Partido Comunista Brasileiro Revolucionário — sim, merecemos o nome que o XVII Congresso nos deu

Os motivos teóricos da escolha do nosso nome são claros, dizem respeito à teoria revolucionária do marxismo-leninismo; os motivos históricos, da cisão produzida no velho PCB por aqueles que caminhavam para extirpar o caráter revolucionário do Partido, igualmente claros.

Partido Comunista Brasileiro Revolucionário — sim, merecemos o nome que o XVII Congresso nos deu
Foto: Marina Dias.

Por Gabriel Lazzari | Tribuna de Debates

Nas últimas semanas, pensei várias vezes em como responder à Tribuna do camarada Theo Dalla publicada em 7 de agosto. Vivemos um momento, em nosso Partido, em que é preciso reafirmar os princípios e as decisões do XVII Congresso, construir nossa inserção junto à classe trabalhadora e aprofundar a Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista no nosso país, contribuindo para a consolidação do polo revolucionário do Movimento Comunista Internacional. Isso é impossível sem a clareza teórica, política e ideológica que nos legou o Congresso.

Foi por isso que tive que refletir e reler várias vezes a Tribuna do camarada Theo para entender como respondê-la. Seria um equívoco uma Tribuna como essa ficar sem resposta – eu, inclusive, avalio que teria sido melhor já tê-la publicado com uma resposta do Conselho Editorial ou do Comitê Central – justamente porque, nela, o camarada propõe revisar uma série de concepções que estão na base das decisões do XVII Congresso. Acho menos importante afirmar se o camarada tem ou não consciência disso e muito menos quem é que escreveu, no sentido individual de ter sido o camarada Theo ou outra pessoa qualquer. Acho que é importante tratarmos as questões com a sobriedade de quem debate uma posição em seu caráter de correção ou não na linha política, em vez de buscar moralizar o debate com alguns recursos retóricos chamativos, mas que não abordam politicamente os problemas em curso no Partido e na luta de classes, e que, infelizmente, podem ser utilizados para semear desconfianças infundadas no seio do Partido ou, o que em alguma medida é pior, nos desviar gradativamente do curso definido por nosso Congresso.

Voltando ao significado histórico da Reconstrução Revolucionária e da consolidação do PCBR

O bolchevismo existe, como corrente do pensamento político e como partido político, desde 1903. Só a história do bolchevismo durante todo o período da sua existência pode explicar de maneira satisfatória porque é que ele pôde criar e manter, nas condições mais difíceis, a disciplina férrea necessária à vitória do proletariado.
[Vladimir Lênin, Esquerdismo, doença infantil do comunismo, 1920]

Em sua Tribuna, o camarada Theo cita o Prefácio que escrevi para a publicação das resoluções de nosso XVII Congresso, sugerindo que eu tentei “dissimular com retórica” o significado da Reconstrução Revolucionária e da consolidação do PCBR como continuador histórico desse processo. A argumentação apresentada pelo camarada não se sustenta apenas nisso, mas em uma visão que, como veremos, não tem embasamento nas discussões do próprio Congresso. Os camaradas leitores dessa minha resposta podem verificar na Tribuna do camarada Theo que não há discussão concreta sobre as minhas posições que possa servir para alegar qualquer “dissimulação” no prefácio – e me parece significativo que o camarada não cite diretamente as passagens que considerada dissimuladas, ou que considera carregadas de retórica. Fico aberto ao camarada poder demonstrar isso, porque avalio que poderia qualificar seu argumento se ele conseguisse fazê-lo. Entendo, genuinamente, que isso é uma necessidade: na Tribuna do camarada, podemos observar que há uma defesa de diversas posições que foram minoritárias no XVII Congresso e o Prefácio que escrevi não compactua com elas, isso é certo.

A prática que temos desenvolvido em todos os lugares, nas inserções que temos feito em setores da nossa classe, em movimentos os mais variados, não demonstra outra coisa: temos buscado esse avanço e esse aprofundamento da Reconstrução Revolucionária, em um patamar superior e com a rota corrigida pelo XVII Congresso (Extraordinário). Não vejo um comitê do Partido que hoje considere termos superado a Reconstrução Revolucionária, ou que considere plenamente satisfatório tanto em quantidade quanto em qualidade o nosso trabalho. Ao contrário, vejo camaradas se debruçando sobre estudos os mais diversos sobre o marxismo-leninismo e as nossas lutas: sem grandes buscas pelos relatórios do CC posso dizer que vi com grande alegria a jornada de formação sobre a COP 30 organizada pelos camaradas na Bahia; também as discussões sobre a luta pelo transporte público, estatal e gratuito trazida pelos camaradas de Minas Gerais, de Pernambuco e, novamente, da Bahia; formações sobre o papel do jornal no movimento comunista organizada pelos camaradas do Amazonas; debates sobre o leninismo no Pará; atividades com várias células sobre o movimento sindical em São Paulo; formação sobre internacionalismo proletário em Porto Alegre; e muitos outros. Não me parece correto, com todos esses esforços, considerar que há qualquer desprestígio ou desconsideração por parte de qualquer um, no Partido, pelo processo de Reconstrução Revolucionária ou por seus marcos teóricos.

Mas gostaria que os camaradas que leram o texto do camarada Theo também voltassem ao prefácio citado, em que busco sintetizar as tarefas apresentadas pelo curso da luta de classes aos revolucionários que buscam construir um Partido Comunista, marxista-leninista, em nosso país, na passagem final:

Não devemos, é óbvio, ver isso como o fim de uma trajetória, mas como um ajuste de rumos no nosso caminho – caminho cujo objetivo é o socialismo-comunismo. Isso, mesmo no nosso Partido, ainda não está feito. É uma tarefa a ser feita, a tarefa de aprofundar a Reconstrução Revolucionária, de avançar na formulação marxista-leninista e, principalmente, no trabalho de massas. Para fazer com que esse significado histórico atual, também ele, tome uma forma superior, o PCBR não pode se contentar com o que conquistou em termos teóricos e muito menos com o nível de conexão e trabalho entre as massas. Se o desenvolvimento teórico do marxismo-leninismo for usado como pretexto para o afastamento das massas proletárias, estaremos enterrando a Reconstrução Revolucionária e legando para um futuro absolutamente distante o desenvolvimento do movimento revolucionário do proletariado. Se, ao contrário disso, seguirmos a ferro e fogo nossas resoluções de Estratégia e Táticas, priorizando o trabalho  de conexão com os setores estratégicos do proletariado, amplificando ao máximo nossa agitação e nossa propaganda e não tolerando entre nós qualquer sinal de amadorismo e imobilismo, estaremos no caminho certo para desenvolver o partido revolucionário de vanguarda do proletariado brasileiro.

Apresento esse trecho, o trecho final do prefácio, porque ele busca expressar a visão majoritária do XVII Congresso. Mas vejamos o que diz o camarada Theo quando afirma que:

[...] se antes declarávamos reconstruir revolucionariamente, agora declaramo-nos já revolucionários (e pouco importa o quanto se tenta dissimular isso com retórica no prefácio das Resoluções).
A ideia por trás disso é que, com esta nova alcunha e com uma nova e esclarecida direção no Comitê Central, agora, bastaria nos inserirmos com força total no movimento de massas, já que não haveria mais aquele problema fatal para qualquer Partido que se pretenda comunista – a desagregação ideológica –, tendo em vista que a decisão do Congresso nos consagrou revolucionários, a despeito do que revelava nossa práxis.

É preciso recusar a posição apresentada pelo camarada Theo sobre uma suposta “ideia por trás disso”, porque não é essa a ideia por trás nem da maioria dos delegados do XVII Congresso, nem do CC do Partido, nem da imensa maioria da militância do Partido que tem apostado no aprofundamento da Reconstrução Revolucionária em todos os seus aspectos. Não há uma única tribuna em todo o processo congressual que defenda que o Partido já estará reconstruído após seu Congresso. Mas vejamos o que diz o próprio Congresso sobre isso:

§11 Isso significa reconhecer, portanto, sem qualquer autoproclamação sectária, que estamos longe de ser o partido revolucionário de vanguarda do proletariado que desejamos construir em nosso país. Apenas assim poderemos conduzir nosso trabalho de organização e educação revolucionária das massas trabalhadoras na direção da criação de uma ferramenta organizativa que, armada teoricamente com a teoria marxista-leninista, esteja à altura das colossais potencialidades e missões históricas do proletariado brasileiro. [...]

É preciso, no entanto, ponderar qual o curso histórico que nos legou essa etapa da Reconstrução Revolucionária. A cisão com o PCB representou um recuo, um passo atrás no curso da Reconstrução Revolucionária do Partido – e assim foi porque a fração antileninista trabalhou para modificar, arduamente, desde pelo menos 2016, as linhas aprovadas no XV Congresso e depois renegou abertamente algumas das principais definições políticas do XVI Congresso. O processo, que pode parecer para camaradas que ingressaram posteriormente em nossas fileiras como uma turbulência não anunciada, vinha se desenvolvendo nas entranhas do velho PCB a partir dessa disputa, a disputa pelos rumos da Reconstrução Revolucionária. A fração antileninista, vendo que não teria sucesso em sua estratégia de amoldamento do Partido, produziu então a cisão em 2023. Os revolucionários marxistas-leninistas puderam se organizar, a partir de então, sob a bandeira do PCB-RR, nome provisório que reafirmava o Manifesto de 3 de agosto, que recém cumpriu dois anos de sua publicação, com a finalidade de levar a cabo as tarefas da Reconstrução Revolucionária e desenvolver um Partido Comunista no Brasil.

Mas, se isso é claro na posição da maioria do XVII Congresso, parece estar sob questão na posição apresentada pelo camarada Theo. E, assim, ele recorre a um certo “simbolismo” do nome para tentar sustentar sua tese de que o Partido hoje não está levando a cabo a Reconstrução Revolucionária a contento. Esse simbolismo do nome já foi abordado anteriormente pelo Comitê Central a propósito das críticas do camarada Ivan Pinheiro:

Afirmar nosso Partido como Comunista Revolucionário, em uma época em que abundam organizações reformistas que se autoproclamam comunistas, significa apenas tomar partido de um campo revolucionário existente no Movimento Comunista Internacional, o campo marxista-leninista. Não significa, como nossas Resoluções Congressuais frisam inúmeras vezes, considerar concluído o processo de Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista no Brasil (tão pouco quanto o nome PCB, antes, não significava por si só considerar concluído esse processo).
O mesmo documento do CC aprofunda e esclarece ainda melhor a análise e as verdadeiras “ideias por trás” do processo de decisão do novo nome:
As questões congressuais várias foram extensamente debatidas na Tribuna de Debates preparatória ao Congresso e também no Plenário do Congresso, com uma discussão que durou mais de duas horas e sucessivas votações para a escolha do nome de nossa organização. A verdade é que, poucas horas depois da votação, o nome PCBR já era visto sem grandes ressalvas pela imensa maioria dos votantes nas demais propostas, pelo simples fato de que, ao longo de toda essa discussão, duas concepções se mostravam avassaladoramente majoritárias: em primeiro lugar, a necessidade de nos constituirmos como Partido Comunista em processo de Reconstrução Revolucionária, não mais como “Movimento em Defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB”; e, em segundo lugar, o fato de que nenhum dos nomes em voga expressava qualquer desvio político grave, e que a questão do nome era, com efeito, secundária em relação e todos os debates programáticos e organizativos anteriormente travados, não sendo para nenhum militante um divisor de águas em questão de princípios.

Assim, vejamos, camaradas: é plenamente possível que o camarada Theo entenda que o debate se deu de uma forma escamoteada, ou que havia interesses escusos, ou “ideias por trás”, por parte dos que defenderam o nome escolhido. É possível conceder isso. Mas não é possível revisar os fatos apresentados acima, menos ainda para camaradas que estiveram no próprio Congresso.

É claro que, se o camarada Theo sustenta que há uma “ideia por trás disso”, que não é sustentada por ninguém no Partido, me parece que é algo a se estudar, e encontraremos isso na concepção do camarada não apenas sobre o Partido, mas principalmente sobre nossa tática e nossa inserção nos setores estratégicos. Retornar a esse debate do nome do Partido como se houvesse alguma intenção sorrateira em torno dele é, no melhor dos casos, uma preocupação secundária e infundada; no pior dos casos, um certo espírito conspirativo que não é cabível a quem esteve no próprio Congresso. Mas pode revelar, nas próprias posições apresentadas pelo camarada, o seu nível de divergência com o que foi aprovado no Congresso, mesmo que essa divergência não seja propriamente compreendida ou que não tenha chegado a um nível de refinamento ideológico final.

Quais são os pontos em que o camarada Theo apresenta sua divergência com a linha aprovada no XVII Congresso (Extraordinário)?

Devemos, com velocidade desesperada, unir todas as pessoas com a iniciativa revolucionária e colocá-las para trabalhar. Não tema a sua falta de formação, não tema com a sua inexperiência e falta de desenvolvimento. Em primeiro lugar, se você deixar de organizá-los e incitá-los à ação, eles seguirão os mencheviques e os Gapons, e essa mesma inexperiência deles causará cinco vezes mais danos. Em segundo lugar, os próprios eventos os ensinarão em nosso espírito. Os eventos já estão ensinando a todos precisamente no espírito do Vperiod.
[Lênin, Carta para Bogdánov e Gusev, 1905]

Não é possível discordar dos princípios muito gerais que o camarada Theo apresenta como sua concepção de Partido. O camarada não repete mais do que as fórmulas (corretas) do marxismo-leninismo ao falar sobre o caráter de vanguarda, a concepção de um Partido comunista como elevador da consciência da massa, como o necessário Estado-maior do proletariado, sem o qual é impossível que nossa classe se converta em classe dominante. Mas, se quisermos ser responsáveis, temos que nos perguntar se o entendimento desses princípios pelo camarada Theo é o mesmo entendimento do Partido. Não é raro que formas parecidas expressem conteúdos diametralmente opostos. Precisamos então verificar em que medida as formulações do camarada correspondem, portanto, aos princípios a que ele diz corresponderem. E para isso, não há outro lugar senão no entendimento teórico concreto, na análise de sua aplicação prática para verificarmos. O camarada então mobiliza seus argumentos para demonstrar uma determinada versão desses princípios.

E, no entanto, é em uma perspectiva que eu considero fatalista e sem qualquer base que ele se pergunta: “fazemos isso”? A pergunta retórica – ao qual o camarada tenta responder um “não” nas entrelinhas – não pode ser vista senão a partir do desenvolvimento concreto do Partido. Afinal, o camarada, assim como eu, tem atrás de si uma década de militância na UJC e no Partido. Mas parece ignorar esse processo concreto, de desenvolvimento não-linear e pontuado por diversos recuos e avanços, ao fazer seu balanço. “Sim”, é a resposta que eu dou à pergunta do camarada Theo, “fazemos isso” e complemento: “mas não o suficiente ainda”. Sigamos, camaradas, nessa reflexão justamente porque a argumentação do camarada Theo não aborda o aspecto central desse processo: que a construção real do Partido não se dá da noite para o dia, mas através de um trabalho paciente e resiliente, em que nossa teoria, nosso programa, nossa prática vão gerando também novos elementos para balanços e reavaliação do curso do Partido – e sabendo que a constatação de nossa insuficiência é a “ideia por trás” do parágrafo 11 das Resoluções. Não se trata, como podemos inferir da forma como o camarada argumenta, de “aplicar um modelo” e, na falha em ver na prática o modelo idealizado, dizer que a realidade está errada. Trata-se, ao contrário, de lidar concretamente com esses problemas. Não conheço um militante do Partido que atualmente diga “nosso Partido está perfeito, não há o que desenvolver, nossos debates estão todos prontos, basta ir ao movimento de massas”, como apresenta o camarada Theo, mais uma vez carregando nas tintas de uma certa caricatura. Não se trata, portanto, de “aceitar a verdade sobre as deficiências do Partido” ou não. Todos aceitamos essa verdade. Alguns de nós, no entanto, sabem que isso não se muda da noite para o dia, não se muda apenas por uma questão de vontade.

Mas vamos aos fatos.

Não houve, nos últimos dez anos, um esforço tão consistente na formação geral dos militantes do Partido quanto o que tem sido empreendido atualmente. Isso é importante de constatar e o camarada Theo infelizmente não toca nesse assunto. Mas é inegável os avanços que foram se dando nos últimos anos. Até 2021, sequer havia qualquer esforço de centralização e organização da formação teórica e prática da militância. Até 2019, a CN da UJC fazia cursos de formação de quadros, na prática bianuais, e no Partido não havia qualquer iniciativa semelhante em nível nacional. Foi apenas depois de um ano e meio de insistência da CN da UJC e a anuência do então Secretário de Formação do CC do PCB (não coincidentemente, um camarada hoje membro do CC do PCBR) que foi aprovado o Sistema Nacional de Formação Política da UJC, consolidando o processo de avanço na área que havia sido iniciado com o curso de quadros em 2019 e aprofundado com o lançamento dos quatro números semestrais da Revista O Futuro, a revista teórico-política da UJC (entre 2020 e 2021). O conjunto dos cursos de formação tem servido para nivelarmos a compreensão teórica de toda a militância, que muitas vezes começa a militar com grande impulso e determinação, mas ainda sem o aprofundamento teórico que é necessário para o desenvolvimento de uma prática revolucionária à altura de nossas tarefas e das necessidades do movimento revolucionário. A aplicação do Sistema Nacional de Formação Política tem sido uma primeira tentativa de formar os militantes do Partido justamente para sairmos de uma prática espontaneísta, desorganizada, que se contenta com chavões em vez de ter o domínio da teoria revolucionária. Da mesma forma, o CC debaterá ainda este ano o lançamento da Revista Palmares, aprovada no I Pleno, passo necessário para iniciar nossos esforços mais substantivos de debate teórico-político, além de permitir uma maior interface com a Revista Comunista Internacional, uma vez que ela é composta pelas revistas dos PCs.

Qualquer um, no entanto, que disser que o trabalho até aqui é suficiente estará certamente iludido. Mas eu acredito que teria dificuldade em encontrar algum camarada com essa posição no Partido hoje. Ao contrário, o balanço preliminar do CC sobre a formação política é precisamente que ela foi insuficiente e que deve ser aprimorada, tanto no que diz respeito aos métodos de formação (considerando a insuficiência de vídeos como único método de formação), quanto aos temas (compreendendo que há temas sobre os quais há ainda necessidade de uma formulação marxista-leninista sobre o assunto).

Os camaradas então podem me perguntar: “por que, então, você afirma que o camarada Theo diverge do Congresso?”. E aí então precisaremos entrar nas sutilezas argumentativas e demonstrar as imprecisões e os equívocos. Quando o camarada Theo quer afirmar que “não somos um Partido Comunista”, como se houvesse uma barreira completamente objetiva entre ser e não ser um Partido Comunista, está, novamente, pintando uma certa caricatura. O CC já iniciou esse debate no documento acerca das críticas do camarada Ivan Pinheiro e acho que é sempre válido retomar:

Se o camarada estivesse correto sobre [o Partido se chamar “revolucionário], nenhum Partido Comunista fora do poder ou sem ampla hegemonia entre as massas poderia sequer se chamar “comunista” – haja visto que ser comunista implica exatamente as mesmas coisas que ser revolucionário, se ainda não renegamos nem a primeira nem a segunda concepção.

O processo de construção (ou reconstrução) revolucionário de um Partido Comunista só pode ser visto a partir dessa dinâmica: se “o caminho geral que escolhemos” “é coerente com os objetivos estratégicos que definimos”, como diz o próprio camarada Theo! E por que, então, ele insiste em secundarizar os passos concretos, sempre insuficientes mas obviamente no rumo geral legado a nós pelo XVII Congresso, que estão sendo seguidos por toda a militância?

É nas considerações de ordem tática que podemos ver em que lugar estão efetivamente as discordâncias do camarada Theo com o curso que nosso Partido decidiu seguir no Congresso. Seria importante que o camarada debatesse detida e abertamente essas discordâncias, porque em sua Tribuna parece que tentou falar delas de passagem no meio de outros debates.

É na relação do partido revolucionário com o movimento de massas que parecem ser maiores as divergências que o camarada Theo tem com as decisões do XVII Congresso, para além do nome. Vale mencionar um outro aspecto que sustenta a posição do XVII Congresso, precisamente na relação com o movimento de massas. Teremos que retornar a uns pontos da Tribuna do camarada para esclarecer sua visão:

A ideia por trás disso é que, com esta nova alcunha e com uma nova e esclarecida direção no Comitê Central, agora, bastaria nos inserirmos com força total no movimento de massas, já que não haveria mais aquele problema fatal para qualquer Partido que se pretenda comunista – a desagregação ideológica –, tendo em vista que a decisão do Congresso nos consagrou revolucionários, a despeito do que revelava nossa práxis.

É importante, também, mencionar em que medida, usando o mesmo argumento do camarada Ivan Pinheiro, sobre o nome, o camarada Theo defende o exato oposto do que colocou o camarada Ivan. Enquanto o camarada Ivan apresentou, em sua carta, a visão de que deveríamos ainda manter um estágio de “partido movimento”, antes de consolidar o Partido, para dar consequência à Reconstrução Revolucionária, o camarada Theo advoga pelo exato contrário, dizendo que o nome está muito além de nossa prática real e que devemos caminhar de forma ainda mais “veloz” para consolidarmos o Partido. Nenhuma dessas duas posições foi apresentada com esse conteúdo por nenhum dos dois camaradas ao processo congressual, isso é importante termos em conta.

Se, ao debater a consolidação do PCBR como parte do processo de aprofundamento da Reconstrução Revolucionária, já era claro como essa concepção (apresentada como “a ideia por trás disso”) do camarada não tinha nenhuma relação com o debate do Congresso, nos resta agora portanto procurar, em algum documento que seja, que “não haveria mais aquele problema fatal para qualquer partido que se pretenda comunista – a desagregação ideológica”.

Em resumo, desde o início do PCB-RR ficou evidente que não havia unidade ideológica entre nós, mas não entendemos este como um problema central, não colocamos sua solução na ordem do dia. Estávamos mais preocupados em afirmar simbolicamente nossa diferenciação com o PCB demarcando que somos sua continuidade “revolucionária” e que possuímos maior inserção social, motivo pelo qual priorizamos uma inserção frágil e vacilante ideologicamente no movimento de massas, deixando intocados o economicismo e o oportunismo na formulação tática.

Novamente, vemos uma noção de simbolismo que não está presente em nenhuma das reflexões do Congresso. Tampouco uma noção, que não consta em nenhum documento, sobre possuímos “maior inserção social”. E, sobre o problema central, novamente é preciso discordar da posição apresentada pelo camarada. Tanto sabíamos da fragilidade da unidade ideológica que não tomamos, todos nós, outra decisão senão organizar imediatamente um XVII Congresso, para podermos reafirmar os pontos que nos uniam ideologicamente. Se o camarada disser “mesmo assim, ainda há desagregação”, eu serei o primeiro a concordar. Mas é inegável que nosso Congresso traçou linhas demarcatórias, não apenas em relação ao PCB, mas também entre diferentes concepções que se chocaram internamente durante a existência apenas do PCB-RR; diversas pessoas saíram do Partido logo na sequência do Congresso justamente por não concordarem com as definições a que chegamos (e por não se disporem a construir o Partido mesmo com uma opinião minoritária), e que têm sido as balizas de nossa atuação. 

Como já apresentei, no entanto, o problema do camarada Theo não está nos princípios tomados em abstrato, mas em sua aplicação cotidiana e tática. Isso não é algo inédito, também, no seio do movimento comunista. As táticas, em sua flexibilidade inerente à resposta que o Partido deve dar ao desenvolvimento concreto das lutas e à consciência das massas (tomada sempre a partir do olhar da teoria e da vanguarda), devem ser objeto de constante reavaliação e exame científico por parte do Partido – não podem ser tomadas como um reflexo imediato e uma reprodução mecânica do que é a estratégia. A relação entre tática e estratégia não é de identidade, mas de unidade contraditória, dialética. Sempre apresento, como exemplos dessa visão marxista-leninista sobre estratégica e tática, pelo menos dois momentos da constituição do bolchevismo.

A primeira é a polêmica de Lênin no seio do Partido no curso dos eventos de 1917 sobre as palavras de ordem. Quando, após os eventos de julho, a ala conciliatória dos sovietes (SRs e Mencheviques) ganha força, a posição majoritária nos principais sovietes da Rússia era de apoio ao governo provisório de Kerensky. De abril até aquele momento, a palavra de ordem levantada pelos bolcheviques era de “todo poder aos sovietes”, que demonstrava exatamente o momento máximo, único momento tático e estratégico ao mesmo tempo, de qualquer revolução: a tomada do poder de Estado. E, no entanto, a correlação de forças nos sovietes e a consciência média dos trabalhadores russos indicou a Lênin que, em julho, isso significaria na prática um apoio ao governo provisório. Quando falo da relação dialética entre tática e estratégia, é aqui que mora a questão – é possível que uma tática aparentemente “mais radical” ou “mais estratégica” produza seu exato contrário, a derrota da revolução. Os bolcheviques retomam sua palavra de ordem de “Pão, Paz e Terra” e “Abaixo o governo Kerensky” para desmascarar o governo – e, consequentemente, desmascarar os aliados do governo, que eram maioria nos sovietes – e retomar o curso da Revolução.

A segunda não poderia ser outra senão a polêmica entre Lênin e os comunistas de esquerda (“esquerdistas”) em 1920 sobre a tática eleitoral. Lênin observa, na polêmica, que os comunistas de esquerda holandeses renegavam toda tática de participação eleitoral, sob a justificativa de que a luta parlamentar estaria “caduca”. A isso, o dirigente bolchevique responde que, do ponto de vista histórico mundial, sim, ela está caduca; mas do ponto de vista político-concreto, não está. E isso se prova inclusive com a participação consentida do proletariado nas próprias eleições! Ele adverte aos camaradas holandeses:

Para os comunistas da Alemanha o parlamentarismo, é claro, “está politicamente caduco”, mas trata-se precisamente de não tomar aquilo que está caduco para nós pelo que está caduco para a classe, pelo que está caduco para as massas. Uma vez mais vemos aqui que os “esquerdas” não sabem raciocinar, não sabem conduzir-se como o partido da classe, como o partido das massas. Vocês têm a obrigação de não descer ao nível das massas, ao nível das camadas atrasadas da classe. Isto é indiscutível. Têm a obrigação de lhes dizer a amarga verdade. Têm a obrigação de chamar preconceitos aos seus preconceitos democrático-burgueses e parlamentares. Mas, ao mesmo tempo, têm a obrigação de acompanhar com sensatez o estado real de consciência e de preparação precisamente de toda a classe (e não só da sua vanguarda comunista), precisamente de toda a massa trabalhadora (e não só dos seus elementos avançados).

Novamente, se confundirmos estratégia e tática, não compreenderemos em nada a posição de Lênin e nem a posição que nosso Partido deve seguir no curso das lutas de classe no país e no mundo. Se é claro que a luta dos comunistas implica a conquista do poder de Estado pela via da tomada revolucionária, é óbvio que o combate às formas parlamentares da democracia burguesa é parte de nossa estratégia. Mas, para Lênin, não se trata de aplicar a estratégia como se ela fosse a tática, mas de desenvolver as lutas de classes por meio das táticas que nos permitam conquistar nossa estratégia. Em resumo, identificar a todo momento a estratégia do Partido com as táticas do momento imediato é aquilo a que Lênin chama de oportunismo; o erro do outro lado da moeda, quando se identifica a todo momento a tática do Partido com a estratégia final, é o que chamamos de “comunismo de esquerda” (ou “esquerdismo”).

Tendo então a relação entre tática e estratégia, coloquemos novamente sob a lupa a visão que o camarada Theo apresenta e examinemos se há bases para que se afirme, tão abertamente, estarem “intocados o economicismo e o oportunismo na formulação tática” de nosso Partido.

Uma tática economicista e oportunista, em geral?

Vejamos, primeiramente, se foi o Congresso que deixou “intocados o economicismo e o oportunismo na formulação tática”. Analisemos os documentos aprovados nele.

O Programa do Partido termina com nossa visão geral sobre a relação entre estratégia e tática:

4. Nos nossos esforços para atingir nossos objetivos, apoiamos todos os movimentos proletários e populares em oposição à grande burguesia e à ordem política e social vigente no Brasil e, ao mesmo tempo, rejeitamos resolutamente, em nome dos objetivos imediatos da luta, qualquer renúncia à agitação e propaganda permanente da revolução proletária, de um programa comunista.

5. Nas lutas parciais, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário intervém sustentando um programa comunista que expressa a independência política do proletariado e os objetivos revolucionários socialistas que dela decorrem. Cada luta por uma desapropriação urbana ou rural é um embrião da luta pela nacionalização de todas as terras brasileiras; cada luta contra a exploração mercantil de um ramo da atividade humana em particular é um embrião da luta pela completa reorganização socialista das relações de produção e trabalho.

6. Da nossa parte, estamos firmemente convencidos de que a realização completa, consistente e duradoura das transformações políticas e sociais mencionadas acima é atingível somente através da revolução socialista; da consolidação da Ditadura do Proletariado.

Como podemos ver claramente, não há qualquer economicismo ou oportunismo em voga em nosso Programa. Não há a prevalência da luta econômica dos trabalhadores em detrimento da luta política revolucionária (economicismo); ou a visão de que é preciso fazer concessões programáticas e táticas a ponto de perdermos nossa independência política apenas para termos vitórias parciais imediatas (oportunismo). Eu gostaria de entender, verdadeiramente, em que medida o processo do Congresso, com essas definições gerais, deixou “intocados o economicismo e o oportunismo”. É possível, no entanto, que o camarada se refira a outras definições táticas, nas nossas inserções, por exemplo. Vamos analisar algumas delas, portanto, para que não reste dúvidas sobre a linha aprovada no Congresso.

Há economicismo e oportunismo em nossa tática sindical?

Quando o Congresso aprova nossa linha sobre movimento sindical, o cuidado e o compromisso com o combate às tendências burguesas e pequeno-burguesas são bastante semelhantes. Os grifos são meus:

§71 O movimento sindical, como forma mais imediata da luta econômica do proletariado, tende à estreiteza corporativa, à burocratização e ao apoliticismo. Em um cenário de capitulação político-organizativa da luta proletária, o movimento tende a divisões sistemáticas, como é o exemplo do esfacelamento da CUT no início dos anos 2000 em outras centrais menores e o crescimento de centrais reacionárias. O atual Fórum das Centrais é o exemplo máximo dessa tendência burocrática e reacionária do movimento sindical no Brasil. Buscam resolver a pulverização da classe trabalhadora através de uma cúpula burocrática, sem uma política clara de unidade da classe trabalhadora. Funcionam como correia de transmissão dos interesses burgueses no seio do proletariado, atuando para impedir que as greves proletárias vão além das demandas profissionais e para limitar as demandas do proletariado aos estreitos quadros econômicos e jurídicos da sociedade burguesa.
§72 A ação dos comunistas no movimento sindical deve ser de construir a política revolucionária e classista, denunciando o oportunismo típico dos chefes sindicais. Os comunistas não podem abandonar a luta sindical: devemos atuar sistematicamente para dirigir politicamente a classe trabalhadora organizada nos diversos sindicatos. Os sindicatos são uma trincheira recuada da luta de classes, funcionam como a primeira escola massiva de luta proletária contra a exploração capitalista. Nesse sentido, o movimento sindical é essencial na articulação entre a vanguarda e a massa trabalhadora.
[...]
§74 A tarefa que está posta hoje é a de reorganização do movimento sindical sob uma perspectiva classista e independente, com um programa claro capaz de unir as lutas operárias no Brasil. Esse processo não se dará por cima, a partir das cúpulas e burocracias sindicais. É preciso isolar os chefes sindicais, demonstrando através de um robusto trabalho político de oposição seu caráter contraditório aos interesses da massa trabalhadora e atrair os mais amplos setores do povo trabalhador para a luta de classes.

É importante também localizar que, particularmente na parte do movimento sindical, o Congresso faz a ressalva sobre os desvios esquerdistas. Isso também está presente em todo o Programa, com a diferenciação clara entre as medidas para o momento pré-revolucionário (partes C e D) e aquelas para o momento após a tomada revolucionária do poder de Estado (parte E) – o que afasta qualquer ideia de que as lutas parciais ou imediatas não têm espaço no trabalho cotidiano dos comunistas. É no movimento sindical, no entanto, que encontramos a oposição que o Partido faz ao paralelismo de entidades como tática para os comunistas. Novamente, são meus os grifos abaixo.

§73 A tendência de virar as costas ao movimento sindical devido ao predomínio da tendência economicista, reformista e burocrática, buscando substituir os sindicatos unificados por “novas organizações” puras e politizadas, é um desvio esquerdista que afasta os comunistas do trabalho de massas. Obviamente, em períodos de ascensão revolucionária, novas formas surgem no interior do movimento operário e ultrapassam os sindicatos, como comitês de fábricas, comissões, conselhos etc. Isso significa que os comunistas devem atuar de acordo com o estado de ânimo e organização concretos das massas, e de acordo com a real influência nas massas trabalhadoras, nunca se isolando delas.
[...]
§75 Precisamos agir conforme o movimento real, tal qual ele se encontra, ou não seremos capazes de criar um trabalho entre as massas. É necessário aliar a luta econômica, própria dos sindicatos, com os métodos revolucionários da luta de massas. Desenvolver o espírito combativo, para que cada demanda por condições salariais e de trabalho, cada arbitrariedade dos patrões, cada injustiça cometida pelo poder estatal burguês se converta em greves, piquetes, protestos etc. Sem a experiência da luta imediata, a classe operária não poderá aprender a construir a sua luta pela emancipação. Devemos sempre unir as necessidades imediatas da classe ao entrave do modo de produção capitalista e a necessidade de superá-lo através da nossa agitação e propaganda.
[...]
§78 Não há sindicalismo revolucionário: há comunistas e revolucionários que atuam no movimento sindical. Portanto, a política comunista é sempre a política partidária no seio dos sindicatos. Contudo, o papel dos comunistas no movimento sindical não deve ser a de forçar resoluções favoráveis ao Partido, mas dirigir a luta de forma educativa e combativa. Lutar apresentando sempre as posições revolucionárias, mas respeitando a democracia operária de base e ampliando-a sempre que possível.

Essa perspectiva paralelista no movimento sindical é análoga ao debate que faremos abaixo sobre o caso da UNE, que parece ter grande importância – é um dos poucos que foi concretamente debatido pelo camarada na Tribuna. A propósito disso, será importante debatermos se há economicismo e oportunismo na visão do Partido sobre o Movimento Estudantil.

Mas… é possível conceder também um outro olhar sobre isso. É uma hipótese possível a priori que o camarada tenha falado sobre as definições táticas do Congresso (sobre as quais já demonstramos não haver qualquer economicismo ou oportunismo), mas querendo se referir na verdade à concepção tática do Comitê Central. É certamente uma possibilidade a que devemos sempre estar atentos, afinal é nas sutilezas da tática que moram as divergências de estratégia, como bem sabemos. Então passemos a um exame mais detido sobre se as posições do Comitê Central sobre tática estão alinhadas ao Congresso – e, portanto, que tampouco nelas há vestígio de economicismo e oportunismo – ou se, ao contrário, o camarada Theo estaria correto sobre esses desvios, mas incorreto sobre quem estaria incorrendo neles.

O principal documento que está sendo implementado – é verdade, com um ritmo aquém do esperado – são as Diretrizes Gerais para Atuação no Movimento Sindical, que podem ser encontradas no final de cada BI e que devem ser estudadas e implementadas pelo conjunto do Partido. O documento tem um balanço preliminar sobre o movimento sindical brasileiro, uma reapresentação de nossas concepções sobre o movimento sindical, uma reflexão inicial sobre como organizar as bandeiras nas disputas do movimento com relação ao nosso Programa e, por fim, diretrizes práticas sobre essas inserções.

O balanço histórico do movimento sindical, como documento inicial elaborado pelo Partido, é de fato um documento limitado. Sua função é a de estabelecer balizas mínimas para nossa compreensão histórica de como se organiza o movimento sindical nas últimas décadas e sua conclusão apresenta claramente um diagnóstico geral sobre o processo que vivemos hoje: o de fragmentação e burocratização do movimento. A posição do Partido, de reorganizar o movimento sindical sobre bases classistas, com independência de classe, se apresenta como solução para esses problemas. O entulho messiânico de acharmos que um novo “Encontro da Classe Trabalhadora” seria, como foi nos anos 1970-1980, um processo de mudança de qualidade brusca no seio do movimento foi felizmente recusado por nosso Congresso, como demonstra nosso balanço sobre o famigerado Fórum Sindical, Popular e de Juventudes, que nem sequer existe mais.

O caminho apontado pelo CC é relativamente “óbvio”, mas é importante ressaltá-lo: devemos “disputar os rumos deste movimento e recuperar os sindicatos como verdadeiros instrumentos de luta do proletariado para a construção da estratégia socialista”. Um balanço que apresentasse algum nível de conquista real para a classe no último ciclo do movimento sindical seria, sem dúvida, uma concessão economicista e oportunista – falar, como é muito falado na minha categoria, por exemplo, que “pelo menos mantemos a existência de uma Convenção Coletiva nacional”, em um cenário de franco e aberto retrocesso nos direitos trabalhistas desde pelo menos a Reforma Trabalhista de 2017, seria uma atitude completamente irreal, porque justamente privilegiaria os interesses econômicos da classe em detrimento  de seus objetivos políticos; colocaria que as concessões conquistadas com as mobilizações “possíveis” devem ser o nosso foco, porque correspondem aos problemas imediatos, e não observariam o curso futuro do movimento operário e sindical, em franco declínio. Isso seria oportunismo e economicismo.

Na parte do documento em que o CC fala sobre a concepção comunista sobre o movimento sindical, não vale a pena nos determos. Podem checar lá, é simplesmente um resumo das posições definidas no Congresso. Já demonstramos que nelas não há qualquer concessão ao oportunismo e ao economicismo.

No debate sobre Programa e bandeiras para o movimento, precisamos fazer um debate mais detido. A introdução desse ponto é exatamente explicando em que medida o Programa do Partido combate a tendência espontânea ao economicismo e ao oportunismo a que nosso legítimo interesse pelo trabalho cotidiano entre as massas e nossa necessidade real por dar respostas para as lutas imediatas pode nos levar, se não estivermos conscientes de nossas tarefas políticas estratégicas. Assim, o CC apresenta que:

O Programa do PCBR é o centro da nossa concepção estratégica e das medidas que devemos defender e conquistar no processo da luta pela revolução socialista. Dessa forma, é com base nele que enfrentaremos, no dia a dia do movimento sindical, os patrões e o Estado. Nosso Programa superou, no XVII Congresso, uma concepção taticista da construção do programática, presentes ainda no XVI Congresso, de que o Programa do Partido devesse ser uma lista interminável de bandeiras e demandas de luta que pudessem quase suprir todas as necessidades que teremos em nosso cotidiano. Ao entender como o programa expressa o caráter principal e predominante de determinadas bandeiras e pautas, ele necessariamente deixará de apresentar soluções para todas as lutas particulares dos trabalhadores. Não está no nosso Programa, por exemplo, quais são os índices de reajuste pelos quais devemos lutar em cada campanha salarial; ou quais são os benefícios trabalhistas que devem ser arrancados de todos os patrões em um Acordo Coletivo de Trabalho. Em vez disso, ele apresenta uma visão dos pontos fundamentais a serem conquistados pela classe trabalhadora e demais camadas exploradas e oprimidas do povo no rumo da Revolução Socialista.

Ao que acrescentei, em meu prefácio às Resoluções do Congresso, o seguinte:

No velho PCB, o Programa partidário era formulado de maneira completamente displicente. Se analisamos mesmo o XVI Congresso, no “Programa de Lutas”, não vemos senão uma série infindável de bandeiras a serem defendidas, muitas vezes misturadas com a forma do movimento que as deve defender, sem encadeamento lógico ou predominância de algum aspecto sobre o outro. Era um “self-service”, um “buffet” de bandeiras que poderiam ser escolhidas conforme o momento, a luta, a campanha – e mesmo nesses momentos, poderiam ser flexibilizadas, como na campanha ao governo do estado do RJ em 2022, em que o candidato do Partido entendia como “sem mediação” as defesas do Passe Livre e da estatização do transporte coletivo. Também não passou incólume a isso a UJC, que repetiu erro semelhante no IX Congresso Nacional: o Programa da UJC era nada menos do que 22 páginas de bandeiras, com alguns parágrafos explicativos. Para quê serviam esses programas? Para pouco, a bem da verdade. A cada luta concreta, milhares de novas bandeiras se impunham, pelo movimento espontâneo da luta de classes, e nos faziam ter que compreender quais seriam aquelas que nós buscaríamos utilizar e quais, inclusive, seriam novas, mas estariam corretas para aquela determinada luta.

Se não é, portanto, por meio do taticismo de considerar como itens do Programa, a todo momento, como deve ser a formulação de pautas e bandeiras em cada passo da luta? O CC apresenta também uma posição:

Dessa maneira, a nossa atuação no movimento sindical deve se concentrar particularmente nas partes C e D [do Programa], por serem as medidas a serem implementadas imediatamente, ou seja, ainda no capitalismo. A diferença entre essas duas partes é explicada em suas próprias introduções: enquanto as medidas da parte C são medidas da classe proletária, dos assalariados, as medidas da parte D são as medidas de unidade do proletariado com as demais camadas exploradas e oprimidas. É dessa maneira que nosso Programa constrói a nossa visão sobre a hegemonia do proletariado na luta pelo socialismo: demonstrando quais medidas correspondem diretamente aos interesses objetivos do proletariado e quais medidas correspondem também aos interesses de outras camadas que podem vir a apoiar o proletariado, se ele tiver força, num processo revolucionário. Por esse caráter propriamente proletário, são as medidas da parte C que mais devemos agitar e construir no dia a dia do movimento sindical.
O desafio que enfrentaremos a cada momento é o desafio de entendermos nas diversas categorias como apresentar as nossas medidas programáticas com base no desenvolvimento concreto do movimento. No cenário atual, em que vivemos um período de defensiva da classe trabalhadora em nível internacional, também na maioria dos casos nossas reivindicações serão em defesa de direitos e condições de trabalho adquiridos, mais do que por avanços. Apesar disso, várias bandeiras vão se consolidando como ofensivas, a exemplo do debate sobre redução da jornada de trabalho, que tem ressoado cada vez mais na classe trabalhadora.
Ainda assim, há momentos em que nossas bandeiras se confrontarão diretamente com as condições subjetivas dos trabalhadores. Podemos dar, como exemplo, as várias formas de aplicação da Participação nos Lucros e Resultados (PLR), parcela de remuneração dada de formas diferentes a diferentes categorias de trabalhadores. As PLRs são formas de remuneração que prejudicam o trabalhador de duas maneiras: do ponto de vista objetivo, são uma forma de remuneração que não é contabilizada como salário, fazendo com que não sejam depositadas contribuições ao INSS referentes a ela (diminuindo, portanto, a aposentadoria do trabalhador) e nem ao FGTS (diminuindo, portanto, o fundo do trabalhador); e do ponto de vista subjetivo, ilude os trabalhadores a entenderem que sua remuneração depende do bom desempenho da empresa, reforçando a ideia de uma unidade entre trabalhadores e patrões, a ideia de “vestir a camisa da empresa”. Do ponto de vista de nosso Programa, que advoga pela unificação dos regimes de trabalho e do aumento salarial para condições de vida digna, é óbvio que as PLRs devem ser extintas. Hoje, no entanto, falar isso seria um grande erro, pois “o fim da PLR” representaria, na consciência média dos trabalhadores, que eles simplesmente não teriam mais aquela remuneração a mais. Devemos, nesse sentido, avançar para defesas como da “incorporação da PLR a verbas salariais” ou ainda a defesa de “PLR linear” (de modo que o lucro da empresa seja dividido igualmente entre os funcionários todos da empresa e não dependentes do salário que o trabalhador já recebe, o que favorece os executivos de alto escalão e prejudica os trabalhadores “do chão de fábrica”).
Mediações como essa devem ser pensadas taticamente conforme o desenvolvimento de cada luta, sem que abandonemos, obviamente, as explicações do nosso Programa integralmente, quando convier. Devemos sempre pensar concretamente em qual é a forma de melhor mobilizar as categorias de trabalhadores para chegarmos na medida de nosso Programa, levando em consideração as possibilidades e necessidades de cada momento da mobilização. Haverá momentos em que o ânimo da categoria e sua mobilização desenvolvem tal força que podemos dar passos mais ousados e conquistar vitórias mais rapidamente; em outros momentos, teremos que apresentar medidas mais moderadas – desde que não sejam “opostas” – ao conjunto do movimento. Em uma categoria determinada de trabalhadores que têm jornada de 40h talvez não seja realizável alcançar 30h semanais de jornada em uma única mobilização, mas talvez sejam alcançáveis 35h, ou talvez seja alcançável a proibição do banco de horas, ou outras medidas. O fundamental é que nós possamos ajudar a avançar os trabalhadores em condições objetivas (conquistas, mesmo quando defensivas) e subjetivas (no processo de avanço da consciência de classe) em cada luta que se apresentar.

Assim, quando falamos de mediações táticas, estamos falando em oportunismo e economicismo? Fizemos esse debate no Congresso, a propósito do Programa. Precisamente a clareza de que o programa contém algumas medidas realizáveis no capitalismo e outras que só podem ser realizadas no socialismo, essa clareza é o que nos faz organizar coerentemente a agitação de nossas pautas no seio do movimento sindical, combatendo os desvios à esquerda e à direita.

Existe, como já há quase duzentos anos, uma visão (que, é preciso dizer, não é a apresentada pelo camarada Theo) de que falar em tarefas a serem desenvolvidas no seio do capitalismo seria, por si só, oportunismo e que devemos sempre apresentar as tarefas máximas, de construção do socialismo, para que, ao perceber o quão irrealizáveis são, o proletariado se insurja contra a ordem burguesa. Isso foi tema das polêmicas ainda feitas por Marx, nos debates de construção do programa do Partido Operário na França, e ele critica o que chama de “fraseologia revolucionária” de Paul Lafargue e Jules Guesde justamente por recusarem o programa “mínimo” como uma parte a sério do programa, ao preferirem fazer dele “isca” para atrair os operários. Com isso, quero apresentar também que não são as medidas imediatamente realizáveis que podem “manchar” a tática do Partido, mas ao contrário: Marx diz, ironizando, sobre desprezar as medidas realizáveis no capitalismo, que se aquilo era marxismo, então ele é que não seria marxista. Eu apresentaria a mesma objeção, caso fossem elas o motivo para alguém afirmar que a aplicação das mediações táticas no dia a dia do uso de nosso Programa seria economicista ou oportunista.

Ainda, é nessa parte do Programa que apresentamos a concepção de como construir alianças no seio do movimento sindical, justamente por entendermos que as alianças se dão em bases (em primeiro e mais predominante lugar) programáticas. Aqui me parece ser um dos pratos cheios para os camaradas que entendem que uma postura independente significa necessariamente uma postura sempre sozinha. Nesse ponto, certamente, a posição do CC é divergente dessa: não consideramos que, por princípio, os compromissos e alianças devem ser renegados; tampouco que devem ser desenvolvidos. Entendemos que alianças e compromissos táticos podem ter um papel muito importante para fortalecer nossas posições, se conseguimos que outras forças venham a apoiar, por necessidade ou por concordância, as nossas posições, ou aumentar nossa hegemonia, se isso for absolutamente inegável para um determinado setor. Da mesma forma que trabalhar sozinhos, sem alianças com outras organizações, pode ter o papel importante de apresentar claramente quais são divergências ou linhas demarcatórias que devem fazer sentido para a base ou categoria em que estamos nos inserindo, porque terão implicações diretas no curso das lutas às quais nos lançaremos. O CC assim aponta:

É também a partir do nosso Programa que devemos pensar nossas políticas de alianças no seio do movimento. Nesse sentido, temos duas posturas a evitar a todo momento: a primeira é a do isolacionismo por princípio, ou seja, a ideia de que qualquer divergência nossa com os demais setores organizados do movimento (outros partidos, organizações, coletivos etc.) implica necessariamente que não faremos alianças, sejam elas pontuais ou mais duradouras; a segunda é a da aliança por princípio, ou seja, a ideia de que em qualquer momento da luta é preferível se aliar com outras organizações, independentemente das divergências para o trabalho naquele movimento. Isso significa que temos que desenvolver alianças programaticamente direcionadas e que nossas alianças deverão se concretizar a partir dos elementos programáticos e táticos comuns com outros setores, com base nos nossos objetivos de inserção e aprofundamento de nossa influência sobre determinado setor da classe trabalhadora. Nada disso deve ser feito com seguidismo, mas buscando direcionar saldo organizativo e de consciência para o conjunto da categoria e da classe trabalhadora – o que pode significar, inclusive, ter de lidar com camadas com nível de consciência muito atrasado, inclusive reacionário.
É possível apresentar alguns exemplos.
Se temos em uma determinada categoria de trabalhadores uma outra organização política que possui um objetivo comum ao nosso – por exemplo, a construção de uma direção sindical diversa da atual –, haverá momentos em que uma aliança deverá ser construída para que o somatório das forças nossas e deles nos ajude a ultrapassar a diretoria atual do sindicato – contanto que os marcos programáticos dessa chapa de oposição sejam bem definidos e permitam a nossa atuação de maneira independente. Se essas alianças forem a tática correta para o momento, devemos apresentá-las para o conjunto da categoria com toda transparência, indicando os nossos motivos para construção dessas chapas ou campanhas conjuntas e também as diferenças que temos com os setores com quem nos aliamos. Estando os nossos militantes em uma chapa composta também por outras organizações, devemos sempre buscar influenciar ao máximo os rumos dessa construção, sem cair em táticas “isolacionistas” mesmo dentro de chapas conjuntas – o que seria, na realidade, uma aliança falsa, o que é deseducador para as bases que esperam honestidade e clareza dos comunistas.
Da mesma forma, haverá momentos em que, mesmo tendo objetivos semelhantes com outras organizações, haverá dificuldades grandes de um trabalho conjunto, seja por motivos programáticos, ou, mais comumente, por motivos de posicionamento político. No cenário em que estamos hoje, em que há um governo burguês com ampla intervenção junto ao movimento sindical no sentido de apassivar as lutas e colocar os trabalhadores sob a tutela do capital, devemos analisar muito friamente as possibilidades de trabalho conjunto com setores que apoiam esse mesmo governo.
O cerne, no entanto, é que, independentemente da nossa tática de alianças, ela nunca seja subordinada a pretextos que caminhem na contramão dos nossos objetivos de reorganizar o movimento sindical sob uma perspectiva classista e independente.

A citação é grande, camaradas, eu sei. Mas é fundamental para termos a visão do todo, a visão de em que medida as táticas indicam ou não as alianças para determinados momentos de luta. Vejam aí, camaradas, se nessas definições táticas há economicismo, se há oportunismo. Tirem suas próprias conclusões. Vemos que na aplicação dos princípios programáticos às alianças táticas o CC não defende senão a flexibilidade tática característica do marxismo-leninismo, sem abrir mão de vinculá-la a sua estratégia por meio de seu programa. Essa flexibilidade, sem dúvida, pode incorrer em decisões equivocadas, ou seja, cuja aplicação demonstra na prática que o papel desempenhado por nós foi incorreto em uma ou outra ocasião. Mas é preferível errar uma ou outra vez, por um erro de avaliação pontual, do que errar sempre por princípio, e ainda se vangloriar desse princípio.

Por fim, enfocamos a parte mais prática do documento sindical aprovado pelo CC. Ela tem como objetivo apontar o passo a passo mais cotidiano, mais direto e mais “mastigado” do que devem ser nossos passos iniciais para a inserção no movimento sindical. As orientações de ordem mais prática, que ponderam algumas diferenças importantes entre setores diferentes com base na exposição dos militantes, e como as direções devem enfatizar a persistência no caminho, são a tônica geral. Por isso mesmo, são orientações de ordem mais genérica, menos diretamente políticas ou ideológicas. Mas, se podemos aproveitar esse ponto, vale a pena apresentarmos ao menos um ou outro exemplo, para verificarmos se na aplicação desses indicativos práticos o trabalho está ou não caminhando pela linha do Partido.

O exemplo que tenho acompanhado e que revela uma grande apreensão dessa política tem sido o exemplo dos camaradas do DF, que estão construindo a Alternativa Bancária, uma frente de oposição à atual diretoria do Sindicato dos Bancários do DF, dominado pela burocracia cutista. Os camaradas, se aproveitando da relativa liberdade de que gozam por causa da estabilidade relativa de seus empregos, têm construído sistematicamente um esforço de unidade para colocar novamente no curso das lutas o movimento dos bancários do DF. Aprovaram recentemente um Manifesto, que está sendo distribuído nas principais unidades dos principais bancos, e organizando a categoria para além do sindicalismo de resultado que hoje domina o movimento sindical dos bancários. Haveria oportunismo ou economicismo nessa aplicação? Eu diria que não. Ao contrário, é visível a olhos nus (e seria bastante proveitoso que os camaradas pudessem sistematizar em algum momento essa experiência, para socializarmos com o conjunto do Partido) que estão aferrados à construção do movimento sindical com independência de classe e apostando na participação massiva dos trabalhadores e na democracia operária como princípio. Mesmo sob temas espinhosos, como é o caso das PLRs, a produção dos camaradas foi impecável do ponto de vista das mediações táticas: em vez de choramingarem, como fizeram os quadros da CUT, da redução da PLR no Banco do Brasil (precisamente a visão que seria economicista e oportunista), a matéria que publicaram em nosso jornal apresenta os motivos por trás desse fenômeno e critica (mesmo contra a consciência média da categoria) que a própria existência da PLR é um problema, e que ela deve ser incorporada aos salários.

Ainda é preciso mencionar – e os camaradas vão ter que me perdoar por usar sempre os camaradas da minha categoria como exemplo, porque exemplos assim não faltam no país – a grande polêmica que tivemos no começo do ano sobre o Sindicato dos Bancários do RJ. Debatemos em algumas reuniões da Fração Nacional dos Bancários sobre se nos manteríamos na chapa de continuidade da gestão – gestão em que assumimos cargos na diretoria, junto com praticamente todas as forças, incluindo a CUT, ainda no velho PCB – ou se nos somaríamos aos esforços de construir uma chapa de oposição, mesmo sabendo da probabilidade de derrota. Alguns camaradas na Fração, então membros da célula dos bancários do RJ, defenderam que não deveríamos sair da diretoria, mesmo com a formação de uma chapa de oposição à política da CUT, que é majoritária no sindicato, porque isso nos afastaria das bases do movimento, porque nós é que editávamos o jornal do sindicato e ele seguiria nossa linha, porque perderíamos a liberação de dois camaradas, um deles empregado em um banco privado, e assim por diante. A posição majoritária da Fração, que foi referendada pela Comissão Sindical e Popular do CC e pela Comissão Política Nacional, era de que isso seria uma postura absolutamente incorreta – aí sim, uma postura que estaria de acordo com aquilo que o camarada Theo descreve como ir às massas com desprezo pelo programa, pela tática, pela estratégia. Decidimos, portanto, que entre construir uma chapa de oposição que provavelmente seria derrotada (e que, no fim, nem sequer foi homologada, por golpes da burocracia sindical) e construir a gestão com o sindicalismo pelego, ficávamos com a primeira, porque nossa tática não é economicista ou oportunista. Não havia solução unitária nessa questão na Fração, o que levou à saída do Partido dos militantes que preferiram se manter na gestão do sindicato – entre os quais, vale sempre mencionar, não estava o camarada que trabalha no setor privado, mas estava o que trabalha no Banco do Brasil.

Em resumo, espero ter conseguido demonstrar aos camaradas o que é claro para quem estava no Congresso e para quem tem seguido à risca os desdobramentos que o CC tem dado às Resoluções, que nada há de oportunismo ou economicismo em nossa tática para o movimento sindical. Ao contrário, a linha em curso é precisamente uma linha de combate ao oportunismo e ao economicismo, em todos os seus aspectos (balanço histórico, concepção, programa, tática e alianças, e orientações práticas), de acordo com o Congresso.

Mas vejamos o que parece ser, na posição apresentada pelo camarada Theo, o exemplo mais direto de economicismo e oportunismo em nossa tática, a política do Partido para o Movimento Estudantil.

Há economicismo e oportunismo no movimento estudantil?

Quando o Congresso decide sobre o movimento estudantil na educação básica, afirma:

§100 A função primordial da escola para a classe trabalhadora no capitalismo é formar mão-de-obra para o mercado e socializar o estudante segundo a ideologia burguesa, uma realidade que varia conforme a divisão do trabalho e o grau de organização política das categorias educacionais. Essa influência se reflete na conjuntura atual da educação básica brasileira, profundamente impactada pela crise estrutural e global do capitalismo. Diante desse cenário, a proposta comunista reafirma a luta pela universalização da educação e defende o modelo de educação socialista, baseado nos princípios da omnilateralidade e da politecnia.
[...]
§103 Uma das tarefas imediatas do PCBR e da UJC é a reestruturação do movimento estudantil secundarista a partir das bases, fortalecendo a presença nas escolas por meio da fundação e fortalecimento de grêmios estudantis, além de participar ativamente das disputas em entidades estaduais e nacionais. Essa compreensão reconhece tanto o potencial organizativo das entidades existentes, como a UBES, quanto as fragilidades inerentes à dinâmica atual do movimento, muitas vezes dominado por organizações do campo democrático popular. Além disso, faz-se necessário que os comunistas não apenas se integrem, mas também permaneçam no movimento estudantil secundarista, contribuindo para a construção de grêmios, associações estudantis e para elevar a consciência dos estudantes e profissionais da educação em direção à construção da escola popular.

Quando decide sobre o movimento estudantil na educação superior, afirma:

§106 A UJC manterá as disputas na UNE e ANPG ocupando espaços em sua diretoria, realizando maior agitação política contra a vacilação de outras organizações e mais relatórios públicos sobre as disputas no interior da UNE. A disputa pela hegemonia dentro e fora da UNE passa diretamente pela construção, disputa e direção das entidades de bases e entidades gerais, organizando um movimento que tenha como bandeira o programa por uma universidade popular, lutando pela organização do ME desde as bases. Também devemos fomentar a atuação em todos os demais espaços que possam ser utilizados para a inserção em setores considerados estratégicos pelo Partido (meios estes como projetos de extensão, programas de iniciação à docência, cursinhos populares, etc).

§107 Os comunistas defendem uma Universidade Popular, na medida em que se trata de uma proposta de educação subordinada à estratégia socialista, culminando na superação da mercantilização da educação. O Movimento por uma Universidade Popular, ao se consolidar como um projeto revolucionário de luta pelo socialismo-comunismo, popularizou-se e cresceu, estabelecendo mediações táticas e bandeiras de luta coerentes com as demandas da classe trabalhadora, ao mesmo tempo que apresenta uma alternativa além dos limites da ordem burguesa e de seu modelo próprio de educação.

Da mesma maneira como no movimento sindical, não há economicismo ou oportunismo em nenhuma das visões sobre o movimento: em ambos casos, estão bem estabelecidos os princípios programáticos gerais, que apontam ambos para uma atividade consciente e uma atuação política, para além de simples vitórias econômicas nos marcos do capitalismo; bem como uma clareza em como construir isso para não abaixar nossas bandeiras estratégicas no dia a dia da construção das lutas imediatas. É verdade que, em geral, o debate sobre o movimento estudantil se expressou em menos parágrafos nas Resoluções do que o movimento sindical, mas não por um menor acúmulo, senão o contrário: as concepções sobre o Movimento Estudantil vem sendo definidas e aprofundadas pela UJC no mesmo sentido há anos, pelo menos desde 2017. Dada a vinculação da UJC ao PCB-RR ainda no processo da cisão, e posterior vínculo orgânico com o Partido, decidido no Congresso, seria de se esperar uma maior homogeneização com as linhas sobre ME. Do lado do movimento sindical, a discussão sobre concepção e princípios, trazida pelos camaradas que optaram por continuar a Reconstrução Revolucionária, não era tão disseminada e exigiu definições mais detidas e, da mesma forma, mais extensamente explicadas. Se algum camarada quiser, por causa dessa disparidade, inferir economicismo e oportunismo, acho que seria uma tese um pouco difícil de demonstrar, mas seria um debate importante. O fato concreto, no entanto, é que não há qualquer vestígio de economicismo e oportunismo na decisão do XVII Congresso também sobre o movimento estudantil.

É muito significativo, no entanto, o que o camarada Theo pensa sobre o Movimento Estudantil, que é um dos aspectos mais volumosos do trabalho partidário devido às condições legadas pela cisão. O camarada Theo parte de uma premissa que podemos descrever como “fatalista”, que é bastante compreensível em tempos de refluxo do movimento, de marginalidade dos comunistas, de fragilidade geral do proletariado. Mas, se quisermos interpretar corretamente as tarefas da conjuntura, não podemos nos deixar cair, por causa desse “fatalismo”, nem para posições oportunistas, nem para posições “revolucionaristas”. Vejamos a posição apresentada pelo camarada:

[...] O informe do Comitê Central sobre o resultado das eleições do 60º Conune resume bem como nossos ideólogos do Movimento Estudantil respondem: com cinismo político. “Olhem como avançamos, camaradas! A Oposição de Esquerda como um todo aumentou 100 delegados em relação ao último Conune, enquanto a majoritária aumentou 1.000! Claro, eles só cresceram por causa das universidades à distância (como quem diz: “então, desconsiderem os números!”). Dito isso, continuamos na luta por uma universidade popular e pelo socialismo, enquanto vamos negociar com as direções da Oposição de Esquerda para saborear pelo menos alguns poucos meses na direção executiva!”
Se tirarmos o cinismo dos que comemoram derrotas como se fossem vitórias, nos resta a óbvia constatação de que para se levar a sério a ideia de disputar UNE, temos uma única opção: jogar o jogo das fraudes, dos delegados fantasmas, das negociatas, fazer vista grossa quando identificarmos eleições duvidosas para que não percamos delegados noutro lugar do país e buscar eleger o maior número de delegados independentemente da qualidade do trabalho político. Sim, camaradas, esta é a única opção caso queiramos dirigir a UNE, porque pouco importa o quanto choramingamos sobre a majoritária crescer com as universidades à distância e com fraudes: no final do dia (ou melhor, na plenária final), é isso o que define a direção da entidade. E aí, qual é o nosso plano real para dirigir a entidade? É preciso falar em alto e bom som qual é a nossa tática, camaradas! Se a ideia é sermos eternamente uma pequena oposição que negocia migalhas de cargos, talvez para um dia exercer certa influência num setor mais avançado do movimento que nos possibilite rachá-lo para criar uma nova entidade; ou se é jogar o jogo das fraudes para um dia chegar no páreo da verdadeira disputa da direção da entidade.

Em primeiro lugar, é preciso novamente colocar sob uma lupa as carregadas tintas que o camarada usa para pintar um quadro que não corresponde muito bem à realidade. Não é preciso ir além dos Boletins Internos para ver que em nenhum momento o informe inicial do CC sobre o CONUNE (no BI 15/2025, para quem quiser verificar) é como o camarada coloca. Veja, eu entendo a vontade de polarizar e de preparar, na argumentação, um caminho que, para combater a posição do Congresso sobre a disputa das entidades, queira enfatizar alguns aspectos possivelmente questionáveis da posição dos camaradas que concordam com o Congresso. Mas voltem os camaradas no BI 15 e verão que não há cinismo, muito menos falta de consideração pelos números. O que há são considerações muito iniciais que não caem na espécie de “ufanismo” que o camarada apresenta. É preciso, portanto, que todos vejamos as coisas como são: não há comemoração de vitórias, nem choramingo de derrotas na avaliação que o CC teve do CONUNE, como pode ser visto em todos os documentos. As conclusões a que o CC chegou, que serão em breve publicadas, revelam o contrário: um senso autocrítico, que verifica erros políticos e organizativos feitos pela própria direção, e o caminho para corrigi-los no próximo período. É preciso, portanto, discordar, de maneira fraterna, do tom acusatório desmedido que o camarada apresenta como forma de suas posições, particularmente quando não há conexão com a realidade dos trabalhos do Partido e posições da direção.

Passemos, pois, aos temas de mérito, que são a principal divergência do camarada com as resoluções do XVII Congresso. Não é preciso muito para vermos o que está nas reflexões do camarada Theo, que seria a impossibilidade de os comunistas se tornarem majoritários, com um trabalho consequente e politicamente coerente com a estratégia socialista, no Movimento Estudantil. Como hoje somos minoritários e a força de nossa intervenção junto às bases estudantis não nos permite pautar e sobrepujar a dinâmica oportunista (tanto na política, quanto na organização do movimento, incluindo a UNE e seu congresso) com o peso de uma base de massas em apoio a nosso programa, o camarada Theo apresenta, quase como uma sentença, a impossibilidade de que isso se realize. A solução para essa constatação, na proposta apresentada pelo camarada, é que se modifique a linha aprovada no XVII Congresso e se assuma a tática de paralelismo na representação estudantil. Não vou tratar das questões de método envolvendo a impossibilidade do CC de descumprir as resoluções do Congresso, porque isso está fora de questão, obviamente, até o próximo Congresso. Mas precisamos abordar isso do ponto de vista do mérito, ou seja: por que a posição do Congresso está correta e a posição apresentada pelo camarada Theo está incorreta?

A perspectiva apresentada pelo camarada Theo exige um certo nível de “desconfiança” nas forças estudantis. O camarada Theo, como já dissemos, parece achar impossível que a UJC e o Partido exerçam uma influência relevante e majoritária nessas bases, a ponto de dirigimos o ME em unidade com o conjunto dos estudantes. A consequência necessária dessa posição é que deve ser questionada. Se, por uma incapacidade temporária de dirigir a maioria do Movimento Estudantil, os comunistas contentarem-se com cindir a entidade e carregar consigo apenas uma minoria, a consequência disso é deixar a maioria dos estudantes ainda sob o jugo dos setores reformistas e oportunistas. Se hoje estamos falando da disputa dessas entidades como forma de combater o oportunismo e construir o programa de Universidade Popular para além das nossas próprias forças, dirigindo as massas no sentido da aliança com o proletariado, a melhor condição para o trabalho revolucionário é a unificação do movimento, porque é esse movimento unificado que permite aos revolucionários disputarem todas as bases estudantis, e não deixar as mais atrasadas ainda mais atrasadas sob a influência do reformismo.

E, sobre a posição do Partido, não nos faltam exemplos de sua correção mesmo na prática mais cotidiana. Eu costumo lembrar aos camaradas de um ocorrido importante no CONUNE de 2019, que ajuda a demonstrar essa visão: no curso do congresso, fizemos um trabalho importantíssimo de disputa das bases, participando ativamente de diversos espaços de debate, mas também abordando individual e diretamente cada estudante independente que havia ido ao Congresso, fosse ou não fosse delegado. Esse trabalho foi feito por meio de um material impresso com as Teses da UJC ao CONUNE, e foram distribuídas algumas centenas ou milhares de cópias para os estudantes. O resultado desse trabalho coordenado e resiliente foi que havia um conjunto de 20 delegados que, às vésperas da Plenária Final, buscaram os quadros da UJC para dizer que haviam ido ao CONUNE junto com a majoritária, mas que haviam sido convencidos de nossas posições e gostariam de uma reunião para debatê-las mais profundamente e decidir em quem votariam. Realizamos, então, uma plenária, no estacionamento do Estádio Mané Garrincha, com dirigentes da UJC e esses estudantes, em que pudemos debater abertamente nossa política e ouvi-los. Tivemos, é claro, que custear a volta desses estudantes para suas cidades, porque a majoritária informou que os havia expulsado dos ônibus quando viram a plenária que realizamos; infelizmente, encontramos os crachás de 3 desses 20 rasgados em um canto, posteriormente, porque o medo de não voltar para casa os impediu de votarem no que acreditavam, mas havia se tornado impossível votar na majoritária. Conseguimos, assim, por meio de nosso trabalho unitário e, ao mesmo tempo, de denúncia às direções reformistas do movimento, aumentar em 17 delegados a nossa votação. É pouco, certamente, mas revela a necessidade imperiosa de não deixarmos a massa estudantil ouvindo apenas a ladainha falsificadora do reformismo e, dessa forma, a necessidade de não nos contentamos com uma política paralelista.

A posição do camarada Theo tampouco é nova no seio do movimento. A posição que diz que as entidades de luta atrasadas e dirigidas por setores não comunistas devem ser abandonadas em prol de um tipo de entidade (que o camarada Theo não nomeia, mas que poderíamos inferir, sob pouco risco de erro, que seria um tipo de entidade estudantil revolucionária) já foi combatida pelo marxismo-leninismo. Essa posição era a posição dos comunistas de esquerda (traduzidos costumeiramente como “esquerdistas”) e Lênin resume em seu livro de 1920 a posição como tendo os seguintes elementos:

os comunistas não podem nem devem atuar nos sindicatos reacionários; é lícito renunciar a semelhante atividade; é preciso sair dos sindicatos e organizar obrigatoriamente uma “união operária” completamente nova e completamente pura, inventada pelos comunistas muito simpáticos (e na maioria dos casos, provavelmente, muito jovens), etc, etc. [?]

Esse não é um debate novo e não devemos tratá-lo como um debate “ultrapassado”, tampouco. Segue sendo um debate atual, porque revela um certo fatalismo para com o atual estado de ânimo das massas, fatalismo que não reconhece o paciente e resiliente trabalho a ser feito pelo Partido revolucionário. Não há atalhos na luta de classes, essa é a conclusão a que devemos chegar. Deixar as bases atrasadas (a maioria, ainda por cima!) nas mãos do oportunismo como se isso representasse algum tipo de avanço para o movimento é um tiro no nosso próprio pé. Não poderíamos prestar melhor serviço ao oportunismo do que deixar em paz suas bases atrasadas, do que renunciar à agitação contra os líderes e as organizações oportunistas no próprio seio do movimento, e criarmos uma entidade “pura”. Seria algo correlato se, observando dentro de um sindicato a existência de setores atrasados, decidíssemos separar entre um sindicato dos trabalhadores “conscientes” daquela categoria e um dos trabalhadores “atrasados”, deixando-os no pântano eterno da influência burguesa.

Esse é, inclusive, o balanço científico a se fazer da própria ANEL, iniciativa organizada por setores da oposição à UNE, particularmente alguns setores trotskistas, encabeçados pelo PSTU. Sob justificativa de que o ME vivia um ascenso de suas lutas e que era possível se desvencilhar e superar o aparelhamento e a burocracia da UNE, esses setores conseguiram conquistar algum apoio minoritário no movimento entre os anos de 2009 (na fundação) e 2015, sucedidos pelo ano de 2016, que viu a cisão do PSTU (hoje, Resistência-PSOL) e o começo do enfraquecimento da entidade. A última atividade em que houve a presença da ANEL como uma entidade representante de alguma base de estudantes (questionável, haja visto que basicamente se confundia já à época com a juventude do PSTU, que se consolidava com o nome de Rebeldia, que usam hoje) foi o III ENE em 2019, ano em que o PSTU voltou a participar do Congresso da UNE, na qualidade de observadores.

Diferente do que o camarada Theo aponta, as sínteses que a UJC foi construindo sobre a ANEL não são mero desdém, mas avaliações vivas que foram sendo acumuladas inclusive nos Congresso da juventude. No VI Congresso da UJC (2012), já era claro que os 3 anos de construção da ANEL mostravam uma dinâmica de trabalho e construção que não saía de métodos parecidos com os da UNE, de aparelhamento, mas por parte do PSTU, que à época se destacava por ser a organização política fora do campo petista com maior inserção e organização sindical e estudantil. No VII Congresso (2015), a resolução demonstrava já uma abertura para estudarmos as possibilidades de inserção e disputa das entidades gerais (UNE, UEEs e ANEL). A partir da realização do VIII Congresso (2018), a ANEL já não tinha qualquer representação na base dos estudantes como uma entidade real e orgânica do ME – o que aparentemente justificou a decisão do próprio PSTU de voltar ao CONUNE em 2019 – e não mais apareceu nas discussões dentro da UJC.

Ora, camaradas, é preciso fazer certamente um balanço político dessa construção, agora que podemos olhar retrospectivamente para seu insucesso. No plano estratégico, pelo menos, é inegável esse insucesso: a entidade não existe mais (durou cerca de 10 anos) e não conseguiu construir nenhuma base sólida de filiação de entidades gerais, como DCEs, e a baixíssima representatividade de suas próprias Assembleias não levou a entidade a frente. Se a perspectiva era construir uma outra entidade massiva de representação do movimento estudantil, e se seu potencial era não apenas inegável, mas uma necessidade do movimento, é preciso explicar o porquê de sua paralisia posterior e consequente desarticulação. Ainda que, sem dúvida, a ANEL no plano tático tenha desempenhado papéis positivos (entre elas a construção dos ENEs, uma perspectiva melhor que a da direção majoritária da UNE de mobilização e construção efetiva do ME nas bases, a tentativa de participação e interlocução com o ME em outros países, entre outros), ela não conseguiu superar a perspectiva de ser, em termos bastante práticos, um espaço para o PSTU capitanear um setor trotskista da vanguarda estudantil. Nos dois momentos em que a ANEL poderia (hipoteticamente) ter desempenhado um papel de mudança da correlação de forças no ME – as jornadas de Junho de 2013 e a Greve das Federais de 2015 –, isso não aconteceu. Infelizmente, não temos acesso ao balanço do PSTU sobre essa iniciativa, nem sabemos em que medida ele foi feito ou sistematizado, o que creio que seria importante para esse diálogo.

É necessário destacar que a ANEL sequer cumpriu o papel de fortalecer e consolidar um campo apto, posteriormente, a retornar à UNE de maneira robusta a fim de disputar em outro patamar a direção e os rumos do movimento estudantil nacional no seio desta entidade. É evidente pelo desfecho da própria experiência da ANEL o quão contraindicada e prejudicial pode ser essa tática de isolamento em nome da independência, renunciando por meio do paralelismo à disputa dos espaços comuns do movimento de massas. Para piorar: hoje, muitos dos quadros estudantis formados na ANEL se encontram integrados ao campo majoritário do PSOL, na corrente Resistência. Vemos que o isolamento em relação às massas sequer serve de garantia de preservação da própria organização contra o oportunismo.

Tampouco a UJC teve uma política totalmente consequente no período de 2009 a 2016, em que se negou a disputar o ME de forma a apontar para a sua organização de forma unificada e nacional. A linha aprovada no VII Congresso ainda refletia uma visão que opunha a “construção pela base” à disputa das entidades nacionais, como um reflexo de um certo localismo e basismo que se abstinha de apresentar-se como alternativa em nível nacional para os estudantes. Não foi à toa, portanto, que a mudança tática feita ainda em 2017 e consolidada no VIII Congresso da UJC, em 2018, deu sequência ao maior avanço de inserção e disputa da UJC no seio do ME, mesmo em uma conjuntura de retrocesso, marcada pelo golpe parlamentar de 2016. Caminhando para uma clareza cada vez maior de nosso programa de Universidade Popular e de nosso trabalho junto às bases estudantis, que se aprimorava ano a ano e chegou a envolver até o combate, na CN da UJC, à proposta de fazermos uma chapa única em 2019, dissolvendo a Oposição na Majoritária, a UJC foi se consolidando e crescendo sua influência de massas.

Assim, camaradas, é importantíssimo entendermos como a proposta do camarada Theo representa uma divergência importante com o XVII Congresso. Voltemos ao Congresso e sua clareza nesse assunto:

§106 A UJC manterá as disputas na UNE e ANPG ocupando espaços em sua diretoria, realizando maior agitação política contra a vacilação de outras organizações e mais relatórios públicos sobre as disputas no interior da UNE. A disputa pela hegemonia dentro e fora da UNE passa diretamente pela construção, disputa e direção das entidades de bases e entidades gerais, organizando um movimento que tenha como bandeira o programa por uma universidade popular, lutando pela organização do ME desde as bases. Também devemos fomentar a atuação em todos os demais espaços que possam ser utilizados para a inserção em setores considerados estratégicos pelo Partido (meios estes como projetos de extensão, programas de iniciação à docência, cursinhos populares, etc).

Sem dúvida eu acho que, em uma conjuntura diferenciada, de ascenso do movimento de massas e da classe trabalhadora, de constatação de um inequívoco rompimento, aos olhos das massas, da organização do movimento estudantil, a proposta do camarada Theo poderia fazer algum sentido. Mas apresentada como uma questão de princípio político, elevada a estratégia, essa tática só pode nos afastar do movimento de massas – e por isso não foi aprovada por nosso Congresso. Convido o camarada a apresentar esse mesmo debate no XVIII Congresso, e poderemos novamente ter essa discussão, que não é uma discussão nova no movimento comunista.

Mas, camaradas, é importante entendermos uma coisa, que é a base de todo o debate sobre o “fatalismo”, ou seja, sobre se os comunistas conseguem ou não se tornar uma força majoritária no seio do movimento estudantil por seus próprios métodos, sem prescindir da unidade necessária do movimento em si. Não faltam exemplos que demonstram essa possibilidade. Para citar um apenas, vemos o sucesso dos camaradas da KNE (Juventude Comunista da Grécia), que alcançaram nas eleições estudantis em 2025 mais de um terço dos votos de todos os estudantes do país, pelo quarto ano seguido, depois de quase 40 anos sem alcançar esse patamar. Os camaradas construíram essa política confiando em suas forças e confiando na capacidade dos estudantes de reconhecer seu papel de liderança no ME e, mesmo possuindo seu movimento próprio, junto com militantes independentes, consolidado já há mais de 50 anos, seguem batalhando para a reconstituição de uma entidade nacional unificada, a União Nacional dos Estudantes da Grécia. O fundamental é isso: queremos conquistar, de maneira massiva, os corações e mentes dos estudantes (e de todos os jovens e de todos os trabalhadores) com a responsabilidade de quem utiliza a unidade do movimento a nosso favor. Sabemos que é uma tarefa hercúlea, e é precisamente por isso que temos que ter a maior clareza possível sobre como fazê-la, e a visão que nos legou o Congresso está correta porque não despreza a unidade real do movimento, enfatizando a independência programática e política que temos que desenvolver para alcançá-la. 

Como vimos antes, o camarada Theo não apresenta um balanço direcionado ao movimento sindical, e por isso não fiz mais do que demonstrar que sua avaliação (de que há economicismo e oportunismo na tática) não pode estar se referindo a esse movimento, nem nas resoluções do Congresso, nem nas decisões do CC. Gostaria também de poder aprofundar essa discussão junto ao camarada, mas seu enfoque foi outro, e nada há de errado nisso. Pudemos demonstrar também como a própria concepção de Movimento Estudantil apresentada pelo camarada Theo se choca contra as concepções do Congresso, e em que medida estas estão corretas em detrimento daquela. Vejamos, então, se as posições do CC estão ou não de acordo com as resoluções do Congresso.

O documento que apresenta de forma mais acabada o desdobramento que o CC fez das resoluções do Congresso para a luta concreta foram as Teses da UJC ao 60º CONUNE. As Teses são, como é costumeiro, em Conjuntura, Educação e Movimento Estudantil. Vamos passar por cada um desses temas e debater suas linhas gerais, com alguns exemplos, para verificarmos se é no Movimento Estudantil que estamos levando a cabo algum tipo de tática economicista e oportunista.

No debate de Conjuntura, é bastante claro que as Teses desenham corretamente o quadro conjuntural e apresentam algumas tarefas particularmente importantes para o ME. No quadro da análise geral, destacam-se nossa visão (que é muito particular no seio da esquerda brasileiro, incluindo os nossos aliados táticos no CONUNE deste ano) de entender como a agudização das disputas interimperialistas impacta todo o globo e as correlações de força entre as classes. Com isso, não caímos na posição oportunista de defender o famigerado “multipolarismo”, mas, ao contrário, demonstramos como a crise da democracia liberal-burguesa está diretamente conectada à falta de força dos trabalhadores, iludidos em sua maioria pela hegemonia reformista no cotidiano da imensa maioria dos países. As principais ameaças frontais aos trabalhadores, no sentido do retrocesso em conquistas históricas, está bem delimitada nos eixos das políticas de austeridade (incluindo a precarização dos serviços públicos e o Teto de Gastos do governo federal), bem como o crescente militarismo, que ataca particularmente a população negra no Brasil e a classe trabalhadora em geral. Debatendo a principal luta operária do período mais recente de lutas, a luta pelo fim da escala 6x1 e pela redução da jornada de trabalho, o documento expressa claramente uma linha demarcatória daqueles que educam a classe e a mobilizam por meio dos nossos próprios métodos e com independência de classe, ou seja, nós; do polo governista e reformista, que pretende substituir a luta de massas pela luta parlamentar, negociando com a grande burguesia em uma correlação de forças desfavorável, que só fará outras moedas de troca surgirem contra os trabalhadores. Por fim, a perspectiva é clara – não há solução para os trabalhadores e estudantes que não seja o socialismo-comunismo, a tomada revolucionária dos meios de produção e do poder de Estado e a reorganização socialista da sociedade.

Podemos claramente observar que nenhuma das soluções “fáceis” e preguiçosas do oportunismo e do economicismo estão presentes. Ao contrário, ao oportunismo de apresentar aos estudantes que a solução vem por meio da defesa de polos diversos do sistema imperialista ou, em solo nacional, de um governo burguês social-liberal como o de Lula e Alckmin, opomos a luta de classes e o internacionalismo proletário. Ao economicismo de legar a luta pelo fim da escala 6x1 às táticas institucionalistas, isso é, parlamentaristas, depositando toda a força da análise e das soluções na correlação de forças no Congresso Nacional, opomos a luta de massas organizada e com consciência de classe. Não será na análise da conjuntura que encontraremos qualquer sinal de economicismo ou oportunismo.

Mas vejamos no programa educacional apresentado por nós ao CONUNE. Nessa parte, as Teses começam com uma dura crítica ao subfinanciamento crônico do sistema educacional, mas não cai na política individualista de apresentar isso como “falta de vontade”: a contraparte desse subfinanciamento da educação pública é o “superfinanciamento” da educação privada, com subsídios do poder público, e é pelas necessidades dessa fração burguesa, o grande capital monopolista educacional, que é pautada a política do governo. Ainda, explicamos o quanto o EAD é uma falsa solução para um problema sério de acesso à educação superior. Além disso, identificamos medidas que podem e devem ser realizadas imediatamente para termos um salto de qualidade nesse segmento: o combate à terceirização do trabalho nas universidades; a recomposição do quadro de trabalhadores do segmento; o combate à precarização da educação representada hoje pelo EAD; a estatização dos monopólios educacionais; o acesso universal; e a anistia das dívidas de financiamento estudantil privado.

Todos esses pontos são, ou exatamente iguais aos pontos demonstrados no Programa do Partido, ou ajustes mínimos. Algum deles significa algum tipo de medida de “meio termo” com o grande capital? Difícil afirmar isso, dado que as medidas implicam o fim do grande capital monopolista educacional. Seria um tipo de tática oportunista, como a UJS faz, a de “regulamentar o EAD”, mas manter sua existência, por exemplo. Ou defender apenas uma “ampliação de vagas”, mas manter a lógica elitista da exclusão dos trabalhadores pela via do vestibular. Mas isso também não foi feito: a análise sobre o fim do vestibular é uma das mais importantes das Teses, porque delineia com clareza o compromisso da UJC com as cotas, sobretudo no momento de debate intenso no país sobre cotas para a população trans, apontando no entanto que o vestibular é a barreira que deve ser enfrentada e derrubada. É oportunismo defender as cotas, uma vez que defendemos o fim do vestibular? Creio que não, creio que demonstra o compromisso do Partido com setores historicamente excluídos não apenas do ensino superior, mas muitas vezes da educação como um todo, sem com isso abrir mão de nossa bandeira histórica, vinculada ao programa da Universidade Popular. As Teses seguem abordando o problema da assistência estudantil, que é hoje a principal causa de evasão no ensino superior, devido à absoluta falta de financiamento e estruturação para que os estudantes se sustentem na universidade. Todas as medidas estão absolutamente de acordo com o nosso programa, demonstrando não haver qualquer compromisso programático com bolsas vinculadas ao grande capital, ou parcerias público-privadas, o que seria de fato um desvio economicista e oportunista.

Ainda, fazemos um debate sobre a própria qualidade, no sentido do caráter de classe, da produção científica e acadêmica hoje feita nas universidades. Rompendo com qualquer sustentáculo liberal de que é preciso vincular essa produção à lógica mercantil, isso é, que se expresse na rentabilidade de mercadorias a serem produzidas e comercializadas pelo grande capital a partir da pesquisa feita com investimento público, apontamos que o próprio controle dos recursos deve ser feito de forma democrática, e não pelas burocracias universitárias. Por fim, defendemos uma das pautas que eu considero mais significativas, particularmente para o setor da pesquisa e da pós-graduação, que é a do reconhecimento do vínculo empregatício dos pesquisadores e demais trabalhadores do ensino que estão em contratos precarizados (como de bolsistas de monitoria ou estagiários) sob os mesmos marcos da CLT. Confesso que também aqui falho em observar se há algum tipo de medida oportunista ou economicista.

O ponto final da parte de educação das Teses ainda retoma os princípios do nosso projeto estratégico, o programa da Universidade Popular, acumulado na última década e meia pela UJC e pelo Partido. Nele, delineamos claramente o vínculo do projeto de universidade com a estratégia revolucionária socialista. É sem dúvida um dos pontos que precisamos dar atenção no próximo período, na medida em que precisa ser atualizado (como parte significativa dos debates do IX Congresso da UJC) para as novas balizas programáticas do Partido depois do XVII Congresso. Mas, até mesmo por isso, desenvolvemos uma brochura só sobre Universidade Popular, que tenta demonstrar como essa visão sobre a Universidade é incompatível com o próprio sistema capitalista e sua produção anárquica de mercadorias como motor da vida social.

A terceira e última parte das Teses é sobre o Movimento Estudantil em si. Aqui, cito integralmente a formulação central da posição que hoje defendemos no ME. O grifo é do original.

Durante muito tempo, com receio de fazer uma crítica firme ao governo Lula-Alckmin, a oposição se acomodou no papel de alternativa “mais combativa” frente à maioria. Mas isso não basta. A unificação desses setores socialistas que defendem a independência de classe dos trabalhadores precisa se dar não apenas pela rejeição ao que representa o bloco majoritário, mas sim pela construção de um projeto distinto de educação e sociedade — que seja autônomo frente aos governos, crítico à política econômica do lulismo e guiado pela perspectiva socialista revolucionária. Nos últimos meses, houve uma aproximação política valiosa entre os setores que compõem a oposição, organizando plenárias unificadas, notas e atos em conjunto. Acreditamos que esse é o caminho que devemos seguir e aprofundar.
Fica nítido que a construção de uma nova maioria estudantil, combativa e comprometida com o socialismo, não se dará por meio de alianças oportunistas em momentos específicos, mas sim por um processo de reconstrução desde a base, impulsionando lutas conjuntas, com abertura ao diálogo e à participação. É preciso romper com a prática de buscar meras vitórias eleitorais às custas de uma construção política coerente e consistente. A confiança entre as organizações e, mais importante ainda, por parte do conjunto dos estudantes em torno dessa alternativa, só pode ser construída sobre relações fraternas, baseadas no companheirismo e em projetos compartilhados. Todos os setores realmente engajados na construção de uma UNE independente politicamente e crítica ao projeto burguês de destruição dos direitos da classe trabalhadora devem somar-se a esse esforço. As divergências de linha e programa precisam ser respeitadas, com o compromisso constante de buscar convergências no enfrentamento tanto à extrema-direita quanto ao social-liberalismo "progressista", que perpetua os interesses burgueses e atua para conter a mobilização dos trabalhadores e estudantes.
A tarefa que se coloca é fortalecer a presença militante nos Centros e Diretórios Acadêmicos, nos Diretórios Centrais de Estudantes e nas Uniões Estaduais de Estudantes, articulando campanhas e programas de luta que partam das demandas concretas da juventude, mas que apontem para uma transformação estrutural da universidade e da sociedade. É necessário enfrentar o hegemonismo do campo majoritário, que, ao contrário do que aparenta, só possui unidade porque está completamente subsumido à lógica do governismo e da conciliação de classes.
O movimento estudantil precisa romper definitivamente com a ilusão institucionalista. A UNE deve retomar seu papel histórico de ferramenta de organização e luta contra os ataques da burguesia, contra a precarização da educação, contra o projeto neoliberal em curso, e em defesa de uma nova sociedade, construída a partir do poder dos trabalhadores.

Coloco aqui um debate de forma completamente aberta, camaradas: há oportunismo e economicismo nessa visão? É possível que algum camarada argumente que essa própria visão nossa de unidade se trataria de uma concessão oportunista – afinal, as unidades que construímos neste CONUNE certamente não são unidades estratégicas, porque há setores com os quais nos aliamos que não possuem a mesma estratégia. Mas, como já vimos antes, se a questão é apenas construir alianças para as lutas concretas, isso é, para o desenvolvimento de nossas táticas com aqueles que concordam com a nossa estratégia, isso significa uma oposição por princípio às alianças ou ainda uma confusão entre tática e estratégia, como já mencionamos antes. É compreensível que haja camaradas que, por diversos motivos, tenham desconfianças sobre formar alianças, mesmo as mais pontuais. No velho PCB, ainda unificado, muitas vezes a concepção de formar alianças significava se colocar a reboque de outras organizações, de outras estratégias, de outras táticas. Mas basta os camaradas verem o delineamento da tática apresentada que não se enxerga uma vírgula de reboquismo. Ao contrário, se enxerga o esforço ativo de uma unidade baseada em um enfrentamento comum, a problemas comuns. Há melhor forma de construir a hegemonia no seio de qualquer movimento do que sendo sempre os maiores defensores do fortalecimento dos interesses dos trabalhadores e estudantes, quando a unidade pode produzir esse avanço?

Fica claro como o dia que é minimamente questionável a afirmação tão definitiva do camarada Theo de que estão “intocados o economicismo e o oportunismo na formulação tática”, para não dizer simplesmente que é errada, também agora no Movimento Estudantil como no Movimento Sindical.

Vale também, por fim, comentarmos sobre o “orçamento obsceno (!!!)”, exclamado pelo camarada. Ora, se já vimos que nada há de economicismo ou oportunismo na tática que adotamos e na visão sobre as entidades estudantis, falar em um orçamento grandioso para uma tarefa grandiosa não tem nada de obsceno, pelo contrário – sem as finanças na medida certa para uma tarefa deste tamanho, que envolveu inclusive custear a ida de camaradas do Brasil inteiro, garantir alojamento, alimentação, cuidados mínimos, seria uma irresponsabilidade tremenda, não apenas com o conjunto dos estudantes, mas também com a militância do Partido. O orçamento do CONUNE é grande na proporção de que essa tarefa também é grande, e se a discordância do camarada com a tática, aprovada no Congresso, é válida, não o é sua objeção ao orçamento, que não decorre senão das necessidades práticas dessa tática. Obsceno seria que o Partido se comprometesse, como se comprometeu no Congresso, com essa tarefa e o CC subestimasse o orçamento, fazendo com quem camaradas tivessem uma alimentação insuficiente, não tivessem alojamento, ou tivessem dificuldade para ir ao CONUNE ou retornar para suas casas. Houve, no entanto, um grande erro do CC na condução dessa tarefa, que foi o de apresentar tardiamente a campanha financeira, e isso o próprio CC assumiu como tema de seu balanço. Sem uma campanha financeira unificada e coordenada a tempo, o Partido não poderia ter cumprido com o orçamento a contento, como não cumpriu. Mas a crítica do camarada não é sobre o CC ter atrasado o início da campanha (que era uma condição para seu sucesso) e, sim, de ter feito um orçamento de acordo com as necessidades políticas estabelecidas no Congresso – em vez de criticar o CC pelo que foi insuficientemente responsável, o critica pelo que foi excessivamente responsável.

Os camaradas podem estar se perguntando por que foi necessário debater de forma tão detida um aspecto mencionado tão “de passagem” no texto do camarada Theo. Entendo que é preciso tomarmos bastante consciência, no curso da construção do Partido e do nosso trabalho revolucionário, das diferentes linhas que há no movimento dos trabalhadores. É preciso entender que, sim, há divergências que são constitutivas do curso do marxismo-leninismo, diferenças de tática, possibilidades que decorrem das diversas correlações de força entre as classes na sociedade e considerações as mais diversas. Mas não podemos deixar de mencionar quando essas diferenças são colocadas “de passagem” quando elas constituem o cerne da discussão. Não estamos, como o camarada Theo apresenta, debatendo se caminhamos no rumo de nos tornarmos um partido da vanguarda ou um partido de massas. O conteúdo de classe e dos debates está bem afirmado em nossos princípios e tem sido desenvolvido pela militância de todo o país segundo eles. Somos ainda, sem dúvidas, uma organização muito pequena, com muito poucas conexões com a classe trabalhadora – mas com princípios muito bem definidos em diversos aspectos.

Como é a reconstrução e a construção de um partido de vanguarda?

O trabalho de reconstrução e construção de um partido de vanguarda não pode se apoiar em outro lugar que não nas concepções, e nisso estou plenamente de acordo com a posição do camarada Theo. O equívoco do camarada, novamente, está na ordem das considerações de como tornar realidade esse processo. Mas antes de entendermos se há ou não equívocos, é fundamental entendermos se o diagnóstico que o camarada Theo apresenta é também verdadeiro ou não.

O camarada Theo busca diagnosticar os problemas da unidade ideológica e assim é que tenta fazê-lo:

Quando a unidade ideológica do Partido não é a prioridade, quando não estruturamos e forjamos a militância a partir do trabalho em volta do aparelho ideológico – da nossa estrutura de imprensa – e do rigoroso estudo teórico, nossa participação do movimento de massas tende, inevitavelmente, ao oportunismo. Não porque nossos militantes são “ruins”, mas simplesmente porque é para a ideologia burguesa (lembremos: mesmo o sindicalismo combativo está dentro dela) que o desenvolvimento espontâneo da consciência e do trabalho prático nos leva.
Verdade seja dita, camaradas: há um desprezo sistemático de nossa parte pela formação teórica. Nem no PCB, nem no PCB-RR, nem no PCBR a teoria foi tratada como a importância que merece. Ela jamais foi colocada no mesmo patamar de relevância do trabalho prático, mesmo pelos maiores “estudiosos” do leninismo no nosso partido.

Novamente, como ponto lateral, é preciso verificar como o camarada carrega nas tintas em sua retórica, para dar um tom inflamatório. Mas seria o caso, eu entendo, de pedir que o camarada deixasse de usar seu sarcasmo e pudesse efetivamente dizer quem são os “maiores ‘estudiosos’ do leninismo do nosso partido” e em que medida os estudos desses camaradas são dignos da ironia que o camarada Theo apresenta. Do contrário, sem o embasamento concreto nas posições concretas de militantes do Partido, soa infelizmente como algo feito apenas para dar sequência ao tom de deboche que, a meu ver, em nada acrescenta.

Mas, como já apontamos antes, no mérito da questão, é preciso ponderar para além das tintas e verificar o que está havendo na realidade, e que o “desprezo” pela teoria não existe senão na cabeça do camarada. Já enumerei algumas iniciativas, para além daquelas organizadas diretamente pelo CC, de como a formação teórica está no cotidiano da militância do Partido e como temos elevado o nível geral de nossa militância. Então se isso é tão óbvio e pode ser verificado nas inúmeras divulgações feitas pelos mais variados cantos do país sobre nossas formações, qual pode ser a visão que o camarada Theo entende ser contrária à sua, a ponto de justificar uma ênfase tão grande no que ele vê como “desprezo” que o faça perder de vista o que efetivamente está acontecendo no Partido? Entendo que um dos pontos-chave para compreender seu diagnóstico equivocado está na seguinte passagem:

E, frequentemente (para não dizer sempre), a decisão das direções é priorizar as ações práticas do movimento, tão internalizada que está a diretriz absoluta e inquestionável de “participar do movimento de massas”, já que “cada passo no movimento real é mais importante do que uma dúzia de programas”. Não raro aparece a justificativa: “a gente aprende e se forma na prática concreta”, esquecendo que a prática política do movimento, quando desprovida de teoria consciente, é nada mais que a prática política burguesa. Talvez estejamos tão desacostumados a pensar que nem consideramos que aquela máxima do camarada Marx pode não servir se os passos que damos são para trás!
Antes que os nossos paladinos do tarefismo irracional trajados de defensores da primazia da atuação “comunista” no movimento de massas se apressem em invocar espantalhos: NÃO, camaradas! Não acho que devemos nos abster de “participar do movimento de massas” para ficar estudando o marxismo trancado dentro de uma sala. O que defendo é que tanto nossa “participação no movimento de massas”, quanto nossa formação teórica, se dê a partir do nosso trabalho ideológico; que não trabalhemos mais ignorando quaisquer dos três pilares da práxis comunista (a luta econômica, política e teórica). O que isso significa na prática?
Primeiro, que a formação teórica e a forja da unidade ideológica e de ação não se resumem aos indispensáveis, mas raros grupos de estudos (seja dos módulos do Curso, seja leituras coletivas da literatura marxista). Ela se dá, principalmente, no envolvimento de toda militância num trabalho comum em torno do aparelho ideológico do Partido, do seu órgão de imprensa, seu trabalho de agitação e de propaganda. Hoje, porque precisamos “participar do movimento de massas”, escoamos toda energia e os parcos recursos humanos e financeiros que temos direto para as células por local de atuação, independente de sua prioridade, de seu caráter estratégico, das condições reais de disputa, da capacidade e da qualidade (do tipo) de intervenção dos militantes. Não importa que sequer temos uma estrutura mínima capaz de pensar politicamente, formular táticas, dominar razoavelmente e propagar a teoria revolucionária, estudar a realidade etc., em cada Comitê Local. Não. O importante é colocar arbitrariamente e de forma dispersa qualquer militante inexperiente que bateu em nossa porta para “construir um trabalho no seu local de atuação”, sabe-se-lá como, sem ter sequer capacidade de lhe prover algum tipo de instrução e acompanhamento qualificado – até que ele perca a paciência e o sentido de militar e vá embora em não mais que 6 meses. Pelo menos, assim, “estamos no movimento de massas”.

Vejam, camaradas, que a posição que o camarada expressa tem um fundamento que está de acordo com os mesmos problemas que já discutimos antes. Vamos esmiuçar essa visão e demonstrar em que medida ela se afasta de nosso Congresso.

É preciso dizer, antes de tudo, o camarada não sustenta seu argumento com nenhuma passagem de nenhum documento do CC. Mas teremos que voltar e demonstrar isso, afinal, para evitar o erro de apontar sem embasamento nossa posição.

No BI 5/2025, que orientava para o trabalho de 6 de janeiro em torno do fim da escala 6x1, mesmo sendo uma campanha que faríamos sozinhos como Partido, o que aumentava nossas tarefas práticas junto ao movimento, já havia o informe de que se estava construindo uma brochura de síntese sobre a luta pela redução da jornada, que logo foi publicada. O chamado do CC era de que “o caráter de propaganda de nossas ações deve ser fortalecido e intensificado”. Outro exemplo foi no mesmo BI, em que os camaradas da UJC no Ceará informaram que haviam realizado uma assembleia que alterou o nome do grêmio de sua escola para Horácio Macedo, enfatizando na discussão o papel do camarada para a Reconstrução Revolucionária do PCB.

No BI 7/2025, que orientava sobre a construção das mobilizações do 8 de março, toda a primeira parte da orientação é uma avaliação teórica e política do curso que gostaríamos de empreender ao movimento. Explicando a história do 8 de março e os vínculos entre essa luta e a luta pelo fim da escala 6x1, a orientação explicitamente apresentava os fundamentos ideológicos de nossa intervenção, com destaque para o reconhecimento do trabalho improdutivo de mulheres como parte do trabalho socialmente necessário. Além disso, foi o BI que informou ao conjunto da militância o início do trabalho de formação que já mencionamos, com o Módulo 1 do Curso Básico de Formação Política.

No BI  9/2025 é quando anunciamos as atividades de lançamento, que deveriam ser organizadas por todos os Comitês Locais e, especialmente, pelas células da UJC, da brochura sobre a redução da jornada de trabalho. Além disso, conta com uma orientação da Comissão de Internacionalismo Proletário para a realização de atividades de propaganda sobre a luta em solidariedade à causa palestina. Também houve a orientação de debate, com base na discussão do CC, sobre a COP 30, nossa posição sobre as questões ambientais e a mobilização em torno desse evento, que será realizado agora em outubro.

No BI 10/2025, anunciamos a realização da live sobre a história do movimento comunista brasileiro, em que pudemos debater e apresentar claramente nosso acúmulo ideológico sobre o assunto. Ainda, orientamos a realização das atividades de “descomemoração” dos 61 anos do golpe de 1964, apresentando ao conjunto da militância os acúmulos teóricos que temos sobre o assunto, orientando na realização de diversas atividades, entre elas uma entrevista no dia 2 de abril, realizada pelos camaradas de Rondônia e replicada no YouTube nacional. Também apresentamos os resultados do Pleno Extraordinário do CC que debateu a carta do camarada Ivan Pinheiro, cujo resultado foi também um texto de polêmica em defesa das posições do Congresso e que reatualizou e aprofundou os debates sobre o Partido e o centralismo democrático. Por fim, foi enviada nele a contribuição de uma camarada de Belo Horizonte, sobre a luta em torno da tarifa zero e da estatização do transporte, que tem sido a base para as formulações posteriores do Partido sobre o assunto.

No BI 11/2025, anunciamos o lançamento do Módulo 2 do Curso Básico de Formação Política do Partido, com temas voltados às nossas formas e métodos organizativos, dando sequência ao Plano de Ação do CC e ao Sistema Nacional de Formação Política.

No BI 12/2025, preparávamos o Partido para as mobilizações do 1º de maio. Não à toa, a orientação no Boletim era extensa e apresentava nosso acúmulo histórico sobre a data, além de retomar a posição que lançamos no final de 2024 sobre a luta pela redução da jornada de trabalho. Enviamos o Manual de disputas para o CONUNE, que, entre outras coisas, delineava politicamente a tática que iríamos adotar, apresentando nossa crítica ao governo e como organizaríamos nossas alianças para alcançar nossos objetivos. Foi também nesse BI que apresentamos o lançamento da nota política sobre a COP 30, com nossas formulações teóricas e táticas sobre o capitalismo verde, os interesses imperialistas em questão e a orientação de leitura, estudo, impressão e distribuição/venda dos materiais como forma de amplificar o alcance de nossa linha. Além disso, o Boletim apresentou o sensacional Curso de Formação organizado por nossos camaradas secundaristas do Ceará, os mesmos que anteriormente haviam organizado a batalha pela memória do camarada Horácio Macedo ao renomear o Grêmio com seu nome; recomendo a todos os camaradas que retomem esse curso, particularmente o módulo 2, que fala da relação do movimento estudantil com as lutas da classe trabalhadora em geral.

No BI 13/2025, realizamos o chamado à construção de atividades em memória do dia da Nakba, como forma de aprofundar nossa agitação e nossa propaganda, bem como aumentar o movimento, em torno da causa palestina. Nesse Boletim, também convocamos o 1º Ativo Nacional sobre o Movimento LGBTI+, para aprofundarmos nossa avaliação sobre a conjuntura e a abordagem programática junto ao movimento, ficando depois os indicativos para atividades no mês de junho, esforço que foi coroado com uma live em julho em comemoração aos 56 anos da Revolta de Stonewall. Também foi enviada uma contribuição extensa e muito importante, que infelizmente não foi tão apropriada pela militância, sobre o Acampamento Terra Livre, que novamente retoma, junto ao debate sobre o movimento indígena, o debate sobre a questão ambiental e a COP 30; é um documento de mais de 40 páginas, escrito por outra camarada de Belo Horizonte.

O BI 14/2025 já conta com grandes preparações para o CONUNE, e por isso reforça as Teses da UJC para a disputa, documento extenso que já debatemos e demonstramos o papel ideológico central nele, de retomada de linhas-mestras de nossa atuação no ME e de programa de Universidade Popular. Esse esforço foi complementado pelo lançamento da nossa brochura O que é a Universidade Popular?, que pôde aprofundar ainda mais esse debate. Mesmo indicando tarefas muito práticas, esse Boletim retoma nossa Nota Política sobre o Dia do Orgulho LGBTI+.

No BI 17/2025, apresentamos o relato da ida dos nossos camaradas representando a UJC na Assembleia Geral da FMJD e no Festival Odigitis, da Juventude Comunista da Grécia (KNE), com a nossa Saudação à AG e a menção a nossa intervenção no Festival, que será em breve publicada no site da UJC.

Vejam, camaradas, se tive que fazer essa retomada relativamente grande de quase um ano de Boletins com orientações ao conjunto do Partido, é porque precisamos levar a sério o trabalho que viemos fazendo para poder avaliá-lo criticamente, e isso não pode ser feito apenas com frases de efeito. É claro que, infelizmente, deixei de comentar vários outros pontos que surgiram de orientações e que reforçam o caráter ideológico intrínseco às orientações dadas pelo CC. Mas, nos diversos momentos apresentados, está claro que é o nosso trabalho ideológico que orienta e organiza a nossa atuação no trabalho revolucionário do Partido, que é composto pela luta teórica, econômica e política. Longe de qualquer orientação para participarmos acriticamente do movimento de massas, nossa prática tem sido (mesmo com suas dificuldades) orientada segundo as decisões do Congresso e nosso Programa de forma a dar um conteúdo estratégico a cada passo de nossos trabalhos – e, como vimos, sem cair no economicismo e no oportunismo. Sem dúvida alguma, esse trabalho exige cada vez mais de nossos militantes que desenvolvam experiências e as generalizem, e que se formem como quadros, e isso é impossível sem esse envolvimento direto na luta – mas, diferentemente do que apresenta o camarada Theo, em nenhum momento o CC ou o Congresso defendem que o trabalho revolucionário se aprende exclusivamente com o movimento de massas. Aprendemos a partir de nosso trabalho como Partido que busca produzir a fusão da teoria revolucionária marxista-leninista com o movimento dos trabalhadores, e não tomando unilateralmente um dos dois como independente ou exclusivo.

Mas precisamos ir além disso. O camarada Theo diz – novamente combatendo alguém que ele chama de “paladinos do tarefismo irracional”, mas sobre o qual não demonstra quem seriam esses “paladinos”, ou porque seriam “tarefistas”, o que seria importante para avaliarmos concretamente as posições e corrigi-las, se necessário – que “escoamos” nossas energias para ir ao movimento de massas. Ora, camaradas, se já demonstramos o caráter de nossa intervenção junto ao movimento de massas, a que exatamente o camarada se refere? Se praticamente todos os Comitês do Partido se reuniram e elaboraram seus estudos regionais, que estão sendo avaliados pelo CC e são a base do processo de reorganização, que visa exatamente a estabelecer com clareza as formas pelas quais os Comitês Locais poderão dar esse direcionamento tão necessário que o camarada coloca, ou seja, se justamente a “estrutura mínima” a que o camarada alude está sendo progressivamente implementada e desenvolvida pelos militantes do país todo, o que está em questão aqui? Se os Comitês Locais estão diariamente debatendo exatamente como alocar nossas forças e fundos, não de forma arbitrária, mas concreta; não de forma dispersa, mas centralizada pelos CLs, pelas UCLs e pelo CC; não de forma independente do caráter estratégico do trabalho, mas precisamente dependente desse caráter, que já foi delineado por nosso Congresso ao determinar a prioridade das células por local de trabalho e os setores estratégicos, não podemos ser tão superficiais na análise, muito menos tirar conclusões dela que apontam exatamente para seu contrário.

O camarada Theo aparenta uma grande insatisfação, isso é verdade, assim como eu também apresento insatisfação ao ver nossos trabalhos muito aquém do que podem um dia ser. Mas, diferentemente do camarada Theo, eu não me aflijo por conta de seu desenvolvimento, mas tento observá-lo mais científica e concretamente. E isso porque o Congresso nos legou um caminho absolutamente claro – a reconstrução do Partido, por meio de nossas conexões com a classe trabalhadora e de um trabalho incessantemente agitativo e propagandístico e, na medida em que conquistemos, por meio desse trabalho e das iniciativas práticas com as quais envolvemos os trabalhadores, o apoio de segmentos cada vez maiores da nossa classe, também organizativo. O trabalho é multifacetado, é verdade, e não pode se resumir a nenhum desses aspectos sob pena de incorrermos ora no desvio economicista, ora no desvio ultrapropagandista. Começamos a nos aproximar, então, de mais um elemento de discordância do camarada Theo para com a linha do Partido. E isso fica claro quando, depois do diagnóstico dos problemas observados no Comitê Local de Porto Alegre, vem a solução:

Nossa prioridade é envolver a militância num trabalho comum sobre as seguintes prioridades: organizar a propaganda, a formação e a estrutura financeira do Partido, isto é, o trabalho ideológico e a infraestrutura. A distribuição prioritária dos nossos recursos, por conseguinte, se dará para as comissões político-organizativas que tangem a este trabalho, onde cada militante terá uma função específica num trabalho geral definido coletivamente, em vez de continuar escoando cada um para células dispersas onde tinham funções gerais para um trabalho específico definido arbitrariamente.
Será a partir deste trabalho ideológico de agitação, propaganda, formação e finanças que vamos participar do movimento de massas. Teremos células só nos locais de atuação estratégicos e onde identificarmos que há condições objetivas e subjetivas de travar uma disputa qualificada (do ponto de vista comunista).

Aí está, camaradas, portanto, o elemento em que o camarada Theo diverge em substância do Partido. Analisemos cuidadosamente: “Nossa prioridade é envolver a militância num trabalho comum sobre as seguintes prioridades: organizar a propaganda, a formação e a estrutura financeira do Partido, isto é, o trabalho ideológico e a infraestrutura”. O que isso quer dizer, camaradas, senão que os esforços do Partido serão o de um enfoque demasiadamente unilateral na propaganda, em detrimento de nossa conexão real, no seio de cada categoria de trabalhadores, de cada local de trabalho, no interior de cada escola e cada universidade, na nossa convivência em cada bairro, em cada assentamento de pequenos agricultores? É o Partido primeiro tentando “preparar” teoricamente, sem envolvimento na luta de classes concreta, seus militantes, para depois ir ao movimento de massas. O camarada chega a dizer que terão células apenas nos locais de atuação estratégicos e onde houver condições objetivas e, o que é ainda pior, condições subjetivas – eu pergunto, camaradas, o que é “travar uma disputa qualificada (do ponto de vista comunistas)” apenas nos locais em que há condições subjetivas para isso? Destrinchemos esses dois erros, porque estão na base da concepção equivocada do camarada.

Em primeiro lugar, é um erro importante confundir a nossa necessidade de priorizar determinados segmentos do proletariado (por causa de nossa incapacidade temporária) com a necessidade permanente de disputar todo o proletariado para a causa revolucionária, organizando e demonstrando na prática nosso programa e nossa visão de mundo, a cada passo em que tivermos que colocá-los sob a impaciente e implacável prova da história. Na medida em que nossas forças forem de todo frágeis e iniciais, a priorização não pode ser senão uma exclusão de todo o resto e um enfoque em determinados setores, e nisso estou de acordo. Mas na medida em que isso se torne princípio, o Partido poderia se afundar em algum erro de tipo obreirista. Imaginem, camaradas, se esse princípio for levado a ferro e fogo e os camaradas resolverem girar os militantes professores – que tiveram uma importantíssima experiência na disputa do CPERS – para atuação nos setores estratégicos, em vez de organizarem sua própria categoria, seus próprios colegas, em seus locais de trabalho, se isso não seria um erro grande, e um verdadeiro desperdício das forças que temos organicamente conectadas a seu cotidiano, e que já são tão poucas. Não nos parece um erro, portanto, a priorização – parece um erro elevá-la a um princípio mecânico e unilateral que nos faça perder a conexão com setores proletários apenas por eles não serem estratégicos. Defendi exatamente essa visão em minha Tribuna ao Congresso.

Em segundo lugar, e talvez de maneira mais preocupante, é a visão de que é uma condição para o trabalho partidário especializado em células haver “condições objetivas e subjetivas de travar uma disputa qualificada (do ponto de vista comunista)”. Ora, camaradas, devemos precisar melhor o que isso pode querer dizer – e posso conceder que talvez o conteúdo tenha se perdido na forma – mas se a concepção apresentada pelo camarada Theo estiver representada com fidelidade nessa formulação, temos um trabalho ainda maior pela frente do que o que eu imaginava.

Primeiramente porque as condições objetivas para a luta comunista estão dadas, e me parece que nunca é trabalho demais retomar o que é fundamental. As condições objetivas no capitalismo são justamente o conflito capital-trabalho, isso é, a contradição entre a socialização da produção e sua apropriação privada. Essa contradição predomina a ponto de moldar toda a sociedade, incluindo as formas não assalariadas ou as formas improdutivas de trabalho, para que se subordinem e sirvam a essa contradição, que a retroalimentem. Mesmo no contexto do movimento cultural ou do movimento de bairros, as demandas advindas dos trabalhadores nesse setor são desdobramentos dessa contradição fundamental da sociedade capitalista. Então falar que vamos criar células apenas onde houver condições objetivas para a luta comunista é falar que vamos criar células em todos os lugares, e entendo que não é isso que a que o camarada Theo se refere.

Mas é mais preocupante o “critério” das condições subjetivas para a realização do trabalho. Ora, camaradas, se aqui falamos das condições subjetivas do movimento de massas, isso é, dos trabalhadores em seu movimento espontâneo, as condições subjetivas são as da mais completa confusão intelectual, a de uma consciência amarrada aos ditames da sociedade de classes. Haverá variações dentro disso, sem dúvida: segmentos com um nível mínimo de consciência corporativa, que se organizam em torno ou dentro de seus sindicatos e estão engajados na construção do sindicalismo são diferentes de segmentos reacionários, até mesmo fascistas, e afundados, por exemplo, nas ideologias do “empreendedorismo de si mesmo”. Mas a regra geral, fora de situações de grande ascenso das massas trabalhadoras, em que elas são levadas ao centro da cena política, é a de apatia, ilusão, descrédito em suas próprias forças. Se não formos desenvolver trabalho em lugares nos quais não há condições subjetivas, aí, ao contrário do anterior, não desenvolveríamos trabalho em lugar nenhum.

Outra forma de ver esse problema, que eu considero ainda menos embasada nas discussões do nosso Congresso, seria considerar que o camarada Theo se refere às “condições objetivas e subjetivas” do nosso Partido. Se isso quiser dizer, portanto, que é primeiro preciso criar as condições objetivas (estrutura, finanças etc.) e as subjetivas (ideologia, teoria, programa, táticas etc.) dentro do Partido, entre seus militantes, e que só onde o Partido tiver já essas condições, nos lançarmos a nos conectar com as massas trabalhadoras, aí retornamos exatamente à concepção de que o camarada Theo diz discordar, ou seja, a concepção de que o Partido primeiro se prepara (objetiva e subjetivamente) e depois vai à luta. Essa é a única conclusão possível a ser tirada da proposição de que “Teremos células só nos locais de atuação estratégicos e onde identificarmos que há condições objetivas e subjetivas de travar uma disputa qualificada (do ponto de vista comunista)”, se essas condições são as condições do Partido.

Essa visão é bastante equivocada, camaradas, e é preciso que todos nós tenhamos isso absolutamente às claras: o Partido comunista é um partido que tem tanto mais sucesso se ele é construído, organizado, pensado com uma política “de fora para dentro”, ou seja, tomando a realidade concreta e os desafios que a consciência média dos trabalhadores coloca ao nosso trabalho de agitação, de propaganda, de organização, em suma, de direção política e moral da vida dos trabalhadores para a tomada revolucionária do poder de Estado e para a construção do socialismo-comunismo. Precisamos, sim, planificar o trabalho, alocar nossas forças e fundos, desenvolver ideológica e praticamente nossa militância, mas precisamos fazer isso para dar respostas revolucionárias ao conjunto do proletariado, que não está, nem nunca estará, todo no Partido. É óbvio que essa resposta, como trabalho ativo e criativo baseado na teoria revolucionária, representa também um momento “de dentro para fora”, um momento do Partido que vai ao movimento de massas; igualmente verdadeiro é que esse movimento é ininterrupto. Mas, se levarmos a ferro e fogo nossos fundamentos até mesmo filosóficos, veremos que é apenas a partir da prática que podemos entender se nossa linha, se nossa teoria, se nossos métodos estão corretos. Eles não são um dado a priori, não são uma fórmula anterior, mas o resultado da necessidade dos revolucionários de entenderem o mundo e transformar o mundo. Se o momento da classe é de recuo e refluxo, o trabalho do Partido é de um tipo; se o momento da classe é de ascenso e avanço, será de outro. Um Partido que aja como o Estado-maior do proletariado, como diz corretamente o camarada Theo, não pode deixar que os militantes que estão organicamente conectados ao proletariado por suas próprias vidas se apartem desse vínculo para “se prepararem” com anterioridade, enquanto as lutas ocorrem diuturnamente.

O que são as conexões orgânicas do Partido?

Se tivemos que fazer essa explicação detalhada e minuciosa das posições do Partido, de um lado, e das posições apresentadas pelo camarada Theo, de outro, é porque essa retomada de nossos debates, acúmulos e decisões é sempre uma necessidade, e para superarmos essa necessidade é de muita ajuda retomar o fio condutor do processo de Reconstrução Revolucionária no que ele de fato foi, com os acúmulos que ele de fato teve, mesmo que vários de nós não estivéssemos militando ainda. Mas também é ṕor meio dessa explicação que conseguimos enxergar com mais clareza como os pressupostos da análise do camarada estão equivocadas, e, sem isso, a chance de estarmos apenas debatendo superficialmente o problema é grande.

Já observamos como as menções a economicismo e oportunismo na tática são menções exageradas do camarada Theo. Mas precisamos abordar diretamente uma posição que pode ser inferida (e que o camarada não diz explicitamente) de sua divergência para com a linha aprovada no Congresso sobre a disputa de entidades estudantis. É preciso, no entanto, antes de qualquer outro ponto aqui colocado, reconhecer uma postura correta do camarada Theo, no melhor espírito de Partido, que foi quando ele buscou apresentar esse balanço público sobre a participação da UJC no CONUNE. Não tive condições de avaliar concretamente qual foi o envolvimento do camarada no processo de construção de nossa campanha, de eleição de delegados, de arrecadação financeira, e por isso quero enfatizar que não tenho sobre ele qualquer suspeita sobre corpo mole ou boicote das atividades. Mas, ao menos do ponto de vista da agitação e da propaganda de suas concepções, o camarada não enviou essa Tribuna durante a realização da campanha e do Congresso, mas posterior a ele. Esse método, que ainda não foi de todo apreendido por nossa militância, de trabalhar de forma o mais dedicadamente possível, sob uma disciplina de ferro, durante a unidade de ação, e buscar aprofundar e esclarecer as diferentes posições antes e depois dessa ação, é o centralismo democrático leninista. Infelizmente, essa postura individual do camarada não foi de todo seguida por diversos militantes. Na própria cidade dele, durante a campanha financeira, de arrecadação e mobilização, em 13 de abril, o Comitê Local de Porto Alegre quis enviar uma “moção” em que “repudiam” a campanha financeira, exatamente durante essa exata campanha em curso. É um exemplo de uma aplicação desvirtuada do centralismo democrático, porque é claro que uma posição dessas dificulta a unidade de ação.

O fundamento que precisamos debater agora, no entanto, não é de ordem de nossa organização interna, mas de como o Partido estabelece conexões orgânicas com a classe trabalhadora – o que, por si, é o que implica a nossa organização interna. Já pudemos fazer a crítica de princípio à visão apresentada pelo camarada Theo de que só se pode fazer o trabalho partidário depois de uma etapa preparatória interna, de esclarecimento etc. Na resposta às críticas do camarada Ivan Pinheiro, o CC já abordou esse ponto:

Há organizações que decidem por um processo primeiro mais interno, mais voltado para o esclarecimento ideológico de seus quadros em detrimento do trabalho de inserção no proletariado e nas massas, para só depois irem ao trabalho de agitação, de organização, de propaganda, de formação junto à classe. Não foi essa a escolha que a maioria do Congresso fez – a escolha que fizemos foi de, assumindo a óbvia fragilidade do movimento comunista no Brasil (e no mundo), experimentar essas forças exatamente no contato com a luta de classes, sabendo que é apenas esse contato que pode fazer um partido tornar-se vanguarda do proletariado, desenvolver a hegemonia do proletariado sobre o conjunto das camadas exploradas e oprimidas e dirigir um processo revolucionário.

Assim, quando falamos em trabalho orgânico do Partido junto ao proletariado, nos referimos diretamente a esse contato direto com a luta de classes, ao fato de que o Partido não é uma coisa diversa da classe, mas uma parte dela (seu destacamento mais organizado e consciente). O trabalho orgânico é o trabalho dos militantes do Partido que efetivamente estão em contato direto com as bases que queremos atingir e, muitas vezes, nas quais já desenvolvemos o trabalho revolucionário, inclusive com relativo sucesso.

Vejamos, no entanto, como o camarada Theo apresenta sua oposição à prioridade que o CC estabeleceu sobre o CONUNE no primeiro semestre de 2025:

O maior exemplo de que todo o exposto acima só é um “consenso” no âmbito abstrato (a centralidade da formação e da luta teóricas, a necessidade de uma intervenção política comunista, de profissionalização do trabalho etc.), mas está longe de ser um consenso no âmbito prático, é a nossa relação com o Movimento Estudantil e, recentemente, seu momento máximo – o Congresso Nacional da UNE. Este exemplo revela com nitidez os limites desta forma de “participar do movimento de massas” e como ele, inevitavelmente, nos leva ao oportunismo. Vejamos.
Inicialmente, é preciso dizer o óbvio: o Movimento Estudantil não é um setor estratégico nem prioritário, a despeito de sua importância na luta de classes na América Latina, sempre atuando como força auxiliar do movimento operário e muitas vezes servindo como catalisador de suas lutas. Por princípio, se este não é um setor prioritário e se não temos o mínimo trabalho nos setores considerados prioritários, ou ainda pior, não temos sequer bem consolidada a estrutura mínima para realizar este trabalho, logicamente, devemos direcionar todos os recursos (humanos, financeiros etc.) que temos, independentemente de onde venham, para este trabalho primordial. Porém, não é o que acontece.
Claro, é um fato inegável que a “massa” de militantes do PCBR está circunscrita nas universidades, o que, por consequência, cria uma particularidade para o nosso Partido: fora das universidades e do Movimento Estudantil, não existimos; nossa já ínfima relevância política tende, aparentemente, a se tornar nula. Creio que isso assusta alguns camaradas ao ponto de abrirem mão inclusive dos princípios que defendem. Em resposta, formulam a seguinte tese: é claro que o Movimento Estudantil não é prioritário, mas também não vamos abrir mão de construir o movimento de massas onde já estamos inseridos. Na prática, assim como os “economicistas” criticados por Lênin, dizem: “a luta que é desejável é aquela que é possível, e é possível a luta que se trava nesse momento” (LÊNIN, 1902).  Ora, camaradas, se o PCBR é pouco mais que a UJC, se herdamos pouco mais do que a inserção no movimento universitário e se a nossa prioridade é “participar do movimento de massas” a qualquer custo, qual é o inevitável resultado quando não redirecionamos para os setores prioritários os já parcos recursos que possuímos? Qual o resultado inevitável quando não se abre mão de construir o trabalho onde já estamos para construir onde não estamos? Há algum outro resultado possível senão um eterno descompasso entre a inserção no Movimento Estudantil em relação a todos os demais trabalhos? O que é isso se não subordinar o Partido ao seu desenvolvimento espontâneo? Algo que pareceria óbvio, ao fim, encontra obstáculo na demagogia de nossos “leninistas” que cada vez mais se revelam defensores do espontaneísmo. Chegamos ao ponto do ridículo que é necessário dizer: é preciso priorizar a prioridade, camaradas!

Com um enfoque mais minucioso, conseguimos ver claramente aqui as divergências que o camarada Theo apresenta para com a visão do Congresso. Primeiro de tudo, precisamos novamente lembrar que a decisão do Partido de retomar o processo de Reconstrução Revolucionária em nada aponta a necessidade de “consolidar uma estrutura mínima” antes de ir aos setores estratégicos do proletariado, como já demonstramos antes. Mas, novamente, se formos levar a formulação que o camarada aponta a suas consequências práticas, o Partido não deveria disputar nenhum setor que não fosse estratégico ou prioritário – dei o exemplo ali atrás dos militantes professores da rede estadual do Rio Grande do Sul para não anteciparmos o debate em si, sobre o Movimento Estudantil. E aí, “por consequência” deveríamos girar todos os militantes para os setores estratégicos, excluindo nossa participação da luta cultural, dos movimentos de bairro, de professores, de comerciários, do movimento estudantil, do movimento dos trabalhadores do campo etc. Não é essa a política que nós decidimos no Congresso.

E não é essa porque não podemos prescindir, como Partido, do trabalho orgânico dos militantes, das conexões que já temos estabelecidas com a classe trabalhadora por nossa própria vida. São nossos colegas de trabalho que, mesmo com suas confusões ideológicas, nos perguntam quando querem entender melhor algum processo político, que compram nosso jornal mesmo não sendo comunistas, que nos elegem representantes de base perante o sindicato ou membros da CIPA, ou diretores de sindicato, de Centro Acadêmico, de DCE. Esse trabalho já está ocorrendo, e está ocorrendo no Brasil inteiro. É verdade que esse trabalho ainda é insuficiente? É verdade. É verdade que ainda precisamos trabalhar melhor a clareza ideológica de nossos militantes para superarmos essa insuficiência? É verdade também. Mas desprezar esse trabalho que já ocorre e sobre o qual já colhemos frutos em nossa política, nos leva a, pelo menos, dois erros importantes.

O primeiro é do desperdício das forças do Partido, das formas de trabalho revolucionário que já estão em ação em determinados setores, sobre cujo acúmulo desenvolvemos durante anos uma política correta (ainda que não desprovida inteiramente de erros) e que, por isso, somos referência incontestável, ainda que minoritária. Olhar para o Partido como se estivéssemos “começando do zero” e, aí sim, mecanicamente determinar a saída desses trabalhos que, ademais, são onde temos referência, é um erro importante.

O segundo, que é o “irmão gêmeo” do primeiro erro, é o de simplesmente abandonar esses setores, e nossa influência concreta neles (que envolve quadros, distribuição de forças e fundos, todo tipo de envolvimento prático e a divulgação, pela responsabilidade com esse trabalho prático, de nossas visões sobre esses setores), o que estaremos efetivamente fazendo é deixando os trabalhadores à própria sorte, ou, mais precisamente, sob a influência de forças e ideias oportunistas e esquerdistas. Afinal, não existe vácuo na política.

Quando falamos sobre o giro a setores estratégicos e o desenvolvimento de trabalhos direcionados a eles, entendemos que isso é uma necessidade que se combina com a necessidade de organizarmos o trabalho diretamente onde já estamos. Se temos um Partido que se compôs, neste nosso primeiro momento, por muitos militantes jovens, ainda no Movimento Estudantil, temos que aproveitar justamente esses vínculos para, construindo e fortalecendo nosso trabalho cotidiano – e nisso pressuponho, obviamente, que esse trabalho seja feito na linha do Partido, combinando as lutas econômicas, políticas e teóricas, que é como ele tem sido feito Brasil afora, como demonstrei com diversos exemplos –, formar nossos militantes, que em breve estarão também em seus locais de trabalho, com anos de experiência e conhecimento prático e teórico adquirido por meio de seu trabalho orgânico. E é exatamente por causa dessa temporalidade restrita do Movimento Estudantil que o descompasso é temporário. Quantos dos nossos militantes do Movimento Sindical hoje não foram um dia militantes do Movimento Estudantil? Inclusive, é muito importante lembrar que foi exatamente a superação orgânica do descompasso temporário que fez com que, ainda no velho PCB, novos quadros que despontaram nas lutas por meio do ME foram sendo incorporados à direção do Partido e possibilitaram um esclarecimento maior das linhas em disputa, chegássemos aonde estamos agora. As perguntas retóricas do camarada ao final revelam seu caráter bastante agitativo, mas com pouca consequência prática: o outro resultado possível é óbvio, é de que, enquanto fazemos novas inserções, com novos militantes, com militantes que não tenham trabalho orgânico hoje sendo girados, aqueles que hoje estão no Movimento Estudantil irão também passar para outra etapa de suas vidas e serem incorporados aos novos trabalhos – processo que deve ser feito com grande acompanhamento formativo –, que é exatamente o que acontece na prática. Não me parece que o camarada Theo seja tão ingênuo a ponto de achar que, se formamos os militantes estudantes de forma orgânica no Movimento Estudantil, eles ficarão sempre no Movimento Estudantil, porque uma hora as pessoas se formam, seja na escola, seja na faculdade.

O “gargalo” hoje no Partido não é dos militantes e dos trabalhos que temos consolidados em setores não estratégicos, mas uma grande quantidade de militantes que não tem vínculos orgânicos com seus locais de trabalho, estudo ou moradia. E isso nada tem a ver com a vontade dos militantes, mas com a própria dinâmica do capitalismo contemporâneo, com a flexibilização do trabalho, perda de direitos trabalhistas etc. Não podemos olhar para isso, dar de ombros e deixar como está, e nisso estou de acordo com o camarada Theo, e por isso esses militantes devem ser organizados e alocados para esses novos trabalhos em que necessitamos nos inserir, e para cuja inserção o CC publicou as Diretrizes Gerais para Atuação no Movimento Sindical.

Aqui, portanto, tornam-se ainda mais claros os possíveis caminhos a seguir: o primeiro, apresentado pelo camarada Theo, de retirar os militantes dos trabalhos não estratégicos, girar os esforços do Partido para dentro (para as finanças, para a formação teórica etc.) e girar esses mesmos militantes, depois de consolidada uma “estrutura mínima” com “condições objetivas e subjetivas”, para os locais estratégicos mesmo com sua pouca experiência prática (para enfrentar, entre outras coisas, a burocracia sindical, não raras vezes literalmente armada, em vários desses setores); ou o segundo, o do Congresso, de desenvolver organicamente o nosso trabalho e o movimento em si, formando os militantes com a teoria revolucionária e com a prática organicamente vinculada a seus locais de trabalho, estudo e moradia, ao passo em que também estruturamos novos trabalhos, em setores estratégicos, cujos militantes orgânicos (isso é, trabalhadores desses setores) têm buscado ingressar no Partido.

Ainda falta, no entanto, entender se a citação que colocada pelo camarada sustenta, como ele acha, sua própria ideia. É fácil retirar frases de Lênin de seu contexto e buscar, a partir delas, sustentar pontos os mais incorretos. Infelizmente, aqui o camarada fez o mesmo. Vejamos o trecho mais completo de onde vem a curta citação do camarada Lênin que o camarada utiliza:

[...] Mas, por agora, queremos simplesmente mostrar a flagrante contradição existente entre a reivindicação da «liberdade de crítica» e as particularidades da nossa crítica nacional e do “economicismo” russo. Com efeito, lançai um olhar sobre o texto da resolução com que a “União dos Sociais-Democratas Russos no Estrangeiro” confirmou o ponto de vista da R. Dielo:
“No interesse do ulterior desenvolvimento ideológico da social-democracia, reconhecemos que a liberdade de criticar a teoria social-democrata nas publicações do partido é absolutamente necessária, na medida em que esta crítica não contradiga o carácter de classe e o caráter revolucionário desta teoria.” (Dois Congressos, p. 10.)
E apresentam-se os motivos: a resolução “coincide na sua primeira parte com a resolução do Congresso do Partido em Lübeck a propósito de Bernstein” ... Na sua simplicidade, os “aliados” nem sequer notam que testimonium paupertatis (certificado de indigência) passam a si próprios com esta maneira de copiar!... “Mas... na sua segunda parte, restringe a liberdade de crítica de um modo mais estrito do que o Congresso de Lübeck.”
A resolução da “União” é portanto dirigida contra os bernsteinianos russos? Porque se assim não fosse, seria completamente absurda a referência a Lübeck! Mas não é verdade que “restrinja de um modo estrito a liberdade de crítica”. Na sua resolução de Hannover, os alemães rejeitaram, ponto por ponto, exactamente as emendas apresentadas por Bernstein e, na de Lübeck, fizeram uma advertência pessoal a Bernstein, mencionando-o na resolução. Contudo, os nossos imitadores “livres” não fazem a menor alusão a uma única das manifestações da “crítica” especialmente russa e do “economicismo” russo. Dado este silêncio, a mera alusão ao carácter de classe e ao carácter revolucionário da teoria deixa muito mais liberdade para falsas interpretações, sobretudo se a “União” se recusa a classificar o “chamado economicismo” como oportunismo (Dois Congressos, p. 8, parágrafo 1). Mas dizemos isto de passagem. O importante é que as posições dos oportunistas em relação aos sociais-democratas revolucionários são, na Alemanha e na Rússia, diametralmente opostas. Na Alemanha, os sociais-democratas revolucionários, como é sabido, são pela manutenção do que existe: pelo antigo programa e pela antiga tática, conhecidos por todos e que foram explicados em todos os seus pormenores pela experiência de dezenas e dezenas de anos. Os “críticos”, pelo contrário, querem introduzir modificações e, como são uma ínfima minoria e as suas aspirações revisionistas são muito tímidas, compreende-se os motivos por que a maioria se limita a rejeitar pura e simplesmente as “inovações”. Na Rússia, pelo contrário, são os críticos e os “economistas” que querem manter aquilo que existe: os “críticos” querem continuar a ser considerados como marxistas e que se lhes assegure a “liberdade de crítica” de que gozavam em todos os sentidos (porque, no fundo, nunca reconheceram quaisquer laços de partido; além disso, não tínhamos um órgão de partido reconhecido por todos e capaz de “restringir” a liberdade de crítica, nem sequer por meio de um conselho); os “economistas” querem que os revolucionários reconheçam “a plenitude de direitos do movimento no presente” (R. D. n° 10, p. 25), isto é a “legitimidade” da existência do que existe; que os “ideólogos” não procurem “desviar” o movimento do caminho “determinado pela interação dos elementos materiais e do meio material” (Carta no n° 12 do Iskra); que se reconheça como desejável travar a luta “que é possível para os operários nas circunstâncias presentes” e, como possível, a luta “que travam realmente no momento presente” (Suplemento separado do “R. Misl”, p. 14). Pelo contrário, a nós, sociais-democratas revolucionários, desagrada-nos este culto da espontaneidade, quer dizer, do que existe “no momento presente”; exigimos que seja modificada a táctica que prevaleceu durante estes últimos anos, declaramos que “antes de nos unirmos e para nos unirmos é necessário começar por demarcar-nos clara e resolutamente” (ver anúncio da publicação do Iskra). Numa palavra, os alemães conformam-se com o que existe, rejeitando as modificações; quanto a nós, rejeitando a submissão e a resignação com o estado de coisas atual, exigimos a modificação do que existe.

A citação da qual o camarada Theo retira seu trecho é do capítulo 1.C de O que fazer?. Então, vejamos, camaradas, qual é o contexto, e contra o quê Lênin está se batendo nessa obra que, na linguagem de hoje, poderíamos dizer que seria o equivalente de uma tribuna – uma tribuna para o II Congresso do POSDR. Lênin diz no prefácio exatamente por qual motivo ele teve que inserir todo um novo capítulo ao começo da sua obra: por que era preciso combater a palavra de ordem da “liberdade de crítica” no contexto da social-democracia russa. Qualquer militante do nosso Partido se estranharia muito, tendo vivido os últimos dois anos de intensos debates exatamente sobre a pertinência da liberdade de crítica, o porquê desse ataque de Lênin, então é preciso, mais uma vez, entender qual é o contexto que Lênin e o POSDR estavam vivendo.

Os defensores da “liberdade de crítica” russos entre o I e o II Congresso do POSDR buscavam, ao levantar a palavra de ordem da liberdade de crítica, seguir seus correligionários alemães, os seguidores da tendência de Bernstein. Estes, por sua vez, levantavam a “liberdade de crítica” como palavra de ordem para criticar a linha revolucionária que ainda tinha maioria na social-democracia alemã, ainda poucos anos depois da morte de Engels e com quadros como Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht, entre outros, baseados no Programa de Erfurt, do Congresso de 1891. Lênin observa, então, que “a ‘liberdade de crítica’ é a liberdade da tendência oportunista no seio da social-democracia, a liberdade de transformar esta última num partido democrático de reformas, a liberdade de introduzir no socialismo ideias burguesas e elementos burgueses” no debate da social-democracia internacional.

Na Rússia, no entanto, a correlação de forças entre as alas da social-democracia eram exatamente opostas: os economicistas russos, defensores do Credo e seguidores de Bernstein, eram maioria – e por isso mesmo Lênin teve que escrever ainda mais do que o planejado para derrotá-los no II Congresso – e apenas deixariam de sê-lo no próprio Congresso, com a retirada do Bund do Partido, o que levou aos “iskristas” (Lênin e seus aliados) a se constituírem como maioria e a assumirem o apelido de bolcheviques (que nada mais significa do que “majoritários”, em russo). Lênin, então, observa que no caso da Alemanha, os bernsteinianos levantavam a bandeira da liberdade de crítica para poderem modificar o programa de Erfurt, enquanto na Rússia, levantavam essa mesma bandeira os que queriam manter exatamente as coisas como realmente existiam, enquanto o grupo do Iskra buscava alterá-las, porque já havia entendido que o processo de conformação de um jornal e um partido nacionalmente unificado era o passo necessário depois das longas experiências de círculos marxistas dispersos, cada qual com seu método e programa, respondendo sozinhos ao crescente movimento espontâneo da classe operária.

Faço essa longa explicação para que nós possamos entender a fundo o que está em discussão hoje no Partido, ao menos no que diz respeito à posição apresentada pelo camarada Theo. Estão o nosso Programa, a nossa concepção de Partido, nossas táticas, nossa estratégia, em suma, as decisões do XVII Congresso corretas (e, assim sendo, devemos mantê-las); ou estão incorretas (e, portanto, é preciso alterá-las)? Meu esforço em voltar às resoluções, não apenas do Congresso para demonstrar sua correção, mas do CC para demonstrar como são desdobradas do Congresso, foi o de demonstrar que seguem corretas, tão corretas como há pouco mais de um ano, quando foram aprovadas.

Mas, camaradas, também é preciso entender se nesse contexto essa citação ainda assim serviria para um debate referente ao curso do nosso Partido hoje. Quando Lênin critica os “economicistas” por defenderem “que se reconheça como desejável travar a luta ‘que é possível para os operários nas circunstâncias presentes’ e, como possível, a luta ‘que travam realmente no momento presente’.”, ele está demonstrando que essas posições defendem um partido que apenas trava a luta econômica como partido de classe – a luta “possível” na visão dos “economicistas” era exatamente a exclusividade da luta econômica independente. É essa luta que estamos travando, camaradas? Uma luta exclusivamente econômica, sem qualquer ataque nos frontes teórico ou político? Se assim fosse, não haveria qualquer melindre em entrarmos na majoritária da UNE (afinal, que o político seja deixado nas mãos e métodos dos liberais, seria essa a posição dos “economicistas” sobre a luta política); não haveria qualquer empecilho para colaborarmos integralmente com a CUT no Movimento Sindical; não haveria sequer necessidade de um Partido independente, como temos!

Mas já demonstrei extensivamente que não é esse o caso. Nem o Congresso, nem o CC, nem a imensa maioria (talvez totalidade) dos CLs do Partido restringem suas intervenções nas lutas de modo a dizer aos trabalhadores que seu papel é apenas o da luta econômica, mas o tempo todo fazemos o chamado para irmos além, para suplantarmos exatamente as direções oportunistas que hoje controlam as estruturas do movimento dos trabalhadores, para desenvolver entre eles a teoria revolucionária do proletariado, o marxismo-leninismo. Se preciso voltar aqui a esse ponto é porque o camarada Theo mobiliza uma analogia que não guarda qualquer semelhança com a política real tocada pelo Partido, não corresponde aos problemas concretos que o Partido tem enfrentado nesse momento. Não é dessa forma que podemos entender, de fato, as lições históricas do bolchevismo, nos apegando à forma abstrata da teoria e esquecendo seu conteúdo concreto, porque isso pode nos levar a todo tipo de erro.

A atualidade do XVII Congresso (Extraordinário) depois de um ano de sua realização

Foi preciso escrever esse texto para ajudar no processo de esclarecimento do Partido como um todo. A posição adotada pelo Conselho Editorial foi também de concordância nesse sentido: tribunas que busquem “introduzir modificações” são bem-vindas, mas a tarefa da direção segue sendo a de explicar pacientemente (e, como podem ver, longamente) quais são exatamente essas modificações, em que medida tentam modificar a linha do Congresso e em que medida estão certas ou erradas do ponto de vista da estratégia da revolução socialista e do marxismo-leninismo, e não é função de ninguém mais do que do CC e do Conselho Editorial fazer isso.

Podemos, então, buscar um resumo das posições debatidas aqui: elas têm a ver com o que significa de fato oportunismo e economicismo; o que de fato nosso Congresso determinou como nossa política para o movimento de massas em geral e para o Movimento Estudantil em particular; o que de fato têm sido os desdobramentos que o CC tem feito a partir dessa política; o que de fato é a relação do Partido com o movimento de massas a partir de nosso trabalho orgânico em geral e com os trabalhos estratégicos em particular. Não se trata, portanto, de aplicações diversas do que é a linha do Partido – o que a todo momento são redebatidas –, mas de concepções diversas, que não estão apoiadas nos mesmos princípios, se os tomarmos concretamente e, principalmente, à luz da história do Movimento Comunista Internacional, em que esses assuntos já foram debatidos e esclarecidos em diversos momentos.

Mas, como forma de ilustração, vale a pena talvez mencionar uma anedota, que julgo bastante esclarecedora. Por acaso, a anedota contém os autores desta Tribuna e da que deu origem a esse debate, mas isso poderia efetivamente acontecer com quaisquer outros militantes. O que ocorreu foi o seguinte: durante o IX Congresso da UJC, tínhamos uma presença reduzida, mas significativa, de convidados internacionais, dentre os quais dois membros da direção da KNE, a Juventude Comunista da Grécia, que puderam comemorar e apresentar a vários de nós os resultados recém-alcançados de terem se tornado a maior força, em votos, do movimento estudantil nacional. O camarada Theo, em determinado momento, mais para o final do Congresso, se engajou em uma longa conversa com os camaradas, talvez algo entre quarenta minutos e uma hora. Algum tempo mais tarde, eu o encontrei pensativo, sozinho, na varanda exterior de um dos alojamentos, contemplativo. Perguntei se tinha tido uma boa conversa com os gregos e o que haviam debatido. O camarada não parecia muito satisfeito. Me disse que perguntou aos camaradas gregos o que eles faziam para ter o sucesso que tiveram, e as vitórias que colheram; e que os camaradas gregos haviam respondido, basicamente, “clareza na linha política e no programa e persistência no trabalho cotidiano”. Eu perguntei ao camarada “e o que mais você achou que diriam?” e ele me respondeu algo como “não sei…”. Não há solução mágica, essa é a moral da anedota, se eu posso tomar a liberdade de explicar o que é óbvio.

Sobre persistência no trabalho cotidiano, me parece que estamos elevando esse nível dia a dia. Novos trabalhos surgem e são organizados pelo Partido em diversas localidades, com fundação de novos CLs e células, bem como potencializados pela reorganização partidária que estamos operacionalizando desde o começo do ano. Então parece que o ponto de debate é particularmente o da linha política, ou seja, o Programa, a estratégia e as táticas do Partido. É, portanto, no Programa, na estratégia e nas táticas do Partido que moram as principais divergências do camarada Theo para com a linha do Congresso. Que hoje ainda falta uma apreensão uniforme e unificada do Partido em torno da linha do Congresso, isso infelizmente ainda é uma realidade. Os esforços de documentos, formações, boletins organizados não apenas pelo CC, mas por diversos Comitês são os instrumentos que têm sido usados para combater essa insuficiência. Mas não podemos confundir isso com uma modificação da linha, porque a linha do Congresso segue atual. Busquei demonstrar essa atualidade nos diversos pontos da Tribuna. Mas, se fôssemos reduzir a uma palavra de ordem, diríamos que o Partido Comunista é a fusão da teoria revolucionária com o movimento dos trabalhadores. Sem a teoria revolucionária, que sem dúvida está presente em nossas formulações, seríamos um Partido oportunista; sem o movimento dos trabalhadores, seremos meramente um grupo de propaganda; sem a fusão dessas duas coisas, seríamos uma organização eclética e liberal. Daí a importância e a atualidade de nosso Congresso e do marxismo-leninismo, sem os quais subestimaríamos as conexões orgânicas com a nossa classe e, com isso, a deixaríamos completamente sob a influência incontestada do reformismo. Retomando Lênin, concordamos com ele na medida em que

[...] trata-se precisamente de não tomar aquilo que está caduco para nós pelo que está caduco para a classe, pelo que está caduco para as massas. Uma vez mais vemos aqui que os “esquerdas” não sabem raciocinar, não sabem conduzir-se como o partido da classe, como o partido das massas. Tendes a obrigação de não descer ao nível das massas, ao nível das camadas atrasadas da classe. Isto é indiscutível. Tendes a obrigação de lhes dizer a amarga verdade. Tendes a obrigação de chamar preconceitos aos seus preconceitos democrático-burgueses e parlamentares. Mas, ao mesmo tempo, tendes a obrigação de acompanhar com sensatez o estado real de consciência e de preparação precisamente de toda a classe (e não só da sua vanguarda comunista), precisamente de toda a massa trabalhadora (e não só dos seus elementos avançados).

É natural, camaradas, que nos momentos de inversão do momentum da luta de classes (do ascenso para o descenso, do descenso para o ascenso), seja em qual âmbito for essa inversão, vejamos surgir entre nós todo tipo de confusão no Partido. Nem no refluxo decadente, nem no ascenso glorioso podemos cair nas tentações várias das ideologias burguesas ou pequeno-burguesas, que estão sempre buscando brechas na nossa falta de confiança nos trabalhadores para se enxertarem na ideologia proletária carregada pelo Partido. Se podemos considerar que houve um ascenso do marxismo-leninismo brasileiro, ao menos em âmbito de suas definições partidárias, no processo que nos leva da cisão ao XVII Congresso – um ascenso que, por sua vez, é o conteúdo relacionado à forma de descenso a que a própria cisão nos levou, em uma relação contraditória, uma espécie de “um passo atrás, dois passos à frente”–, certamente a morosidade e o clima morno do movimento dos trabalhadores no último período representa, no âmbito do movimento de massas, um refluxo. No atual refluxo, há três linhas que surgem como soluções: a linha oportunista, de que nossa estratégia, nossas táticas e nosso Programa estão fracassando por serem “esquerdistas”; a linha esquerdista, de que nossa estratégia, nossas táticas e nosso Programa estão fracassando por serem “oportunistas”; e a linha marxista-leninista, de que seguimos a estratégia, as táticas e o Programa corretos (mesmo que insuficientes), mas que ainda não temos suficientes conexões com os trabalhadores para criar uma mudança qualitativa na correlação de forças geral da sociedade. A primeira linha, felizmente, não encontrou ainda expressão ideológica em nosso Partido; a segunda é a linha apresentada pelo camarada Theo em sua Tribuna; a terceira é a linha do Congresso.

Com esse texto, pretendo também chamar o camarada, e toda a militância do Partido, para a responsabilidade ímpar que temos, todos, para dar consequência ao desenvolvimento do nosso Partido, ou seja, para aprofundar a Reconstrução Revolucionária. Não podemos, se quisermos que o avanço dos nossos trabalhos revolucionários tenha sucesso, cair no espírito de ironias, deboches e sarcasmos trazidos como recurso pelo camarada Theo. Precisamos reconhecer que os momentos distintos de luta trazem necessidades distintas de forma e conteúdo da polêmica entre revolucionários. Aqueles que se acostumaram com a polêmica no momento de crise aguda do velho PCB, talvez por terem vivido apenas aquilo, talvez por concepções de princípio que não correspondem ao marxismo-leninismo, podem interpretar que um Partido Comunista se reconstrói no clima do “todos contra todos”, no clima de tensionar um clima interno “insustentável”, não pelo conteúdo das polêmicas políticas, mas pelo tom de nossas polêmicas. Não estou entre os que concordam com essa visão. Fui, junto a diversos e diversas camaradas no seio do velho PCB, um dos que batalhou até o fim pela unidade do Partido, pela luta de ideias dentro de fundamentos claros e políticos, e não de acusações levianas ou moralistas. Quando ficou absolutamente claro que o CC do velho PCB tentava revisar as Resoluções de nosso XVI Congresso, fui dos que lutou pela sua aplicação total, inclusive dos pontos de que eu discordava. Esse compromisso – que é sempre voluntário, uma vez que o Partido é uma associação sempre voluntária – deve ser retomado pelo conjunto do Partido, o compromisso de cada militante com as decisões coletivas tomadas e com a aplicação inclusive e sobretudo daquelas das quais discordamos, das quais eu também tenho meu punhado, que será apresentado quando vierem os debates do XVIII Congresso.

Por fim, camaradas, temos que nos preocupar com a pergunta do camarada Theo, pergunta que mobilizou essa discussão como um todo: “Partido Comunista Brasileiro Revolucionário – nós merecemos este nome?”. Tentei demonstrar como o debate do nome em nada tem a ver efetivamente com essa discussão, mas com visões distintas sobre o marxismo-leninismo e o nosso Partido, e tentei debater no mérito essas questões, trazendo os exemplos concretos do que tem sido a linha do Partido. Mesmo assim, rapidamente, podemos discutir: o que significa “merecer este nome”? O verbo “merecer”, sem maiores definições, produz uma mistura de significados, que combinam a ideia de “correspondência” com a ideia de “valor moral”, de “conquista heroica”; “PCBR – este o nome a que corresponde nosso Partido?” seria sem dúvida uma pergunta sem a carga moral que eu menciono. Quando Lênin debate mudar o nome do Partido, em 1917, não há qualquer moralismo na questão: trata-se de aderir ao nome mais científico, por diversos motivos teóricos e históricos. Os motivos teóricos da escolha do nosso nome são claros, dizem respeito à teoria revolucionária do marxismo-leninismo; os motivos históricos, da cisão produzida no velho PCB por aqueles que caminhavam para extirpar o caráter revolucionário do Partido, igualmente claros. E quem nos legou essa clareza foi o esforço de quase um ano de reorganizar os comunistas revolucionários sob o processo de realização de um Congresso que pudesse definir exatamente esses princípios, e que o fez. De modo que, eu, pessoalmente, preferiria responder que, sim, “Partido Comunista Brasileiro Revolucionário” é um nome que precisamente corresponde ao que somos. Mas, se o camarada faz questão, eu tenho que responder: sim, merecemos o nome que o XVII Congresso nos deu.