'Qual será o fim dos Comitês Regionais?' (Doni)

Os CRs eleitos nas etapas regionais não manterão suas atribuições político-organizativas-financeiras, deverão ter a única atribuição de organizar os CLs e UCLs em conjunto com outros CRs, se necessário nas fronteiras interestaduais, p. ex., para ao fim desse processo deixarem de existir.

'Qual será o fim dos Comitês Regionais?' (Doni)
"Pode-se dizer que não tínhamos Comitês Regionais, mas pequenos Comitês Centrais, interpretando e formulando de forma unitária essas várias diferenças sem levá-las em conta, extrapolando em muito seu papel originariamente “intermediário”."

Por Doni para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

1. Introdução

Camaradas, em minha última tribuna [1] apontei a reflexão das desigualdades regionais brasileiras (inerentes ao capitalismo) em nosso programa político, na composição de nossas direções e na divisão de tarefas em nossa organização. Trata-se do federalismo, definido pelo camarada Euclides [2] como “a repetição automática das desigualdades regionais, da concentração local e das disputas das localidades entre si e contra o poder central”.

Gostaria de retomar e aprofundar o tema a partir da seguinte provocação: qual será o fim dos Comitês Regionais?

Embora as pré-teses tenham incorporado uma proposta de extinção dos Comitês Regionais e de criação de Comitês Locais e Uniões de Comitês Locais, os documentos são contraditórios ao tratar da questão, pois ao mesmo tempo que o regimento (art. 17, §2º) define que nas etapas regionais serão eleitos Comitês Regionais, o Estatuto, por sua vez, não estabelece o que é Comitê Regional, suas atribuições, áreas de abrangência, etc.

Por outro lado, o mesmo Estatuto traz essas mesmas definições para os Comitês Nacional e Local, ou seja, o silêncio deixa implícito que os CRs não mais existirão. Entretanto, é necessário tratarmos dessa questão de forma explícita, deixando claro qual será o futuro dos CRs (se é que haverá futuro) e como será a transição de uma forma organizativa para outra.

2. Como tem sido a dinâmica dos Comitês Regionais até aqui?

As resoluções de organização do PCB [3] definem assim os Comitês Regionais:

“38. A competência principal dos comitês intermediários é fazer a ligação do Comitê Central com as células, criá-las, organizá-las, assisti-las, aplicando rigorosamente a linha política nacional do Partido, levando em conta as especificidades regionais. Os Comitês Regionais devem levar em consideração, na sua composição, não apenas o retrato presente de sua militância partidária, com atuação nas células, coletivos, em lutas e movimentos, como também o planejamento de construção e crescimento partidário, compreendendo por isso plano de trabalho, categorias e regiões de atuação. Os Comitês Regionais devem ser proporcionais ao tamanho real e inserção do Partido na luta política regional. Poderão ser criados de maneira opcional pelos Comitês Regionais (e com autorização do CC) os Comitês Macrorregionais, para dirigir e organizar as células e Comitês Municipais numa determinada região dentro dos estados. Os Comitês Macrorregionais deverão ter assistência dos Comitês Regionais.”

O Estatuto, por sua vez, é bastante genérico na distribuição de atribuições nas diferentes esferas (federal, estadual/regional e municipal), basicamente declarando que as diferenças entre elas é a abrangência geográfica. Sabemos que a realidade não poderia ser mais distante disso, por várias razões.

Na prática, formou-se, na maioria dos Estados, feudos controlados por poucos indivíduos, pertencentes ou ligados ao Comitê Central (que pouco dava assistência e/ou era conivente com esse movimento), geralmente concentrados nas capitais desses Estados – quando não subdivididos em regiões menores, caso de São Paulo – e que hegemonizavam a “construção política” e a atuação prática das mais diferentes realidades a partir da sua própria.

Não podemos esquecer que esse fenômeno também ocorreu na formação do Comitê Central pós-XVI Congresso, que, como bem coloca o camarada Euclides, era dominado por militantes do sudeste, enquanto a maioria dos Estados foi sub-representado.

Em consequência, tanto o programa político do partido refletiu uma centralização local em detrimento da nacional, sendo bastante vago ao tratar do desenvolvimento do agronegócio no país e de sua relação destrutiva para com regiões fora do eixo sul-sudeste, p. ex., quanto esse programa foi seletivamente aplicado em cada um desses feudos, que o interpretavam e atuavam a partir de critérios próprios.

Às células restou, principalmente, um afastamento de todas as discussões políticas e o cumprimento de tarefas que frequentemente sequer dialogavam com sua realidade local.

A construção de baixo pra cima foi substituída pela destruição de cima pra baixo, assegurada pelo controle dos CRs por “figurões” e seus favoritos e pela perseguição de quem ousou questionar a ausência de crítica e autocrítica sobre esses mesmos problemas. Hoje já sabemos de situações dessa natureza na Bahia, em Minas Gerais e em São Paulo (dentre outras) que resultaram na quebra de militantes, em problemas de saúde física e mental, em afastamentos e até saídas do Partido, sem contar na reprodução do racismo, da misoginia e da LGBTfobia sempre associada a essas perseguições.

Em linhas gerais, esse é o saldo da utilização de Comitês Regionais, que até agora carregamos e reproduzimos (não sem críticas) e que continua a cobrar seu preço de nosses militantes.

3. Qual é a crítica fundamental a essa forma organizativa?

Bem, camaradas, frequentemente apontamos o PCB como dominado por uma fração academicista, geralmente oriunda do sudeste do país, que a partir de sua realidade de vida confortável rebaixa os princípios da política comunista e abre mão da luta pela hegemonia proletária, atuando a reboque de movimentos “democráticos” e desistindo de demarcar nossa posição de classe a fim de não questionar supostos aliados políticos.

Faço dois apontamentos a essa realidade, o primeiro é de que essa hegemonia academicista não era meramente um reflexo do número de membros academicistas no Comitê Central, pois é bastante óbvio que não é o número, mas o grau de organização e coesão de um grupo que determina sua capacidade de determinar e moldar a atuação e as reflexões teóricas de outros grupos.

O segundo é que não farei uma crítica moralista do academicismo pequeno-burguês, pois o problema não é essas pessoas possuírem condições de vida mais dignas do que a maioria absoluta do proletariado e da classe trabalhadora, mas a assunção de uma posição pequeno-burguesa de interpretação da realidade que foi transposta ao próprio Partido, que então abdica de seu caráter de classe para se tornar um apêndice da burguesia, receoso de abrir mão de benesses sociais, econômicas e partidárias.

Dessa forma, sem negar que somos ainda muito pequeno-burgueses, o mais importante é que vejamos o mundo, pensemos e ajamos como uma classe proletária coesa e organizada, decidida a enfrentar e destruir todas as classes sociais, incluindo a nossa, na construção de um ser humano universal.

Afinal de contas, se adotamos a compreensão marxista de classes sociais, entendemos que a diferença entre proletariado e pequena-burguesia não é apenas quantitativa, não é meramente uma diferença salarial, pois tem consequências diretas na construção de sua consciência e pode motivar a coragem de lutar por dignidade do proletariado ou o medo de perder sua condição de pequeno proprietário da pequena-burguesia.

Assim, compreendo que a lógica dos Comitês Regionais é incompatível com o avanço da consciência de classe proletária e precisa ser imediatamente superada.

Dizer que “o método marxista não apreende a unidade sem as diferenças – nem as diferenças sem a unidade” [4] significa defender a construção de um programa político nacional (e internacional) que parta de uma interpretação da totalidade que é a nossa formação econômico-social em todos seus níveis.

Nesse sentido, a existência de Comitês Regionais, abarcando uma miríade de pequenas subdivisões econômico-sociais diferentes entre si em apenas um balaio, sem propor-se ou ser capaz de apreender a unidade nas diferenças, constitui ao contrário um falso universal, ideológico, que abafa politicamente essas diferenças e deságua organizativamente no mandonismo, no tarefismo, nas opressões e nas quebras de militantes.

Pode-se dizer que não tínhamos Comitês Regionais, mas pequenos Comitês Centrais, interpretando e formulando de forma unitária essas várias diferenças sem levá-las em conta, extrapolando em muito seu papel originariamente “intermediário”.

Por outro lado, a constituição dos Comitês Locais permitirá simultaneamente a construção de um programa que interprete o Brasil fora de marcos burgueses de organização e a nossa atuação direcionada para contextos sociais, econômicos e políticos específicos levando sempre em conta suas particularidades e suas relações com a unidade de nossa formação econômico-social.

4. O que fazer?

Logo, camaradas, além da questão de como organizar o Partido, que a meu ver é pelo estabelecimento de Comitês Locais e Uniões de Comitês Locais, precisamos pensar em como se dará essa transição (que inevitavelmente se fará em ritmos diferentes nos diferentes locais) e definir qual será o papel dos Comitês Regionais nesse processo.

Não podemos nos esquecer que nosso atual Congresso está sendo organizado ainda sob a lógica de Estados/Regiões, apesar de haver um movimento em direção à adoção dos Comitês Locais e de suas Uniões. Em razão disso, seria absurdo abrir mão de todo esse esforço para redesenhar o Congresso a partir dos Comitês Locais, que não estão (nem poderiam estar) completamente funcionais atualmente.

Logo, em razão dos próprios argumentos que apresentei acerca das distorções políticas oriundas da existência dos CRs, entendo que seu papel, após as etapas regionais, deve ser exclusivamente de transição para os CLs e UCLs. Isso quer dizer que os CRs eleitos nas etapas regionais NÃO manterão suas atribuições político-organizativas-financeiras, deverão ter a única atribuição de organizar os CLs e UCLs em conjunto com outros CRs, se necessário nas fronteiras interestaduais, p. ex., para ao fim desse processo deixarem de existir.

Evidentemente, isso precisa estar de forma clara nas pré-teses, de modo que proponho as seguintes alterações para deixa-las em consonância com o que apresentei:

1ª alteração: inclusão do parágrafo segundo no art. 17 do Regimento Congressual:

Regimento do XVII Congresso (Extraordinário) do Partido Comunista
Brasileiro – Reconstrução Revolucionária

Art. 17 As etapas regionais serão organizadas conforme Portaria própria.

§1º As etapas regionais deverão eleger as delegações para a etapa nacional;

§2º As etapas regionais só elegerão Comitês Regionais se as antigas áreas de abrangência destes ainda não estiverem completamente organizadas em Comitês Locais e Uniões de Comitês Locais;

§3º As etapas regionais devem contar com a presença da assistência do Comitê Nacional Provisório, que se responsabilizará pelos gastos da assistência para deslocamento e hospedagem.

2ª alteração: inclusão do Art. 7º no Estatuto partidário:

Estatuto do Partido Comunista Brasileiro – Reconstrução Revolucionária

Art. 7º Os Comitês Regionais são organismos cuja única atribuição é auxiliar na constituição de Comitês Locais e Uniões de Comitês Locais em sua área de abrangência onde isso não tiver sido feito até o presente momento, para concluir a transição para nossa nova forma organizativa. Uma vez que isso for feito, serão extintos;

Por fim, camaradas, não me proponho a exaurir o debate, mas apresento minha proposta de solução para a questão ao mesmo tempo em que chamo todes militantes para pensar e formular sobre essa questão, isso é, sobre a substituição, ou não, de CRs por CLs e UCLs e, em caso positivo, sobre como será esse momento de transição.


Referências:

[1] 'Afinal de contas, o que é paridade?' (Doni), acesso em https://emdefesadocomunismo.com.br/afinal-de-contas-o-que-e-paridade/;

[2] 'O que é o federalismo e como se expressa entre os comunistas' (Euclides Vasconcelos), acesso em https://emdefesadocomunismo.com.br/o-que-e-o-federalismo-e-como-se-expressa-entre-os-comunistas-euclides-vasconcelos;

[3] Acesso em https://pcb.org.br/portal2/28466;

[4] LEFEBVRE, Henri, O Pensamento de Lênin, 1ª Edição, editora Lavrapalavra, p. 194;