'O nosso símbolo será um espelho da classe trabalhadora brasileira' (gatasovietica)

Defendo arduamente que este seja o símbolo do nosso partido revolucionário, pela criação de um partido proletarizado e capaz de elevar a consciência dos trabalhadores do Brasil e do mundo.

'O nosso símbolo será um espelho da classe trabalhadora brasileira' (gatasovietica)
"Se queremos um símbolo que nos sintetize enquanto trabalhadores dessa terra que lutam pela emancipação da mesma e de seu povo oprimido, que tenhamos a coragem de ter como nosso emblema algo que esteja em íntima sintonia com a vida, o suor e a lágrima do povo que nessa terra vive."

Por gatasovietica para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

Camaradas, escrevo a presente (e pequena) tribuna na necessidade de unificação, encaminhamento e trabalho prático de desenvolvimento dos nossos trabalhos enquanto um futuro partido comunista. O texto é dividido em algumas partes:

  • Introdução: a história da Foice e do Martelo.
  • Proposta: foice roçadeira, estrela internacionalista, martelo, arco e flecha.

Introdução: a história do símbolo comunista

O “símbolo comunista” nasceu em abril de 1918, na União Soviética, criado pelas mãos de Yevgeny Ivanovich Kamzolkin, um designer e fotógrafo que propôs o símbolo como decoração nas festas do Primeiro de Maio soviético. Juntamente com alguns pintores/designers bolcheviques (Sergei Gerasimov, Nikolai Chernyshev, Dmitry Sobolev) que formaram um grupo de estudos para criar um símbolo forte de representação do proletariado revolucionário. [1]

“Durante abril de 1918, camaradas do Conselho da Cidade de Moscou me perguntaram se era possível criar e integrar imagens de um martelo, um arado e uma bigorna em um símbolo inspirador. Fui informado de que o distrito de Zamoskvorechye em Moscou era um dos mais importantes, com cerca de 300.000 trabalhadores, e que esse projeto deveria ser concluído até 1º de maio. Decidi (por minha conta e risco) experimentar várias opções antes de decidir que os camponeses seriam representados por uma foice e os trabalhadores por um martelo (sem uma bigorna). Fiz vários esboços experimentando com a disposição e decidi que a expressão mais poderosa era uma foice cruzada sobre um martelo. Pareceu-me que tal disposição, embora simples, era profunda e cheia de um significado revolucionário. Decidi então colocar esse design em bandeiras e estandartes do Dia do Trabalhador.” - Yevgeniy Kamzolkin (abril de 1918) - Tradução livre de minha autoria.

O grupo de artistas ficou encantado ao saber que Lênin e o governo soviético tinham adotado seu símbolo como emblema permanente daquela revolução. Durante julho de 1918 o congresso de todos os sovietes russos aprovou o design como emblema do estado. A partir do reconhecimento desse símbolo enquanto um verdadeiro aglutinador da experiência dos trabalhadores revolucionários, ele acabou por ser utilizado em toda a União Soviética, com diversas variações de forma, tamanho, disposição etc.

Yevgeny Ivanovich Kamzolkin com algumas variações do símbolo - Créditos: https://www.facebook.com/sovietvisuals/posts/100th-anniversary-of-hammer-and-sickle-symbol-created-by-russian-and-soviet-arti/1893727110693524/

Trago essa experiência de design revolucionário para suscitar um debate que, como toda disputa estética, é escanteado pela ampla maioria da militância num sintoma mútuo de imobilismo e falta de arcabouço teórico. A forma ulterior da foice e do martelo não é algo (assim como a experiência socialista-comunista revolucionária) que pode ser copiado de um país para o outro, mas sim pensado através de uma mentalidade que transcenda as amarras capitalistas, assim como Kamzolkin orientou seus camaradas: “pensem de maneira completamente nova e soviética, diferente de qualquer expressão artística desenvolvida no passado.”.

Então, camaradas, trago a primeira provocação: por que usamos em nosso partido um símbolo que foi pensado para representar de forma extremamente íntima os trabalhadores soviéticos e suas ferramentas de trabalho? Por que não adaptamos esses símbolos à realidade brasileira?

Essa pergunta não pode ser respondida sem percebermos o quanto temos ao mesmo tempos (enquanto Movimento Comunista Nacional, mas também enquanto partido) essa nostalgia idealizada da União Soviética sendo que nunca realmente mergulhamos nela, nunca nos perguntamos o que foi a escola de Vkhutemas, quem foi Vigotsky, quem foi Vladimir Lebedev, qual é o debate trazido pelo construtivismo e qual foi a importância dele para o ideário soviético, milhões de debates sobre nossas debilidades formativas podem ser revelados trazendo esses assuntos.

O ponto central, camaradas, e isso tem de ser deixado claro, é que não há nenhuma característica positiva em perpetuar um símbolo profundamente soviético se queremos nos aproximar dos trabalhadores do nosso país, mesmo que tenhamos um horizonte revolucionário de um socialismo-comunismo no mundo inteiro. Se queremos um símbolo que nos sintetize enquanto trabalhadores dessa terra que lutam pela emancipação da mesma e de seu povo oprimido, que tenhamos a coragem de ter como nosso emblema algo que esteja em íntima sintonia com a vida, o suor e a lágrima do povo que nessa terra vive.

[...] me atrevo a colocar que o papel do design [...] se estende também ao nosso papel enquanto comunistas de construir um imaginário. A identificação visual de nossa organização nos espaços que ocupamos - seja na internet ou nas ruas - é apenas uma parte desta nossa direção maior: criar um terreno fértil para a construção, no presente, do imaginário de um novo futuro, uma nova sociedade, genuinamente brasileira e comunista. - Catherine Calognomos em “O design e a linguagem visual em nossa tarefa revolucionária” [2]

Algo importante de frisar é que a problemática na utilização deste símbolo em específico para um partido (cuja tarefa central seria a edificação do socialismo-comunismo no Brasil e no mundo) é de que ele não diz nenhum respeito sobre o perfil do proletariado brasileiro e suas respectivas ferramentas de trabalho, o que torna essa identificação vazia (para além de não diferenciar nosso partido de outros que são, ou se dizem, comunistas).

Isto é, o símbolo soviético não gera em si um sentido no imaginário do povo brasileiro, mas acaba por “ganhar” significado para o indivíduo quando ele já está organizado e tocando tarefas. O símbolo em si, dessa forma, age como um espantalho, não suscita nos trabalhadores nenhum sentimento (a não ser o de repulsa, fomentado pelo trabalho ideológico reacionário internacional.

Ademais, a própria história de criação da foice e do martelo enquanto símbolo na União Soviética acaba por contradizer os camaradas que defendem a posição de que o símbolo de nosso partido deveria “surgir de forma orgânica”, ora, essa forma de trabalho não leva em conta os trabalhos, não só árduos, como urgentes que temos de fazer enquanto partido.

Portanto, camaradas, é importante que tenhamos um símbolo que aglutine o perfil dos trabalhadores brasileiros, ainda que nos esforcemos diariamente para manter o internacionalismo proletário, nesse último sentido é importante a defesa da bandeira vermelha lisa como a única capaz de representar os proletários de todos os países.

Proposta: foice roçadeira, estrela internacionalista, martelo, arco e flecha.

Com esses pontos que eu trouxe, acabei por desenvolver um símbolo que representaria o povo brasileiro de uma forma mais acurada, ainda que imperfeita, e gostaria de deixá-lo público para um futuro debate dos camaradas sobre esse tema. Seria de extrema importância a adoção desse símbolo num esforço coletivo de proximidade e de trabalho de massas.

O símbolo tem em si muita familiaridade com seu “irmão soviético”, tendo em vista que o trabalho anterior tem e teve muita influência no imaginário comunista internacional. 

Acima há uma estrela de cinco pontas, representando o internacionalismo proletário, presente em nossas fileiras desde o começo do movimento comunista no Brasil, em 1922. Na diagonal, com sua ponta virada à esquerda está um martelo, representando os trabalhadores modernos, desde aqueles que trabalham em fábricas até os entregadores. Também na diagonal, atrás do martelo, com sua ponta virada para a direita está a foice roçadeira, representante do campesinato pobre e dos pequenos agricultores. Atrás de todos os elementos anteriores está o arco e flecha, simbolizando os povos indígenas e tradicionais de Pindorama, que sofreram e sofrem até hoje com a expansão do imperialismo e do capitalismo.

“Comunismo em Pindorama” - autoria própria [3]

Percebam que os elementos estão numa progressão representando as características do proletariado brasileiro em diversas “fases” da construção do capitalismo no país, nunca “apagando” o povo oprimido “anterior”, mas sempre se refazendo através de crises e criando de forma dialética novas formas de trabalho (e também de exploração), dinâmica própria do capitalismo. Primeiro, os povos indígenas, depois a formação do campesinato para posteriormente a formação do operário e do trabalhador moderno.

A adição da estrela internacionalista nos faz lembrar dia após dia do esforço em criticar e ajudar os nossos partidos camaradas de outros países.

O símbolo que proponho não é tão diferente da foice e do martelo, mas pode passar claramente um caráter brasileiro e latinoamericano em sua composição.

Defendo arduamente que este seja o símbolo do nosso partido revolucionário, pela criação de um partido proletarizado e capaz de elevar a consciência dos trabalhadores do Brasil e do mundo.


[1] Conferir o texto “How Yevgeny Kamzolkin Designed the Soviet Hammer and Sickle Emblem” disponível em: https://thesanghakommune.org/2018/06/11/how-yevgeny-kamzolkin-designed-the-soviet-hammer-sickle-emblem-1918/

[2] Tribuna “O design e a linguagem visual em nossa tarefa revolucionária” da camarada Catherine Calognomos, disponível em: https://emdefesadocomunismo.com.br/o-design-e-a-linguagem-visual-em-nossa-tarefa-revolucionaria/

[3] “Comunismo em Pindorama” - por @gatasovietica, disponível em: https://x.com/gatasovietica/status/1744783519643996453?s=20