Sobre as enormes mobilizações pela Palestina na Itália
Grandes mobilizações operárias e populares tomam a Itália em solidariedade à Palestina, denunciando a cumplicidade do governo Meloni e os interesses imperialistas dos EUA, UE e monopólios italianos.

Por Frente Comunista (FC) | Frente da Juventude Comunista (FGC)
Boletim Internacional: outubro de 2025
Introdução
Nas últimas semanas, a Itália tem sido tomada por grandes mobilizações operárias e populares em solidariedade ao povo palestino, que têm como alvo o governo Meloni, suas responsabilidades e cumplicidade no genocídio cometido por Israel na Faixa de Gaza, assim como os planos imperialistas dos EUA-UE-OTAN apoiados pelos monopólios italianos.
Nesse contexto, ocorreram dois grandes dias de greve geral – em 22 de setembro e 3 de outubro — com centenas de manifestações em todo o país, além de um ato nacional em 4 de outubro, que reuniu mais de um milhão de pessoas marchando na capital italiana. Durante o ato, milhares de manifestantes formaram um grande bloco comunista organizado pela Frente Comunista (FC) e pela Frente da Juventude Comunista (FGC), mostrando que a tradição comunista e de luta da classe trabalhadora continua profundamente enraizada e ainda é capaz de mobilizar grandes massas.

Até hoje, a mobilização continua, com novas manifestações ocorrendo em 8 de outubro em várias cidades, e um grande protesto realizado durante o jogo de futebol entre Itália e Israel, na cidade de Údine.
Cumplicidade do Governo Meloni no genocídio em Gaza
Desde outubro de 2023, o governo italiano tem se destacado como um dos mais fortemente alinhados com Israel e com o governo de Netanyahu, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. As razões para essa postura residem não apenas nas alianças políticas e diplomáticas do capital italiano, mas também em seus interesses econômicos imediatos e lucrativos.
A Itália é o terceiro maior fornecedor de armas para Israel, depois dos EUA e da Alemanha, com aproximadamente 6 milhões de euros em exportações de armas por ano em 2023 e 2024. Em outubro de 2023, o monopólio italiano ENI obteve de Israel uma licença para explorar campos de gás nas águas em frente à Faixa de Gaza.

Não é, portanto, coincidência que, até hoje, a Itália seja um dos poucos países do mundo que nem sequer reconhece formalmente o Estado da Palestina, e que o governo italiano tenha votado contra todas as principais resoluções da ONU que pediam um cessar-fogo em Gaza, sustentando o chamado “direito de Israel à autodefesa” e a narrativa da “guerra ao terrorismo”.
Papel central dos sindicatos e da classe trabalhadora na mobilização popular
Um aspecto central é que esse ciclo de mobilizações se originou da iniciativa, das diretrizes e das datas de mobilização decididas por sindicatos combativos e setores militantes da classe trabalhadora, no contexto da atenção da mídia gerada pela Flotilha Global Sumud e – em muito menor medida – pela Freedom Flotilla (na qual também participou um membro do Comitê Central da Frente da Juventude Comunista). Enfatizamos que, no contexto italiano de relativa fraqueza do movimento trabalhista e sindical, esse resultado de modo algum era garantido.
No começo de setembro, o Coletivo Autônomo dos Trabalhadores do Porto (CALP) da cidade de Gênova, filiado ao sindicato USB (Unione Sindacale di Base), lançou o lema “VAMOS PARAR TUDO” numa assembleia nacional, com o objetivo de iniciar um ciclo de greves e mobilizações em apoio à Flotilha Global Sumud: “Se eles pararem a flotilha, se impedirem que a ajuda chegue à população palestina ou, ainda pior, se atacarem as tripulações e ativistas nos barcos, tudo deve parar. Devemos bloquear o comércio com Israel, fechar os portos, entrar em greve e romper o cerco”.
A USB, um sindicato menor, mas altamente combativo, convocou uma greve geral em 22 de setembro, que foi aderida por outros sindicatos. Enquanto isso, outra greve geral já havia sido convocada para 3 de outubro por outro sindicato, o Si Cobas, firmemente enraizado na indústria logística. As cinco organizações palestinas na Itália também já haviam convocado uma marcha nacional em Roma para 4 de outubro.

A greve de 22 de setembro teve grande participação de trabalhadores. Naquele dia, ocorreram mais de 90 manifestações por toda a Itália.
Em 1º de outubro, o ato de pirataria de Israel contra a Flotilha Global Sumud em águas internacionais e a prisão de suas tripulações provocaram a reação imediata de dezenas de milhares de pessoas, com manifestações espontâneas em dezenas de cidades no fim da noite e ao longo da madrugada. A mobilização foi permanente nos três dias seguintes, com manifestações diárias.
Nesse contexto, o CGIL (maior sindicato italiano, historicamente ligado ao Partido Comunista Italiano e, hoje, à social-democracia) e a USB convocaram conjuntamente uma greve geral para 3 de outubro, com aviso muito curto, invocando os regulamentos de greve de emergência, argumentando que a cumplicidade do governo no genocídio em Gaza, que violava os valores da Constituição italiana, representava uma séria ameaça constitucional.
Também nesse dia, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em dezenas de manifestações por toda a Itália.
Como os comunistas enfatizaram durante seus discursos nas manifestações: “Esta greve envia uma mensagem muito forte e demonstra o poder que a classe trabalhadora pode ter. Se o governo de Meloni não quiser cessar sua cumplicidade no genocídio, se não cortar relações políticas, econômicas, comerciais e diplomáticas com o Estado de Israel, então o embargo a Israel será imposto por nós, pelos trabalhadores, pelos estivadores que pararem os cargueiros com destino a Israel, pelos trabalhadores da indústria de armamentos que pararem a produção, pelos trabalhadores da logística que pararem as mercadorias e atingirem o bolso daqueles que, também na Itália, lucram com o genocídio. Podemos atingir aqueles que babam ao pensar na reconstrução de Gaza, ao pensar em contratos, ao pensar em como ganhar dinheiro com o genocídio do povo palestino.”
Os atos nacionais de 4 de outubro em Roma
Na esteira desses protestos, a manifestação nacional convocada conjuntamente em 4 de outubro pelas organizações palestinas contou com a adesão da maioria dos sindicatos, mas, sobretudo, de amplos setores das massas populares. As estimativas de participação na marcha – que percorreu um trajeto de 4 quilômetros, da Piazza di Porta S. Paolo até a Piazza S. Giovanni – variam entre 1 e 1,5 milhão de pessoas.

FC e FGC organizaram um grande bloco comunista sob o lema “VAMOS EXPULSAR O GOVERNO CÚMPLICE DO GENOCÍDIO”, que atingiu um tamanho expressivo, demonstrando a força e a vitalidade dos comunistas aos olhos de milhares de pessoas, energizando a marcha com palavras de ordem combativas contra o governo, contra o imperialismo e contra os planos EUA-EU-OTAN ativamente apoiados pelos capitalistas italianos, e em apoio à luta pela libertação da Palestina.
Membros do Bureau Político do Fronte Comunista e da Secretaria Nacional da FGC discursaram no palco principal da marcha diante de milhares de pessoas.
O caminhão da ala comunista foi um dos principais pontos de atração durante toda a marcha e na praça onde ela terminou. Somente nos dias 3 e 4 de outubro, nossas organizações receberam centenas de novos pedidos de filiação.
A conduta do governo italiano e da mídia
O governo italiano manteve uma postura ferozmente agressiva em relação às greves e mobilizações, apoiado pelos principais meios de comunicação.
A primeira-ministra italiana Giorgia Meloni, assim como o Ministro dos Transportes Matteo Salvini e o Ministro das Relações Exteriores Antonio Tajani, emitiram declarações abertamente hostis, afirmando que as manifestações promoviam um “clima de ódio contra o governo” e “minavam o trabalho da Itália pela paz”. Giorgia Meloni declarou em uma entrevista que os trabalhadores aderiram à greve apenas para aproveitar um “feriadão”. A autoridade reguladora do Estado declarou a greve de 3 de outubro “ilegítima”. O Estado italiano não prestou assistência aos cidadãos italianos que faziam parte da Flotilha Global Sumud e foram presos em Israel, alguns dos quais relataram tratamento degradante e tortura.
Enquanto isso, a mídia controlada pelo governo buscou ocultar ou desviar a atenção da participação massiva nas mobilizações, apoiando as posições do governo e construindo uma narrativa de um crescente “clima de violência”, centrada em incidentes irrelevantes ocorridos em algumas cidades.
Nos dias seguintes a 4 de outubro, o Senado italiano agendou um debate sobre um projeto de lei “contra o antissemitismo”, cujo objetivo claro é criminalizar artificialmente a mobilização em apoio à Palestina como ódio aos judeus.
A linha política do movimento de massas e as tarefas dos comunistas
Em nossa visão, hoje a principal limitação deste movimento reside na ausência de uma linha política claramente delimitada e identificável. Este ciclo de mobilizações e a ampla participação espontânea das massas surgiram fora do chamado “campo amplo” da social-democracia italiana, que hoje consiste em uma aliança entre o Partido Democrático (PD), o Movimento Cinco Estrelas (M5S) e a Aliança Verde-Esquerda (AVS).
Nos últimos meses, essas forças políticas burguesas tentaram se apresentar como “a favor da paz” e como “amigas” do povo palestino, puramente por razões eleitorais e propagandísticas, em aberta contradição com sua conduta real e suas posições concretas. Até hoje, elas ainda são incapazes de se apresentar como a referência de linha política para o movimento de solidariedade com a Palestina.
No entanto, estamos plenamente conscientes de que a ausência de uma força política majoritária da esquerda operária reconhecida nacionalmente deixa o campo exposto, e que, se essa situação não mudar, o único desfecho possível para uma grande mobilização espontânea é ser absorvida pelo sistema político burguês.
Há anos, na Itália, existem discussões e tentativas de construir uma força política “de esquerda”. Nos últimos dias, novas considerações foram propostas de diferentes setores sobre como dar “representação política” a esse grande movimento espontâneo.

Nesse contexto, o FC e a FGC vêm se engajando há anos em uma dura luta político-ideológica contra setores da esquerda oportunista, por exemplo, aqueles afiliados ao Partido da Esquerda Europeia. À luz da grande mobilização das últimas semanas, estamos relançando a perspectiva de construir “um partido comunista moderno, sério e consistente na Itália, capaz de enfrentar os desafios do século XXI.”
Tal partido é uma realização essencial e um objetivo indispensável, para dar consciência e organização às massas e para reabrir a perspectiva da luta dos trabalhadores pelo poder político, pelo socialismo.