Representantes do agronegócio querem censurar materiais escolares

Na tentativa de esconder os crimes socioambientais do agronegócio, a organização “De Olho no Material”, financiada por empresas do setor, estreita relações com governos, parlamentares e universidades para promover mentiras em material escolar e influenciar o Plano Nacional de Educação (PNE).

Representantes do agronegócio querem censurar materiais escolares
Foto: reprodução redes sociais.

Por Redação

A DONME (De Olho no Material), anteriormente conhecida como "Mães do Agro", realizou, nos últimos três anos, reuniões com as secretarias de Educação, de Agricultura e com lideranças do Congresso Nacional. Além disso, firmou parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e a Somos Educação (proprietária das marcas Anglo, Ática e Saraiva)  com o objetivo de avançar sua agenda ideológica pró-agronegócio nas escolas, retirando dos livros didáticos os crimes cometidos pelo setor: o trabalho escravo e análogo à escravidão, os agrotóxicos na comida brasileira e a destruição ambiental.

A rapidez da DONME em avançar suas pautas não vem do nada: a associação é financiada por um grupo de 70 empresas nunca divulgadas oficialmente, mas um estudo feito por Andressa Pellanda (USP) e Marcele Frossard (UERJ)  mostram que neste grupo estão a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), que representa companhias como JBS, Cargill, Itaú BBA, Cosan e Croplife Brasil, representante das maiores fabricantes de agrotóxicos do mundo, antes presidida por Christian Lohbauer até assumir como vice-presidente da DONME, junto à fundadora  Leticia Jacintho e sua sogra, Helen Jacintho – membro do Conselho Superior do Agronegócio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Vinda de uma família de empresários e fazendeiros que dominam a pecuária e a cana-de-açúcar no Brasil, Letícia Jacintho iniciou sua defesa pública pela limpeza da imagem do agronegócio em 2018, quando criticou a escola Anglo de Barretos (SP) por citar, em seu material, a expulsão violenta dos povos indígenas, provocada pela expansão das fazendas de cana-de-açúcar oriundas do colonialismo. Em carta, a latifundiária defende um “contraponto” às denúncias de violência em seu setor de lucro:

“As crianças são incentivadas a manifestar piedade aos índios [...] São estimuladas a se colocar na posição de uma família indígena que teve suas terras retiradas para plantação de cana, no entanto, nenhum contraponto é oferecido pelo material ou escola”.

Os ataques de Jacintho e da DONME não se restringem à resistência e memória dos povos indígenas, ela também escancara seu lado na luta contra a escravidão. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), dos 2.663 trabalhadores resgatados de trabalho escravo em 2023 pelo Estado, 618 estavam no setor da plantação de cana-de-açúcar (1° da lista) e 156 no setor da pecuária (4° da lista).

Ainda de acordo com o relatório da CPT, os estados de atuação da família Jacintho estão entre os 4 estados com maior número de casos, sendo Goiás o 1° da lista (699) e São Paulo o 4° (243).

Na questão ambiental, os dados mostram ainda mais divergência entre a DONME e a realidade. As pastagens tiveram um crescimento de 363% na Amazônia entre 1985 e 2023, o que indica um aumento no desmatamento de 12,7 milhões de hectares para 59 milhões de hectares, além de 28% de perda da área de vegetação nativa.

Em “contraponto” a isso, as áreas mais preservadas do Brasil são as Terras Indígenas (TIs) que cobrem 13% do território nacional e perderam menos de 1% de sua área de vegetação nativa.

Segundo Lohbauer, é mentira que os agrotóxicos estão na alimentação brasileira, mas dados levantados pela ONU para Alimentação e Agricultura (FAO) colocam o Brasil como líder no consumo absoluto de pesticidas, com 800 mil toneladas aplicadas em 2022, tendo um aumento de 75% em 6 anos e sendo o dobro da quantidade aplicada pelos Estados Unidos (2° colocado com pouco mais de 400 mil toneladas).

Os tóxicos utilizados pela indústria do agro se colocam, também, como um problema para o futuro. Segundo Wanderlei Pignati, professor da pós-graduação de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso, há incidência de câncer infantojuvenil de três a quatro vezes maior do que a média brasileira nas regiões mato-grossenses produtoras de soja que mais utilizam agrotóxicos no país.

Gráfico por Repórter Brasil

O financiamento da DONME para esconder os prejuízos causados pelo agronegócio já é uma tática antiga dessa indústria que há décadas cria entidades com o propósito de limpar sua imagem para ter mais espaço na economia brasileira sem gerar revolta.

Com a atuação de entidades como DONME e CCAS (Conselho Científico Agro Sustentável) em uma articulação pró-agronegócio, os lares brasileiros que buscam uma educação libertadora e lutam por uma alimentação saudável e plena estão ameaçados também por todo o lobby empresarial e midiático burguês.

Grupos como a Rede Globo, através de sua campanha intensamente divulgada “Agro é Pop, Agro é Tech, Agro é tudo”, recebe investimento direto da JBS, maior empresa de carnes do mundo, e da Ford, indústria automotiva com produtos direcionados à agropecuária.

Este ecossistema não abrange apenas grandes empresas em seus setores, mas representantes políticos no Legislativo e Judiciário, tendo no Brasil sua própria bancada – Bancada do Agro – que trava uma guerra direta contra uma alimentação saudável, a agricultura familiar, a educação e os povos indígenas.