Interdição de São Januário aprofunda a crescente elitização do futebol brasileiro

A decisão do juiz Marcello Rubioli escancara a expulsão dos setores mais precarizados da classe trabalhadora dos meios de cultura, principalmente do futebol, que ao longo dos anos virou uma mercadoria super lucrativa.

Interdição de São Januário aprofunda a crescente elitização do futebol brasileiro
Foto: @nandiiinnn/Reprodução

Por Raquel Luxemburgo

Após o jogo entre Vasco e Goiás, onde foi derrotado por 1 x 0, o clube cruzmaltino foi punido com a interdição do estádio São Januário e quatro jogos sem a presença da sua torcida. Diversos times sofreram a mesma punição ao longo do ano, mas opções foram criadas, como jogos só com mulheres e crianças e, posteriormente, a volta da utilização do estádio. Para o clube carioca, porém, nenhuma dessas ações foi concedida.

Mesmo com a possibilidade de volta do público, o São Januário continua de portas fechadas e sua torcida está há mais de dois meses sem estádio. Isso porque o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) decidiu, no dia 30 de agosto, manter a interdição. Para justificar sua decisão, o juiz Marcello Rubioli alegou:

“Para contextualizar a total falta de condições de operação do local, partindo da área externa à interna, vê-se que todo o complexo é cercado pela comunidade da Barreira do Vasco, de onde houve comumente estampidos de disparos de armas de fogo oriundos do tráfico de drogas lá instalado o que gera clima de insegurança para chegar e sair do estádio. São ruas estreitas, sem área de escape, que sempre ficam lotadas de torcedores se embriagando antes de entrar no estádio.”

O São Januário foi inaugurado no dia 21 de abril de 1927 graças a uma campanha de arrecadação de recursos, na qual os torcedores arrecadaram 685 contos e 895 mil réis para comprar o terreno, no bairro São Cristóvão. Por isso, ao redor do estádio existe a Barreira do Vasco, comunidade que conta com cerca de 20 mil habitantes.

A interdição do estádio afetou 18 mil moradores, segundo o Estudo da Secretaria Municipal de Trabalho e Renda, e levou a uma queda de 60% na receita mensal dos comerciantes da região.

Foto: @nandiiinnn

A fala do juiz que decidiu pela continuidade da interdição do estádio mostra o caráter de classe da decisão; escancara a expulsão dos setores mais precarizados da classe trabalhadora dos meios de cultura, principalmente do futebol, que ao longo dos anos virou uma mercadoria super lucrativa. Hoje, o futebol é visto como um grande meio de lucro, onde os pretos, pobres e favelados que historicamente fizeram a festa com a torcida, não são mais bem-vindos.

Segundo o vice-presidente da torcida organizada Mancha Negra do Vasco, Ítalo Silva: “São Januário é importante para o estado do Rio de Janeiro. Além de ser nossa casa, é um giro na economia para várias comunidades, não só para a Barreira. Lugar onde as pessoas trabalham para conseguir dinheiro para levar o alimento digno da família. O Vasco e sua torcida sempre foram perseguidos pelo MP e pelo desembargador Rodrigo Terra. Isso é preconceito e racismo contra a comunidade e contra o Vasco, pois não é um clube da zona sul do Rio e sempre lutou por causas importantes”.

O Vasco da Gama, além das medidas jurídicas, começou uma campanha pela liberação do estádio. Essa ação não é de interesse exclusivo do clube e seus torcedores, mas de todos que entendem a importância de fazer frente aos ataques aos trabalhadores e os métodos de exclusão e segregação dos torcedores impostos pela burguesia e seus agentes.

A decisão judicial é mais um capítulo da política escancarada de elitização do futebol brasileiro, que passa pela arenização dos estádios, os preços abusivos dos ingressos, a criminalização das torcidas organizadas, entre outros métodos de separar quem tem direito de torcer e frequentar estádios de futebol.