Primeiras conclusões dos acampamentos pela Palestina e uma proposta para o movimento estudantil

As formas organizativas do movimento estudantil devem ser funcionais aos seus objetivos políticos: isto é, a transformação radical do sistema de educação como parte inseparável da transformação social; portanto, só é possível através da participação geral e democrática de todos os trabalhadores.

Primeiras conclusões dos acampamentos pela Palestina e uma proposta para o movimento estudantil

Resolução do Comitê Executivo Geral da Frente de Estudantes; Espanha, 23 de Maio de 2024.

No dia 29 de abril, os estudantes da Universidade de Valência, seguindo os passos dos estudantes dos Estados Unidos e de outros países europeus e de todo o mundo, acamparam na universidade. Seguiram-se os estudantes da Universidade de Barcelona, de todas as universidades públicas de Madrid, de Granada, Sevilha, Saragoça, Santiago, etc... Em um movimento estudantil de origem internacional, mas ao mesmo tempo capaz de especificar suas demandas ao nosso escopo particular de ação. Denunciamos o genocídio na Palestina, ligando-o ao sistema imperialista mundial e, portanto, pudemos apontar a inter-relação dos nossos governos e alianças correspondentes, bem como das universidades, com o genocídio. Mas também com o conjunto de formas de violência que sofremos enquanto estudantes. A luta contra o Estado colonial de Israel, a solidariedade internacionalista com os povos oprimidos do mundo que nos move, é parte indissolúvel e fundamental de toda a luta geral que desenvolvemos como estudantes.

Durante estes mais de vinte dias, o corpo de estudantes definiu e desenvolveu as nossas próprias reivindicações, decidiu coletivamente o nosso roteiro e a sua implementação em ações e protestos, bem como organizou coletivamente as nossas forças para sustentar os acampamentos e as diferentes formas de protesto até a conclusão de nossas exigências. Vimos como em cada universidade, todas as noites, chegavam mais estudantes. E como, na maioria dos lugares, as assembleias se configuraram como um espaço democrático, conjuntural e de endosso coletivo do corpo estudantil sobre o futuro da nossa luta. Uma nova geração de estudantes militantes aprende o exercício democrático através da nossa prática e tira conclusões para o desenvolvimento do movimento estudantil e o aperfeiçoamento das suas formas.

Os militantes da Frente Estudantil estiveram presentes em todos os acampamentos do território nacional, desempenhando um papel dinamizador no movimento, podendo promovê-los onde a explosão inicial não chegou. E o fizemos, além disso, com uma proposta de ação que daria orientação geral e significado estratégico à referida explosão. Coerência de princípios, unidade e definição precisa dos canais de participação democrática do corpo discente para que esta fosse uma luta que implicasse vitórias: sindicais, bem como fortalecimento político e organizativo de uma geração que tem a tarefa de reconstruir o movimento estudantil tendo aprendido com seus erros passados. Pelo que, além disso, temos uma posição de vantagem em relação a momentos anteriores da nossa história; porque as ferramentas para isso estão hoje mais preparadas.

Embora não tenham faltado tentativas de instrumentalização, todo o movimento conseguiu articular-se sob um quadro geral de reivindicações e princípios. Os oportunistas, que hoje (ou ontem) estão (ou estiveram) no Governo, sendo cúmplices do genocídio, não conseguiram escapar à sua concepção patrimonialista dos movimentos de massas, como o movimento estudantil. É por isso que, desde o primeiro lampejo de luta, eles vieram de fora, tentando usar os acampamentos para reforçar o seu pacifismo em palavras, cúmplices da guerra, de fato. Eles rapidamente perceberam algo: não desta vez. A maioria dos estudantes que acamparam agiram em torno de reivindicações específicas que emanavam de palavras de ordem políticas de princípios: nos mobilizamos como estudantes, atingidos pelo imperialismo, portanto também movidos pelas suas diferentes formas de violência contra os povos do mundo e, em particular, contra o genocídio que está a acontecer diante dos olhos do mundo na Palestina. Foram esses princípios classistas, essa centralidade do movimento operário na orientação geral do movimento de acampados, que conseguiram nos unir numa rejeição frontal da social-democracia e do oportunismo, cúmplices do massacre, bem como apontar a hipocrisia de um Governo que, em vésperas das eleições europeias e forçado pelas pressões, reconhece formalmente o Estado Palestino, ao mesmo tempo que continua a financiar a guerra e a manter relações comerciais, militares e diplomáticas com o sionismo.

Essa coesão geral exigiu rápida articulação organizativa. A Frente Estudantil, organizada de forma estável e permanente em cada uma das universidades do país, em todos os territórios, e unificada na sua orientação geral, afirmou claramente que as assembleias precisavam superar o seu isolamento e o localismo, ainda mais quando as suas reivindicações transcendem a denúncia local e se vinculavam com a ligação do governo e do nosso país na rede de alianças e interdependências do sistema imperialista mundial.

Dessa forma, durante essas últimas semanas, o movimento estudantil pôde experimentar um primeiro aprendizado na coordenação destas assembleias; que não consistiu apenas na conjugação de posições, mas viu seu ápice na coordenação estadual de ações e protestos na última sexta-feira, 17 de Maio. No quadro desses protestos coordenados, que coincidiram com momentos chave da negociação com várias universidades, vimos a primeira grande vitória sindical do movimento estudantil nos últimos anos: a Universidade de Granada e a Universidade de Jaén cederam às demandas do corpo discente, assinando compromissos para romper suas relações com o Estado colonial de Israel. Seguiu-se a Universidade de Barcelona (UB) e as negociações continuam nas universidades de Salamanca, Oviedo, León, Pablo de Olavide, Málaga, Politécnica de Valencia, ClM, Cantabria…

No entanto, é também essencial compreender os acampamentos como apenas uma fase de trabalho de solidariedade com a Palestina e de denúncia da cumplicidade das universidades e do governo com o genocídio. Uma fase cujo fim não pode, em caso algum, passar pelo desmantelamento do movimento estudantil e da organização gerada em torno dele. Compreender os acampamentos como meio de acumulação de forças, pressão midiática e organização de ações concretas, e não como um fim em si, é essencial neste momento para colher os frutos dessas semanas e transformá-los em organização estudantil. Chegou, portanto, a hora de abrir novas vias de protesto, pressão e canalização de reivindicações que superem as anteriores e que recolham os aprendizados destas semanas.

A luta é real e a possibilidade de vitória também; caso tenhamos em conta as lições que os fatos e a prática nos oferecem. A vitória do movimento estudantil em Granada sobre a instituição universitária e os seus interesses econômico-empresariais é uma lição para o movimento estudantil em todo o país. Os acampamentos que ainda resistem, as assembleias que ainda debatem o futuro da sua luta, conhecem, de fato, a possibilidade de obter vitórias: uma possibilidade que só se torna realidade através da organização e da luta coerente, democrática e unificada de todo o corpo estudantil. Também aprendemos isso: onde a unidade e os acordos coletivos foram flagrantemente violados, o desenvolvimento da luta foi posto em perigo e haverá aqueles que, na memória coletiva do movimento estudantil, serão lembrados pelo papel que desempenharam nos momentos mais difíceis e decisivos.

Mas essa unidade de ação só é possível através da articulação e estruturação de canais de participação e de exercício democrático do próprio movimento estudantil. As formas organizativas do movimento estudantil devem ser funcionais aos seus objetivos políticos: isto é, a transformação radical do sistema de educação como parte inseparável da transformação social; portanto, só é possível através da participação geral e democrática de todos os trabalhadores. A assembleia como espaço coletivo, circunstancial e amplo de decisão; e a estrutura sindical e estudantil como organização permanente e militante permite que este exercício e luta democráticos sejam sustentados organizativamente. Também o confirmamos: onde o movimento estudantil se equipou com estruturas e ferramentas funcionais para a luta, a expansão do movimento e a participação ativa de um número crescente de camaradas foram rapidamente facilitadas.

A breve exposição feita aqui, baseou-se em lições aprendidas no último ciclo de luta. E a realidade dessas semanas permitiu verificar que, face ao antigo, hoje, agora, existe a possibilidade de fortalecer e reconstruir um movimento estudantil que, na sua solidariedade internacionalista, dá sinais de vitalidade.

No dia 28 de Maio, Pedro Sánchez reconhecerá o Estado da Palestina, forçado pela correlação de forças e, entre outras coisas, pelos milhares de estudantes que acamparam nas suas universidades nas últimas semanas. Mas o fará numa demonstração exemplar de que o caráter burocrático e formal desse reconhecimento é tudo o que o Governo da social-democracia pode nos oferecer; e que só a organização independente dos trabalhadores e estudantes é capaz de alterar o estado das coisas, de arrancar direitos, vitórias e conquistas.

Desde o início dissemos: celebraremos cada vitória resultante da nossa luta, mas entenderemos isso como uma centelha de esperança para estarmos mais e melhor organizados, em cada centro de estudos, lutando pela nossa educação: uma ao serviço do povo trabalhador e, portanto, internacionalista em princípio. Por isso, desde a Frente Estudantil, apelamos a todo o movimento estudantil para que intensifique os protestos, nos próximos dias, contra as universidades, a exemplo dos estudantes da UGR ou da UB; e que os desenvolvam no quadro da denúncia geral a um Governo que reconhece verbalmente a Palestina, mas que é cúmplice do genocídio por conta de seu papel: pela venda de armas a Israel, bem como pelos seus acordos militares, comerciais e diplomáticos com o país sionista. Que assim seja, companheiros e companheiras, que a centelha internacionalista acenda o início de um novo ciclo de luta estudantil.