Nota política: Nem elitismo, nem especulação - Sobre a construção de novas moradias populares em São Carlos
Só através da expropriação dos especuladores, do investimento massivo em infraestrutura pública e da organização popular poderemos construir uma São Carlos verdadeiramente popular. Uma cidade que sirva a quem nela trabalha e produz riqueza, não a quem vive de especular com a necessidade alheia.

Nota política do PCBR em São Carlos (SP)
A polêmica habitacional e suas limitações
A recente discussão sobre onde construir novos conjuntos habitacionais em São Carlos tem gerado debates acalorados na cidade. De um lado, moradores de bairros periféricos expressam preocupação legítima com a sobrecarga de regiões que já carecem de infraestrutura básica - faltam escolas, postos de saúde, transporte adequado e saneamento. Esses moradores, muitos deles trabalhadores que lutaram anos para conquistar suas casas, veem com apreensão a chegada de novos empreendimentos sem os investimentos necessários em serviços públicos.
Do outro lado, parte da população, políticos e representantes do setor imobiliário defendem a construção imediata de novos conjuntos, apresentando-se como defensores do direito à moradia. Argumentam que a resistência dos moradores seria uma forma de elitismo, de não querer "pobres como vizinhos".
Ambas as posições, embora contenham elementos de verdade, são insuficientes para compreender e resolver o problema habitacional de São Carlos. A preocupação dos moradores com a falta de infraestrutura é absolutamente correta - nossos bairros periféricos já sofrem com o abandono do poder público. Mas culpar parte da classe trabalhadora de São Carlos pela falta de investimentos é desviar o foco dos verdadeiros responsáveis. Por sua vez, a defesa abstrata do "direito à moradia" feita por políticos e construtoras esconde que são exatamente esses setores que lucram com o déficit habitacional, transformando a necessidade básica de ter um teto em mercadoria lucrativa.
O que essa falsa polêmica esconde é que existe outra solução: resolver o problema habitacional sem jogar trabalhador contra trabalhador, sem sobrecarregar ainda mais as periferias e sem enriquecer especuladores. Para isso, precisamos entender como funciona a máquina de fazer dinheiro com a segregação urbana em nossa cidade.
Como São Carlos foi organizada para servir ao capital
A estrutura urbana de São Carlos não é obra do acaso. Nossa cidade foi deliberadamente organizada para servir aos interesses da burguesia local - construtoras, imobiliárias e grandes proprietários de terra. Os bairros centrais e condomínios, com melhor infraestrutura e acesso a serviços, são reservados para quem pode pagar caro. A classe trabalhadora é sistematicamente empurrada para as periferias distantes, onde falta tudo: transporte, saúde, educação, lazer, cultura.
Essa segregação espacial tem consequências dramáticas. Na zona sul da cidade, região do Cidade Aracy, as famílias convivem com a insegurança jurídica sobre seus imóveis - muitos ainda não têm escritura definitiva de terrenos que compraram há décadas do ex-prefeito Airton Garcia. Nos bairros Jardim Gonzaga, Antenor Garcia, Zavaglia e outros da extrema periferia, a população enfrenta horas de deslocamento em ônibus lotados, quando passam ou não atrasam, e caros para chegar ao trabalho. Enquanto isso, o centro da cidade está repleto de imóveis vazios.
Os números revelam o absurdo dessa situação: São Carlos tem mais de 16 mil domicílios particulares vagos, segundo dados do IBGE de 2023. Ao mesmo tempo, a prefeitura cadastrou cerca de 17 mil pessoas para habitação popular - mas esse número esconde a real dimensão do problema. O cadastramento exclui justamente quem mais precisa: pessoas sem renda ou sem como comprová-la, moradores de ocupações e população em situação de rua. Sem dados oficiais confiáveis, sabemos apenas que existem mais de 10 ocupações urbanas abrigando centenas de famílias trabalhadoras, além de um número não estimado de pessoas vivendo nas ruas.
Por que insistir em construir se já temos casas suficientes?
Mesmo considerando apenas os números oficiais - que sabemos ser subdimensionados -, a matemática básica nos mostra algo importante. Com 16 mil imóveis vazios e 17 mil pessoas cadastradas, não falta lugar para morar. É claro que nem todos os imóveis vazios estão em condições ideais, nem todos estão localizados onde as pessoas precisam morar. Mas mesmo reconhecendo essas dificuldades, o fato central permanece: não é que faltem casas em São Carlos, é que elas estão sendo mantidas vazias para especulação.
A grande maioria desses imóveis poderia, com investimento adequado, abrigar dignamente famílias trabalhadoras. Enquanto isso, essas mesmas famílias vivem em condições precárias, pagam aluguéis abusivos ou enfrentam a insegurança das ocupações. A questão central não é construir mais - é garantir que os imóveis que já existem cumpram sua função social de abrigar quem precisa.
Na região central de São Carlos, prédios inteiros permanecem vazios há mais de uma década. O edifício de seis andares na Rua 7 de Setembro, por exemplo, está abandonado enquanto poderia abrigar todas as famílias da Ocupação em Busca de uma Moradia. São imóveis em excelente localização, próximos a escolas, postos de saúde, com transporte e infraestrutura completa - exatamente o que falta nas periferias.
A desapropriação para fins sociais desses imóveis ociosos é prevista na própria Constituição Federal, que estabelece que a propriedade deve cumprir sua função social. Prédios e terrenos mantidos vazios para especulação podem e devem ser desapropriados pelo poder público. É um mecanismo legal que existe justamente para combater a especulação e garantir o direito à moradia.
A antiga fábrica da Faber-Castell, próxima ao SENAC, é outro exemplo: a expropriação pode servir não apenas para moradia, mas para criar a infraestrutura que tanto falta em nossa cidade. Aquele imenso espaço abandonado poderia se transformar em um complexo de equipamentos públicos - escola, posto de saúde, centro cultural e esportivo - servindo a toda a região e ajudando inclusive a contribuir com a resolução de problemas de drenagem que causam enchentes no Lagoa Serena.
Quem ganha com o modelo atual
O atual sistema de política habitacional não resolve o problema - apenas o perpetua de forma lucrativa para alguns setores. Programas como o Minha Casa Minha Vida, retomado pelo governo Lula, funcionam como uma máquina de transferir dinheiro público para construtoras e bancos. O governo paga, as empresas lucram, e as famílias trabalhadoras ficam endividadas por décadas com financiamentos a juros altos.
As construtoras lucram com cada novo empreendimento, construindo casas de baixa qualidade nas periferias. As imobiliárias ganham com a valorização artificial dos terrenos, intermediando negócios que inflacionam os preços. Os grandes proprietários especulam mantendo imóveis vazios, esperando a valorização. E os bancos faturam duas vezes: primeiro com os financiamentos às construtoras, depois com as prestações pagas pelos trabalhadores.
Enquanto isso, quem mais precisa fica de fora. Moradores de ocupações raramente conseguem ser contemplados nos sorteios. Pessoas em situação de rua não têm como comprovar renda ou residência fixa para se cadastrar. Famílias que vivem em áreas de risco, sujeitas a enchentes e deslizamentos, continuam vulneráveis porque não se encaixam nos critérios burocráticos. O sistema é desenhado para atender quem tem carteira assinada e pode comprovar renda, deixando de lado justamente os mais precarizados.
Nossa proposta: transformar São Carlos pela raiz
Para resolver de verdade a questão habitacional e urbana em São Carlos, não bastam medidas paliativas. É preciso enfrentar o problema pela raiz, combatendo a lógica que transforma moradia em mercadoria e cidade em negócio. Nossas propostas partem de uma compreensão clara: a cidade deve servir a quem nela vive e trabalha, não aos especuladores.
Primeiro, defendemos a expropriação imediata de todos os imóveis que estão vazios há mais de dois anos. Por expropriação entendemos a tomada desses imóveis pelo poder público para fins sociais, conforme previsto na Constituição. Esses prédios e casas devem ser transformados em moradia popular, com equipamentos públicos integrados. Não se trata apenas de dar teto às famílias, mas de garantir que tenham acesso a todos os serviços necessários para uma vida digna.
Segundo, é fundamental um investimento massivo em infraestrutura pública em todos os bairros. Isso significa construir escolas, postos de saúde, centros culturais e esportivos onde o povo está. Significa estatizar e melhorar radicalmente o transporte público, acabando com o monopólio da Rigras que suga milhões por mês dos trabalhadores. Significa expandir o saneamento básico para 100% da cidade, resolvendo de vez o problema da falta d'água que castiga a periferia.
Terceiro, as famílias que vivem em ocupações e as pessoas em situação de rua devem ter prioridade absoluta nos programas habitacionais. São elas que enfrentam as piores condições, que não têm sequer a segurança de um teto. É preciso criar programas específicos, com assistência social ampliada, que reconheçam a urgência de suas necessidades.
Por fim, no âmbito nacional, defendemos o fim do teto de gastos do governo federal, que limita os investimentos em infraestrutura pública e também a nacionalização de todas as terras. Essa última proposta, baseada em nosso programa socialista, significa que o Estado assumiria o controle de todas as terras, mas isso não tiraria a casa de ninguém. Pelo contrário: garantiríamos o direito de usufruto permanente para todos os pequenos proprietários - quem tem sua casa própria continuaria morando nela, quem tem seu pequeno comércio continuaria trabalhando. O que mudaria é que acabaríamos com a especulação imobiliária, com o poder dos grandes proprietários de deixar terrenos e prédios vazios esperando valorização. As terras passariam a ser planejadas democraticamente para servir às necessidades da população, não ao lucro de poucos. É assim que podemos garantir moradia digna para todos.
Construir o Poder Popular para transformar São Carlos
Consideramos que essas propostas radicais são a única forma de resolver de verdade os problemas de nossa cidade. E elas só se tornarão realidade através da organização e luta do povo trabalhador. Não podemos esperar que prefeitos e a maioria dos vereadores, comprometidos com os interesses das construtoras e imobiliárias, façam essas mudanças por nós.
É preciso construir o Poder Popular - a organização autônoma dos trabalhadores e trabalhadoras para decidir os rumos da cidade. Isso significa criar conselhos populares nos bairros, organizar os moradores das ocupações, unir os trabalhadores do transporte, da saúde, da educação. Significa não aceitar mais que nos dividam com falsas polêmicas, jogando trabalhador contra trabalhador enquanto os verdadeiros responsáveis pelo caos urbano seguem lucrando.
A luta por moradia digna é inseparável da luta por uma cidade com infraestrutura para todos, por transporte público de qualidade, por saúde e educação universais. É a luta por uma São Carlos onde não existam mais periferias abandonadas nem centros elitizados, onde a segregação dê lugar à integração, onde a especulação dê lugar ao direito de todos viverem com dignidade.
Só através da expropriação dos especuladores, do investimento massivo em infraestrutura pública e da organização popular poderemos construir uma São Carlos socialista. Uma cidade que sirva a quem nela trabalha e produz riqueza, não a quem vive de especular com a necessidade alheia. Essa é a São Carlos pela qual lutamos - e ela só será possível com a mobilização e organização de todos os trabalhadores.
Por uma São Carlos sem segregação e socialista!