'Hegemonia e imprensa partidária' (Bruno Alves)

[...] a partir do ponto de vista leninista, de que o primeiro passo seja estabelecer um Órgão Central que circule eficazmente entre as massas, capaz de superar a hegemonia do campo democrático-popular, que resultou na rendição do movimento dos trabalhadores.

'Hegemonia e imprensa partidária' (Bruno Alves)
"Isso significa recolocar o proletariado como agente ativo na arena política, dessa vez sob bandeiras próprias. Com exceção de algumas poucas categorias, a classe trabalhadora no Brasil se encontra sem instrumentos de resistência, resultado dessa desmobilização por setores reformistas."

Por Bruno Alves para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

As pré-teses do XVII Congresso (Extraordinário) lançam luz a um problema bastante significativo em nossas fileiras: a necessidade da proletarização em nossa organização. O bloco “sobre o giro operário-popular” se inicia com a correta avaliação da “ainda precária inserção do PCB e dos coletivos partidários no movimento de massas e nos setores estratégicos da classe trabalhadora” e na predominância em nossas fileiras de setores médios, muitas vezes vinculados às universidades e aos sindicatos do funcionalismo público. O bloco, de maneira geral, apresenta uma sucinta autocrítica do período anterior à cisão sem, no entanto, desenvolver uma solução de caráter prático ao problema. O tom excessivamente pesaroso das nossas debilidades não permite uma orientação clara do partido para o futuro. Podemos argumentar sobre a necessidade de ler o documento de maneira integral e que isso seria respondido de alguma forma adiante. Isso, porém, não ocorre.

No bloco seguinte, “Sobre o perfil da classe trabalhadora e seus setores estratégicos”, as pré teses apresentam uma leitura histórica que articula classe, raça e gênero em nosso país, herdeiro do colonialismo e da superexploração destes setores da classe. Neste bloco são relatados os setores estratégicos sem detalhar as táticas para a nossa inserção. Embora seja correta a constatação de que a caracterização de um setor como estratégico não pode ser baseada apenas pelo grau de sua exploração, o texto não explora as táticas necessárias para alcançar os setores mencionados. Como aproximá-los efetivamente? Ou melhor, como superar nossas debilidades anteriores para efetivar o giro operário-popular em nossa organização? Tudo isso ainda carece de respostas práticas.

São dois os eixos que considero essenciais para fugir ao automartírio nesta questão; a superação dos métodos artesanais e do amadorismo na agitação e propaganda e nas finanças. Tenho claro que o desequilíbrio financeiro das contas partidárias está diretamente relacionado ao desequilíbrio da composição social em nosso partido. Isso porque estes setores médios possuem, de maneira geral, mais tempo e recursos para se manterem em uma militância repleta de incertezas, enquanto os setores mais precarizados tendem a quebrar devido à falta de auxílio do partido. Para não tornar sua leitura enfadonha, no entanto, nesta tribuna me debruçarei apenas sobre a agitação e propaganda. 

Sem o Órgão Central não haverá giro algum

Travar um debate sobre agitação e propaganda é também travar um debate sobre organização. Acredito sinceramente que, a essa altura, ninguém discordaria dessa afirmação, uma vez que é na simbiose entre agitprop e organização onde reside a compreensão leninista sobre a questão do Órgão Central (OC). Recordemos das palavra de Lênin quando este diz que 

“Um jornal, todavia, não tem somente a função de difundir ideias, de educar politicamente e de conquistar aliados políticos. O jornal não é somente um propagandista e agitador coletivo, mas também um organizador coletivo. (...) Através do jornal e com o jornal se formará uma organização permanente, que se ocupará não somente do trabalho local, mas também do trabalho geral sistemático, que ensinará a seus membros a acompanharem atentamente os acontecimentos políticos, a avaliar a importância e a influência de diversos estratos da população, a elaborar quais métodos permitem ao partido revolucionário exercitar sua influência sobre os mesmos.” (1)

Retomo a tribuna “Sobre a imprensa revolucionaria”(2), do camarada Pietro, que argumenta, corretamente, que não devemos tratar a distribuição do jornal como uma penitência e o exercício do jornalismo militante como mera possibilidade. Construir um Órgão Central que cumpra a função de organizador coletivo é a tarefa mais importante para o movimento comunista no Brasil nas atuais condições. Essa compreensão é de suma importância, uma vez que sem um OC não haverá sequer partido, quem dirá giro operário popular. Para alcançarmos nossos objetivos, as colunas do OC devem dialogar exatamente com os setores estratégicos da classe. Devemos coordenar todas as comissões do Órgão Central com o objetivo de aglutinar os melhores quadros desses setores, para darmos início a um trabalho político cada vez mais qualificado entre eles. Se toda a imprensa partidária estiver plenamente focada em recrutar essas categorias, em pouco tempo nossas fileiras contarão com inúmeros militantes das categorias mais nevrálgicas do capitalismo dependente brasileiro, capacitando-nos a dar o golpe de misericórdia na burguesia em nosso país. Se não estruturarmos um Órgão Central sob essa perspectiva estaremos fadados a manter um partido de composição social semelhante ao que já tínhamos antes da cisão; abarrotados de setores médios, com pouca ou nenhuma influência para além dos círculos universitários.

Em minha primeira tribuna preparatória [3] ressaltei a importância de campanhas nacionalizadas de agitação e propaganda para aumentar nossa influência no debate público e a elevação geral das consciências. Trouxe como exemplo o debate sobre a redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais sem redução salarial, durante a campanha presidencial de Sofia Manzano. Acrescento que ainda que tenhamos saldo positivo, tendo forçado os grandes veículos de mídia a falar sobre a proposta da redução, não fomos capazes de mobilizar verdadeiramente os trabalhadores ao redor dessa pauta. Um dos motivos, em minha avaliação, foi a completa ausência de um Órgão Central que desempenhasse sua função de direção ideológica. Minha defesa nesta tribuna é que para realizar nossa tarefa histórica devemos centrar nossos esforços de agitprop e formação, através do OC,  na realização de Campanhas Nacionais bem orquestradas, que contem com a participação efetiva de toda a militância, de norte a sul.

O agro é pop, o agro não poupa ninguém: concentração fundiária e midiática no Brasil

Você está assistindo à novela ou ao noticiário, eis que durante um intervalo comercial, letras em destaque preenchem toda a sua tela, formando a seguinte frase "Agro: a indústria-riqueza do Brasil". Em seguida, toda a sorte de imagens super-vibrantes relacionadas ao campo tomam sua atenção; vemos gado, um verde exuberante, quem sabe alguma comida aconchegantemente posicionada sobre uma tábua de madeira. Enquanto essas imagens passam rapidamente na tela inundando seus sentidos, uma voz suave apresenta argumentos convincentes: pesquisas científicas, soluções aparentemente milagrosas, proteção ao ambiente e abundância. Tudo isso parece ter saído diretamente de um panfleto de testemunhas de Jeová. Por fim, o comercial termina dizendo “Agro é pop. Agro é tech. Agro é tudo.”. Está lançada a maior e mais eficaz campanha publicitária dos últimos tempos. 

O responsável por essa grande obra de hegemonia é Roberto Schmidt, diretor de marketing da TV Globo. A Campanha “Agro: a indústria-riqueza do brasil” duraria de 2016 a 2018, mas foi tão feliz em seu propósito que perdura até hoje. Segundo Schmidt, a proposta da campanha é desmistificar o que ele chama de “homem do campo” aos olhos da população urbana. Tanto quanto um ilusionista revela o truque por detrás dos panos. Com essa campanha, o latifúndio passa por um “rebranding”. Agora o agro não é apenas o agro dos Maggi, dos Batista e do patrimônio bilionário, agora o agro é “nosso”, de todo o Brasil. Ora o agro é um maquinário agrícola colhendo milhares de hectares de soja, ora o agro aparece como quilombola. Ao mesmo tempo, a campanha busca resgatar um nacionalismo romântico ao redor da concentração fundiária, como quem diz “somos o celeiro do mundo e você deve ficar feliz com isso”.

O empreendimento é uma dupla manobra ideológica: convence o pequeno e o médio produtor de que eles também são “o agro”, aflorando um corporativismo entre classes absolutamente distintas. Com isso, faz crer que entre o Seu Zé da agricultura familiar e Alceu Feldmann são poucos passos, não um amontoado intransponível de R$ 12,9 bilhões em patrimônio (declarados). A campanha nos induz a pensar que se uma lei é ruim para a grande propriedade, deve o ser para a pequena propriedade também.

Na realidade, o Seu Zé é um intermediário, uma imagética construída para gerar afeto e conexão dos setores urbanos com o “homem do campo” e o setor herdeiro direto da escravidão, o agronegócio. Dificilmente o trabalhador urbano se relacionaria ao ver Blairo Maggi descendo de seu jato executivo avaliado em 30 milhões de reais. Por isso a campanha nos mostra trabalhadores rurais felizes e contentes com a produção de milho, soja e algodão em mãos, ou então fazendo o reparo da cerca, ensacando a colheita manualmente, e dirigindo um trator. Isso gera identificação, empatia e o melhor: a defesa incondicional da grande propriedade fundiadiaria. Esse é o puro suco transgênico da hegemonia: a capacidade de fazer com que suas agendas e pautas particulares de classe se tornem interesse nacional e um guia de ação para o restante das classes dominadas.

“O agro é tech”, diz a Campanha. E de fato o agronegócio conta com automação e tecnologia de ponta, mas todas elas são importadas do exterior. A burguesia brasileira, herdeira do período colonial, contenta-se em ser sócia menor do centro do capitalismo. Por isso continuamos exportando matéria prima barata e importando manufaturados, com alto valor agregado, como fazíamos na época da colonização. Mesmo com a alta tecnologia envolvida na produção dessas commodities, são cada vez mais frequentes as denúncias de trabalho análogo à escravidão no grande latifundio, inclusive submetendo seus trabalhadores à violencia fisica [3]. Como bem disse Clóvis Moura, no Brasil “o moderno passa a servir o arcaico”[4]. Nem a violência, nem a dependência lhes causam qualquer constrangimento.

O nível fundamental do discurso busca o consenso, baseando-se na ideia de que o agro é a riqueza, o carro-chefe do país. A campanha martela a todo o momento a equação de que “sem o agro, sem riqueza”. Ou melhor, “sem agro, só resta pobreza”. Sem dúvidas eles gostariam de dizer abertamente que “o agro carrega o Brasil nas costas”, mas isso soa muito duro e pouco convincente, por isso dizem “o agro é tudo”. Na verdade, com o agro não sobra nada. O grande latifúndio é uma força política e econômica predatória, que avança sobre Territórios Indígenas e áreas de preservação, estando sempre em expansão. Alem disso, recorre rotineiramente ao assassinato de lideranças do campo e indígenas que desafiam seus lucros. Mas “o agro é pop”, como diz a Campanha.

Apesar do rastro de destruição que deixa pelo caminho (e graças à publicidade), o agro pode consensuar a sociedade de que é a única alternativa para o Brasil. Mas nada disso seria possível sem o apoio político-midiático dos maiores monopólios de comunicação do país. A imprensa tradicional é parte fundamental do Lobby Ruralista, sendo ao mesmo tempo expressão de seu poder e aparelho privado de hegemonia da classe dominante brasileira. Isso porque os dois setores estão intimamente ligados econômica e politicamente. Basta observar que os donos dos principais meios de comunicação possuem terras e/ou investimentos volumosos no setor agrário, por isso suas linhas editoriais se opõem ferozmente à possibilidade de uma reforma agrária e somam-se à perseguição de movimentos como o MST. Não há neutralidade ou jornalismo preocupado com o “bem comum”. Por sinal, não há bem comum possível entre explorados e exploradores que não beneficie apenas estes últimos.

Como desmobilizar a base social do fascismo?

Alguns círculos intelectuais atribuem à mentira (agora rebatizada de fake news) o sucesso do bolsonarismo. Se assim fosse, todos os esforços debitados por diversas instituições da sociedade civil na checagem de fatos teriam rendido frutos e Bolsonaro nem ao menos teria chegado ao Executivo. A mentira, o sensacionalismo, os fatos parciais, tudo isso é apenas a forma que esses aparelhos encontraram para apresentar certos debates ao seu público, tendo sido já largamente explorada pela grande mídia anteriormente, em programas policiais e editoriais enviesados. Na verdade, o grande êxito da extrema direita foi ter constituído um ecossistema multiplataformas organizados o bastante para a produção e, principalmente, a distribuição de informação (contando, evidentemente, com uma certa “ajuda de custos” de empresários reacionários).

O ponto forte dos aparelhos privados de hegemonia (APH) do bolsonarismo, ou mesmo dos ex-bolsonaristas como o MBL, reside na capacidade de mobilizar sua base social. Para isso, esses APHs recorrem à repetição sistemática em todas as esferas. Por exemplo: ao sinal de qualquer novo factoide relacionado à sua agenda política, esses aparelhos tornam a inundar suas páginas com conteúdo relacionado. Essa fixação constante cria no seu leitor um certo senso de urgência, um estado de alerta contínuo, colocando-os à postos em uma espécie de frenesi coletivo, como bem demonstrado na tentativa de golpe de estado de 08 de janeiro.

Mas não é apenas na esfera da produção da notícia que se dá essa repetição, sendo também amplamente utilizada na sua distribuição. Como em uma espécie de eco, todos os aparelhos se voltam para divulgar os mesmos factóides, aumentando o seu alcance para além dos círculos já convencidos. Uma mentira contada várias vezes não se torna verdade, mas a repetição com certeza aumenta sua capacidade de viralização. Estabeleceu-se uma correia de transmissão bastante particular que vai das redes sociais da família Bolsonaro, passando por contas de influencers ligados a eles e chegando a portais de notícias como Brasil sem Medo, O Antagonista e derivados. O factoide poderá surgir em qualquer um desses elos e, por certo, encontrará forte repercussão em todos os outros.

Com um discurso aparentemente contestatório, a extrema direita obteve êxito em canalizar a revolta dos setores médios em vias de proletarização não para a revolução social, mas para a manutenção do poder oligárquico das elites brasileiras. Foi a partir desta mobilização que puderam arrastar consigo uma parcela descontente da classe trabalhadora que via suas condições de vida cada vez mais degradadas pela crise do neoliberalismo, ironicamente, para reivindicar um projeto ainda mais neoliberal.

Essa contradição não deve surpreender olhares atentos. Aquele que buscar no fascismo uma lógica discursiva ou uma coerência ideológica interna estará caindo em uma armadilha. Isso porque não há uma filosofia própria do fascismo. Sua teoria nada mais é que uma colcha de retalhos recortados de diversas classes, capaz de aglutinar diversos setores sociais ao redor da continuidade do projeto político-econômico da burguesia.  Não por acaso Mussolini declara que “a ação enterrou a filosofia".  Essa ausência de filosofia cria figuras bastante próprias do capitalismo decadente: o iconoclasta  que idolatra “mitos”, milicianos e traficantes “pela família”, patriotas que adoram o Tio Sam e toda a estirpe que bem conhecemos. Todos esses aspectos se refletem em sua propaganda, de Goebbels à Steve Bannon.

A grande questão que se impõe é: como desmobilizar as bases sociais do fascismo?

Antes de tudo é necessário superar o estado defensivo em que a esquerda se encontra, muito influenciado pela lógica social democrata/social liberal de acúmulo de forças. Para estes setores, “acumular forças” significa abdicar completamente de suas pautas em prol da “governabilidade”. A todo o momento os partidos e aparelhos vinculados a este campo pregam pela moderação e pelo “recuo tático” que nunca se converteu em impulso adiante. Isso porque esses setores têm em vista a próxima eleição, não o convencimento político e a organização de médio/longo prazo. Por isso não tocam em assuntos que podem melindrar setores mais atrasados da classe, muitas vezes ligados ao neopentecostalismo. Eximem-se de debates espinhosos na arena política brasileira como o direito ao aborto, direitos LGBTQI+ e políticas de redução de danos, sob o pretexto de que essas pautas são secundarias e devem ser tratadas em um momento “mais propício”. O efeito disso é o contrário do que se espera; não faz avançar as consciências, ao contrário, produz a subsunção da sua própria às consciências mais conservadoras. Esse é um erro do qual padecem inclusive setores comunistas, muitas vezes imbuídos do economicismo e obreirismo mais rasteiros. 

Enfrentamos um período sombrio, na expressão de Gramsci, em que "o velho mundo agoniza", mas o novo ainda não pode emergir. É de nossa responsabilidade, enquanto vanguarda proletária em formação, acelerar esse parto para relegar a serpente ao seu devido lugar. Esta empreitada não será simples, como nunca o foi; implica em abaixar a bandeira branca e iniciar uma ofensiva. Acredito, a partir do ponto de vista leninista, de que o primeiro passo seja estabelecer um Órgão Central que circule eficazmente entre as massas, capaz de superar a hegemonia do campo democrático-popular, que resultou na rendição do movimento dos trabalhadores. Isso significa recolocar o proletariado como agente ativo na arena política, dessa vez sob bandeiras próprias. Com exceção de algumas poucas categorias, a classe trabalhadora no Brasil se encontra sem instrumentos de resistência, resultado dessa desmobilização por setores reformistas.

A imprensa partidária não serve apenas ao Partido, com “p” maiúsculo, mas deve ser um instrumento de organização de toda a classe. Para efetivamente se tornar um canal de influência, o Órgão Central precisa informar, agitar e mobilizar a classe trabalhadora sob essas bandeiras comuns. Em vez de se contentar com a enunciação de aforismos com posições redondas e fechadas, devemos demonstrar ao conjunto dos trabalhadores os caminhos que nos levaram a decisão por tal posição. O Órgão Central deve ser capaz de ocupar o espaço dos aparelhos hegemônicos da burguesia no cotidiano da classe trabalhadora. É necessário abordar os mesmos temas dos grandes veículos de mídia, não apenas reagindo às suas distorções, mas propondo uma nova perspectiva para entender e atuar na realidade. Isso é, cumprir com a sua tarefa de se tornar direção ideológica. Apenas com o proletariado organizado e forte seremos capazes de inverter o atual quadro de destruição e arrastar conosco as classes vacilantes que compõem a base social da extrema direita. Isso é, consolidar uma cosmovisão que desponta como alternativa ao neoliberalismo. Essa sim revolucionária. 

Recorro à famosa frase de Marx, em A crítica da filosofia do Direito de Hegel:

“As armas da crítica não podem, de fato, substituir a crítica das armas; a força material tem de ser deposta por força material, mas a teoria também se converte em força material uma vez que se apossa dos homens. A teoria é capaz de prender os homens desde que demonstre sua verdade face ao homem, desde que se torne radical.”[6]

Se, para o bolsonarismo, existe apenas movimento reacionário e não uma filosofia distinta, nós, por outro lado, temos a difícil tarefa de concatenar teoria e prática. O nosso jornal deve refletir esse esforço. Isso  não significa recitar diletantemente os clássicos, mas com a devida articulação entre a teoria e a realidade nacional. Através do trabalho jornalístico-militante devemos estar presentes onde quer que aconteça uma ebulição social, abrindo espaço para que trabalhadores possam denunciar as condições a que são submetidos dentro do capitalismo. 

Construir uma alternativa: um balanço e nossas debilidades.

Camaradas, estamos em vias de lançamento do Jornal. Desde a cisão temos experimentado novas formas de organizar a agitprop. Temos como exemplo a Campanha Novembro Antirracista, coordenada através do Órgão Central provisório, o Em defesa do comunismo. Isso, por si só, já representa um avanço se comparado à letargia pela qual o antigo Comitê Central tocava o Jornal O Poder Popular. Por outro lado, a Campanha revelou muitas de nossas debilidades que, evidentemente, não serão superadas com um só golpe. Por isso buscarei, nessa conclusão, fazer um pequeno balanço sobre a campanha e sugerir algumas alterações e adições às pré teses que julgo necessárias para amadurecer nossa relação com a imprensa partidária. Relembro também que a queda das páginas partidárias, vítimas de ataques do antigo CC, dificulta essa avaliação, visto que alguns materiais e métricas se perderam.

Um ponto crucial neste balanço é destacar a lacuna entre o planejado e o executado, resultando de dois problemas interligados: defasagem técnica e acúmulo de tarefas, também influenciados por questões financeiras. A quantidade de camaradas nas comissões do Órgão Central ainda não atende às demandas, especialmente na redação e edição de vídeos. Para evitar sobrecargas e desistências, é essencial formar um grupo de militantes tecnicamente capacitados para as funções de imprensa até que seja possível destacar membros integralmente para essa área.

O Órgão Central ainda terá a difícil tarefa de superar o federalismo e os localismos de nossas fileiras. Para tanto deverá se territorializar efetivamente, mesmo que isso soe como um contra senso à primeira vista. Ainda há uma baixa contribuição dos organismos de base do partido para o OC, como ficou evidente durante a Campanha do Novembro Antirracista. Para além dos atos, as ações tocadas durante esse período, em sua grande maioria, não se converteram em peças de agitprop. Por consequência, os debates travados na base ficaram represados em seus locais de atuação, desperdiçando a potencialidade de nacionalização desses acúmulos. Uma única circular regional não tem alcance suficiente para que possamos pensar e fazer um balanço preciso da nossa atuação durante a campanha de forma integral. Para corrigir este erro será necessário superar o voluntarismo no qual ainda estamos submersos em vários níveis.

O Órgão Central não deve esperar a boa vontade de um ou outro militante de base para que este produza um vídeo ou um artigo para o jornal. Precisamos trabalhar melhor a delegação de tarefas de agitação e propaganda. Sugiro, a partir de um debate que tivemos em minha célula, que criemos comissões regionais de agitprop. Essas comissões servirão como uma via de mão dupla, coordenando e orientando os trabalhos do OC a nível local e regional, garantindo que todas células estejam devidamente apropriadas das Campanhas Nacionais e que as ações locais e acúmulos no movimento de massa sejam devidamente absorvidos nacionalmente. 

Diferentemente da Globo, com a sua campanha Agro indústria-riqueza do Brasil, não podemos ter uma postura passiva com relação às nossas campanhas. Para a grande mídia basta veicular sua campanha em horário nobre para que esta tenha um alcance massivo. Nós, por outro lado, precisamos de uma organização sólida para que a atuação local e  nacional se articulem de maneira a produzir e distribuir adequadamente a notícia e levar adiante nossas bandeiras. Isso é exercer de fato o papel de direção ideológica.

Se pretendemos organizar a luta de setores estratégicos da classe como, por exemplo, o setor de transportes, devemos saber quais são seus hábitos, angústias e demandas. Para isso, o trabalho partidário deve se balizar no trabalho jornalístico-militante, que desempenhará o papel de um batedor, analisando o terreno e repassando as informações coletadas adiante. Essa também não é uma fórmula nova, já sendo utilizada por políticos burgueses interessados em expandir sua influência nestes territórios (7).

Ainda há camaradas que pensam no jornal e a imprensa partidária como apenas mais uma tarefa, que talvez nem diga respeito a elas. Isso não poderia ser mais enganoso. A imprensa partidária é a tarefa do movimento comunista no Brasil. Sem um ecossistema midiático não seremos capazes de organizar e mobilizar a classe trabalhadora. Todos os trabalhos devem estar organizados ao redor do trabalho da imprensa, seja impressa ou digital. Esse é o nível organizativo que devemos almejar. Não basta produzir a notícia, é necessário divulgá-la à exaustão, por isso a importância das Campanhas Nacionais.

Para concluir e caminhar para as propostas, acredito que a diretoria do OC tenha sido feliz na decisão de se somar à Campanha da Vida além do Trabalho (VAT). Temáticas como o fim da escala 6x1 e a redução da jornada de trabalho guardam em si um potencial organizativo tremendo para a nossa classe. Sua potencialidade reside exatamente na capacidade aglutinadora de diferentes categorias em torno de uma pauta comum. Neste caso o papel da imprensa partidária, dirigida pelo Órgão Central, é fornecer os subsídios necessários para que a militância esteja completamente apropriada dos assuntos e preparada teoricamente para o confronto. Devemos encampar essa luta com seriedade e sem prazo de validade, tornando esse um tema recorrente na nossa imprensa até que possamos atingir o nosso objetivo do fim da escala 6x1 e a redução da jornada de trabalho. Essa campanha deverá ser o divisor de águas do movimento comunista no Brasil.

Quando os grandes jornalões chamarem algum “especialista”  (melhor seria dizer “mercenário”) para defender que a Redução da jornada de trabalho é infactível e inexecutável, nossa imprensa e militância devem estar municiados para demonstrar ao restante da classe a dissimulação da grande mídia e desmascarar os interesses escusos do jornalismo-empresa e seus representantes. Recordemos quando, durante os debates sobre a Constituinte e a redemocratização, os principais editoriais do país se opuseram ferozmente contra a aprovação da redução da jornada de trabalho para 44 horas semanais e do direito à greve, sob a justificativa de que isso quebraria o país. A grande mídia construiu um cenário catastrófico caso fossem aprovadas as propostas. Evidentemente, não declararam abertamente “essas medidas vão contra os meus interesses enquanto classe”, antes se esconderam por detrás de altos valores morais, “o interesse nacional”, “a economia”, escamoteando seus interesses sob o véu de um jornalismo supostamente preocupado com o “bem comum”, acima dos partidos e das classes.

O nosso jornalismo, um jornalismo abertamente militante, ao contrário, deve ser taxativo: “tal ou qual medida vai de encontro ao nosso interesse enquanto classe. Não existe bem comum entre interesses diametralmente antagonicos”.  Isso significa dizer que a nossa imprensa não deve apenas reagir às circunstâncias, antes deve promover incansavelmente os temas do direito ao lazer, do planejamento e da mobilidade urbana, do fim do desemprego, agitando bem alto as bandeiras de nosso programa e o avanço que representa a redução da jornada de trabalho para toda a classe. Apenas propondo ativamente, por meses a fio, se necessário, poderemos ditar o ritmo do combate contra os grandes monopólios de mídia. Devemos depositar todos os nossos esforços no sucesso do jornal e na estruturação adequada de nosso Órgão Central.

Pensando nisso, sugiro a alteração e adição de alguns pontos nos blocos de Agitação e Propaganda e Imprensa Partidária das resoluções políticas do XVII Congresso:

Agitação e propaganda:

§37 Existe uma propaganda local, que deve ser realizada pelas células do Partido. Mas pelo próprio caráter dessa ação, é recomendável que exista um grupo de propagandistas por regiões maiores ou mesmo nacionalmente que possam circular e nivelar o deverão ser criadas comissões locais de agitação e propaganda para circular o debate e executar ações coordenadas, nivelando o entendimento dos camaradas acerca do marxismo-leninismo e da realidade brasileira. Essas comissões também ficarão responsáveis por fazer um balanço das ações e repassá-lo ao Órgão Central. Por sua vez, a diretoria do Órgão Central deverá sistematizar os balanços, acompanhando o desempenho das ações e avaliando a capilaridade da nossa agitação e propaganda.

Imprensa Partidária:

§45 É de responsabilidade do Comitê Central, em conjunto com a Diretoria do Órgão Central, a proposição de Campanhas Nacionais de agitação e propaganda que possibilitem uma maior compreensão da militância sobre os temas debatidos tendo em vista a elevação constante das consciências no seio da classe trabalhadora brasileira.

§46 O Órgão Central deverá produzir materiais gráficos relacionados à Campanha, garantindo solidez e coesão das palavras de ordem, e permitindo que células ou comitês que não contem com o conhecimento técnico para sua própria produção local tenham recursos para efetuar ações qualificadas de agitação e propaganda a nível local.

§47 Toda a militância tem o dever de estudar profundamente e contribuir, de acordo com suas capacidades, com o tema abordado pela Campanha Nacional. Seja através da produção de artigos/vídeos a serem publicados no Órgão Central, o fomento de palestras, debates e outras atividades nas bases, bem como a divulgação dos materiais da Campanha.

§48 Tendo como perspectiva a profissionalização cada vez maior da imprensa partidária, o Órgão Central deverá organizar cursos que capacitem técnica e politicamente a militância para o exercício da função na imprensa partidária. Cursos como captação e edição de áudio e vídeo, design, redação e outros deverão ser ministrados para suprir as atuais necessidades das comissões no Órgão Central.

§49 Para o próximo período cabe ao Comitê Central planejar a construção de um parque gráfico extenso e espalhado por todo o país, garantindo que, mesmo forçados à clandestinidade pela repressão, nossa agitação e propaganda não serão extintas de uma só vez. Ao mesmo tempo, esse parque deve estar localizado em posições estratégicas que facilitem e barateiem a logística por trás do jornal e materiais de agitprop, assegurando que nossas agitação e propaganda não fiquem retidas nas capitais e grandes centros urbanos.


[1] LENIN, Vladmir. Por onde começar?. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/lenin/1901/05/onde.htm

[2] Pietro. Sobre a imprensa revolucionária. Disponível em: https://emdefesadocomunismo.com.br/sobre-a-imprensa-revolucionaria-pietro/

[3] ALVES, Bruno. Preparar a contraofensiva: Teses para a profissionalização da agitação e propaganda. Disponível em: https://emdefesadocomunismo.com.br/preparar-a-contraofensiva/

[4] Trabalhadores resgatados em situação de escravidão no RS: o que se sabe e o que falta saber. Disponível em: https://encurtador.com.br/aeqzN

[5] Moura, Clóvis. (2020). Dialética radical do Brasil negro. São Paulo, SP: Anita Garibaldi.

[6] MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1844/critica/introducao.htm#:~:text=As%20armas%20da%20cr%C3%ADtica%20n%C3%A3o,que%20se%20apossa%20dos%20homens.

[7] https://www.instagram.com/reel/Co-1AtODdXP/?igsh=eWtvZmJtam10YzF1