1400 famílias protestam contra despejo em frente do Palácio do Setentrião no Macapá

Com o ato realizado no centro da cidade, os moradores do bairro reivindicam que o governo de Clécio Luiz Vilhena suspenda o pedido de reintegração de posse e o regularize por meio de nova Lei.

1400 famílias protestam contra despejo em frente do Palácio do Setentrião no Macapá

Por Redação

Mais de 1400 famílias realizaram um ato em frente do Palácio de Setentrião, sede do governo do estado fechando o trânsito na Avenida Fab, uma das principais avenidas da capital Macapá, na última terça-feira, 26 de março, após o governador do estado, Clécio Luís Vilhena, enviar de ordem de despejo aos moradores do bairro Parque Aeroportuário

A construção das moradias localizadas na zona norte da capital foi iniciada em 2019 e transformou-se em um bairro em 2021 após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) suspender a reintegração de posse das terras. O bairro, hoje, é formado por casas de alvenaria e centenas de barracos de madeira. Porém, foi abandonado pelo Poder Público, toda infraestrutura da comunidade foi construída pelos próprios moradores. Graças a essa organização das famílias os moradores, hoje, possuem energia elétrica, contudo, as ruas seguem sem asfaltamento.

Essas moradias foram construídas em terras devolutas, ou seja, terras que nunca pertenceram a um patrimônio particular mas que não têm destinação pelo poder público. As terras devolutas foram criadas pela Constituição de 1891 e são áreas remanescentes das sesmarias não colonizadas, transferidas ao Estado Brasileiro após a proclamação da república em 1889.

Ocupações desse tipo de terra são comuns no Amapá. Por serem terras abandonadas, sem função social ou destinação pelo Poder Público as famílias conseguem construir seus barracos e até casas de alvenaria nesses espaços sem sofrerem ameaças de despejos ou pedidos de reintegração de posse. Muitas dessas ocupações, após alguns anos, acabam tornando-se novos bairros populares no estado. Em 2020, por exemplo, 36 novos bairros foram criados em Macapá, aumento de 78% em relação a 2010, por meio de Lei.

Por isso, não é estranho que o Parque Aeroportuário, com mais de 6 anos de existência, tenha se transformado em um bairro nos últimos anos. O pedido de reintegração de posse da comunidade surgiu após as terras, que pertenciam à União, serem transferidas para o governo do estado do Amapá. Com o ato realizado no centro da cidade, os moradores do bairro reivindicam que o governo de Clécio Luiz Vilhena suspenda o pedido de reintegração de posse e o regularize por meio de nova Lei.

Não é a primeira vez que o governo do estado do Amapá ataca ocupações de terras: em outubro de 2023, a PM-AP invadiu, expulsou e ateou fogo ao Acampamento Zé Maria Albuquerque, organizado pela Frente Nacional de Lutas (FNL) que se localizava no entroncamento dos municípios de Macapá, Santana, Itaúbal, e Porto Grande. O Acampamento localizava-se em uma área retomada pelo estado em 2006, após a invasão ilegal da empresa latifundiária Amcel (Amapá Celulose), mas que não foi destinada à reforma agrária ou outra função social. Antes da construção do Acampamento, a área estava há mais de 15 anos abandonada.

A maior parte das terras do Amapá está sob alguma modalidade especial de proteção. Somando-se unidades de proteção e terras indígenas, o estado possui 9.981.538,62 hectares de áreas protegidas, correspondente a 69,89% de sua área total.

O estado também sofre com a constante invasão e apropriação irregular de terras públicas por grileiros. Em 2020, o ex-secretário de desenvolvimento rural do Amapá, Daniel Sebben, foi denunciado pelo Ministério Público Federal por comandar um esquema de grilagem de terras da União no estado. O ex-secretário, que também havia sido presidente da Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja), praticou uma série de fraudes documentais para regularizar a titulação de fazendas entre 2012 e 2019.

A expulsão de famílias das terras rurais do estado facilita a transformação dessas terras estatais em propriedades privadas para grandes latifundiários e grileiros. Já a reintegração de posse de terras localizadas nos centros urbanos, como é o caso do Parque Aeroportuário, busca atender às demandas das grandes construtoras do país e seu interesse lucrativo sobre essas áreas crescentemente valorizadas pela especulação imobiliária. De acordo com o censo de 2022, a população do estado do Amapá cresceu 9,6% e a de Macapá 11,23% desde 2010. porcentuais relativamente acima da média do Brasil cuja população total aumentou 6,5% nesse mesmo período.