'O erro grosseiro e centenário do “nacionalismo revolucionário”' (World)

O fato de comunistas e trabalhistas terem se unido na República Populista não é mérito de nenhum deles, é uma demonstração clara do peleguismo e do oportunismo que contaminam nosso movimento há décadas, senão séculos.

'O erro grosseiro e centenário do “nacionalismo revolucionário”' (World)
Imagem: Agência Nacional - Arquivo Nacional

Por World para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

A tribuna de Aurelio Fernandes “Um debate necessário: reflexões sobre nacionalismo e revolução brasileira”[1], inicia-se com duas citações, uma de Leonel Brizola e outra de Mariátegui. A citação de Mariátegui, em particular, me foi bastante curiosa, uma vez que após o ponto o parágrafo continua da seguinte forma (tradução minha):

“E isso não é teoria. Se Luis Alberto Sánchez desconfia da teoria, não desconfiará da experiência. Menos ainda se a experiência está logo abaixo do escrutínio dos seus olhos de estudioso. Eu me contento em aconselhá-lo para que dirija o olhar à China, onde o movimento nacionalista do Kuomintang recebe do socialismo chinês seu impulso mais vigoroso.”[2]

Ora, esse texto de Mariátegui foi publicado em março de 1927. Respondendo Mariátegui e Aurelio Fernandes, no entanto, a experiência do abril de 1927 demonstraria o erro gravíssimo que fora a aproximação entre o movimento nacionalista e o socialismo chinês. Abril de 1927 é conhecido exatamente pelo Massacre de Xangai, no qual as forças do Kuomintang, lideradas por Chiang Kai-Shek, aniquilaram o Partido Comunista da China. É necessário que, enquanto comunistas, tomemos esse evento não como consequência de uma vontade “má” do líder nacionalista, mas como resultado justamente da aproximação entre os nacionalistas e os comunistas, como consequência concreta de uma tática errada defendida por lideranças e nomes respeitados nacional e internacionalmente.

A experiência demonstra e não deixa desconfiar que o comunismo deve se opôr ao nacionalismo, uma vez que o nacionalismo é necessariamente anticomunista.

O Leonel Brizola, invocado por tantos defensores dessa aproximação entre nacionalismo e comunismo, tratava-se de um defensor e apologista de Getúlio Vargas, um dos maiores perseguidores de comunistas no Brasil. Que moral tem tal figura para que comunistas se inspirem em suas palavras? Respondo: nenhuma. Invocá-lo é deixar claro sua filiação com a ideologia burguesa do nacionalismo que se vende proletário e advogar por míseras reformas sociais pautadas na manutenção da exploração – o trabalhismo.

O fato de comunistas e trabalhistas terem se unido na República Populista não é mérito de nenhum deles, é uma demonstração clara do peleguismo e do oportunismo que contaminam nosso movimento há décadas, senão séculos. É demonstração clara de que as figuras históricas do nosso movimento não agiram corretamente.

Quanto à praga do nacionalismo no movimento comunista poderíamos tomar exemplos desde a Liga dos Comunistas e o conflito entre Marx, Engels, Schapper e Willich[3], quando a Alemanha nem Estado unificado era e ocupava uma posição subdesenvolvida e periférica no sistema capitalista. No entanto, isso seria cansativo e pouco acrescentaria à discussão. Gostaria, portanto, de levantar alguns questionamentos tendo em vista discursos recentes e relevantes.

Uma das mais relevantes lideranças da esquerda brasileira, Jones Manoel, adota um discurso que equipara o “estudo das particularidades brasileiras” com o seu “nacionalismo revolucionário”[4]. A minha indagação é: “por quê”? O que no estudo das “particularidades brasileiras” nos indica a necessidade de construir uma “nação”; mais do que isso, por que o estudo das “particularidades brasileiras” para os comunistas deve levar à defesa de um nacionalismo revolucionário? Tal conclusão não é necessária. O estudo das particularidades brasileiras é uma coisa. O “nacionalismo revolucionário” é outra.

Eu poderia, de má-fé, equiparar que “o estudo das particularidades do capitalismo determina uma defesa de um capitalismo revolucionário”, mas tal conclusão é absurda. É justamente o estudo das particularidades do capitalismo que determinam que ele deve ser destruído, para tanto Marx nos legou uma obra imensa, ou teria ele proposto um “capitalismo proletário”? Da mesma forma, o estudo das particularidades brasileiras não nos diz que tais particularidades devem ser louvadas, muito pelo contrário. A história do Brasil é uma de “O Brasil” contra os trabalhadores. Estudar as “particularidades brasileiras” revela que não existem “particularidades brasileiras” em abstrato, não há nenhuma partícula de Brasil que habite no solo, na água, na gente. O comunismo é necessariamente contra o Brasil, pois o Brasil não diz respeito à classe trabalhadora de cada rincão dessa porção de terra.

Me choca que um suposto admirador de Lima Barreto – escritor anarquista –, alguém que tanto elogiou Triste Fim de Policarpo Quaresma, recaia sobre uma defesa e admiração de uma nação que não existe e que ainda se encarregue de defender a criação dessa nação.

A defesa do “nacionalismo” na esquerda, no entanto, não vem do nada, nunca veio. É importante nos atentarmos à dinâmica das relações internacionais, uma vez que tal sempre pauta esse espírito da “nação”. O anti-imperialismo é muita vezes invocado como justificativa para tal defesa do nacional. No entanto, essa defesa do nacional contra o imperialismo toma como pressuposto não as classes sociais, não a exploração do trabalhador pelo capital, mas os Estados nacionais. Implícita na defesa de um “nacionalismo revolucionário” está a defesa do Estado brasileiro, e mais do que isso, está reconhecida a legitimidade desses desenhos burgueses no mapa.

É justamente no aspecto das relações internacionais que o “nacionalismo revolucionário” é menos revolucionário do que já não é. Buscando um exemplo histórico do Brasil, João Goulart e Leonel Brizola defendiam uma política externa independente – é ilustrativa a ida de Jango à República Popular da China em plena Guerra Fria. Esquece-se no entanto, que Jânio também defendia tal política. Jongo é enviado à China na posição de vice-presidente. Mais ainda, a política externa da ditadura militar também adotou uma posição de “terceira via”, muito bem ilustradas nas ótimas relações entre Brasil e Iugoslávia. Não é coincidência que os militares também continuassem a política desenvolvimentista do período anterior. E não é coincidência que hoje em dia o “nacionalismo revolucionário” seja defendido pelos mesmos que defendem políticas neodesenvolvimentistas – custe o que custar à sociedade explorada.

Veja, não faço aqui um julgamento moral, o que quero evidenciar é como, no comunismo, não há espaço para tais formas burguesas de sociedade. Não deve haver. Comunismo não é pintar-se de vermelho, nem publicar livro ou participar de seminários acadêmicos. Comunismo é o movimento real que supera o estado de coisas atual[5], não mais uma forma política deste. Por isso os comunistas são necessariamente internacionalistas, pois senão caem na defesa implícita da sociedade burguesa.

Por fim, é necessário que sejamos sinceros com nós mesmos. A reconstrução revolucionária de um partido não pode partir dos mesmos erros dos últimos cem anos. O mundo borbulha e o capitalismo cada vez mais torna a vida humana insuportável. Aboli-lo não é uma negação em abstrato, mas a única ação consequente possível, o resto é oportunismo.


Referências

1. Um debate necessário sobre nacionalismo e a revolução brasileira, https://emdefesadocomunismo.com.br/um-debate-necessario-reflexoes-sobre-nacionalismo-e-revolucao-brasileira/

2. Réplica a Luiz Alberto Sanchez (espanhol),

https://www.marxists.org/espanol/mariateg/oc/ideologia_y_politica/paginas/replica%20a%20sanchez.htm

3. Scission au sein de la Ligue des Communistes (francês),

https://www.marxists.org/francais/marx/works/00/parti/kmpc039.htm 

4. Uma teoria do socialismo contra o Brasil,

https://www.youtube.com/watch?v=X81pKFd-aC4 

5. A ideologia alemã, p. 38.

https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/7888155/course/section/6531689/Marx%20_%20Engels%20-%20A%20ideologia%20alem%C3%A3%20%28Boitempo%29.pdf