Inflação sem reajuste é arrocho: salário médio dos brasileiros vale 22,6% a menos do que em 2018

Apesar do aumento acentuado da inflação nos últimos anos, acumulada em 29,3% desde 2018, a renda média salarial dos trabalhadores brasileiros não aumentou nem 1% nominalmente. É o que apontam os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do IBGE

Inflação sem reajuste é arrocho: salário médio dos brasileiros vale 22,6% a menos do que em 2018
Foto: Ueslei Marcelino/File Photo/Reuters

A média salarial dos trabalhadores empregados, formal ou informalmente, no Brasil, excluindo-se aqueles que trabalham por conta própria, subiu de R$ 2.771,00 para apenas R$ 2.798,00, ou seja, 0,97%, do terceiro trimestre de 2018 ao mesmo trimestre de 2023, de acordo com dados da PNAD Contínua. Se tivesse acompanhado a inflação no mesmo período, acumulada em 29,30%,  a renda média do trabalhador brasileiro, hoje, deveria ser de R$3.617,81. Portanto, o trabalhador em 2023 recebe, em média, mensalmente apenas 77,4% do salário que recebia em 2018.

A maior perda no rendimento médio salarial dos trabalhadores brasileiros ocorreu durante a pandemia, de 2020 a 2021, quando trabalhadores empregados perderam mais de 20% de seu poder de compra e os autônomos 15%. Nesse período, a renda dos trabalhadores empregados caiu de R$ 2.999,00 para R$ 2.686, queda de mais de 10%, e dos trabalhadores autônomos caiu de uma média de R$ 2.245,00 para R$ 2.132,00, queda de cerca de 5%. Enquanto isso, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), utilizado para calcular a inflação do ano, atingiu a marca de 10,06%. 

A situação torna-se ainda mais alarmante quando analisamos separadamente os setores de trabalho. As trabalhadoras domésticas e os trabalhadores do setor público, não só não recuperaram as perdas da pandemia como, hoje, recebem, em média, um salário menor do que o de cinco anos atrás.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)

Além disso, em todos os setores, os trabalhadores mais afetados com o arrocho salarial desse período são os formais, que trabalham com carteira assinada. Esses trabalhadores no setor público tiveram redução salarial de 14,27%, redução de 0,43% no setor privado, e entre os trabalhadores domésticos, aumento de apenas 0,68%. 

Os trabalhadores informais foram os que tiveram os maiores aumentos de renda nesses períodos: no setor público os trabalhadores que não são nem estatutários, nem trabalhavam dentro do regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) tiveram aumento de 6,35%, no setor privado o aumento desse tipo de trabalhador foi de 14,50% e entre os trabalhadores domésticos o aumento foi de 3,16%. Para fins de comparação, nesse mesmo período a renda média salarial dos trabalhadores por conta própria aumentou em 13,63%.

Com esses dados, percebemos que o arrocho salarial iniciado na pandemia mantém-se em vigor no Brasil. A percepção desse arrocho é camuflada pelo aumento da renda média dos trabalhadores informais, porém esses são, justamente, o ramo com a menor remuneração dentro de todos os setores. 

Em 2023, enquanto a média salarial no setor público foi R$ 4.314,00 a média dos trabalhadores não estatutários e sem carteira assinada nesse setor foi de R$ 2.477,00. No setor privado, trabalhadores com carteira assinada tiveram uma média salarial mensal de R$ 2.782,00; já os trabalhadores informais, apenas R$ 2.006,00. Entre as trabalhadoras domésticas, aquelas com carteira assinada receberam em média R$ 1.618,00 e aquelas sem carteira assinada, apenas R$ 978,00, abaixo até mesmo do salário mínimo. Já a média salarial dos trabalhadores que declararam ser autônomos foi de R$ 2.401,00.

A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), desde que foi criada, garantiu uma maior seguridade aos direitos dos trabalhadores. Por isso, trabalhadores com carteira assinada, em média, sempre tiveram um rendimento mensal maior do que os trabalhadores informais. Porém, essa diferença vem caindo nos últimos anos, segundo dados da PNAD Contínua. 

No setor público, em 2018 os trabalhadores com carteira assinada recebiam, em média, 116,1% a mais do que os trabalhadores informais, em 2023 essa diferença caiu para menos de 75%. No setor privado, enquanto trabalhadores com carteira assinada recebiam, em média, 59,5% a mais do que trabalhadores informais, essa diferença caiu para menos de 38,7% em 2023.

Como, em média, os únicos aumentos salariais significativos ocorrem entre os trabalhadores informais, não é de se espantar que a proporção desse tipo de trabalhador tenha aumentado dentro de todos os setores nos últimos cinco anos, como organizamos nas tabelas abaixo:

Por isso que, apesar do aumento de renda dentro de diversos setores, o salário médio do trabalhador brasileiro está estagnado. Cada vez mais trabalhadores estão tendo que se submeter a empregos informais, que além de condições de trabalho mais precárias também possuem rendimentos menores do que aqueles com carteira assinada.

O ano de 2023 foi o primeiro em que houve aumento do salário mínimo acima da inflação após quatro anos sem nenhum aumento real. Além disso, de acordo com estudos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), até novembro, de um total de 17.839 de negociações analisadas, 77,7%  tiveram ganhos reais no reajuste do salário, 16,7% fixaram reajustes iguais ao índice inflacionário e 5,6% mantiveram insuficientes para compensar a inflação. 

No entanto, o salário médio do trabalhador brasileiro aumentou apenas de R$ 2.702,00, em 2022, para R$ 2.798,00, em 2023, ou seja, um aumento de 3,55% em contraposição a uma inflação de 5,79%. Mesmo com o salário mínimo e quase 80% das categorias terem tido reajustes acima da inflação, isso não foi suficiente para impedir a perda do poder de compra dos trabalhadores brasileiros. Sem uma política de valorização dos empregos com carteira assinada e combate aos empregos informais, a renda média mensal dos brasileiros irá continuar diminuindo ano após ano.

Os trabalhadores brasileiros não só não recuperaram seu rendimento salarial médio reduzido com a pandemia da COVID-19, mas também seguem, ano após ano, perdendo ainda mais, seja através arrocho salarial dos trabalhadores formais, seja pela sujeição de cada vez mais trabalhadores aos empregos informais. Enquanto isso, a inflação não para, e pelos últimos cinco anos, os trabalhadores brasileiros já estão com sua renda média mensal defasada em 28,33%. Sem uma política de recuperação salarial e valorização de empregos formais, o arrocho salarial da renda média dos trabalhadores brasileiros fará com que esta defasagem aumente ainda mais nos próximos anos.

Perdas concretas: o caso dos trabalhadores dos Correios e dos professores da prefeitura de São Paulo

Os dados coletados da PNAD Contínua apontaram que os trabalhadores do setor público foram os que mais sofreram perdas salariais nesses últimos cinco anos. Dentro deste setor, temos o exemplo dos trabalhadores dos Correios e dos professores de educação básica do município de São Paulo.

Os trabalhadores dos Correios já vinham sofrendo com perdas salariais mesmo antes da pandemia. Apesar da inflação em 2018 ter sido de 3,75%, o reajuste salarial que esses trabalhadores receberam, em 2019, foi de 3%. A inflação de 4,31%, de 2019, permitiu um reajuste de apenas 2,60% em 2020. A recuperação salarial dessa categoria veio durante a pandemia, com inflação de 4,75% em 2020, os trabalhadores conseguiram um reajuste salarial de 9,75% e, com a inflação de 10,06% de 2021, conseguiram um reajuste de 10,12% em 2022. Os trabalhadores dessa categoria conseguiram essa recuperação salarial pelo serviço ter se tornado, durante a pandemia, extremamente essencial. Porém, esses parecem ter sido anos de excepcionalidade, pois com a inflação de 5,79% em 2022, esses trabalhadores conseguiram um reajuste de apenas 3,53%, em 2023.

Mesmo com essas recuperações salariais durante a pandemia, desde 2018 os trabalhadores dos correios tiveram um reajuste total de 29,0%, ou seja, ainda ficaram com 0,30% a menos do que a inflação acumulada nesse período. É notável que mesmo os trabalhadores desse serviço essencial e estratégico para o Brasil que, ao contrário da maioria das outras categorias, conseguiram aumentos salariais durante a pandemia, estão ainda com perdas salariais em relação a 2018.

Entretanto, se todas as categorias, nesses últimos anos, tivessem perdido apenas 0,30%, não poderíamos falar de arrocho salarial para os trabalhadores brasileiros. Os Correios, como empresa pública, estabelecem acordos coletivos de trabalho através de negociações entre a direção sindical e a presidência da empresa, apesar de pouca, há uma maior margem de negociação para esses trabalhadores do que para aqueles que são funcionários diretos do Estado. O reajuste salarial desse segundo tipo de trabalhador é sancionado por lei após negociação das direções sindicais com o chefe do executivo. Por isso, o arrocho salarial desses setores é ainda maior do que o de trabalhadores de empresas públicas.

É o caso, por exemplo, dos profissionais da educação do município de São Paulo que, com a pandemia, receberam apenas 1% de reajuste salarial em 2020, seguido pelo seu congelamento em 2021. Tal arrocho não foi recuperado até hoje. Mesmo com o reajuste salarial de 2022 e 2023, que, junto com 2020, acumularam em 11,74%, o salário desses profissionais não chegou nem à metade da inflação acumulada nesse período, que chegou em 24,99%. Assim, esses profissionais estão recebendo apenas 89,3% do que recebiam em 2019.

Esses profissionais são atacados por duas frentes: primeiro pela precarização do serviço público crescente ao longo dos últimos anos, impulsionada pela política privatista que tem ganhado força em todas as esferas governamentais seja municipal, estadual ou federal e segundo, pela precarização da própria carreira, que não só vem sofrendo com a redução de salários, mas também com políticas como o Novo Ensino Médio e o fechamento de escolas. Não é surpreendente que 58% dos alunos matriculados em cursos de licenciatura tenham abandonado o curso antes de sua conclusão, como apontado pelo Censo da Educação Superior de 2022, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). 

Novo teto de gastos

A primeira medida tomada pelo governo Lula, após eleito, foi a superação das limitações do teto de gastos para o primeiro ano de governo através da PEC da Transição (PEC 32/2022), que permitiu ao governo aumentar o orçamento daquele ano em mais de R$ 145 bilhões. 

Porém, assim que assumiu, em 2023, esse mesmo governo passou a direcionar sua política para o chamado “equilíbrio fiscal” das contas públicas, colocando como uma de suas pautas prioritárias a aprovação de um novo teto de gastos: o arcabouço fiscal (PLP 93/2023), que não só restringe todos os investimentos públicos como também prevê punições severas aos trabalhadores do setor público caso suas metas não sejam cumpridas. 

A lei, já aprovada no Senado Federal, prevê que caso os limites do novo teto de gastos não sejam respeitados por dois anos consecutivos, é vedado o reajuste salarial do funcionalismo público, assim como a realização de novos concursos públicos, ou até mesmo a admissão ou contratação de novos funcionários. Com isso, o novo teto de gastos do governo Lula legaliza a política de arrocho salarial aos trabalhadores desse setor.

Portanto, provavelmente, o Concurso Público Nacional Unificado (CPNU), cujas inscrições abriram no começo deste ano, oferecendo 6.640 vagas, será o último concurso público federal. Concurso cujo número de contratações abertas, de acordo com a Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal (Condsef/Fenadsef), não supre nem mesmo 10% das necessidades dos órgãos federais.

A política do “equilíbrio das contas públicas”, que vende a ideia de que o Estado está falido, é uma farsa do governo. O objetivo do novo teto de gastos é tornar inviável o investimento direto em serviços e políticas públicas, o que obrigará a este, e a todos os próximos governos, a privatização desses serviços através das Parcerias Público-Privadas (PPP). 

Como nossos dados apontam, tal privatização diminuirá ainda mais a renda média mensal dos brasileiros. Diretamente ela traz o fim dos trabalhadores estatutários, categoria com maior seguridade de emprego e, consequentemente, a maior média de salários entre os trabalhadores. Porém, indiretamente, ela irá piorar as condições de trabalho de todos os trabalhadores do país: atualmente, a maioria das contratações de serviços ou aquisições de mercadorias para empresas, órgãos ou fundações públicas devem passar, obrigatoriamente, pelo processo de licitação. 

Para participar desses processos, as empresas devem estar com todas as suas obrigações legais regularizadas, o que significa que aquelas com pendências em processos trabalhistas ou que não cumpriram corretamente suas obrigações com o FGTS de seus funcionários, por exemplo, não podem fornecer serviços ou mercadorias para o setor público. A lei de licitações não se aplica diretamente a empresas privadas, as PPPs podem ser utilizadas como uma forma de contornar essas regulamentações. 

Embora seja necessário um processo licitatório para a contratação da empresa que irá gerir o órgão público, não há lei específica que regulamente como essas empresas devem realizar a contratação de outros serviços como, por exemplo, a manutenção de equipamentos. Isso significa que, caso não esteja explicitamente estabelecido no contrato, a empresa privada tem autonomia para decidir sobre a contratação desses serviços, o que pode permitir a contratação de empresas com dívidas trabalhistas ou que não sigam as normas de contratação formal de funcionários. 

Portanto, a aprovação do novo teto de gastos em pouco tempo, com o fim dos concursos públicos e o aumento das PPPs, aumentará acentuadamente o número de trabalhadores informais no país, conservando o arrocho salarial na renda média mensal dos brasileiros e brasileiras.

As lutas sindicais em 2024

Fica claro que a troca de partido no governo federal não significou o fim da política de arrocho salarial para os trabalhadores do setor público. Com a política de “equilíbrio fiscal” , temos nesse novo ano uma nova ofensiva do Estado contra o reajuste e recuperação salarial dos trabalhadores desse setor.

Já em dezembro de 2023, durante a última reunião da Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP), o secretário do Ministério de Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, José Lopez Feijó, afirmou que, em 2024, não haveria reajuste nos salários dos funcionários públicos federais, oferecendo apenas um reajuste nos benefícios dos trabalhadores e considerando isso uma conquista destes trabalhadores, pois, como afirmou, a MNNP não era aberta desde 2016.

Em contrapartida, a Condsef/Fenadsef apresentou no fim de janeiro deste ano, a proposta de reajuste de 29,49%, que deverá ser feita durante os próximos três anos. Esse percentual foi calculado, justamente, de acordo com as perdas salariais dos trabalhadores nos últimos cinco anos.

A falta de reposição salarial dos servidores federais motiva que essa política se repita em outras esferas. No último dia 17 de janeiro, por exemplo, o governador da Paraíba, João Azevedo (PSB), apresentou o reajuste de 5% para os servidores do estado, percentual muito abaixo dos mais de 22% acumulados em perdas salariais desses trabalhadores nos últimos anos.

Os professores municipais de Fortaleza iniciaram o ano letivo de 2024 em greve, exigindo, entre outras pautas específicas, o reajuste salarial de 10,09%, ocupando também a Câmara Municipal da cidade no último dia 01 de fevereiro. 

Outras campanhas salariais já iniciaram esse ano como a dos professores estaduais do Piauí que estão em campanha salarial exigindo 22% de reajuste para repor as perdas salariais que sofreram desde 2019 e a dos servidores municipais de São Paulo, que reivindicam 16% de reajuste.

Apesar de ser o mínimo necessário, a reposição salarial acima da inflação para a maioria das categorias no ano passado mostraram-se insuficientes para repor as perdas salariais que os trabalhadores sofreram na metade da última década. Mesmo a troca de governo no executivo federal, com a vitória de Lula, não garantiu essa recuperação. Por isso, essas categorias citadas e algumas outras já mostram qual será o caminho dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiras nesse próximo ano: pautar campanhas salariais que compensem as perdas desde, pelo menos, 2019, com possibilidade de greves na maioria dos setores.

Mesmo que neste ano, novamente, a maioria das categorias conquiste reajustes acima dos índices inflacionários, isso não implicará no fim do arrocho na renda média dos trabalhadores brasileiros. Essa renda só poderá voltar a acompanhar a inflação, e até superá-la, com uma política que paute o fim dos empregos informais e a valorização de empregos com carteira assinada e estatutários que garantem o mínimo de direitos aos trabalhadores. Somente assim será possível garantir reajustes e valorização salarial ano após ano. As condições de trabalho e de vida da classe trabalhadora não avançarão enquanto políticas como o novo teto de gastos forem implementadas pelo governo. Portanto, é crucial que a luta contra políticas anti trabalhadores se torne uma constante na vida da classe operária brasileira.