Trabalhadoras e trabalhadores exigem democratização do IBGE contra o plano privatista da Fundação IBGE+

A classe consegue barrar provisoriamente a implementação da Fundação IBGE+, mas a luta continua pela sua extinção, visando a soberania do órgão estatal.

Trabalhadoras e trabalhadores exigem democratização do IBGE contra o plano privatista da Fundação IBGE+
Manifestação dos trabalhadores do IBGE no dia 29 de janeiro de 2025, no Rio de Janeiro - Reprodução/Foto: Rayana Bartholo/ASSIBGE-SN

Por Redação

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vem passando por uma dura crise que, de acordo com os servidores e servidoras, é causada pela intransigência do atual presidente do instituto, Marcio Pochmann. Ele, que já foi presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Instituto Lula, está na direção do órgão desde agosto de 2023, por indicação do Partido dos Trabalhadores (PT), apoiado nominalmente pelo próprio Lula.

No início do ano passado, Pochmann se reuniu com o presidente para discutir a "modernização" do IBGE, propondo mudanças nos processos de coleta, produção, documentação e distribuição de dados com a justificativa inconsistente de garantir a soberania nacional na Era Digital, através da Fundação IBGE+. É mais do que claro que o IBGE+ surge num cenário de não comunicação com os trabalhadores e trabalhadoras do órgão. Diferente do que é passado por Pochmann, a Fundação IBGE+ tem como finalidade fortalecer o interesse público-privado.

A falta de autonomia do IBGE enquanto órgão estatal é vista, por exemplo, quando se passa a admitir novos trabalhadores como CLT, não mais como regime jurídico único. Para a classe, portanto, a democratização do IBGE é uma pauta mais que necessária e não restam dúvidas de que mudanças efetivas na estrutura de poder do IBGE, como para as demais instâncias públicas, só serão alcançadas pela mobilização dos trabalhadores. E foi assim que se deu no dia 29 de janeiro: com o ato em frente à sede do IBGE, no Rio de Janeiro, o processo de fundação do IBGE+ foi congelado. O IBGE, como resposta autoritária, chegou a questionar a ocupação dos trabalhadores no seu próprio espaço de trabalho, solicitando inclusive a retirada do nome IBGE da sigla do seu sindicato (ASSIBGE-SN).

Apesar da represália por parte da classe trabalhadora, que vivencia uma crise que, como consequência, dificulta a coleta de dados de pesquisa, Pochmann veio a público negar que haja risco de prejuízo no trabalho do instituto, assim como a interferência de interesses privados no IBGE+. Segundo ele, ainda existiria um equívoco ao pensar numa fundação pública de direito privado enquanto um passo para a indiscutível privatização, mas não justifica como isso não ocorreria. Por outro lado, Paulo Lindsay, servidor público federal há 4 décadas e dirigente da Executiva Nacional dos Servidores do IBGE, esclarece que a precarização do IBGE ocorre há mais tempo do que se imagina, com trabalhadores(as) temporários(as) sem carteira assinada, com salários abaixo do esperado para seus cargos, portanto, sem perspectiva de carreira; e assim continuará, se aprovada a Fundação do IBGE+, uma vez que a terceirização em massa ameaça assolar todo o Instituto.

Ainda de acordo com Lindsay, houve a espera por uma comunicação melhor entre as partes, por ver o governo atual como mais progressista. A partir desses diálogos, a Administração Pochmann fez uma síntese em documento entregue ao presidente Lula, porém, nesses debates que tiveram, nunca foi pautada a formação da Fundação IBGE+. Após a negativa em falar sobre, a Administração Pochmann parou de atender os trabalhadores.

Esse descaso foi percebido também no dia 04 de fevereiro, quando houve a primeira reunião deste ano entre a Executiva Nacional da ASSIBGE-SN e a direção do IBGE, anteriormente marcada para 29 de janeiro, uma vez que o presidente Marcio Pochmann não compareceu às reuniões anteriores com a entidade sindical.

O IBGE+ é uma fundação pública de direito privado pensada a portas fechadas, sem o diálogo necessário com a categoria de trabalhadores que compõem o órgão estatal. Em setembro do ano passado, o ASSIBGE-SN foi surpreendido por um comunicado de Pochmann, revelando que a restrição orçamentária provocada pelo arcabouço fiscal, projeto do ministro Fernando Haddad, foi responsável pela criação do IBGE+. Por sua vez, a fundação recebeu o aval do Ministério de Planejamento e Orçamento, capitaneado pela ministra Simone Nassar Tebet. A precarização e a mudança de caráter estrutural de um órgão estratégico do Estado está relacionado, intrinsecamente, ao projeto neoliberal do vigente governo. Já em outubro de 2024, em carta aberta, intitulada “Fundação de Direito Privado no IBGE coloca em risco políticas públicas”, o ASSIBGE-SN denunciou que os procedimentos para a criação da fundação já estavam ocorrendo há nove meses sem o seu conhecimento. No fim, esses trabalhadores só foram notificados após dois meses da fundação ter sido registrada em cartório!

De acordo com o estatuto apresentado por dirigentes do IBGE, em seu artigo 6°, o IBGE+ tem, entre alguns dos seus objetivos que promovem risco institucional, a possibilidade de “celebrar acordos, contratos e convênios em órgãos ou entidades públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras”. Na prática, a fundação atuará cedendo informações estatísticas e geocientíficas ao setor privado. Nesse sentido, a fundação, em primeiro momento, parece ser uma tentativa de escapar do teto de gastos e, assim, evitar a precarização de pesquisas desenvolvidas pelo Instituto.

No entanto, ao realizar esse movimento, abre-se os caminhos para que grupos milionários e bilionários, através de seu poder econômico, capturem informações valiosas do ponto de vista estratégico para a reprodução e ampliação de sua acumulação de capitais. Portanto, para além de se discutir a turbulência política vivida no país entre os anos de 2016 e 2022, com governos abertamente neoliberais, deve-se questionar a manutenção de políticas contra a soberania nacional no Governo Lula-Alckmin, que evidencia também o custo institucional das nomeações de cunho político.

Não por acaso, existe um interesse fervoroso pelos Institutos Nacionais de Estatística (INEs) nas discussões sobre governança e transparência. Afinal, são esses os órgãos cruciais para a coleta, análise e disseminação de dados que informam políticas públicas e decisões em diversas esferas da sociedade. Para o Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Funções Públicas Federais de Geografia e Estatística (ASSIBGE-SN) seria uma solução, portanto, como posto na edição de dezembro de 2024 de seu jornal, “[...] a criação de comitês e grupos de trabalho, onde demandas e novas metodologias são discutidas com outros atores sociais. Essa interação é fundamental para garantir que as estatísticas oficiais produzidas atendam às necessidades reais da população. O desenho das pesquisas e suas finalidades moldam diretamente o projeto tecnológico a ser utilizado. Além disso, a política de comunicação deve abranger toda a cadeia de produção, garantindo consistência e qualidade nas estatísticas, desde a definição e elaboração de materiais até o treinamento, execução, supervisão e divulgação”.

Por conta da irresponsabilidade da direção, os trabalhadores e trabalhadoras do órgão repudiam o IBGE+ enquanto um “IBGE paralelo”. Além das frequentes dificuldades de diálogo, que faz com que, de forma assídua, o sindicato defenda que tanto o presidente do IBGE quanto os superintendentes estaduais sejam escolhidos por meio de eleição direta. Para o ASSIBGE-SN, esse processo deveria ser acompanhado por um congresso institucional, cujo objetivo seria alinhar e fortalecer o plano de trabalho do Instituto. A eleição direta para a presidência do IBGE, com um mandato previamente estipulado, garante que o candidato seja avaliado diretamente pelos trabalhadores que movem a instituição. O sindicato frisa bastante, em seus textos e atos, que apenas com uma gestão com autonomia institucional transparente o IBGE poderá garantir à sociedade a produção de informações com excelência que, como brasileiros, temos direito ao acesso.

Diante disso, é evidente que a luta dos servidores do IBGE vai além das questões estruturais e logísticas que comprometem o funcionamento adequado da instituição. O ataque à credibilidade do Instituto por meio de informações distorcidas pela mídia neoliberal e a crescente precarização das condições de trabalho são reflexos de uma estratégia maior de enfraquecimento do serviço público, como visto em outros casos de privatizações orquestradas por governos anteriores, como o caso da Eletrobras por Bolsonaro.

A pressão pela revogação de medidas (o revogaço) e pela reforma administrativa é uma defesa pelos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, uma luta pela preservação da autonomia das instituições públicas e pelo compromisso com a transparência e a justiça social, que correm sérios riscos diante da lógica burguesa imposta também pelo atual governo. Afinal, com a força da classe trabalhadora, houve uma pausa momentânea no projeto, mas não significa que a luta acabou; Pochmann declarou que está buscando outro meio, junto ao Congresso Nacional, para continuar com a proposta.