Cinema no olho da rua: o fechamento que começou um movimento cultural

Como protesto por esse fechamento, trabalhadores do audiovisual brasiliense criaram o projeto Cinema no Olho da Rua e já realizaram duas exibições de curtas-metragens do lado de fora do Cine Brasília.

Cinema no olho da rua: o fechamento que começou um movimento cultural

Por Redação | Reportagem por Pedro Vinícius e Lorac

Cine Brasília, um dos poucos cinemas tradicionais brasileiros que restam ativos no país, foi considerado tombado em três instâncias: pela UNESCO, pelo Governo do Distrito Federal e pelo IPHAN, mas o que isso quer dizer? Significa que o Cine Brasília é reconhecido e protegido como patrimônio cultural.

Entretanto, nota-se um descaso com o lar do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e patrimônio mundial da humanidade desde 1987: o Cine Brasília foi fechado desde fevereiro deste ano, só sendo reaberto em 22 de abril. Foram dois meses e meio sem nenhuma sessão, com pretextos de reforma e sem edital para parceria público-privada para gestão do espaço. Este foi apenas mais um episódio na já tradicional política de desinvestimento em cultura do governo.

Como se a história se repetisse... Em 2014, outro espaço cultural de grande importância foi interditado para reformas: o Teatro Nacional Cláudio Santoro; e ele permanece fechado há 10 anos! E antes disso, em 2005, era a vez do Cine Itapuã encerrar suas atividades, localizado na periferia do Distrito Federal, em Gama, o espaço era um polo cultural de artistas da cidade e responsável por disponibilizar arte de maneira acessível para a comunidade local.

Um projeto intensificado por Ibaneis Rocha, responsável pela terceirização na gestão do cinema em 2022. Esse fechamento abrupto foi anunciado por ativistas da cultura do DF, pois, com o fim do contrato, não houve sequer a abertura de um novo edital. Aos que questionavam, a resposta era que tudo estava sob controle e que o cinema permaneceria em funcionamento, o que não foi cumprido.

Como protesto por esse fechamento, trabalhadores do audiovisual brasiliense criaram o projeto Cinema no Olho da Rua e já realizaram duas exibições de curtas-metragens do lado de fora do Cine Brasília.

Em sua primeira sessão, em 29 de fevereiro, foi exibido o curta “Paisagem em Chamas”, que aborda o abandono dos cinemas brasilienses, como o Cine Itapuã, fechado desde 2005, e o Cine Atlântida, uma sala histórica com 1200 lugares que foi comprada pela Igreja Universal. Na segunda exibição, em 28 de março, o público assistiu confortavelmente em cadeiras de praia, almofadas e cangas, desfrutando de uma projeção de alto nível, tanto visual quanto sonora. Também havia venda de bebidas, adesivos do projeto e ambulantes vendendo pipoca.

“Com o fechamento do cinema, decidimos fazer sessões ao ar livre como protesto”, disse um dos responsáveis. “Nossa meta é chamar a atenção para os espaços públicos de cultura fechados”, além da “forma como se deu o fechamento: sem calendários de reforma, sem edital aberto para nova gestão”, explicou. Segundo outro organizador do movimento, a ideia é continuar com as projeções mesmo após a reabertura em outras locais, mas ainda não há uma agenda definida. Em seu Instagram @cinemanoolhodarua, eles pedem apoio e continuam cobrando respostas do GDF sobre o cinema e outras pautas da cultura.

Atualização

De acordo com o GDF, esse fechamento ocorreu devido a uma reforma estrutural, mas graças ao movimento Cine no Olho da Rua e ao público presente nas sessões de protesto, o cinema reabriu no dia 22 de abril.

A gestora Box Cultural, que gerenciou o cinema por 18 meses, foi novamente a vencedora do último edital. Agora essa OSC (Organização da Sociedade Civil) deve gerir o cinema pelos próximos 3 anos, com um orçamento de R$ 9 milhões.

Apesar do discurso liberal de maior eficiência e expertise dessas organizações, na prática o que vemos é mais um passo em direção à sua completa privatização. As primeiras consequências aparecem no encarecimento das sessões e um afastamento do seu caráter social, como se pode perceber pela sua última mostra, que foi só com filmes candidatos ao Oscar, que já tem ampla circulação nas grandes redes de cinema.

Claro que nada disso é novidade e o descaso do GDF com aparelhos culturais vem de longa data, como o já citado Cine Itapuã, no Gama, que mesmo tendo sido um importante polo cultural durante a década de 1990, foi completamente abandonado pelo poder público, sendo obrigado a fechar as portas.

Nos últimos governos, o Cine Brasília foi sendo sucateado ao sabor do executivo. Em um dos episódios mais recentes, seu festival esteve muito aquém do esperado, o que é lamentável para o primeiro festival brasileiro de cinema, que também foi gerido por outra (OSC), o que por si só já é um retrocesso.

Para além de exibições ao ar livre, como a do coletivo Cinema de Olho na Rua, que merecem sim ser prestigiadas e reconhecidas, buscamos a ampliação de espaços culturais, que no DF sempre foram relegados ao Plano Piloto. Queremos a democratização e popularização de salas de cinema e teatro, com gestão popular e amplo acesso para toda a classe trabalhadora das 35 Regiões Administrativas que compõem o Distrito Federal e não só a sua área central.

Fica a indicação do documentário “Retratos Fantasmas”, que aborda a história do centro de Recife, vista a partir das salas de cinema que agitavam o povo e inspiravam ações. Que a memória se mantenha viva a partir da reivindicação popular do Cine Brasília, do Cine Itapoã e do Teatro Nacional Cláudio Santoro![1]