'O que é estratégia? O que é tática? O que é o poder popular?' (Leonardo Vinhó)
Por vezes, táticas podem parecer bastante díspares da estratégia, mas em sua essência elas devem convergir de forma consequente para que a organização avance no sentido da estratégia.
Por Leonardo Vinhó para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.
Não é raro que as pessoas interpelem a militância, ou mesmo propagandistas de esquerda, com a angústia: “Como você imagina a revolução acontecendo no Brasil? Os comunistas são poucos, o povo está muito distante de um ideal revolucionário, etc”. Também não poucas vezes a resposta acaba por sugerir uma união entre os partidos, uma frente de esquerda, a inclusão dos movimentos sociais, ou algo neste sentido, no ímpeto de suprir essas deficiências apresentadas como quem diz “Se juntar todo mundo, conseguimos fazer algo”. Sem nos darmos conta de que esse algo possivelmente não é a estratégia do poder popular.
Outras vezes, aparecem questionamentos como “Por que vocês não se juntam com [tal partido de esquerda]?”, e os critérios apresentados variam entre um abstrato desejo em comum pela revolução e um instinto orientado a partir da performance, isto é, daqueles que parecem mais leninistas e mais radicais, mais revolucionários. [1]
Exemplos assim mostram como ainda estamos distantes de nos apropriarmos da nossa própria linha política, e de manejar conceitos da teoria revolucionária como estratégia e tática em todo seu potencial. Muitas vezes, debates inteiros são travados sem que se insira a perspectiva das diferentes estratégias e táticas possíveis, ou se faz sem clareza de que é disto que se trata, o que poderia enriquecer e contribuir em muito para novas sínteses e conclusões. Neste texto, pretendemos debater mais detidamente o que esses conceitos significam, suas diferenças e como trabalha-los corretamente.
Objetivo, estratégia e táticas
Os conceitos de estratégia e tática são emprestados ao marxismo pela literatura militar da era moderna, especificamente da obra “Da guerra”, escrita pelo general Carl von Clausewitz. Para o oficial prussiano, a tática constitui o emprego das forças armadas numa determinada batalha. Já a estratégia é o encadeamento específico dessas batalhas para o objetivo da guerra. [2] Nas palavras do professor Héctor Saint-Pierre, “a estratégia é a planificação da ação futura, da adequação racional dos meios que permitam alcançar fins desejados, sabendo que para isso haverá que enfrentar outra vontade oposta à realização desses fins, a qual também se planifica e se prepara para evitar que eles sejam realizados”. [3]
Dito ainda de outra forma, a estratégia é a definição do curso geral da guerra, a maneira que comandantes militares escolhem enfrentar o inimigo e a estratégia dele. Decidem se será uma guerra de posições (também conhecida como guerra de trincheiras), por exemplo, com suas forças dispostas ao longo de uma fronteira para disputar cada metro de terra e avançar tomando mais e mais território. Ou se será uma guerra de movimento, entendendo que há territórios mais vantajosos e/ou importantes que outros para a vitória. Ou então se adotarão a estratégia de guerra prolongada, em que o avanço territorial sequer é o fator mais importante numa primeira fase, mas sim ganhar tempo e desgastar o inimigo.
Já a tática é a forma específica de conduzir cada batalha individualmente, decisão a cargo de oficiais de campo comandando tropas contra um determinado batalhão de forças inimigas. De tal sorte que as táticas devem estar subordinadas à estratégia. Supondo que a estratégia diga para avançar sobre determinado território guarnecido por forças inimigas, cada destacamento em campo precisa descobrir a melhor tática para faze-lo e cumprir com a estratégia.
Parte da estratégia inicial do Japão na Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), por exemplo, era tomar o porto Arthur, na região da Manchúria, na China, para obter vantagem naval absoluta no oceano Pacífico. A escolha tática inicial do general Nogi Maresuke foi um ataque direto ao porto, o que resultou em um número muito elevado de mortes e o fracasso do intento. Frente ao reconhecimento desse fracasso, os oficiais japoneses mudaram a tática para um cerco ao porto, que resultou vitorioso.
Existe, contudo, um terceiro elemento nessa análise, cuja ausência costuma ser a fonte de algumas confusões. Esse elemento é o objetivo.
Para Clausewitz o objetivo de uma guerra é debelar a vontade do inimigo, e impor a sua própria vontade. No âmbito militar, muito em débito das suas formulações, o objetivo costuma ser definido no chamado “nível político”, onde as forças políticas e diplomáticas à frente do Estado definem alianças, quais os resultados almejados, a paz que se deseja impor, etc. Isto é, quais os objetivos que se pretende com determinada guerra. É isto que levará o general a elaborar sua famosa conclusão de que “a guerra é a continuação da política por outros meios”, uma vez que o objetivo político é a medida dos esforços empenhados na guerra.
Quando trazemos para o campo das lutas políticas, sociais e econômicas, contudo, a situação é diferente. Antes de mais nada porque essa dimensão é muito maior do que a militar, obviamente. Segundo porque o objetivo adquire importância redobrada para a análise. Ao contrário de forças militares, organizações políticas têm uma diversidade muito maior de objetivos, o que faz com que as classifiquemos em categorias diferentes. Um partido reformista não possui o mesmo objetivo de um partido revolucionário. O reformismo é o abandono do objetivo revolucionário e sua substituição por implementar reformas ao sistema vigente. Neste caso, a análise da realidade do país operada por aquele partido é de que seria necessário e possível o objetivo de reformar gradualmente o sistema capitalista, e que o locus principal da luta por essas reformas seria o parlamento, isto é, que as principais forças em oposição a essas reformas são os partidos reacionários e seus deputados e senadores. Logo, a estratégia desse partido é eleitoral, alçar à presidência um governante que coloque essas reformas em marcha e apostar na disputa parlamentar para conseguir executa-las. Consequentemente, suas táticas são voltadas à consecução dessa estratégia, isto é, buscar eleger cada vez mais membros do partido nas diversas casas legislativas e instâncias de poder Executivo quanto possível. É do encadeamento desta lógica que derivam discursos como “o presidente até queria, mas o Congresso não deixa pois lá somos minoria. Precisamos eleger mais deputados progressistas!”
Além disso, a ausência desse terceiro conceito — que em verdade é o primeiro e que determinará os demais —, causa confusão quando misturamos objetivo e estratégia. A consequência é que estratégia passa a significar, ao mesmo tempo, tanto o objetivo da revolução quanto a estratégia específica.
E por que isto é relevante? Porque o objetivo pode se servir de um número de estratégias, e uma delas deve ser escolhida a partir de uma rica e minuciosa análise da estrutura e da conjuntura. É disso que se tratam muitas divergências de estratégia ao longo da história do Movimento Comunista Internacional (MCI) e do Brasil, bem como entre partidos comunistas e outras organizações políticas. É este debate que o conjunto da militância deve ser capaz de realizar com qualidade, e para o qual deve estudar profundamente para convencer ou se convencer da melhor estratégia, e das melhores táticas para fazer avançar essa estratégia.
Tomemos como exemplo uma organização fundamentalista, muito longe de qualquer correlação com a esquerda, o socialismo ou comunismo, de forma que o distanciamento ideológico e geográfico do objeto talvez facilite a compreensão: a Al-Qaeda.
Na década de 1990, após combater a União Soviética no Afeganistão, os mujahidin se reorganizaram na busca pelo objetivo de unificar o mundo árabe em um único califado wahhabista. Para atingir este objetivo, elegeram como estratégia fomentar levantes nacionais que derrubassem os governos árabes aliados do Ocidente.
Fracassado esse intento, sem grandes resultados que abalassem a legitimidade desses governos, a Al-Qaeda muda sua estratégia para atingir o mesmo objetivo. De fomentar insurreições, a organização decide repetir o enfrentamento ao governo do Afeganistão a partir do combate ao seu aliado internacional, a URSS. Assim, a nova estratégia do grupo fundamentalista é conseguir iniciar uma guerra total do mundo árabe contra, primariamente, os Estados Unidos, patrocinadores de diversos governos da região. Dessa forma, a organização seria a vanguarda desta guerra e buscaria envolver e liderar todos esses povos em uma luta contra a invasão ocidental e seus governos locais aliados, no espírito de uma nova “Cruzada” de cristãos contra muçulmanos. [4]
A tática escolhida para colocar essa estratégia em marcha foram os atentados terroristas. Daí surgem diversos ataques ao longo dos anos 1990 e início dos anos 2000, com foco em alvos ocidentais, como o World Trade Center em 1993, as embaixadas dos Estados Unidos no Quênia e na Tanzânia em 1998, um navio da marinha de guerra estadunidense no Iêmen em 2000 e, o mais conhecido de todos, os ataques aéreos novamente contra o World Trade Center em 2001. Todos eles são uma tática, elaborada para que a opinião pública pressionasse o governo dos EUA por uma invasão (o que, de fato, ocorreu), e isso por sua vez concretizaria a estratégia da Al-Qaeda.
Obviamente a estratégia não foi bem-sucedida como a organização previra, mas isto já demandaria outra análise, o que não é a intenção. Cabe aqui tão somente tornar mais evidentes as diferenças entre cada uma destas categorias e como elas se correlacionam, frente às persistentes confusões — históricas, até, conforme pontua a filósofa chilena Marta Harnecker, indicando que a obra de Lenin “Duas táticas da social-democracia na revolução democrática” deveria em realidade chamar-se “Duas estratégias…”, uma vez que é disto que se trata: apontar as divergências entre a estratégia bolchevique e a estratégia menchevique em 1905. [5]
Estratégias das experiências revolucionárias
Há também diversos exemplos de estratégias para objetivos revolucionários na história do Movimento Comunista Internacional. Uma das mais conhecidas é a Guerra Popular Prolongada, empreendida pelo Partido Comunista da China sob o comando de Mao Zedong.
A estratégia da guerra prolongada, também adotada pela Coluna Prestes anos antes, parte de uma situação de desequilíbrio entre as duas forças beligerantes, o que coloca o lado menor em posição de defensiva. Do lado das forças burguesas, o exército nacionalista, a estratégia era executar um enorme cerco contra o exército revolucionário e sufoca-lo. Assim, a estratégia do Partido Comunista da China foi, numa primeira fase, de retirada, marchando para fora do alcance deste cerco. Isto tinha dois objetivos: dispersar as tropas nacionalistas, o que abria suas defesas e as desgastava em combates menores, além de encarecer e tensionar a capacidade logística e os custos gerais da guerra com um exército tão espalhado pelo território; e ganhar tempo acumulando forças, recrutando pessoas, formando quadros, através de uma incessante ofensiva política contra o governo nacionalista, agravada pela contínua desmoralização ao não conseguir derrotar de uma vez por todas o exército comunista. [6] Somente num segundo momento, com um maior equilíbrio na correlação de forças, é que o PCCh passou à contra-ofensiva estratégica e concluiu a revolução de maneira bem sucedida.
Esta, por óbvio, se trata de uma estratégia propriamente militar, apesar do que debatemos acima. Não foi a única, também. Cuba, Vietnã e Coréia testemunharam, todos, estratégias essencialmente militares. Nem todas as estratégias para a tomada do poder ao longo da história, contudo, foram uma luta armada, embora praticamente todas tenham recorrido à ela para defender a revolução.
A estratégia do poder popular é eminentemente mais política, ao menos no que diz respeito à tomada do poder. O poder popular consiste na construção de um poder proletário, paralelo ao poder do Estado, tradicionalmente a partir de conselhos operários. Seu exemplo mais conhecido são os sovietes (em russo, conselhos), proeminentes nas revoluções russas de 1905 e 1917, embora tenham paralelos notáveis com a organização da Comuna de Paris (1871). Na descrição de Lenin, este poder “de mesmo tipo” da Comuna se caracteriza por: 1) a fonte do poder reside na “iniciativa direta das massas populares a partir de baixo”; 2) “substituição da polícia e do exército, como instituições separadas do povo e opostas a ele, pelo armamento direto de todo o povo”; e 3) “os funcionários e a burocracia também são substituídos pelo poder direto do povo ou, ao menos, submetidos a um controle especial, transformam-se em simples mandatários não apenas elegíveis, mas também exoneráveis a qualquer momento, assim que o povo o exigir”. [7] O líder bolchevique destaca também que esse novo poder, ao mesmo tempo um Estado de novo tipo (ainda que em estágio embrionário), possui um caráter transitório, uma vez que “em um Estado não podem existir dois poderes”. A tarefa de um é deslegitimar e sufocar o outro, enquanto este poder de novo tipo se desenvolve e passa a representar toda a massa trabalhadora a partir da eleição de deputados operários. [8] Os bolcheviques passaram, então, a disputar esses conselhos, frutos da insurreição popular, buscando eleger seus militantes enquanto deputados.
Dizemos desta como uma revolução que não engendrou uma guerra para a tomada do poder, apesar da guerra civil que se seguiu, mas “tão somente” uma insurreição armada dos conselhos operários (em especial o soviete de Petrogrado, hoje São Petersburgo) que votou e concretizou a tomada dos prédios do governo, em parte por conta do apoio massivo de soldados e marinheiros, igualmente organizados em conselhos.
Qual a estratégia e as táticas corretas?
Como dissemos anteriormente, essa resposta depende de uma boa e acertada análise acerca da realidade de cada país em cada tempo histórico, tanto seus aspectos estruturais quanto conjunturais, sua composição de classes e de forças sociais. Foi a própria revolução democrática de 1905 que, ao instaurar pela primeira vez os sovietes, deu à luz a estratégia dos bolcheviques, tanto numa nova análise do papel desempenhado por cada classe, como a construção desses instrumentos revolucionários. Podemos também apontar alguns episódios em que a análise equivocada levou a derrotas.
No caso da revolução afegã, o Partido Democrático do Povo Afegão (PDPA) tinha uma militância oriunda tão somente uma pequena classe média, entre oficiais militares, técnicos e funcionários públicos, além de uma fração da diminuta classe operária e de estudantes universitários. Pensou ser suficiente a promoção de protestos de massa nas ruas da capital para que tomassem o poder, com o apoio de um grupo de militares democratas, contra o príncipe Mohamed Daud que começou a fechar o regime e perseguir os comunistas. Acontece que o Afeganistão talvez seja um dos poucos lugares em que se poderia falar em relações sociais feudais, com baixíssima população urbana, onde o poder repousava nas mãos de senhores da guerra. Estes foram muito mais efetivos em insuflar a maior classe social do país, o campesinato, contra o novo governo e as reformas (alfabetização, reforma agrária, nacionalização de alguns setores da economia e emancipação das mulheres), uma vez que essa classe não tinha sido agitada, disputada e organizada enquanto força social da revolução. Na análise do professor Paulo Visentini, “a família patriarcal recusava-se a abrir mão do controle sobre as mulheres e os jovens, e o clero reagia contra a reforma agrária.” [9] Assim, estouraram revoltas rurais de um grupo que não se via protagonista de mudanças positivas na sua realidade e estaria disposto a lutar por elas, mas via uma ameaça à forma como viveram suas vidas desde sempre. Também não se dedicaram à organização sobretudo das mulheres camponesas, preparando-se para enfrentar essa reação enquanto uma força organizada. É possível argumentar que, nestas condições, uma estratégia de guerra popular prolongada talvez tivesse maior êxito, uma vez que o PCCh soube combinar a mobilização da poderosa e histórica força social que representava o campesinato chinês com a estratégia de combate à classe dos senhores da guerra, ou senhores feudais, que ameaçavam a unidade nacional e a revolução chinesa. [10]
Por vezes, táticas podem parecer bastante díspares da estratégia, mas em sua essência elas devem convergir de forma consequente para que a organização avance no sentido da estratégia. Agora a pouco falávamos sobre a estratégia de retirada do exército revolucionário na China, para evitar ser pego no cerco estratégico do exército nacionalista do Guomindang. Não obstante, alguns destacamentos do exército vermelho, somados a alguns grupos de guerrilha ligados ao Partido Comunista, por vezes executavam uma tática ofensiva de cerco rápido a pequenos grupos do exército nacionalista. Isto tinha como função desgastar as forças do Guomindang e tomar-lhes suprimentos, parte fundamental da estratégia de prolongar a guerra para equilibrar a correlação de forças. Também auxiliava na agitação política e na manutenção da moral elevada. Isto tudo sem nunca (durante este estágio) passar precipitadamente à uma contra-ofensiva geral enquanto nova estratégia do exército.
Por outro lado, táticas e estratégias podem causar confusões ao olhar desatento na medida em que, por vezes, a tática de um pode ser a estratégia do outro. Que o partido bolchevique tenha adotado uma tática eleitoral, em outro exemplo, não significa necessariamente que esta tenha sido sua nova estratégia. Precisamente porque a análise não se alterou para um entendimento de que o partido deveria apostar em reformar o sistema, muito menos que o campo da disputa parlamentar era o principal espaço para tanto, como vimos nas organizações reformistas. Mas via o espaço enquanto viável para uma tática de agitação política contra o governo e em favor da estratégia de duplo poder, combinando o que Lenin chamou de “luta legal” (nos órgãos legislativos) com a “luta ilegal” (greves, por exemplo) e sem nunca perder de vista que “a ação das massas (...) é sempre mais importante que a ação parlamentar, e não só durante a revolução ou numa situação revolucionária”. [11]
O manifesto da Reconstrução Revolucionária traz a crítica ao caminho de fato equivocado: a adoção da tática parlamentar do “Fora Bolsonaro e Mourão!” — isto é, de apostar no impeachment do ex-presidente — por parte do PCB, e da tática de “apelar ao TSE pela cassação da chapa de Bolsonaro e Mourão, em vez de assentar sua agitação exclusivamente na palavra de ordem por uma Greve Geral como o único caminho tático adequado para o proletariado”. [12] Estas táticas do PCB, sim, apresentam mais coerência com uma análise que considere o Congresso o espaço principal das lutas, tendo a direita partidária como principais adversários e um bloco de centro “disputável”. Assim, tanto essa análise subjacente quanto as táticas são flagrantemente contrárias à estratégia do poder popular, reforçando ilusões nas instituições e a legitimidade delas, conforme também aponta Gabriel Lazzari em sua tribuna escrita já à época do XVI Congresso. [13]
Como definir alianças estratégicas? E táticas?
Esta pergunta possui duas ramificações: alianças de classes e alianças políticas, isto é, entre organizações militantes. As duas estão bastante correlacionadas, e explicaremos isto na sequência. Novamente, são perguntas que devem ser respondidas concretamente pelo conjunto da organização, a partir da melhor análise da realidade nacional, do caráter das classes, dos interesses e das composições que elas se configuram. Cabe à organização analisar e concluir qual ou quais classes revolucionárias do país, quais possuem interesses contrários a esse objetivo, e com quais pode se estabelecer somente eventuais alianças táticas.
Em se tratando de organizações políticas, é importante nunca perder de vista qual(quais) classe(s) ou setor(es) de classe(s) cada organização busca organizar e representar. Por isso a primeira análise é tão importante também neste campo. Já o segundo passo é avaliar qual a estratégia e quais as táticas de cada organização. Se um partido ou movimento busca organizar a mesma classe, ou uma classe diferente, porém igualmente revolucionária segundo a linha política da organização, e busca faze-lo a partir da mesma estratégia (digamos, a construção do poder popular), faz sentido que se estabeleça uma aliança estratégica. Este tipo de aliança tende a ser mais duradoura, uma vez que a estratégia de um partido dificilmente muda com tanta rapidez quanto as táticas, demandando muito mais esforço e tempo para dar resultados.
Uma aliança estratégica não necessariamente significa que ambas irão concordar em todas as táticas. É perfeitamente possível, numa suposição, que uma das organizações resolva se dedicar exclusivamente à uma única tática, de organizar o proletariado urbano a partir do local de trabalho, enquanto outra decida faze-lo tão somente a partir da luta por moradia e/ou em favelas, comunidades e bairros pobres. Ou ainda uma que decida organizar exclusivamente os trabalhadores rurais, a partir da luta por terras. Neste caso, tratam-se de táticas complementares à mesma estratégia, a construção de um duplo poder nestes espaços. Já uma aliança tática costuma se estabelecer entre organizações que não possuem a mesma estratégia, mas que eventualmente podem convergir numa mesma tática específica. Por exemplo, na agitação parlamentar contra uma lei reacionária que prejudique a classe trabalhadora, ou na defesa contra a demolição de um quilombo ou desapropriação de uma ocupação.
Notas
[1] Ver, por exemplo, a tribuna anônima “Sobre o isolamento dos partidos comunistas”, disponível em: https://emdefesadocomunismo.com.br/sobre-o-isolamento-dos-partidos-comunistas/
[2] CLAUSEWITZ, Carl von. Da guerra. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.
[3] VITELLI, Marina G.; SAINT-PIERRE, Hector L. (orgs.). Dicionário de segurança e defesa. São Paulo: Editora Unesp, 2018.
[4] VISENTINI, Paulo F. Século XXI: impasses e conflitos. Porto Alegre: Leitura XXI, 2017.
[5] HARNECKER, Marta. Estratégia e tática. São Paulo: Expressão Popular, 2012.
[6] TSÉ-TUNG, Mao. Sobre a Guerra Prolongada. São Paulo: Baioneta Editora, 2019.
[7] LENIN, Vladimir I. A dualidade de poderes. In: _______. Lenin e a revolução de outubro: textos no calor da hora (1917-1923). São Paulo: Expressão Popular, 2017, p. 177.
[8] Id. As tarefas do proletariado na nossa revolução (projeto de plataforma do partido proletário). In: Ibid., p. 183.
[9] VISENTINI, Paulo F. et al. Revoluções e regimes marxistas: rupturas, experiências e impacto internacional. Porto Alegre: Leitura XXI/Nerint/UFRGS, 2013.
[10] POMAR, Wladimir. A revolução chinesa. São Paulo: Editora Unesp, 2013.
[11] LENIN, Vladimir I. O esquerdismo: doença infantil do comunismo. São Paulo: Expressão Popular, 2014.
[12] “Manifesto em defesa da Reconstrução Revolucionária do PCB!”, disponível em: https://emdefesadocomunismo.com.br/manifesto-em-defesa-da-reconstrucao-revolucionaria-do-pcb/
[13] LAZZARI, Gabriel. A propósito de nossa tática no ‘Boletim Especial 02’: palavras de ordem, caracterizações e papel da vanguarda. Disponível em: https://emdefesadocomunismo.com.br/a-proposito-de-nossa-tatica-no-boletim-especial-02-palavras-de-ordem-caracterizacoes-e-papel-da-vanguarda/