Surto de dengue se torna epidemia em meio um sistema que preconiza o lucro sobre a saúde

O agronegócio predatório, a negligência do Estado com a infraestrutura urbana e a profunda desigualdade racial são os pilares que sustentam essa tragédia anunciada.

Surto de dengue se torna epidemia em meio um sistema que preconiza o lucro sobre a saúde
Embora o esforço individual e coletivo dos trabalhadores seja louvável na prevenção da doença para si e para outros, é importante reconhecer que a atual situação epidêmica não pode ser resolvida exclusivamente por meio dessas iniciativas.

Por Redação

O Brasil registra atualmente mais de 3 milhões de casos de dengue e mais de 1.600 mortes, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Nos quatro primeiros meses de 2024, o número de casos passou os dois primeiros meses de 2023, que registraram na época mais de 289 mil casos, resultando em 1.094 mortes no ano. 

Nesse cenário crescente dos casos, 154 municípios e 9 unidades federativas decretaram emergência, sendo elas: Acre, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Amapá e São Paulo.

Os casos fatais são principalmente de idosos que, apesar de serem apenas 11% dos infectados, por conta do enfraquecimento do sistema imunológico relacionado ao envelhecimento, chegam a atingir 50% dos mortos. Entre 2014 e 2024, foram registradas 9,5 milhões de infectados pela dengue entre pessoas de 0 a 59 anos, com 3.211 mortes no total. Já entre os idosos, o número de casos foi de 1,2 milhões, chegando ao total de óbitos de 3.299. [1] 

A taxa de incidência de 511 casos por 100 mil habitantes, de acordo com os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS), caracteriza o cenário do país como epidêmico, pois supera o limite de 300 casos por 100 mil habitantes estabelecido pela organização.

A explosão de casos de dengue no Brasil não é um fenômeno isolado, mas sim a triste consequência de um sistema socioeconômico e ambiental falho. O agronegócio, impulsionado pela ganância desenfreada das classes dominantes, devasta florestas em larga escala para o monocultivo de soja e criação de gado, intensificando o efeito estufa e contribuindo para o aumento das temperaturas. Essa devastação ambiental, somada à negligência do Estado com a infraestrutura urbana – especialmente em áreas periféricas onde residem majoritariamente a classe trabalhadora – cria um ambiente propício para a proliferação do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue e suas variações.

A falta de saneamento básico atinge 49 milhões de brasileiros, principalmente pretos e pardos que vivem em periferias desassistidas. Esgotos a céu aberto, ferros-velhos e cemitérios sem cuidados adequados transformam-se em criadouros ideais para o mosquito. A ausência de políticas públicas eficazes por parte do Estado agrava ainda mais a situação, condenando comunidades inteiras à exposição constante ao risco de contrair a doença.

Dados do Ministério da Saúde revelam que as mulheres pretas e pardas são as mais afetadas pela dengue, com o maior registro de casos prováveis. Essa disparidade racial expõe as profundas desigualdades sociais do país, onde a população negra e parda é historicamente marginalizada e privada de acesso a direitos básicos como saúde e saneamento.

Quais os sintomas da dengue e como evitá-las?

As manifestações dos primeiros sintomas da doença são febre alta que pode durar de dois até sete dias e dor de cabeça, no corpo e nas articulações, além de fraqueza e dor atrás dos olhos.

Apesar da recente incorporação da vacina da dengue no SUS, é importante abordar outras medidas preventivas, especialmente diante das limitações de sua disponibilidade no sistema público. Até recentemente, tanto a vacina da Takeda (Qdenga) quanto a vacina da Sanofi (Dengvaxia), estavam disponíveis apenas no setor privado. Após grande lobby da própria Takeda da compra de suas vacinas pelo SUS, uma quantidade limitada foi disponibilizada, priorizando regiões endêmicas e grupos específicos, como crianças de 10 a 14 anos, de 9 a 10 anos e adolescentes de 15 e 16 anos em municípios com grande estoque de doses até o final de abril [2]. É fundamental destacar a influência das farmacêuticas privadas nesse processo e a necessidade urgente de investimentos em produção nacional de vacinas, como as desenvolvidas no Instituto Butantan. 

Paralelamente à luta pela ampliação da vacinação no sistema público de saúde, é essencial adotar medidas coletivas para eliminar focos de reprodução do mosquito transmissor, como a remoção de água parada em recipientes como pneus e vasos de plantas. Ao encontrar recipientes com água parada e possíveis ovos do mosquito, é recomendado esvaziá-los sobre o solo para secar e destruir os ovos, contribuindo para a redução da proliferação do mosquito.

Embora o esforço individual e coletivo dos trabalhadores seja louvável na prevenção da doença para si e para outros, é importante reconhecer que a atual situação epidêmica não pode ser resolvida exclusivamente por meio dessas iniciativas. É crucial que haja uma pressão sistemática sobre o governo atual, liderado por Lula-Alckmin, seus ministros - especialmente a Ministra da Saúde, Nísia Trindade -, os governadores, os prefeitos e as empresas privadas responsáveis pela fabricação e distribuição das vacinas. O objetivo é garantir que as vacinas sejam desenvolvidas e disponibilizadas gratuitamente pelo SUS para todos os municípios do país, com prioridade para as faixas etárias mais vulneráveis.

Culpar indivíduos por não adotarem medidas preventivas, como o uso de repelentes ou a remoção de recipientes com água parada, é simplista diante da complexidade da situação e da necessidade de ações em nível sistêmico.

Perspectiva na luta contra a dengue

Em meio ao crescente número de casos e à emergência declarada em diversos municípios e estados, torna-se evidente que a luta contra a dengue vai além das ações individuais. Os números alarmantes refletem não apenas a propagação do vírus, mas também as desigualdades profundamente enraizadas em nossa sociedade.

A dengue não é apenas uma doença, mas um sintoma da falha do sistema capitalista. O agronegócio predatório, a negligência do Estado com a infraestrutura urbana e a profunda desigualdade racial são os pilares que sustentam essa tragédia anunciada. Combater a dengue exige mais do que campanhas de conscientização e ações pontuais do poder público: exige a construção de uma sociedade, sob hegemonia dos trabalhadores, no qual a vida humana e a preservação do meio ambiente sejam a prioridade, e não o lucro e a exploração inerentes ao nosso sistema.


Referências:

[1] Risco de morte por dengue é 8 vezes maior entre quem tem 60 anos ou mais; veja como se proteger - Estadão 

[2] Quem pode tomar a vacina da dengue? | Brasil | Valor Econômico