em Manaus, no dia 09 de setembro de 2023, para que estas declarassem seu apoio ao empreendimento internacional em suas Terras.

Tendo em vista que seria necessário que os indígenas entrassem em consenso para que tal projeto fosse efetivado, o governador, na ocasião, falou: “Esse é um passo fundamental e eu considero o passo mais importante, que é o processo de consulta ao povo Mura sobre essa atividade da exploração do potássio no município de Autazes”.

No entanto, após o posicionamento das representações indígenas da região, a declaração dada pelo governador se mostrou falsa. Por esse motivo, as organizações indígenas Apiam, Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas, e a Coiab, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, criticaram a atitude, declarando:

"As comunidades do povo Mura não foram consultadas nem foi realizado o Estudo do Componente Indígena no processo de licenciamento ambiental, o que viola o direito à consulta livre, prévia e informada estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho” - OIT, promulgada pelo Decreto 5.051, de 19/04/2004 e consolidada pelo Decreto 10.088, de 05/11/2019.
"As comunidades locais, mesmo antes da implementação desse projeto, já vêm sendo impactadas psicológica e socialmente, especialmente nesse momento pelo assédio às comunidades como estratégia para aceitarem a implantação do empreendimento" - Coiab.
“Questões como a grande movimentação de pessoas vinda de outras regiões, riscos de transmissão de doenças, destruição da terra e do meio ambiente, contaminação das águas, diminuição dos alimentos são preocupações que afligem as comunidades e só se agravam diante dos efeitos das mudanças climáticas que são resultados do modelo de desenvolvimento econômico ganancioso da sociedade não indígenas" – Apiam.

Quanto aos indígenas que prestaram apoio e opinião favorável a este projeto, tratam-se de mais um grupo proveniente desta poderosa campanha de lobby, que inclui acionistas do mercado mundial, altos funcionários do governo, ex-ministros e o setor agro. Através de uma corrente entreguista das riquezas brasileiras, variada nos mais diferentes aspectos políticos, possuem uma comum capacidade de separar e isolar os agentes dessa luta dos seus aliados e beneficiados, como fica exposto no trecho abaixo:

“Às vezes ouvimos reclamações de pessoas dizendo que a região poderia ser rica, mas os índios não têm o que fazer. Já vi em um banheiro de bar na cidade uma pichação ‘morte ao povo Mura’. Nós só queremos que a lei seja cumprida”, desabafa Herton Mura, assessor da Organização das Lideranças Indígenas Mura do Careiro da Várzea.

O projeto da Potássio do Brasil em Autazes se arrasta há muitos anos. Em 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro houve uma tentativa de destravar o empreendimento, sob a justificativa de que a guerra entre Rússia e Ucrânia afetou o fornecimento de potássio para a fabricação de fertilizantes. Recentemente, a empresa intensificou a pressão sobre a gestão do presidente Lula, obtendo apoio do vice-presidente Geraldo Alckmin ao empreendimento.

Com todo o apoio institucional dos entreguistas, sejam da esfera pública ou privada, o próprio presidente da Potássio do Brasil, Adriano Espeschit, sentiu-se confiante o suficiente para pressionar e manobrar os indígenas. Na transcrição de um áudio, divulgado pelo site Amazônia Real no fim de setembro, uma pessoa apontada pelos indígenas como sendo Espeschit faz promessas que soam como campanha política: escolas, postos de saúde e poços artesianos. Tudo isso, é claro, em troca do aval indígena à extração de potássio.

“Todas essas coisas aconteceram nas últimas reuniões", destacou o procurador do MPF-AM, Fernando Merloto Soave. "Houve também outras pressões, como a compra de territórios de lideranças e até de anciões. Pressão mesmo, pessoas indo lá cinco ou seis vezes e dizendo que vai perder tudo. O ancião contou que foi pressionado a vender a terra de qualquer jeito. E aí ficou sem roça e agora tem que comprar farinha na cidade”.

Segundo o MPF, a Potássio do Brasil viola frontalmente o protocolo de consulta prévia a trechos do documento que proíbem pressão ou coerção de indígenas em troca de vantagens financeiras e determina que apenas integrantes do povo Mura podem participar de reuniões deliberativas sobre projetos de alto impacto.

Com todas as violações, falta de perspectiva de apoio institucional político e com o nítido jogo de interesse entreguista, ainda é difícil ver um horizonte favorável à causa dos Mura e, consequentemente, um futuro com qualidade de vida na região.

“É ilusão nossa achar que esses empreendimentos vão trazer de fato desenvolvimento para os nossos territórios. O que vai restar é só prostituição, contaminação dos nossos rios, da terra, dos nossos animais e dos nossos peixes. É o resultado que a gente está vivendo hoje, que é a grande seca na Amazônia”, disse William Mura, integrante da Organização das Lideranças Indígenas do Povo Mura do Careiro da Várzea, para o Brasil de Fato.

Apesar disso, o povo Mura mantém sua atitude firme, fruto de toda a resistência mantida desde o período colonial, ou como na sua memorável participação na cabanagem, onde protagonizou lutas.

“A gente não vai baixar a guarda e nem entregar nosso território. Se continuar como está, vai causar impacto e os Mura não vão aceitar. Para tomar essa decisão, o governo do Amazonas e o Estado brasileiro deveriam explicar o que vai acontecer. Simplesmente estão chegando sem avisar nada e sem dialogar ”, completou William Mura.

“Está todo mundo preocupado em falar da Amazônia como a solução do planeta para diminuir a crise climática, mas ninguém quer saber da situação do Lago do Soares e dos parentes Mura. Como se a mineração não fosse influenciar na questão climática, uma vez que corre risco de contaminar a bacia amazônica com cloreto de sal” - Herton Mura, integrante da Organização das Lideranças Indígenas do Povo Mura do Careiro da Várzea.

Diante de tudo isso, mesmo sabendo que mais uma vez precisarão lutar sozinhos, os Mura não vão desistir de seu território. Por esse motivo devemos apoiar, propagar e agitar a mobilização Mura, bem como suas reivindicações imediatas feitas pela comunidade Lago de Soares, cobrando providências e demarcação da Funai, do Ministério dos Povos Indígenas e do MPF, para a retirada imediata de todos os invasores que cometem a ilegalidade dentro do território, causando todos os tipos de impactos sociocultural, ambiental e territorial.

A luta Mura contra o lobby do Potássio é mais uma guerra dentro de toda uma história de enfrentamento e combate anticolonial de seu povo. Com as proporções do imperialismo capitalista atual, ganham um efeito mais devastador, mas, simultaneamente, elevam a dimensão e alcance da luta anti-hegemônica como um todo.

Assim como na cabanagem, protagonizam mais um conflito, agora contra o imperialismo canadense e britânico, que possui a única finalidade de identificar oportunidades de exploração de recursos naturais mundo afora, tirar do caminho eventuais obstáculos burocráticos, ambientais e financeiros e, por fim, abrir seu capital ou os vender a investidores estratégicos, embolsando o lucro. Lógica essa executada com o aval e apoio tático dos governos tanto na esfera estadual como nacional, assim como das elites agrárias e das burguesias nacional e internacional.

Manter incansavelmente o Brasil em uma economia dependente e de base primária exportadora não gera competição com os países do centro capitalista, restando apenas a apropriação dos recursos naturais e humanos do país, com facilidades maiores que na época da invasão europeia, pois hoje, quem “conquista” novas terras são os próprios colonizados.

Prestamos nossa solidariedade à luta do Povo Mura, reconhecemos como uma luta imediata de todos os habitantes da região Norte, de todas as forças anticapitalistas, anti-imperialistas, em prol do desenvolvimento humano e ecológico brasileiro e internacional.

Rechaçamos a chantagem da “criação de empregos” gerados pelo empreendimento e exigimos a criação de postos de trabalho dignos, aliado a um planejamento econômico voltado a atender as populações brasileiras e indígenas que habitam e protegem essas Terras da ganância desenfreada do capital estrangeiro.

Pois estamos experimentando novamente o movimento imperialista da partilha das Terras e todos os recursos que elas comportam, essa é uma das muitas lições que podemos tirar dessa série de eventos.

Assim, mais uma vez o “colonizador” confronta o povo originário, o povo indígena, este que se mostra o único com base material - a terra - e subjetiva - sistema de produção indígena, não capitalista - para confrontar esse tipo de empreendimento que encontra cada vez mais brechas de entrada na realidade brasileira.

Devido aos movimentos de reivindicação das riquezas e emancipação nacional, cada dia mais há uma perda do seu poder colonial em vários países da África e até América Latina, seja por vias reformistas, como na Colômbia, ou revolucionárias, como em Burkina Faso.

Resta nos alinharmos a mais essa luta, fortalecendo-a com o programa revolucionário, pois, mesmo que vencer as pequenas batalhas sejam agora uma questão de vida ou morte, seja através das reformas, seja através da manutenção dos acordos, como na Lei da Demarcação de Terra Indígena; apenas um direcionamento revolucionário com o horizonte da revolução socialista brasileira e plurinacional corrigirá as contradições causadas nesses mais de 500 anos de conflitos e saques.


Fontes

●     Gigante da mineração canadense atropela Justiça para explorar potássio na Amazônia - InfoAmazonia

●     Com aumento das mortes, Manaus enterra vítimas da covid-19 em valas coletivas

●     Organizações indígenas criticam entrega de licença de instalação para exploração do potássio no AM | Amazonas | G1

●     Gigante da mineração canadense atropela Justiça para explorar potássio na Amazônia - InfoAmazonia

●     Povo Mura nega ter dado apoio à mina de potássio em seu território

●     Governador do AM cooptou indígenas Mura para favorecer gigante da mineração, denunciam lideranças

●     https://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2023/09/25/governo-recebe-apoio-de-liderancas-indigenas-para-exploracao-do-potassio-em-autazes-no-am.ghtml