STF garante tímido avanço em meio a ofensiva anti–trans e travestis
O Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento que garante exames, consultas e procedimentos independentemente do “sexo biológico” no Sistema Único de Saúde (SUS). A corte também decidiu pela inclusão do termo “parturiente” na declaração de nascimento, junto à categoria “mãe”.
Por Redação
O Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento que garante exames, consultas e procedimentos independentemente do “sexo biológico” no Sistema Único de Saúde (SUS). A corte também decidiu pela inclusão do termo “parturiente” na declaração de nascimento, junto à categoria “mãe”.
No caso da Declaração de Nascido Vivo (DNV), homens trans ou pessoas não binárias com útero que venham a parir filhos precisavam incluir seu nome no campo “mãe”, para garantir o registro adequado após o parto, gerando mais uma situação de constrangimento, num sistema de saúde que invisibiliza pessoas não-cisgêneras.
Já as mudanças no sistema de informação buscam reverter a atual limitação no acesso aos serviços de saúde oferecidos, que são determinados de acordo com o “sexo biológico”, o que restringe o acesso de pessoas trans e travestis a exames, atendimento e procedimentos. Estas alterações são resultado das históricas denúncias realizadas pela população LGBTI+ sobre o impedimento ao reconhecimento legal de sua existência, restringindo o acesso a serviços públicos sob justificativa de seus cadastros. Por exemplo: mulheres trans retificadas como mulheres na certidão de nascimento perdiam acesso a procedimentos específicos em urologistas, como para identificação e tratamento de câncer de próstata; ou homens trans que perdiam o acesso à coleta de papanicolaou em ginecologistas.
Esse julgamento foi provocado por uma ação de 2021, apresentada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), ainda no governo de Jair Bolsonaro.
Apesar da medida ser de grande importância no acesso ao SUS, ainda representa um avanço tímido, em meio a diversas demandas não acolhidas; dificuldades de implementação de políticas de garantia de direitos; e num momento político em que a direita se unifica em torno da pauta anti-trans.
Pequeno avanço em meio a retrocessos
Em junho deste ano, o mesmo STF rejeitou um recurso que garantiria segurança no uso de banheiros por pessoas trans e travestis. O processo, que foi encaminhado à corte já há 10 anos, teve votos favoráveis dos ministros Barroso e Fachin, mas sofreu pedido de vistas de Luiz Fux, que só devolveu o processo ao plenário depois de 8 anos. Na decisão final, optou-se por não debater o mérito do tema, sob alegação de não tratar de questão constitucional. Na prática, a decisão mantém a insegurança jurídica atual, em que pessoas são constrangidas ao usar os banheiros correspondentes à sua identidade de gênero.
Enquanto o STF optou pela omissão sobre a questão, o Legislativo mantém sua agenda anti-trans: em fevereiro deste ano, a Comissão de Direitos Humanos do Senado aprovou o projeto do pastor bolsonarista Magno Malta (PL) que proíbe o uso do banheiro baseado em identidade de gênero em escolas públicas e privadas. Este é mais um, entre dezenas de projetos de leis anti-trans que unem a direita tradicional e o bolsonarismo, a níveis federal, estadual e municipal.
Paralelamente, o governo Lula não só se mantém omisso sobre o tema – como no caso do programa de governo petista que não incluía nenhuma política específica para a população trans – mas também recua em medidas inclusivas, como foi a decisão de manter o campo “sexo” e distinção de nome social nos novos documentos de identidade, como noticiado por esta redação em janeiro deste ano.
A terceirização da pauta LGBTI+ ao ambiente institucional tem se mostrado incapaz de garantir avanços significativos ou sequer de barrar os retrocessos, enquanto a pauta – principalmente tratando da ofensiva anti-trans e travesti – tem se mostrado o ponto de coesão da extrema-direita internacional. A institucionalização ocorre ao mesmo tempo em que espaços que já foram de resistência – como para Parada LGBTI+ – são cada vez mais tomados por patrocinadores, perdendo seu caráter de protesto.
As Resoluções do XVII Congresso do PCBR apontam que “O crescimento na representação dentro do Estado de pessoas LGBTI+, inclusive com a recente fundação da Secretaria de Defesa dos Direitos LGBTI+ pelo governo Lula, não tem se traduzido em avanços nas demandas concretas para a vida das pessoas que tem sua identidade atravessada pela violência LGBTI+fóbica”.
Essas mesmas Resoluções apontam para a necessidade de “denunciar o oportunismo de Estados, empresas e grupos políticos que, a partir de um apoio simbólico à população LGBTI+, acobertam suas políticas liberais e discriminatórias, contribuindo, ao final, para a maior exploração destas pessoas. É importante, ainda, denunciar o ataque sistemático que as LGBTI+s têm sofrido pelas vias institucionais, capitaneado pela direita organizada no parlamento e fora dele. É necessário organizar a população LGBTI+ para combater, inclusive pelas vias físicas, a violência LGBTI+fóbica funcional ao modo de produção capitalista”.