'Um debate necessário: reflexões sobre nacionalismo e revolução brasileira' (Aurelio Fernandes)

A Revolução Brasileira é a única forma de enfrentar os interesses da burguesia e do imperialismo que historicamente frustram a realização plena de um desenvolvimento da nação brasileira voltado para atender os interesses das maiorias e contribuir para o avanço da luta mundial pelo socialismo.

'Um debate necessário: reflexões sobre nacionalismo e revolução brasileira' (Aurelio Fernandes)

Por Aurelio Fernandes para a Tribuna de Debates Preparatória do XVII Congresso Extraordinário.

“O problema latino-americano tem de ser concebido como um problema de libertação nacional. (...)É imperativo que a revolução encontre soluções socialistas. E não é uma questão de escolher uma doutrina de um livro. Somente as soluções socialistas é que permitem a defesa dos povos contra o imperialismo.”

Leonel Brizola – 1963
“(...) o nacionalismo das nações européias, aonde o nacionalismo e conservadorismo se identificam e se unificam – se propõe fins imperialistas. É reacionário e anti-socialista. Já o nacionalismo dos povos colonizados – se, colonizados economicamente, ainda que se vangloriem de sua autonomia política – tem uma origem e um impulso totalmente diversos. Nestes povos, o nacionalismo é revolucionário e, portanto, é socialista. Nestes povos a ideia de nação não cumpriu ainda sua trajetória e nem esgotou sua missão histórica.” 

Mariátegui, 

Em um momento histórico de crise mundial do capitalismo e de aprofundamento brutal do caráter dependente do capitalismo brasileiro o nacionalismo revolucionário é um instrumento fundamental na batalha das ideias que se dá cotidianamente na luta de classes.

A Revolução Brasileira é a única forma de enfrentar os interesses da burguesia e do imperialismo que historicamente frustram a realização plena de um desenvolvimento da nação brasileira voltado para atender os interesses das maiorias e contribuir para o avanço da luta mundial pelo socialismo.

1- Frente ao nacionalismo burguês como justificação ideológica da exploração, o nacionalismo revolucionário é o resultado permanentemente enriquecido e aperfeiçoado da luta histórica das trabalhadoras e dos trabalhadores dos países capitalistas dependentes contra a exploração.

O desenvolvimento do capitalismo contemporâneo, e das contradições que lhe são próprias, resulta e se expressa na contraposição irreconciliável entre os interesses de classe da burguesia e os interesses históricos da humanidade no seu conjunto que só podem ser representados pelas trabalhadoras e trabalhadores da cidade e do campo, ou seja, pelo proletariado.  

No âmbito mais específico da luta de classes, se expressa pela contradição entre as distintas construções ideológicas com as quais a burguesia tende a esconder, disfarçar, e ou justificar a dominação de classe, e a práxis revolucionária, desmistificadora, que tende à libertação integral da sociedade. Tal contradição também se expressa no plano do sentimento e da consciência nacionais através da distinção entre nacionalismo burguês e nacionalismo revolucionário.

A burguesia constitui a classe dominante de dois séculos para cá e, portanto, devido ao controle dos meios materiais, projeta suas próprias concepções ideológicas auto defensivas sobre o resto da sociedade, impondo o predomínio social de suas concepções. 

De tal forma que o nacionalismo burguês, a forma ideológica que predominou desde o momento de formação das nações, é a forma ideológica comumente aceita como a própria forma representativa do nacionalismo, apesar de contraditória com o conteúdo libertador e comunitário das lutas nacionais. Frente a essa forma ideológica mistificadora das lutas nacionais e do nacionalismo, se faz necessário desnudar a verdadeira essência social do sentimento e da essência das lutas nacionais que se manifesta no nacionalismo revolucionário. 

Mas entendendo a este, não como outra construção ideológica fixa e definida de uma vez para sempre, e sim como o processo de desenvolvimento histórico da consciência nacional das massas trabalhadoras, ascendendo a níveis superiores pelas quais, estas vão paulatinamente superando as limitações ideológicas impostas pela burguesia, aproximando-se da eliminação definitiva da cisão entre o nacional e o social, entre consciência nacional e consciência de classe.  Eliminação definitiva que se expressa em uma consciência histórica da necessidade da revolução socialista.

2- A Nação é o produto da atividade criativa das massas trabalhadoras e identifica-se com elas.

Nacionalismo burguês e nacionalismo revolucionário não são abstratas especulações teóricas sem embasamento real, e sim manifestações políticas e ideológicas que expressam concretos interesses de classes. Portanto, entenderemos melhor a distinção entre eles nos reportando ao terreno específico a partir do qual esta diferença se estabelece: a nação.

De fato, a nação não é um ente autônomo, independente dos homens e superposta a eles, e sim é precisamente, uma criação deles, existente por eles e neles.

Os homens com suas atividades são os que criaram e recriaram permanentemente a nação.  Esta materialidade faz com que essa atividade tenha em comum, a inter-relação comunitária.  Mas como a atividade de cada indivíduo existe enquanto esse indivíduo tende lograr a satisfação de suas necessidades no marco social de uma situação concreta, o nacional autêntico resulta impossível concebê-lo independentemente da satisfação ou frustração de tais necessidades dos indivíduos que compõem a nação. Vemos assim a identificação do princípio existente entre nação e sociedade, entre o nacional e o social - e, portanto, de classe - em toda luta genuinamente nacional de libertação.

É precisamente esta concepção de nação e do nacional que se expressa através do nacionalismo revolucionário.  Frente a ela, o nacionalismo burguês levanta a concepção falseada do nacional, concebendo-o como algo abstrato, separado dos interesses concretos reais das classes, que com sua atividade material conformam a nação.  Esta forma abstrata e irreal de conceber a nação e o nacional, como se fosse um ente superior e independente dos interesses de classes, mascara na realidade a pretensão, por parte da burguesia, de identificar seu parcial interesse de classe com os interesses da sociedade em seu conjunto, tratando de subordinar os interesses da nação aos seus interesses.

3- O nacionalismo revolucionário constitui o caminho em direção da recuperação da nação por e para as massas trabalhadoras.

Concebido como o processo de desenvolvimento histórico da consciência nacional nas massas trabalhadoras, elevando-a a níveis superiores nas lutas sociais e políticas que vai se desencadeando, o nacionalismo revolucionário expressa as sucessivas aproximações de recuperação da nação por e pelas próprias massas trabalhadoras através da práxis revolucionária.  Recuperação que se consubstancia na reapropriação total, por parte da classe trabalhadora, de todos os produtos de sua atividade criativa (a riqueza social) com os quais conforma-se cada nação e que na sociedade capitalista são coercitivamente expropriados pela classe burguesa. 

Fica claro então que o nível mais elevado de consciência nacional é aquele que na luta nacional contra a opressão externa consubstancia-se conscientemente com a luta social interna contra toda forma de opressão, uma vez que uma e outra intercondicionam-se. O nacional é assim, só, uma das formas históricas de existir o social, e como tal, um dos caminhos que conduzem à realização plena da sociedade, entendida como recuperação por parte da totalidade dos homens que a compõem da realidade material e espiritual, produto de sua atividade e desenvolvimento histórico.

4- A ação burguesa-imperialista, frustrando a realização independente da Nação, mantém e intensifica o caráter revolucionário do nacionalismo dos trabalhadores nos países capitalistas dependentes.

Já abordamos o caráter popular e revolucionário social implícito na origem histórica do aparecimento das nações, como resultado da luta contra os privilégios da nobreza feudal.  E temos visto também, como a direção burguesa dessa luta social transformou rapidamente o caráter nacional que ela adotou, na fonte de um novo tipo de subordinação material e ideológico das massas trabalhadoras, sendo nesse sentido precisamente, que opera o nacionalismo burguês das metrópoles imperialistas e sua projeção nas mentes das burguesias dependentes.

De certo é que nos países capitalistas dependentes, o sentimento e a consciência nacionais das massas trabalhadoras exploradas e humilhadas pelo imperialismo e seus sócios nativos mantém, pela sua mesma impossibilidade de realização, por sua mesma frustração permanente, todos os componentes revolucionários que teve o nacionalismo inicial; e mais, constitui neles o motor fundamental da luta de libertação social.

A História da América Latina, por exemplo, é a História de sua frustração nacional, de sua não realização como nação, de sua divisão pelo imperialismo e as oligarquias nativas.  Sendo esta a razão pela qual nelas o nacional, pela mesma frustração de que é objeto, mantêm plenamente sua vigência política imediata e deve manter todo o conteúdo libertador, revolucionário e popular implícito nas mesmas origens históricas do nacionalismo, embora inserido no nível superior de consciência histórica das massas trabalhadoras que correspondem a nossa época.

É precisamente esse sentimento e consciência nacionais das massas trabalhadoras dos países dependentes, transformados pelo próprio caráter da opressão em vontade de libertação total, o que diferencia o nacionalismo revolucionário nesses países, diferenciando-o dessa sua forma desfigurada: o nacionalismo burguês.  Fica claro então, que o nacionalismo revolucionário dos países dependentes é a expressão de mudança do desenvolvimento histórico ascendente, vivo e real do sentimento e da consciência nacionais impedidos de realiza-se, em virtude da opressão imperialista.

5- Ante a impossibilidade da realização de uma nação burguesa independente e autônoma, o nacionalismo revolucionário dos países capitalistas dependentes constitui-se em um avanço histórico em direção ao socialismo.

 Esse desenvolvimento histórico do sentimento e da consciência nacionais vai determinando diversas correntes políticas, expressivas de níveis cada vez mais superiores de consciência nas massas.  Processo no qual o nacionalismo revolucionário, através de sua própria experiência viva, vai-se decantando e depurando dos lastros ideológicos generalizados pela burguesia até encontrar sua possibilidade de plena realização na síntese superior de um projeto histórico socialista. 

Nos países dependentes na época do imperialismo não há libertação nacional definitiva sem expropriação dos meios de produção e distribuição da riqueza social que o imperialismo controla, seja diretamente ou através das burguesias locais, a ele subordinadas.  Assim, o primeiro ato anti-imperialista constitui forçosamente um ato anticapitalista de superação do princípio de sustentação do regime burguês: a expropriação da propriedade privada.  Assim, o aprofundamento da ação libertadora no que se refere ao imperialismo leva inevitavelmente ao aprofundamento dessa ação anticapitalista na perspectiva do socialismo.

A definitiva e total libertação nacional somente estará garantida com a definitiva e total liquidação do sistema capitalista baseado no domínio imperialista.  É em tal sentido que pode afirmar-se que nos atuais países dependentes não há revolução socialista sem revolução nacional; ambas se pressupõem e se condicionam.

Por tudo isso, resulta importante destacar aqui que se o nacionalismo inicial (antifeudal e anti-aristocrático), tal como se deu nas suas origens nos países centrais, representou um momento importantíssimo do desenvolvimento da consciência revolucionária nas massas desses países, para transformar-se posteriormente no contrário, isto é, num mecanismo de distorção de tal consciência, o nacionalismo revolucionário dos países dependentes, por sua impossibilidade de realização no marco burguês-capitalista, vai expressando objetivamente, em cada momento do seu desenvolvimento histórico, o grau mais elevado de consciência ligado pelas massas ao seu horizonte de luta pelo socialismo.  Não uma consciência abstrata, separada, somente existente na mente de alguns intelectuais e militantes isolados, ao contrário, uma consciência histórica, concreta e efetiva, capaz de transformar-se em ação das massas trabalhadoras e encarnada nas formas políticas que ela vai assumindo no tempo.

Este nacionalismo, que vai acumulando sua própria experiência, enriquecendo a consciência histórica da classe trabalhadora, avançando e retrocedendo, mas deixando um saldo de permanente superação, lutando dramaticamente passo a passo, por diferenciar-se do nacionalismo burguês, até finalmente chegar a ser independente dele, tem sido e é o principal motor das lutas de libertação nacional e social das nações explorados pelo imperialismo. É o nacionalismo da nação real, o nacionalismo das trabalhadoras e trabalhadores da cidade e do campo oprimidos pelo imperialismo e seus aliados burgueses nativos que vai cobrando consciência da sua opressão.  É o nacionalismo revolucionário, que através dessa consciência crescente vai resgatando a nação real para si mesma, superando seu estranhamento de quem a conformam.

Sintetizando: existe o nacionalismo burguês reacionário, explorador, mistificante da consciência histórica e que subjuga as massas trabalhadoras, inclusive as da própria nação imperialista e existe o nacionalismo revolucionário, que na nossa época constitui o reencontro com o conteúdo social inicial das lutas pelas nações, tendendo conscientemente à sua realização efetiva no plano prático. Um nacionalismo libertador, humanista e que se baseia na solidariedade internacionalista.

O nacionalismo revolucionário expressa a superação dos limites do nacionalismo burguês, eliminando-o da cena política junto com a classe que o representa e elevando a luta classista a uma autêntica libertação nacional e social no marco da revolução socialista.

6 - No âmbito internacional, a distinção entre nacionalismo revolucionário e nacionalismo burguês se expressa globalmente na oposição entre as nações que lutam por sua libertação econômica, política, social, e cultural, e o nacionalismo opressor das grandes potências imperialistas. Mas tal distinção existe também no plano interno dos países capitalistas opressores.

Nos países centrais a luta classista do proletariado contra sua própria burguesia imperialista, é também uma luta nacional, se tomarmos este termo na sua verdadeira acepção não distorcida. E é nacional precisamente por ser proletária, encarnando na consciência revolucionária da classe operária, os autênticos interesses que representam os interesses da nação no seu conjunto, interesses que se encontram identificados, também, com os interesses de toda a humanidade.

Nesses países o processo de resgate da nação para si mesma, tem como complemento fundamental o internacionalismo proletário e a solidariedade real e efetiva dos trabalhadores com as lutas nacionais dos países dependentes, enquanto estas lutas debilitam e questionam o regime interno ao qual eles encontram-se enfrentando diretamente; internacionalismo que, por todas essas razões, não somente não está em contradição com as melhores tradições e culturas verdadeiramente nacionais, como, constitui o caminho de sua recuperação por e para o povo trabalhador.  Nos países centrais o nacionalismo revolucionário, se expressa então, nesse internacionalismo, complementando a luta direta pelo poder proletário e a expropriação imediata da burguesia, resgatando a nação para aquele que realmente a constitui: o proletariado.