8 de Março: a dupla jornada de trabalho da mulher trabalhadora
Se desejamos combater a dupla jornada que pesa sobre as mulheres trabalhadoras, a redução da jornada de trabalho é uma questão fundamental. A luta pelo fim da escala 6x1, que emprega milhões de mulheres em todo o Brasil, é também uma luta por dignidade para as trabalhadoras.

Por Redação
Instituído pela primeira vez pelas mulheres socialistas, o 8 de Março, Dia Internacional da Mulher Trabalhadora, tem sua origem nas lutas das trabalhadoras por melhores condições de trabalho e contra a dependência econômica e a privação de direitos. No Brasil contemporâneo, a publicidade burguesa busca reduzir o 8 de Março a uma data comercial, apagando seu conteúdo político proletário. Mas para o movimento da classe trabalhadora, é essencial considerar essa data como um momento destacado para a denúncia da dupla jornada de trabalho imposta às trabalhadoras brasileiras a partir da dinâmica da exploração capitalista e da divisão sexual do trabalho.
No capitalismo, a divisão sexual do trabalho é um dos mecanismos mais eficazes para perpetuar a exploração do trabalho reprodutivo imposto às mulheres. Tratadas historicamente como tarefas “naturalmente femininas”, as funções de cuidado da família e do lar são invisibilizadas pela sociedade e consideradas como secundárias, além de serem profundamente desvalorizadas economicamente. Essas tarefas, que são essenciais para a manutenção da força de trabalho e da estrutura social, não recebem a mesma valorização que o trabalho socialmente produtivo realizado fora de casa. Na ausência de creches, lavanderias e refeitórios públicos em quantidade suficiente, esses trabalhos de cuidados são realizados domesticamente pelas mulheres, em vez de serem socializados de maneira comunitária. Ainda hoje, por exemplo, as mulheres são desigualmente responsabilizadas pelo cuidado das crianças, exercido individualmente pelas mães dentro de casa, o que restringe o acesso das mulheres à vida pública, dificultando seu desenvolvimento social e pessoal.
A realidade das mulheres trabalhadoras no Brasil
A realidade da mulher trabalhadora no Brasil, portanto, é marcada pela superexploração de sua força de trabalho, que é exigida tanto na produção em fábricas, escritórios, hospitais, escolas, como nas tarefas de cuidado dentro de casa. O trabalho doméstico e o cuidado da família, que são parte da reprodução da força de trabalho, são reconhecidos como trabalho quando executados por trabalhadoras domésticas remuneradas, mas são tratados como uma obrigação das mulheres quando realizados no interior da própria família, não recebendo nenhum reconhecimento econômico.
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, as mulheres, em média, dedicam 21,6 horas semanais aos afazeres domésticos e ao cuidado de pessoas, enquanto os homens dedicavam apenas 11 horas semanais a essas atividades. A diferença de 10,6 horas semanais é um dos reflexos da dupla jornada de trabalho que afeta as mulheres, sobrecarregando-as não só com as jornadas de trabalho remuneradas, mas também com as responsabilidades domésticas não remuneradas, que são tidas como parte da sua obrigação natural dentro de uma sociedade patriarcal.
Essa dupla jornada de trabalho não é uma simples escolha das mulheres, mas uma imposição da divisão sexual do trabalho. Ao longo dos séculos, as mulheres foram socialmente condicionadas a exercer papéis secundarizados dentro da família, sendo as principais responsáveis pelos cuidados com a casa, os filhos, os idosos etc.
O estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2015 revelou que a jornada total média das mulheres no Brasil era de 53,6 horas semanais, enquanto a dos homens era de 46,1 horas. A diferença de 7,5 horas semanais é um reflexo da sobrecarga da mulher trabalhadora, que acumula seu trabalho remunerado com as funções domésticas. A mulher, ao ser obrigada a desempenhar essas múltiplas funções, tem sua saúde física e mental comprometida, além de ver seu tempo e sua energia constantemente dilacerados entre o trabalho profissional e as tarefas de cuidado.
Para agravar ainda mais essa situação, a divisão sexual do trabalho não desvaloriza apenas o trabalho reprodutivo das mulheres, mas também seu trabalho social na esfera pública, onde as mulheres também são predominantemente alocadas em funções “de cuidados”, como o trabalho doméstico nas casas de terceiros, a enfermagem, entre outros. Na própria indústria têxtil, por exemplo, predomina o trabalho feminino simplesmente porque fazer roupas é considerado “coisa de mulher” - de cerca de 1,7 milhão de brasileiros empregados no setor têxtil, mais de 70% são mulheres. Some-se a isso a própria desvalorização dos salários femininos, que são sistematicamente menores que os dos homens, sendo para isso utilizadas todo tipo de desculpas machistas por partes dos empregadores, desde a suposta “inferioridade” da qualificação feminina até o fato de que as mulheres supostamente não poderiam se dedicar às empresas da mesma forma que os homens, justamente porque são responsabilizadas em seus lares com toda uma série de outros trabalhos, como levar os filhos ao médico, levar e buscar na escola etc.
A realidade das mulheres em situação de informalidade e pobreza
A situação da mulher trabalhadora no Brasil se agrava quando se considera o número crescente de mulheres que se veem forçadas a entrar no mercado de trabalho informal. A elevada informalidade laboral, característica de uma economia capitalista dependente, afeta de maneira ainda mais brutal as mulheres negras, indígenas e transsexuais.
Em muitos casos, as mulheres precisam se submeter ao trabalho precário, com baixos salários e sem direitos trabalhistas, como no caso das diaristas domésticas, das costureiras, das vendedoras ambulantes e de outras atividades informais. O trabalho informal coloca as mulheres em uma posição ainda mais vulnerável, na qual, além de suas atribuições domésticas, elas precisam lidar com as incertezas e inseguranças da informalidade, sem qualquer tipo de amparo jurídico ou previdenciário.
Para as mulheres negras, a sobrecarga é ainda mais intensificada. Elas enfrentam não só a divisão sexual do trabalho, mas também o racismo que as coloca em uma posição ainda mais subalternizada. No Brasil, a exploração da trabalhadora negra no mercado de trabalho informal é uma realidade cada vez mais visível. Dados do IBGE revelam que mulheres negras, em sua maioria, estão em trabalhos mais precários e com menor renda, uma vez que a sociedade capitalista impõe sobre elas uma exploração ainda maior, devido à combinação do machismo e do racismo.
O capitalismo, com sua lógica de maximização do lucro, não está estruturado para atender às necessidades das mulheres trabalhadoras. Nessa sociedade, a reprodução da vida humana sempre estará subordinada e desvalorizada em face da produção de mais-valor. A carência de serviços públicos que permitam à classe trabalhadora coletivizar e socializar as tarefas de cuidado, como creches, refeitórios e lavanderias, bem como a falta de condições de trabalho dignas e com salários justos expõe a incapacidade do modelo capitalista de assegurar a dignidade às mulheres trabalhadoras. A redução da jornada de trabalho e a implementação de direitos sociais que possam aliviar a sobrecarga das mulheres são questões fundamentais, mas que só podem ser conquistadas por meio da luta organizada da classe trabalhadora, pautada por uma perspectiva feminista marxista. Por isso mesmo, a luta pelo fim da escala 6x1, que emprega milhões de mulheres em todo país, é também uma luta por dignidade para as trabalhadoras.
O custo psicológico da divisão sexual do trabalho
As múltiplas jornadas de trabalho acarretam um alto custo para a saúde das mulheres trabalhadoras. O trabalho excessivo, combinado com a pressão por desempenhar múltiplos papéis dentro e fora de casa, gera um estresse crônico. A sobrecarga mental e emocional é um dos maiores impactos desse processo, pois as mulheres são constantemente pressionadas a manter o equilíbrio entre o trabalho remunerado e as tarefas domésticas. Este desgaste psicológico leva ao aumento de problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade e exaustão, que afetam diretamente a qualidade de vida das mulheres, criando um ciclo vicioso de desgaste físico e emocional.
Além disso, a violência contra a mulher também é exacerbada pelo contexto da divisão sexual do trabalho. A dependência econômica em relação aos parceiros e a inferiorização social das mulheres contribuem para o aumento da violência doméstica, que ainda é uma realidade cotidiana para milhões de mulheres brasileiras. Em 2023, o número de mulheres que sofreram algum tipo de violência doméstica foi de 258.941, o que representa um aumento de 9,8% em comparação com 2022, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Esse fator de opressão é um reflexo direto das condições desiguais em que as mulheres são colocadas na dinâmica capitalista, sendo tratadas como cidadãs de segunda classe. Desnecessário dizer que também esse quadro de violência sistemática contribui enormemente para o adoecimento psíquico das mulheres trabalhadoras.
A luta de classes e a exploração das mulheres no capitalismo
O trabalho reprodutivo, entendido como o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos e membros da família, constitui um eixo central da exploração das mulheres no capitalismo. A separação entre o trabalho produtivo (aquele que gera lucro para os capitalistas) e o trabalho reprodutivo (aquele que garante a continuidade da força de trabalho) é uma das formas mais evidentes da exploração feminina. Embora as mulheres tenham se inserido no mercado de trabalho, essa inserção se dá em posição ainda sim desvalorizada, e muitas continuam a carregar o peso das responsabilidades domésticas. Isso contribui diretamente para a sua marginalização nos espaços de decisão política e econômica, mesmo no interior dos movimentos populares. As mulheres são as responsáveis primárias pelo cuidado doméstico e pela educação dos filhos, o que se traduz em uma sobrecarga constante e uma obstrução à sua participação igualitária na esfera pública e no movimento social dos trabalhadores.
A luta das mulheres trabalhadoras deve ser fundamentada na análise de que as opressões de gênero, raça e sexualidade não são fenômenos isolados, mas estão intrinsecamente ligados à estrutura econômica capitalista. A luta contra o machismo, o racismo, a LGBTfobia e outras formas de opressão deve ser conduzida coletivamente pelos comunistas, dentro de uma perspectiva revolucionária. As opressões sexistas, racistas e capacitistas não devem ser vistas como casos individuais, mas como os produtos de uma estrutura social que precisa ser transformada por meio da revolução. É esse o verdadeiro caminho para a emancipação das mulheres e de todos os povos oprimidos.
A verdadeira emancipação da mulher no mundo do trabalho só ocorrerá quando esse sistema que explora as mulheres e as coloca em uma posição subalterna, tanto na esfera econômica quanto social, for rompido. Onde as mulheres não sejam vistas apenas como força de trabalho que deve ser explorada em todas as frentes, mas como sujeito ativo na construção de uma sociedade livre da opressão, como uma força de vanguarda da classe trabalhadora. Apenas em uma sociedade socialista será possível não apenas socializar cada vez mais os trabalhos reprodutivos, pondo fim à dupla jornada das trabalhadoras, mas também colocar o poder político nas mãos das massas trabalhadoras, incluídas aqui em pé de igualdade as mulheres. O 8 de Março deve ser, portanto, uma data de resistência e de luta das mulheres trabalhadoras de todo o mundo. E, no atual momento histórico, como parte da luta para aliviar o peso da dupla jornada que recai nos ombros das trabalhadoras, deve ser uma data destacada para a luta pela redução da jornada de trabalho!