Estudantes e professores têm saúde, ensino e aprendizagem em risco por causa do calor

Escolas brasileiras enfrentam média de temperatura mais alta que os demais locais da cidade, enquanto o Estado não dispõe de medidas paliativas e nem implementa ações radicais contra o aquecimento global.

Estudantes e professores têm saúde, ensino e aprendizagem em risco por causa do calor

Por Redação

O ano de 2024 foi o mais quente já registrado na história do planeta Terra. Segundo o Observatório Copernicus, da União Europeia (UE), a temperatura média do período foi de 15,10ºC, e pela primeira vez a média global de temperatura foi 1,5ºC superior à registrada na era pré-industrial.

No Brasil, o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) registrou uma temperatura média de 25,02°C no ano passado. O número é o mais alto desde 1961, quando a medição nacional começou a ser feita, e está 0,79°C acima da média histórica, que abrange o período de 1991 a 2020.

Reprodução: INMET

E é neste cenário de catástrofe climática que estudantes e profissionais da educação precisam frequentar diariamente salas de aula, submetendo-se a temperaturas que desafiam os limites do corpo humano. Uma pesquisa do Instituto Alana e do MapBiomas, que usou medições de temperatura por satélite de 2023, mostrou que 2,5 milhões de crianças e adolescentes estudam em escolas que ficam em áreas pelo menos 3°C mais quentes do que as cidades onde estão.

Ou seja, se uma cidade registra 25,02ºC, a média de 2024, escolas localizadas neste mesmo município podem chegar a, no mínimo, 28,02ºC de temperatura, devido a sua arquitetura, falta de arborização e climatização. Os dados mostram que a escola estadual mais quente da capital paulista, a Escola Estadual Professor José Escobar, localizada no bairro do Sacomã, fica em um local 9,25°C mais quente que a média da cidade.

No caso da Escola Estadual Professor José Escobar, os pesquisadores observaram que o satélite detectou a temperatura de 39,24°C no local, enquanto a média da cidade era de 29,99°C. Já em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul (RS), a pesquisa apontou que 51,8% dos estudantes também estão matriculados em escolas situadas em locais pelo menos 3 °C mais quentes que a média do município.

Risco ao ensino e à saúde de estudantes e profissionais

Os efeitos das crescentes temperaturas no corpo humano afetam diretamente a qualidade do ensino e a aprendizagem. Em entrevista à Repórter Brasil, a neurocientista Lívia Ciacci explica que durante o calor extremo, a circulação sanguínea se torna superficial, os vasos dilatam e a respiração pode acelerar: “É como se a gente entrasse em um estado de alerta, em que o bem-estar do corpo é prioridade e tudo o que é secundário perde importância”.

E, por isso, a concentração e o desempenho dos estudantes em atividades fica comprometido, diante de temperaturas muito altas. “Nós nos agitamos procurando um ambiente mais fresco. Nossa atenção vai ficar tomada por coisas como: ‘queria uma água gelada, precisava jogar uma água aqui na cabeça’. A gente começa a desviar o foco para tentar resolver esse desconforto”, explica Lívia.

A neurocientista também chama atenção para os professores, que enfrentam problemas parecidos neste cenário: “Além de precisar planejar sua metodologia de acordo com o ambiente em que está [com estudantes desfocados], o docente deverá fazer o esforço de se manter na linha do que planejou, também sofrendo os efeitos do desconforto térmico [...] Uma hora ou outra ele também vai ficar irritado e vai desistir de alguma tarefa pedagógica”.

E os problemas no ensino, causados pelo calor, podem ser duradouros. Uma projeção feita pelo Banco Mundial, em 2023, identificou que, quando se registram até 37 dias por ano com temperaturas acima de 25ºC, o desvio padrão da nota média dos estudantes na Prova Brasil – principal avaliação nacional da educação básica – cai quase 2%.

As consequências das altas temperaturas na saúde também são mais severas entre crianças e adolescentes, que têm uma porcentagem de água no corpo maior do que a dos adultos, e estão mais suscetíveis à desidratação, além de exaustão, cãibras e insolação. “O calor elevado também causa ressecamento da pele, desconforto nos olhos, boca e nariz e deixa todos mais irritados”, alerta a Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro (SOPERJ), em seu site.

Já para a saúde dos docentes, trabalhar em um ambiente sem climatização, com o barulho de ventiladores, pode ser um problema direto para as cordas vocais. “ O calor e o ruído causados pelos ventiladores, às vezes em salas superlotadas e sem janelas, interferem no processo de ensino-aprendizagem”, comenta Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), também em entrevista à Repórter Brasil.

A população negra é a que está mais submetida ao calor

Um levantamento da Agência Pública, utilizando dados da pesquisa do Instituto Alana e do MapBiomas combinados com informações do Censo Escolar 2023, chamou a atenção para o perfil de autodeclaração racial dos estudantes das escolas submetidas às maiores temperaturas.

Enquanto apenas 40% das crianças e adolescentes são pretas e pardas nas escolas que são de 1 °C a 1,4 °C mais quentes que as cidades onde estão localizadas, a porcentagem sobe para 62,4% nas instituições que ultrapassam os 8 °C de diferença de temperatura.

“Conforme as escolas estão mais próximas ou dentro de favelas e comunidades urbanas, ou são escolas com maioria de alunos negros, observamos uma piora dos indicadores educacionais de modo geral. Com o estresse térmico e as ondas de calor, não é diferente”, comenta João Paulo Amaral, coordenador da pesquisa do Instituto Alana e do MapBiomas, em entrevista à Agência Pública.

Ainda que insuficientes, medidas imediatas são necessárias

Diante do calor intenso, trabalhadores e estudantes protestaram por atenção do Estado à situação. No Rio Grande do Sul, o Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS), sindicato da categoria, solicitou o adiamento do início do ano letivo em fevereiro, buscando aguardar a passagem da onda de calor prevista para o mês e pedindo ações a respeito das altas temperaturas. Depois de conseguir a suspensão das aulas, através de decisão judicial, os dias letivos foram retomados através de recurso do governo do estado.

Na cidade do Rio de Janeiro, que enfrentou sensação térmica entre 40°C e 44°C no mesmo período, estudantes do Colégio Estadual Professora Maria Terezinha de Carvalho Machado, localizado no bairro Praça Seca, protestaram exigindo medidas de contenção do calor. De acordo com o G1, há 200 unidades escolares sem ar-condicionado no estado. Enquanto o Censo Escolar 2022 aponta que 70% das salas de aulas públicas no Brasil não possuem o aparelho.

Além da climatização e do adiamento de aulas durante o calor extremo, medidas imediatas de arquitetura e arborização também são necessárias para diminuir o desconforto térmico nos ambientes escolares. “Se o projeto arquitetônico não for bem desenvolvido, o ar-condicionado pode estar ligado, mas não entregar a sensação térmica esperada e ainda gerar um consumo energético altíssimo. O que as escolas vão fazer se ficarem sem energia elétrica? Vão suspender todas as aulas porque o prédio só é habitável com ar-condicionado?”, questiona a arquiteta e especialista em conforto ambiental Larissa Azevedo Luiz, em entrevista à Agência Pública.

Segundo a profissional, não existe regulamentação nacional que oriente a construção de escolas, o que dificulta a edificação de prédios que pensem no conforto térmico. “Não tem ninguém efetivamente olhando se a parede da escola tem um bom isolamento térmico, e muito menos cobrando para que ela se atente a isso”, pontua.

A necessidade de um enfrentamento revolucionário para a crise climática

A social-democracia e a burguesia internacional não têm compromisso em avançar na reversão da catástrofe climática. Enquanto o setor da direita institucional usa do Capitalismo Verde para lucrar em cima da venda de créditos de carbono, a extrema-direita segue negando as mudanças no clima, agindo juntas para mascarar que o aumento da temperatura está diretamente ligado ao modo de produção capitalista, que sobrecarrega o planeta e esgota os recursos naturais.

Por isso, nem mesmo os pactos burgueses, que não tem compromisso real com a recuperação do meio ambiente, são respeitados. Com o recorde de calor em 2024, o mundo experienciou o primeiro ano com uma temperatura média global superior ao limite estabelecido pelo Acordo de Paris, assinado em 2015, na COP21.

Exemplificando a fachada que é o discurso de reversão dos problemas climáticos no capitalismo, os Estados Unidos, sob o governo de Donald Trump (Republicano), que é o segundo maior emissor de gases do efeito estufa no mundo, se retirou do tratado. Além disso, China (a maior emissora de gases), Índia e União Europeia não cumpriram o prazo para apresentar seus novos planos nacionais de redução de emissões, junto à Organização das Nações Unidas (ONU).

No Brasil, que também é signatário do Acordo de Paris, a negligência com a catástrofe climática vem através de medidas do governo federal de apoio ao agronegócio, exploração da Floresta Amazônica e desapropriação de terras de comunidades indígenas. Em fevereiro, a gestão Lula-Alckmin (PT e PSB) assinou uma Medida Provisória (MP) que libera R$ 4,2 bilhões de crédito para o Plano Safra – programa que subsidia empréstimos em bancos públicos e privados para grandes produtores rurais, grupo econômico diretamente responsável pelo aumento do desmatamento.

E desde 2023, a Petrobras pressiona o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em busca da autorização para explorar a região da bacia da Foz do Rio Amazonas. A negativa do Ibama envolve riscos de vazamentos, falta de plano de contingenciamento robusto por parte da estatal e os impactos em três Terras Indígenas (TI) demarcadas.

Ainda assim, Lula e seu ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD-MG) defendem a exploração na Amazônia, e colocam o Brasil na agenda mundial do “progresso capitalista”, que preserva os interesses da burguesia, e demonstra a impossibilidade de recuperação do meio ambiente sem a mudança para o modo de produção socialista, gerido pelos trabalhadores, voltado às necessidades humanas e indissociável da preservação da natureza.

E para além da recuperação do planeta, os meios de produção sob posse dos trabalhadores representam também a garantia de uma sociedade em que a educação seja tratada como prioridade na formação humana, política e profissional, com infraestrutura pensada para as necessidades de estudantes e trabalhadores da área, sem problemas básicos como a superlotação de salas e a falta de climatização.