NOTA POLÍTICA: As eleições do DCE UFRGS de 2024: para onde vai o movimento estudantil da UFRGS?
Em suma, a atual reitoria é profundamente conectada com o campo social-liberal localmente e nacionalmente, além de ter como base de apoio o fisiologismo universitário e os setores liberais de esquerda da universidade.
Nota política do PCBR e da UJC na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Parte 1: Análise da Conjuntura da UFRGS
A UFRGS encontra-se em uma nova conjuntura: com o fim da intervenção bolsonarista, uma nova reitoria é eleita. As forças políticas que a apoiam e as conexões que estas estabeleceram para chegar ao atual momento já foram destrinchadas por nós em uma nota anteriormente. Em suma, a atual reitoria é profundamente conectada com o campo social-liberal localmente e nacionalmente, além de ter como base de apoio o fisiologismo universitário e os setores liberais de esquerda da universidade.
A reitoria atual tem uma conexão tão profunda com o governo federal justo em um momento em que enfrentamos uma agressiva agenda de ataques neoliberais sob o governo Lula-Alckmin. Diante disso, com a continuidade da austeridade fiscal a partir do Novo Teto de Gastos, com os frequentes cortes no orçamento da educação, além do não-reajuste salarial, se articulou uma nova greve dos segmentos universitários (técnicos-administrativos de educação, estudantes e docentes), deflagrada na UFRGS no dia 18 de março.
Porém, a greve enfrentou dificuldades conjunturais. como o caso do calendário acadêmico – que estava prestes a ser ajustado após mais de 3 anos ==, e dificuldades políticas – e aqui é o principal elemento que levou à sua derrota – graças a uma articulação política do campo democrático-popular (como PT e PCdoB) através da ADUFRGS, que tentou a todo momento desarticular as forças componentes da greve. Esse compromisso governista e a falta de independência política de certos setores não só enterraram as chances de uma vitória da greve dos servidores, como também escancaram a divisão que se radicaliza a passos largos entre o campo da esquerda radical e da esquerda governista.
O próximo período nos exigirá que o próximo DCE seja combativo em relação ao governo Lula e à reitoria social-liberal para que, dessa forma os estudantes tenham alguma base para forjar sua luta contra as diversas políticas neoliberais. A Chapa 3 - Experimenta Mudar possui em suas redes uma vasta gama de publicações junto a reitoria, demonstrando nitidamente como a vitória dessa chapa colocaria o DCE a dançar a valsa da austeridade conduzida pelo governo federal. Após a série de ataques que este realizou ao longo do último ano, e após o pronunciamento de Haddad no dia 27 de novembro sobre os cortes a serem realizados no ano de 2025, tornou-se evidente a forma como os ataques neoliberais do governo aos trabalhadores são apenas o começo de uma grande sangria para garantir os lucros da burguesia
Desta forma, na UFRGS, considerando essa necessidade histórica de forjar um movimento estudantil combativo, independente e revolucionário, estamos diante de um pleito eleitoral que irá ditar muito do que enfrentaremos no próximo período. Para que nós, do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e da União da Juventude Comunista (UJC), possamos oferecer nossas perspectivas para a construção do movimento, passaremos antes por um período de análise da inserção dos comunistas revolucionários na UFRGS, avaliando o período em que efetivamente tivemos hegemonia entre os setores organizados (partidários ou independentes) e que culminou na gestão do Diretório Central de Estudantes da UFRGS (DCE UFRGS).
Parte 2: Um balanço da construção da UJC antes de assumir o DCE da UFRGS em 2022
O processo que levou a União da Juventude Comunista a dirigir o DCE da UFRGS em 2022, em coligação com o Coletivo de Estudantes Indígenas, não foi um simples golpe de sorte. Foi fruto de anos de luta política no Movimento Universitário, experiência concreta dirigindo diretórios de base, e atuação da UJC e do PCB à nível nacional, nas universidades e na direção minoritária da União Nacional dos Estudantes. Para guiar sua ação, a UJC contou com o programa da Universidade Popular, um conjunto de táticas e bandeiras que tem como meta transformar o ensino superior em um instrumento de libertação para a classe trabalhadora, e não de manutenção da exploração e da opressão do povo, como são hoje as universidades burguesas públicas e privadas. O Movimento Universitário da UFRGS teve papel importante na construção desse programa, tendo como marco a construção do 1º Seminário Nacional de Universidade Popular (SENUP) em 2011, sediado em nossa Universidade.
O espaço que a coligação vitoriosa ocupou nas eleições de 2022, através da Chapa Retomada Popular, representou um processo em larga medida inédito, mas é possível e necessário traçar um paralelo com disputas anteriores. Nas eleições de 2011, 2014 e 2017, o DCE da UFRGS foi disputado por coligações formadas por organizações comunistas e suas aliadas, que carregaram a marca dos movimentos populares e levantaram a bandeira da Universidade Popular. Foi assim com a Chapa Para Além dos Muros em 2011, com a aliança formada por UJC, Juventude Comunista Avançando (JCA), Juventude Liberdade e Revolução (LibRe), Levante Popular da Juventude, a Articulação de Esquerda do PT e o Grupo de Trabalho por uma Universidade Popular; com a Chapa Na Mesma Barca em 2014, formada pela UJC, JCA, LibRe e União da Juventude Rebelião (juventude do PCR, organização fundadora do partido Unidade Popular pelo Socialismo); e com a Chapa Todas as Vozes em 2017, formada por UJR, JCA e Levante. Essas coligações se estabeleceram como chapas competitivas, sempre fazendo votações na casa dos mil votos e tendencialmente ativando uma parte da base estudantil que não se sentia representada pelas outras alternativas eleitorais nas disputas do DCE da UFRGS.
Em comum nesses esforços políticos, está a tentativa de estabelecer nas eleições estudantis da UFRGS um campo distinto aos então três principais campos da esquerda universitária nacional: o campo da Majoritária da UNE, defensor das políticas universitárias pró-mercado nos governos Lula e Dilma, da política de inclusão que se enquadrou nos limites desse modelo e da política para o ME que tornou as entidades estudantis correia de transmissão do governismo e das suas reitorias aliadas ao longo do Brasil; o campo da Oposição de Esquerda da UNE, que embora tenha cumprido o papel de não deixar que o governismo da aliança JPT-UJS reinasse impune, se caracterizou por não ter uma proposta consistente para a reestruturação do ensino superior brasileiro e para o próprio movimento universitário, pecando por isso pelo movimentismo e por um certo oportunismo diversas vezes; e por fim, o antigo Campo Popular, dissolvido em 2017, então liderado pelo Levante e por correntes da esquerda do PT, crítico do oportunismo da direção da UJS mas em última instância submisso ao governismo, como os próprios fatos demonstraram.
A tentativa da construção desse novo campo da Universidade Popular não foi bem-sucedida em escala nacional. A UJC, construtora de três das quatro tentativas de chapa pela Universidade Popular na UFRGS, acabou se somando nacionalmente à Oposição de Esquerda da UNE em 2017, abdicando da construção de um campo estudantil diferenciado, a partir de um entendimento de que uma coligação com a OE possibilitava a entrada da UJC nas Diretorias da UNE (as quais ela até então não disputava) e a expansão das posições revolucionárias dentro da entidade. As forças do Campo Popular, que se aliaram às chapas da Universidade Popular na UFRGS em duas ocasiões, terminaram se dissolvendo na Majoritária, contrariando inclusive o seu discurso quando coligados com a UJR na disputa do DCE de 2017, que até então era crítico às posturas oportunistas da UJS na UNE. Por fim, em 2019, a UJR finalmente adequa sua política na UFRGS à sua política nacional, baseada na participação orgânica na Oposição de Esquerda da UNE, deixando para trás a sua política local anterior, baseada na alternância entre chapas próprias com número reduzido de votos (2013 e 2015) e coligações comunistas competitivas baseadas no programa da Universidade Popular (2014 e 2017).[1] [2]
Retomar essa história é importante para refutar a narrativa de que a posição da UJC nas eleições do DCE em 2022 foi fruto de uma política sectária e aventureira, como defendem os setores oportunistas do Movimento Estudantil da UFRGS. Há décadas, existe um setor da universidade, claramente identificado com a esquerda radical e com as pautas populares, que não se sente representada nem pelo campo reformista tradicional do PT e PCdoB e seus satélites e nem pela política vacilante e por vezes oportunista do campo liderado pelo PSOL e pelo MES em particular. Na verdade, é justamente por ter sido parte orgânica desse segundo campo dentro da UFRGS que a militância da UJC entende as suas limitações e tentou, por diversas vezes, construir uma alternativa política que expressasse a sua superação.
Entre o final dos anos 2000 e início dos anos 2020, ocorreram no mínimo quatro tentativas de construção de gestões da Oposição de Esquerda na UFRGS que contaram com a presença da UJC e do PCB: a gestão 2011 (UFRGS Pública e Popular), 2013 (Da Unidade vai nascer a Novidade), 2016 (Lado a Lado Somos Muito Mais) e 2019 (Lutar e Mudar as Coisas). Entre cisões e debandadas, muitas gerações passaram pela UJC, e grande parte desse acúmulo histórico não foi repassado para os grupos militantes que herdaram a luta comunista pela Universidade Popular.
No entanto, em todas as gerações há críticas comuns às gestões de DCE, lideradas na UFRGS desde 2004 pela juventude do Movimento Esquerda Socialista do PSOL (que em 2011, passou a se chamar Juntos): progressivo distanciamento dos movimentos estudantis de base, excesso de movimentismo (ação desprovida de planejamento político), supervalorização da atuação jurídica em detrimento de outras formas de luta, hegemonismo extremado e inconsistência ideológica, pela falta de um projeto político coerente. Em ziguezague, a UJC travou uma política de aproximação, afastamento e reaproximação com esse campo na UFRGS, que não por acaso esteve ligada à perda de acúmulo geracional sobre o Movimento Estudantil na nossa universidade.
A última geração da UJC antes das eleições de 2022 iniciou sua militância em 2019, no processo que levou a eleição da Chapa Lutar e Mudar as Coisas. Eleita pelo desgaste da gestão UJS-JPT, aliada da gestão anti-cotas e antissindical do então reitor Rui Oppermann, a coligação Juntos-Afronte-Alicerce-UJC-Correnteza começa sua gestão já na posição de direção local do poderoso movimento educacional contra a gestão Bolsonaro-Mourão, à época do ciclo de protestos nacionais que ficou conhecido como Tsunami da Educação. Essa seria uma das gestões estudantis mais longas da UFRGS, que teve o seu mandato prolongado por conta da pandemia da COVID-19, ficando como gestão pró-tempore até 2022.
As contradições, no entanto, não tardaram a surgir na então nova gestão da OE. No final do seu primeiro ano de gestão, a gestão Lutar e Mudar as Coisas falhou em articular a greve universitária da UFRGS contra as medidas do governo, fruto da sua incapacidade de dirigir as bases e efetivar o trancaço nos campi. Durante a emergência sanitária de 2020, a UJC também entraria em contradição com a posição da ala majoritária da gestão do DCE no debate acerca da implementação do Ensino Remoto Emergencial. Enquanto os esforços da ala majoritária pautavam-se pela suavização do modelo apresentado pela gestão Oppermann (acatado plenamente pela UJS e JPT), a UJC buscava colocar toda a estrutura universitária à serviço da melhora da vida da população durante a pandemia, através de esforços coordenados na pesquisa e extensão, agitando ao mesmo tempo por uma paralisação por tempo indeterminado do calendário acadêmico — por sua vez, parte de uma luta mais ampla, por uma greve geral contra o genocídio bolsonarista. Isso não exclui a existência de momentos de unidade, como por exemplo a atuação conjunta dos conselheiros da Bancada de Esquerda do DCE, ASSUFRGS, ANDES e APG no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, lutando contra a expulsão dos estudantes trabalhadores por conta da política acadêmica elitista da UFRGS, continuada até mesmo durante a pandemia.
Mas um ponto crítico de divergência, que abalou profundamente a unidade dentro da gestão, foi a respeito da tática que o ME da UFRGS deveria tomar frente à intervenção bolsonarista. Enquanto a UJC e o PCB lutavam desde o início pela agitação da destituição de Carlos Bulhões e Patrícia Pranke, inspirado no exemplo da Universidade Federal da Fronteira Sul, que destituiu o seu interventor em 2019, a maioria das direções do Movimento Estudantil e Sindical da UFRGS pautavam que não era hora de tentar derrubar Bulhões. Escandalosamente, algumas forças chegaram ao cúmulo de defender uma “solução Mourão”, destituindo Bulhões mas poupando Patrícia, o que a UJC prontamente combateu dentro e fora do CONSUN. Contra a política de convivência pacífica com os interventores, a UJC e o PCB lutaram pela destituição desde o início da intervenção, se manifestando em frente à Reitoria mesmo durante a emergência sanitária. Só depois que Bulhões começou a cometer as suas ilegalidades, já sendo pressionados pela ação do Conselho das Entidades de Base, foi que as direções do Movimento Universitário começaram a se articular efetivamente pela destituição.
Atuando através das coligações formadas junto aos estudantes independentes nos Centros e Diretórios Acadêmicos - que seriam organizadas posteriormente na Frente Unificada de CAs e DAs -, a UJC pressionou a majoritária do DCE através das sessões do CEB, lutando pela socialização do ME frente à direção autocrática que se formava no Diretório Central, fruto da política hegemonista do Coletivo Juntos sobre a entidade. Cabe destacar que mesmo durante a pandemia a UJC cresceu, se tornando uma das poucas organizações da UFRGS que não enfrentou um momento de estagnação política naquele contexto. Entendendo que seu papel no Movimento Universitário era muito mais positivo fora do que dentro do DCE, a UJC finalmente se desliga da gestão Lutar e Mudar as Coisas em 17 de abril de 2022.
Efetivar esse desligamento não foi fácil: se por um lado era necessário lutar contra as direções oportunistas no ME da UFRGS, por outro era necessário travar o combate também dentro do PCB. A direção majoritária do Partido há anos praticava uma política de submissão ao PSOL, tanto nas eleições burguesas como também no movimento de massas. Por conta de um movimento duplo, que veio de um lado pelo giro à direita do PSOL em 2022, se aliando a Lula no primeiro turno, e de outro lado por conta do avanço da ala esquerda do PCB, que passou a ser representada dentro do Comitê Central do Partido, o PCB finalmente lançou candidaturas próprias ao Executivo nas eleições burguesas. Isso possibilitou que o ciclo de submissão ao oportunismo psolista no movimento de massas finalmente pudesse ser rompido. Mas ainda assim, a nota de desligamento produzida pelo Núcleo UFRGS teve que ficar “congelada” por uma semana, pois o núcleo divergia da avaliação da Coordenação Nacional da UJC: com receio da intervenção da maioria oportunista do CC, que contava com aliados em núcleos da UJC igualmente submissos à Oposição de Esquerda em outras universidades, a CN queria remover os trechos da nota que demarcavam abertamente contra a política nacional oportunista da direção do MES de apoio à Federação PSOL-Rede. Graças ao apoio da ala esquerda do CC, no entanto, a nota finalmente foi publicada no dia 17 de abril de 2022.
Mas o fato que, sem dúvidas, marcou profundamente a geração que viria a ganhar o DCE da UFRGS em setembro de 2022 foi a retomada pela Casa de Estudante Indígena da UFRGS. No dia 30 de março, depois de sofrer por anos com a política racista da direção da casa de estudantes convencional da UFRGS, que não respeitava as particularidades do modo de convivência dos povos originários, um grupo formado em sua maioria por mulheres, dos povos Kaingang, Xokleng, Guarani, Baré, entre outros, resolve tomar um prédio abandonado da prefeitura próximo a UFRGS, reivindicando a construção de uma moradia estudantil específica para os indígenas. Essa luta se destacou pela sua combatividade: mesmo com a universidade estando sob comando de dois interventores e com uma prefeitura aliada do bolsonarismo, o movimento indígena se impôs e conquistou pelas suas próprias mãos uma bandeira histórica, levantada pelas primeiras gerações de cotistas indígenas da UFRGS desde 2008.
Com muito planejamento e determinação, a retomada pressionou os interventores e levou o campo reacionário da UFRGS a uma derrota histórica. A Reitoria golpista foi pega de surpresa diversas vezes, sempre estando sujeita à novas ações diretas lideradas pelo movimento indígena. Em uma visita que objetivava fazer com que os membros da retomada “conhecessem” a antiga creche da UFRGS, que estava desativada e que apenas “oportunamente” poderia ser usada para atender à demanda por moradia, o movimento indígena e seus aliados dão o golpe final contra os interventores e iniciam a retomada que tira a posse da creche das mãos da burocracia universitária, conquistando efetivamente a Casa de Estudante Indígena. Toda essa luta agrupou os setores mais combativos do Movimento Universitário, e gerou laços de confiança e camaradagem entre a militância da UJC e do CEI.
O Coletivo de Estudantes Indígena tem a sua própria trajetória, discussões internas e acúmulos políticos, como única organização política representativa dos povos originários que estudam na UFRGS. O Movimento Estudantil tradicional não agrupava, até então, os estudantes do CEI dentro da sua estrutura. Tanto a estrutura universitária quanto o seu corpo acadêmico praticavam de diversas formas o racismo contra os indígenas que estudavam na UFRGS, não só pela falta de acesso à moradia digna como também até mesmo através da violência física aberta, como no caso do estudante kaingang vítima de uma emboscada fascista em frente à CEU em 2016. Nesse contexto de escanteamento dos povos indígenas na UFRGS, a combatividade e a organização do movimento que conquistou a Casa de Estudante Indígena proveu uma valiosa lição a todo o Movimento Universitário, que sofria um período de baixa durante a pandemia e a intervenção bolsonarista.
A coligação formado pelo CEI e pela UJC, firmada pelos laços de camaradagem criados durante a retomada e pela concordância de objetivos programáticos entre as duas forças políticas, foi um passo importante na luta pela construção de um Movimento Estudantil mais representativo aos interesses da ampla maioria dos povos que vivem no Brasil. Essa unidade ficou representada pela construção do logo da chapa, que simbolizava a união da ideologia comunista junto aos povos indígenas, e pelo nome adotado para a coligação: Retomada Popular.
A campanha eleitoral do DCE de 2022 ficou marcada por uma série de inovações da parte da coligação UJC-CEI. A construção do programa político da chapa foi um marco: sua proposta inicial foi em grande parte inspirada pelos acúmulos nacionais da UJC e pelas chapas da Universidade Popular na UFRGS de 2011, 2014 e 2017, e foi aperfeiçoada através de discussões abertas nos campi junto aos estudantes independentes, algo até então não praticado por nenhuma força política. A estratégia de comunicação, baseada em vídeos explicativos e humorísticos, demarcando a divergência da coligação com os métodos de construção oportunistas no ME, também exerceu grande peso na disputa eleitoral. Mas a maior dificuldade da coligação foi com o financiamento: enquanto as duas principais chapas do campo da Majoritária da UNE e da Oposição de Esquerda contavam com os recursos de suas poderosas máquinas partidárias, financiadas principalmente graças aos cargos públicos no Legislativo, a Chapa Retomada Popular teve que se autofinanciar à duras penas. Ainda assim, pela determinação e sacrifício dos seus membros, que acreditavam na proposta representada pela coligação, foi possível travar um embate em pé de igualdade com as outras forças políticas.
A apuração eleitoral foi a última batalha antes da vitória. O modelo eleitoral do DCE, representado pelas antiquadas urnas de pano, torna o movimento muito mais suscetível a fraudes e golpes. É comum que as forças políticas tentem invalidar as urnas que dão vitória às chapas adversárias, usando detalhes burocráticos como desculpa. Os representantes da coligação UJC-CEI dentro da Comissão Eleitoral travaram os embates contra essas manobras e conseguiram impedir que a vontade dos estudantes fosse desrespeitada. Finalmente, contra tudo e contra todos, a Chapa Retomada Popular venceu as eleições estudantis, conquistando o maior número de votos já registrado entre as chapas defensoras da Universidade Popular na UFRGS: 1.848 votos.
As contradições e insuficiências que marcaram todo o histórico de disputa da UJC nesse período, que não são poucas, não apagam a importância que a vitória da chapa Retomada Popular teve para a luta popular universitária. Nos inspiramos no exemplo de 2022 e acreditamos que o Movimento Universitário combativo tem muito a ganhar com o estudo da experiência da luta pela Universidade Popular na UFRGS, não só no exemplo do embate travado pela Chapa Retomada Popular como também pelo esforço das chapas que a antecederam, as quais reivindicamos e nos consideramos herdeiros. Contra o caráter burguês, racista e antipopular da universidade pública e da UFRGS em particular, pela construção de uma universidade que se pinte de povo, de preto, de indígena, de quilombola, de travesti, de camponês e de operário, a bandeira da Universidade Popular segue de pé. Essa é a nossa bandeira, e ela seguirá sendo erguida pelas nossas mãos e pelas mãos de todas, todos e todes os estudantes que escolheram o caminho da luta pelo Poder Popular, pelo Socialismo e pela Revolução Brasileira.
Parte 3: Como se deu a atuação da UJC durante a gestão Retomada Popular: radicalizar para avançar? Um balanço inicial a ser debatido com as bases
O fim da gestão Retomada Popular: radicalizar para avançar representou um momento de derrota para o movimento estudantil: em seus últimos dois meses de gestão, o Diretório Central de Estudantes da UFRGS não conseguia mais sustentar um trabalho político consequente, que buscasse travar as lutas necessárias para es estudantes até às últimas consequências. Ao observarem esse definhamento e fragilidade no último período da gestão, rapidamente correram para gritar “DCE Fantasma!”, “o DCE precisa existir!”, “Cadê o DCE!”, “Saudades de um DCE presente!”.
Mas podemos concordar plenamente com isso? Podemos afirmar que a gestão que durou do final de agosto de 2022 até o fim de setembro de 2023 foi ausente, desmobilizadora, fechada para es estudantes? Se essa afirmação é comprovadamente uma mentira, a quem interessa propagá-la? A quem interessa esconder o que foi a gestão Retomada Popular des estudantes da UFRGS?
Por isso, será feita uma análise da atuação da União da Juventude Comunista na UFRGS no período da gestão Retomada Popular: Radicalizar Para Avançar, construída a partir da aliança entre a UJC e militantes do Coletivo de Estudantes Indígenas. Neste balanço, seremos profundamente críticos com a nossa gestão e levaremos em conta não as críticas das forças que sempre sabotaram cada passo da gestão e que não colocavam peso em lutas estudantis fundamentais, mas sim as críticas daqueles estudantes que nos elegeram e/ou construíram e vivenciaram a gestão, e daqueles centros e diretórios acadêmicos que construíram cada luta. Nosso interesse em realizar este balanço é para com o corpo estudantil.
Para termos uma melhor noção de como se desenvolveu a gestão, analisaremos quatro períodos: 1. Agosto a dezembro de 2022; 2. Janeiro a março de 2023; 3. Abril a julho de 2023; e 4. Agosto a setembro de 2023. Comecemos agora esse balanço que é apenas uma proposta inicial de avaliação, algo inacabado, pois falta algo fundamental: uma continuidade do diálogo com es estudantes sobre o que foi esse período, colocando a cara a tapa de modo honesto para a críticas necessárias e avanços que devemos avaliar no movimento.
1. Reconstruir o Movimento Estudantil sob novas bases! Avanços e limitações iniciais (agosto a dezembro de 2022)
As condições nas quais a Retomada Popular foi eleita eram, a princípio, politicamente perfeitas para a organização de uma gestão verdadeiramente combativa: uma campanha tocada pela chapa em conjunto com estudantes independentes, nas quais conseguimos dialogar amplamente com setores que antes não tínhamos contato; uma mobilização em que mais de cem pessoas estiveram de um modo ou de outro contribuindo para a atuação nas eleições. A vitória foi recebida com surpresa: nossa perspectiva era a incapacidade de vencer e, portanto, utilizar do processo principalmente para preparar as bases para tomar de fato a direção do movimento estudantil em 2023. Subestimamos muito, apesar de reconhecermos a importância desses elementos, a capilaridade que o trabalho político da UJC tinha; ao mesmo tempo, a mudança qualitativa no movimento graças a atuações como a Retomada pela Casa do Estudante Indígena; e as consequências da junção desses dois elementos.
Essa dualidade entre uma expectativa pessimista e uma realidade avassaladora nos colocou no maior desafio para a UJC-RS no período recente: estar em uma direção de um dos maiores DCE do país enquanto força majoritária; compor uma gestão com um aliado estratégico como o Coletivo de Estudantes Indígenas; deter uma hegemonia quase absoluta no movimento estudantil; aplicar um Programa completo e que deveria ser o guia de todas nossas atuações. Sem dúvida nenhuma, no período recente, a Retomada Popular foi a gestão de maior legitimidade política para afirmar-se enquanto direção do movimento estudantil da UFRGS. Avançamos e tínhamos plena consciência que aquilo deveria ser apenas o começo.
Internamente, ainda quando a UJC era submetida ao PCB, esse período foi marcado por muitas contradições internas. Num nível local, exaurimos todas nossas forças na própria eleição: gastamos grandes quantias de nosso caixa, militantes faltaram aulas, todos se desgastaram fisicamente e psicologicamente tanto para tocar as eleições quanto para acompanhar a apuração de votos. Portanto, nossa capacidade de agir imediatamente, principalmente no mês de setembro, foi muito limitada devido à exaustão e a retomada das vidas de cada militante – pois, diferentemente de outras forças, sempre tivemos menos recursos financeiros e não tínhamos nenhum militante remunerade. Essa exaustão nunca acabou: na verdade, ela se aprofundou com o andamento da gestão e com a tendência a cairmos no movimentismo – fenômeno que nos aprofundaremos em um próximo momento.
Ainda no âmbito interno, outro elemento já era latente nesse período eram as consequências do federalismo organizativo – em que cada organismo do partido atuava de forma quase independente à direção do partido – e da luta interna velada. Mas esta não se dava apenas no âmbito do que viria a ser o racha que gerou o PCBR: dentro da assim chamada ala esquerda do PCB no Rio Grande do Sul, persistiam uma série de divergências ideológicas de concepções, direção e rumos para nossa atuação - inevitáveis quando a discussão franca era limitada dentro do velho partido. Isso é relevante quando observamos as consequências destas disputas internas em uma série de mudanças táticas e, principalmente, na condução das diferentes lutas que travamos ao longo de nossa gestão. E devido a frequentes conflitos internos no núcleo UFRGS, além dos conflitos deste núcleo e sua direção com a Coordenação Regional da UJC e com o Comitê Regional do PCB, houve muita confusão e incapacidade para resolver as raízes dessas problemáticas. Esses desgastes internos mal-resolvidos e não reconhecidos como divergências políticas levaram a graves consequências que iremos abordar em diferentes eventos.
Para além disso, nesse início de gestão, o cenário político também estava prestes a mudar: se durante a construção dessa vitória passávamos por mais de um ano de fluxo no movimento de massas – com a campanha pelo Fora Bolsonaro de 2021 e 2022 cada vez mais massificadas e propulsoras de mobilização –, ao assumir a gestão, nos deparamos por um refluxo do movimento de massas com a vitória do governo Lula e Alckmin, um governo de conciliação de classes. Ao não conseguirmos ter a compreensão de estarmos prestes a entrar num período de refluxo, nossa atuação permaneceu em um modus operandi que começava lentamente a não fazer mais sentido – isto é, a construção a partir das bases da direção total do movimento.
Para a nossa política no movimento estudantil, temos como princípio o poder que as bases estudantis deveriam ter sob o DCE de escolher as lutas as quais ele deve travar, e decidir quais devem ser as prioridades do movimento estudantil. Tudo isso a partir de discussões com a profundidade que sabíamos e ainda sabemos que cada estudante consegue fazer. Afinal, bebemos do acúmulo crítico de quando vivenciamos a política hegemonista e mandonista que tanto o campo democrático-popular quanto a antiga oposição de esquerda unificada aplicavam na sua política de massas, com forte tendência a tratar estudantes independentes como burros com pouca ou nenhuma consciência política..
Mas nesse período ousamos, diante da vida que o ME apresentou nos últimos anos mesmo durante e logo após a pandemia, ir além: estudantes independentes e até outras organizações poderiam construir o DCE no novo modelo de gestão que estruturamos por meio dos Grupos de Trabalho (GT) do DCE, inclusive com direito a voz e voto. Realizamos quatro reuniões de gestão divulgadas abertamente neste primeiro período, realizamos sete reuniões abertas de diferentes GTs, e defendemos a criação de certos organismos de atuações específicas eleitos por meio dos CEBs como forma de supervisionar o DCE: um DCE de fato sob direção des estudantes, com sua diretoria sendo responsável pelo direcionamento entre reuniões. Porém, nos deparamos com muitas limitações nesse modelo: enquanto a adesão às reuniões eram consideráveis, a integração destes independentes (por vezes como primeira atuação no movimento estudantil) e de outras organizações foi muito limitada, principalmente pelo ritmo de trabalho intenso e pesado que era exigido do DCE – e logo abordaremos mais a fundo isso.
Mas para além dessas ideias gerais de gestão aberta, com qual DCE nos deparamos ao assumir? Um caixa zerado, sedes absolutamente sujas, e uma lentidão gigante no processo de transição de gestão e troca das chaves das sedes. Além disso, o processo junto à EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação de Porto Alegre) para regularizar a capacidade de encaminhar a confecção dos TRI Escolares também demorou mais de um mês. E apesar de termos tentado firmar acordos com o Correnteza para possibilitar a confecção das Carteirinhas de Estudante a baixo custo, ficou evidente a indisposição de colaboração. Em suma, recebemos um DCE largado às traças, numa transição muito dificultosa.
Além do mais, tínhamos dificuldades em garantir a segurança de quem fosse bolsista na sede do DCE Saúde. Ocorreu, inclusive, um caso de assédio com uma bolsista, o que nos fez buscar reavaliar como manter alguém naquele espaço. Em um cenário em que a própria manutenção do DCE estava difícil, com pouca capacidade financeira, em que tínhamos acesso apenas ao DCE Centro por um tempo – afinal, como informamos publicamente no dia 12/10/22, a gestão anterior não nos deu as chaves e não tínhamos dinheiro suficiente para fazer uma nova, sendo necessário que o DAEF nos emprestasse dinheiro para fazermos uma chave para a gestão –, como resolvemos isso?
Rapidamente, nos voltamos para garantir a existência do DCE praticamente do zero, tanto por meio das funções administrativas básicas de um DCE quanto para a reestruturação financeira do DCE. Quanto a este último mantivemos uma política de finanças muito saudável, como o Portal de Transparência (criado em nossa gestão) demonstrava, com dois pilares fundamentais: 1) Confecção de TRIs; e 2) Eventos Gerais. A confecção de TRIs era autossuficiente, pois apesar de cobrarmos um preço baixíssimo para a renovação e para a primeira via (R$15,00), assim como um desconto expressivo para estudantes PRAE (R$5,00), a segunda via (R$25,00 no geral e R$15,00 para PRAE) era um pouco mais cara, ainda que dentro do limite e abaixo dos preços anteriores e de outras entidades. Porém, o carro-chefe de nossa política de finanças eram os eventos que realizamos.
Em outubro ocorreu nosso primeiro evento enquanto gestão, possível apenas devido à doação financeira da UJC para cobrir os custos iniciais. Foi o campeonato de sinuca “O DCE Só Joga Sinuca”, que nos rendeu R$ 282,00 de lucro. Logo em seguida, no mesmo mês, fizemos uma festa de halloween e karaokê na sede Centro do DCE, que nos rendeu mais um lucro de R$737,00. Assim, após iniciarmos o mês de setembro com apenas R$0,50, finalizamos o mês de outubro com R$1.205,50 em caixa. Além disso, durante a Copa do Mundo de 2022, fizemos transmissões dos jogos do Brasil enquanto realizamos vendas, o que nos fez chegar ao fim do ano com R$1.954,88 em caixa. O espírito de iniciativa e de urgência surgiu diante de nossas tarefas políticas, as quais abordaremos agora, foi o que nos levou a ter um evidente sucesso financeiro.
Ao longo de agosto e setembro, apesar do momento de ressaca que passávamos, ainda fomos ativos e compomos eventuais atividades que surgiam – como atos, plenárias, etc, inclusive como a maior das forças presente grande parte das vezes – mas ainda não tínhamos tido grandes iniciativas políticas, devido principalmente ao período de reorganização interna da gestão e do partido. Porém, no fim de Outubro, nos organizamos em torno de uma nova luta que surgia na cidade: a Retomada Gah Re.
Para além de termos apoiado a Retomada desde o primeiro dia, imediatamente iniciamos ações de solidariedade em colaboração com es camaradas indígenas que retomaram o espaço no Morro Santana. Fizemos vídeos informativos da situação da Retomada e organizamos, com financiamento dos camaradas do ANDES e do SINDOIF, um ônibus que saiu da UFRGS para levar doações, além de apresentarmos o que é uma retomada e fazermos uma programação que constava uma série de atividades com estudantes da UFRGS. De outubro até dezembro, atuamos de forma contínua. Porém, aí surge um elemento que será uma constante: a dificuldade de manter trabalhos por um longo período de tempo e lidar com os altos e baixos.
Essa dificuldade é uma expressão de um desvio ao qual caímos – um daqueles que sempre criticamos, inclusive – que é o movimentismo. O movimentismo é a noção que a luta de classes tem por base as eclosões espontâneas de lutas particulares e que a participação nestas lutas imediatas poderá, por si só, resultar numa elevação de consciência de classe. Em suma: as lutas imediatas guiam o movimento, seus pressupostos e suas ambições, em uma forma de espontaneísmo. Ao recair nisso, as lutas que tomam a centralidade dentro dos setores organizados saltam aos olhos e são tomadas como prioridade. Mas a construção de um trabalho político constante, que se dá no dia a dia para construir as bases de um salto de qualidade do movimento – o tipo de construção que permitiu a hegemonia comunista no movimento estudantil da UFRGS –, pouco a pouco foi perdendo a centralidade durante a gestão, embora nunca abandonado completamente. Estas mudanças políticas sutis, mas relevantes, tiveram por base três elementos importantes: a quebra geracional, a falta de experiência com o ME pré-pandemia e a lógica de oposição por oposição.
Primeiro, passamos por uma quebra geracional nos trabalhos na UFRGS por decorrência de disputas internas na UJC. No mês de maio de 2022, a ala esquerda do partido ascende à direção estadual da juventude; com isso, alguns dos principais dirigentes do núcleo assumem tarefas em outras localidades e tem que deixar o trabalho local em segundo plano. Ao mesmo tempo, a nova geração de dirigentes dos trabalhos locais do partido assume posições diretamente na Diretoria do DCE, o que demanda um trabalho focado e diferente da direção de um órgão partidário. Assim, ainda em setembro de 2022, uma direção em sua maioria nova assume a condução política - o que inevitavelmente criou tensões entre esses diferentes grupos e diferenças que se tornam cada vez mais evidentes na nossa política local.
Segundo, a esmagadora maioria dessa nova geração não tinha tido contato com o movimento estudantil pré-pandemia, o que resulta em problemas em dois níveis: por um lado, cria uma certa limitação na compreensão das diferentes ferramentas que poderíamos utilizar enquanto uma gestão – o que ocasiona certo imediatismo e, ao mesmo tempo, uma certa reprodução de práticas; e por outro, gera uma certa incapacidade de lidar de uma forma cabível com a série de pressões que todas as forças políticas faziam em nós, o que levava a um senso de urgência constante diante de qualquer cobrança. Estes dois elementos construíram as bases da suscetibilidade ao movimentismo. Essa lógica se aprofundou aos poucos em todos os locais de atuação com uma única exceção, na mais nova inserção que a UJC construiu durante a própria campanha do DCE: o Campus Litoral Norte.
Terceiro, diante da lógica disputista por parte das outras forças políticas, atuamos com a lógica da oposição pela oposição. Encontramos duas formas principais de lidar com as outras forças: 1) Ignorando-as por completo; afinal, naquele momento, tínhamos plena capacidade de deliberar e fazer frente a estas forças graças a nosso alinhamento com es estudantes independentes; 2) Seguindo a lógica cupulista de se reunir previamente e tentar negociar um encaminhamento conjunto com as demais forças, evitando disputas políticas rebaixadas e tentando atenuar o disputismo. Essencialmente, não há problema em tomar esses caminhos por si só; mas no momento em que abandonamos uma política junto ao movimento estudantil, em que abandonamos o convencimento e a discussão política, foi reforçada uma posição isolada da própria gestão dentro do movimento como um todo.
Mas, diante desses problemas, a questão em que mais falhamos, e profundamente, foi a relação com es camaradas do Coletivo de Estudantes Indígenas. A desintegração dessa aliança é, sem dúvida nenhuma, o que consideramos como o maior erro que cometemos nesse período em que fomos da gestão do DCE. Um balanço franco e honesto é fundamental para a construção de uma política revolucionária, junto da classe trabalhadora e dos povos oprimidos do Brasil.
Desde antes de compormos a gestão, fazíamos discussões internamente sobre como se daria essa aliança política com o Coletivo. Tínhamos consciência de que, a depender das ações que tomaríamos, poderíamos “jogar todo o trabalho político recente no lixo”. Os balanços que fizemos de erros que tivemos durante a Retomada pela Casa do Estudante Indígena embasaram as considerações para como deveríamos trabalhar junto com es camaradas. Assim, evitaríamos desvios com base em elementos racistas como a fetichização da aliança e das posições des camaradas do Coletivo, a não-integração entre coletivo e a UJC, e um escanteamento das discussões políticas em espaços comuns.
Apesar de certos avanços em não reproduzir esses desvios racistas, já neste primeiro período de gestão era evidente o início do processo de deterioração das relações entre a UJC e o Coletivo de Estudantes Indígenas. Um dos primeiros sinais foi evitarmos por completo a discussão sobre as eleições burguesas de 2022 dentro da gestão ou algum posicionamento oficial do DCE sobre isto. Isso se dava pois sabíamos que as camaradas que compunham a gestão provavelmente iriam votar nas candidaturas petistas para o executivo no primeiro turno, enquanto o PCB na época tinha lançado candidaturas próprias. Ao invés de termos uma discussão política de como direcionar o DCE neste período eleitoral, escanteamos novamente as discussões políticas com o Coletivo e nos limitamos a realizar posts que denunciavam as políticas de ataques contra a classe trabalhadora do Governo Bolsonaro.
Tal situação se demonstrou novamente na campanha que compomos e tomamos a frente na UFRGS (e que abordaremos com mais detalhes posteriormente): a luta pelo reajuste das bolsas. Quando a UJC definiu sua linha política para o DCE acerca do tema, em nenhum momento discutimos como gestão; discutimos entre nós mesmos, novamente isolando o Coletivo das discussões políticas. Na prática, a discussão política ocorria na UJC, minando toda e qualquer autonomia política que as camaradas que compunham a gestão poderiam ter diante disso. Foi uma forma de sectarismo, no qual falhamos em integrar na direção política do movimento nossos próprios aliados, independentes e demais partidos que sinalizaram uma disposição de aproximação ao compor as reuniões de gestão.
Em dezembro, o afastamento entre UJC e CEI avança ao ponto em que uma das camaradas do Coletivo trouxe a possibilidade de sair da gestão. Neste momento, já vínhamos realizando discussões sobre as falhas políticas que tínhamos com as camaradas, o que resultou em algumas conversas encaminhativas rumo ao processo de reconhecimento dos nossos erros e limitações na construção conjunta - “limitações” e “erros” estes que evidentemente são resultado de um silenciamento estrutural das camaradas e de sua capacidade de formulação política. Como resultado dessas conversas, decidimos por um Seminário de Gestão, em que reorganizaríamos nossa gestão e alinharíamos nossa atuação política. Mas foquemos, ainda, em outros desenvolvimentos neste período inicial de gestão antes de entrarmos em 2023.
Entre outubro e abril, tivemos a luta pelo reajuste das bolsas, a primeira que a gestão encampou e levou até uma conclusão vitoriosa. Diante dos novos cortes no orçamento das universidades aplicados pelo governo Bolsonaro e da probabilidade de uma eleição do governo social-liberal petista, colocamos como prioridade na UFRGS a luta nacional pelo reajuste das bolsas de graduação e pós-graduação na campanha “Bolsa é Trabalho”. Esta campanha mobilizou de fato o movimento estudantil naquele período, ainda que não tenha conseguido ir para além daqueles que já compunham o movimento.
Realizamos panfletagens e passagens em salas, demos andamentos em calendários de lutas unificados, articulamos com outras entidades tanto de base como de setores da UNE e da UEE para que estes construíssem essas lutas conosco. Tínhamos quatros pontos principais neste período: 1) O reajuste das bolsas, para compensar as perdas inflacionárias que estas tiveram (no último reajuste, era equivalente a 70% do salário-mínimo); 2) Antecipar o reajuste na UFRGS, para que es bolsistas da própria universidade fossem contemplados pelo reajuste nos termos supracitados; 3) A criação de uma Associação de Bolsistas da UFRGS, para que esta pudesse organizar uma luta contínua por melhores condições de trabalho, direitos e aumento nos auxílios financeiros; e 4) A defesa da criação da Lei das Bolsas, para que as bolsas não apenas fossem reajustadas de acordo com a inflação, como para que seu valor (na graduação) fosse equivalente ao menos a um salário-mínimo.
Com o avanço da campanha, imediatamente os conflitos políticos iniciam-se. Primeiramente, o próprio nome da campanha estava sob disputa: enquanto iniciamos a campanha como Bolsa é Salário, e posteriormente foi modificado em CEB para Bolsa é Trabalho, o campo da antiga gestão do DCE pautava a palavra de ordem Bolsa é Permanência. Enquanto havia um debate legítimo a ser feito acerca do que seria a melhor palavra de ordem naquele momento e suas implicações, isso ficava em segundo plano diante de toda disputa política.
Em outro ponto de disputa, as organizações da oposição unificada foram contra a criação de uma associação de bolsistas, um avanço que seria importante para a auto-organização estudantil, pois argumentavam que este seria papel do DCE. Sim, de fato, a organização des estudantes em sua luta geral passa pela direção política do DCE, o que não impede que as lutas setoriais possuam seus próprios instrumentos. Iremos ser contra os centros e diretórios acadêmicos? Iremos ser contra, caso se organize, por exemplo, uma associação de estudantes e servidores indígenas na universidade? Afinal, estes supostamente podem “só ser representados pelo DCE”!
Chegamos ao ponto em que o diálogo era mais fácil com o campo democrático-popular, mesmo diante das diferenças em todos os sentidos possíveis entre nós. De qualquer forma, apesar dessas discordâncias que surgiam, conseguimos avançar com a maioria de nossos encaminhamentos com o apoio des estudantes e diretórios independentes. Inclusive, aprovamos a criação da Associação e a continuidade da luta em Assembleia Geral com um grande número de presentes.
Afinal, a criação de instrumentos de lutas setoriais, apoiados pelo DCE, podem representar um avanço no movimento, pois cria um corpo militante independente; além disso, terá como ênfase a manutenção de lutas que um órgão geral por vezes não consegue sustentar com a devida atenção. Em nosso programa já tínhamos como pauta tanto a associação de bolsistas, como o auxílio à recomposição ou criação de diretórios acadêmicos. Um caso exemplar disso, que iremos abordar posteriormente, é a criação do Centro de Estudantes do Campus Litoral Norte, logo após a ocupação da antiga colônia de férias.
Todavia, encontramos muitas limitações em capilarizar a campanha. Apesar da adesão de setores organizados, tivemos dificuldades em aproximar a ampla maioria de bolsistas, em massificar o movimento. De tal sorte que, quando adiamos a realização da assembleia de formação da associação, não houve uma mobilização das bases para que esse tema fosse revivido. Com o adiamento, se perdeu por completo a criação da associação – o que configurou mais um erro desta gestão. A luta pelo reajuste ainda continuaria sendo levada adiante até março, tanto quando a luta organizada des estudantes conquista o reajuste de R$700,00 para estudantes da graduação. Um valor abaixo das perdas inflacionárias que ocorreram, mas que representava um avanço naquele momento e que não conseguiria ir além neste período.
Para além destes elementos que tomaram centralidade por determinado período, também realizamos outras atividades que consideramos importantes, como o debate entre as Candidaturas Trans durante as eleições burguesas de 2022, promovida pela Secretaria de Diversidade; as reuniões e assembleias no Campus Saúde, promovidas pela Secretaria de Saúde, que tiveram como enfase inicial a construção de uma política de saúde estudantil com enfase nas condições de vida destes e, especialmente, na população negra, indígena e LGBT; a constituição do GT Antiopressão ligada à Secretaria de Diversidade; a realização de Cinedebates de filmes como Besouro, em colaboração com o Coletivo Negro Minervino de Oliveira e com o NEABI UFRGS; a realização de Cinedebates na Sala Redenção dos filmes Mãe Solo e Deus, em uma colaboração entre a Secretaria de Cultura e o DCE; lançamos a primeira edição do Boletim do DCE, que buscava cumprir a função de um jornal para a UFRGS; a participação na Aula Inaugural de 2022/2 na FACED sobre Aquilombar e Educar: desafios na luta por democracia; colaboramos com o Natal Quilombola no Quilombo dos Machado, etc.
Em suma, este primeiro período pode ser caracterizado como uma tentativa de ser uma gestão aberta e que mobilizaria es estudantes, mas que, conforme fomos encontrando limitações, caímos em erros como o isolamento desta base estudantil. Por isso, não conseguimos fazer com que o DCE fosse reconhecido enquanto uma ferramenta de mobilização estudantil, tocando lutas de forma movimentista e isolada – tal como sempre criticamos em outras gestões. O Programa como norte de nossas ações e as perspectivas de uma luta geral e completa contra a reitoria-interventora foram substituídas pela luta imediata e possível. Ao mesmo tempo, trabalhos cotidianos e mais isolados de cada secretaria davam uma vida diferenciada à gestão, ainda que de forma autônoma de um direcionamento partidário - o que será um problema eventualmente.
2. A institucionalização do período de hegemonia comunista no movimento estudantil da UFRGS (Janeiro-Março de 2023)
O Seminário de Gestão do DCE ocorreu nos dias 13 e 14 de Janeiro e pôde ser considerado como um momento de reorganização da gestão. Nele, tínhamos uma avaliação geral de subutilização das potencialidades, sobrecarga e dificuldades de comunicação entre as secretarias, inclusive com estas tendo por vezes uma atuação completamente autônoma e não direcionada centralmente. Além disso, tivemos imensas dificuldades de manter os RDs devido a sua composição, com muitos recém-ingressos na UFRGS que demonstraram dificuldades em se manter nos assentos. Por fim, delineamos nossa linha final acerca da campanha pelas bolsas, assim como a realização de um CEB para organizar a luta pelo reajuste e contra o corte de bolsas que a reitoria-interventora aplicaria naquele próximo período.
O Seminário cumpriu duas funções: um balanço que expôs de forma mais evidente nossas incapacidades e a resolução de alguns dos problemas explicitados. Conseguimos avançar em uma atuação mais coesa nesse período, mas não conseguimos de fato superar a desorganização interna e a fragmentação dos trabalhos. Mesmo assim, conseguimos dar um gás muito bom para a construção da luta pelo reajuste das bolsas, inaugurando a campanha Bolsa é Trabalho, além de tirar um GT junto aos CAs e DAs.
Ainda quanto à administração do DCE, seguimos uma política financeira muito boa para financiar as lutas que viriam a ter no próximo período. Aqui ressaltamos um evento muito interessante que fizemos em conjunto com a banda do Levante Popular da Juventude: o CarnaVale, evento que reuniu uma grande quantidade de pessoas e rendeu quantias consideráveis ao caixa do DCE. Neste período conseguimos, com muitas dificuldades, estabelecer apoio jurídico a estudantes cotistas que solicitavam apoio ao DCE e, ao mesmo tempo, conseguimos estruturar com mais constância plantões de auxílio a estes estudantes. Também mantivemos de forma mais constante o trabalho administrativo do DCE: abrimos e utilizamos de todas as sedes, atuamos de forma qualitativa referente aos TRIs, abrimos durante as férias em horários reduzidos e garantimos um atendimento de qualidade. O espaço do DCE, sobretudo o DCE Centro e Vale, tornaram-se espaços de lazer e descanso.
Neste período, também se aprofunda cada vez mais as discussões em torno do Litoral Norte. Com uma inserção recém-conquistada no período eleitoral, nos aprofundamos em diálogos acerca de como encaminhar a mobilização política na região. Neste momento, surgem as primeiras propostas de organização de um Centro Estudantil no Litoral aos moldes do CEUE. Também surgem debates sobre nossa proposição (infelizmente não concluída) de um Centro Estudantil das Licenciaturas, capaz de articular e direcionar as demandas des discentes da região de forma unificada. Além disso, constituímos um GT Litoral do DCE, e sua coordenação passou a compor a gestão. Da mesma forma, começamos a ter resultados institucionais de nossas construções políticas mais antigas: chapas alinhadas com a UJC e ao Programa da Universidade Popular vencem no CHIST (História) e no CATC (Artes Visuais e História da Arte) em dezembro, e no CECS (Ciências Sociais) e CASS (Serviço Social) em fevereiro. Esse momento sinalizou que, entre os setores organizados da universidade, aquilo que poderia se considerar a vanguarda do movimento como um todo.
Esses alinhamentos aprofundam e expõem de vez um problema que já estava demarcado neste momento: a dificuldade do partido em dirigir os trabalhos políticos em diferentes frentes. Tínhamos como responsabilidade a gestão do DCE e cada uma de suas secretarias, as direções em CAs e DAs e as comissões internas que funcionavam em apoio à atuação externa. Para conduzir esse trabalho de forma coordenada - e não é impossível fazer isso - seria necessária uma direção fortalecida, o que não tínhamos no momento. Passávamos por instabilidades internamente devido a uma série de disputas políticas que se aprofundavam cada vez mais.
Como consequência disso, neste período começamos a enfrentar dificuldades cada vez maiores em acompanhar e direcionar esses trabalhos específicos e que acabariam por atuar de forma autônoma e em espaços com camaradas ainda mais não experimentados no movimento estudantil ou não bem formados em nossa linha política e, portanto, de como atuamos, e isto por vezes em espaços tensionadíssimos com outras organizações. Isso, no próximo período, começaria a ter resultados desastrosos.
Ainda assim, a Secretaria de Saúde se consolidou enquanto um importante órgão de articulação na atuação junto aos diretórios acadêmicos e junto a mobilizações importantes que ocorriam em ligação com sindicatos. A Secretaria de Cultura cumpria um papel importantíssimo na articulação com CAs e DAs no IA, além de atividades próprias, como a sessão seguida de debate do filme Sou eu Mãe, a atividade do mês da visibilidade trans e a exibição do filme M8 - Quando a Morte Socorre a Vida junto ao diretor Jeferso De, a socióloga e produtora Mariana Gonçalves e a Maria Baré, coordenadora do DCE e militante do CEI. Apesar da importância de todas essas atividades, elas ocorriam de forma alheia tanto ao DCE quanto à UJC, não tendo grandes direcionamentos no que fazer de modo organizado.
Mesmo diante dessa confusão interna, o movimento estudantil do Litoral Norte continuava sua atuação ao pautar e dialogar com suas bases sobre a luta por assistência estudantil e, mais especificamente, a luta por moradia estudantil. Diante disso, havia a completa disposição do corpo estudantil de ocupar a antiga colônia de férias, que estava prestes a ser dada à PROIR de Geraldo Jotz. Diante desse cenário, a UJC internamente decide levar a frente a ocupação. Em nenhum momento buscamos planejar a campanha e a forma de tocar estes trabalhos com o Coletivo de Estudantes Indígenas, o que se comprovaria enquanto um grande erro e, ao mesmo tempo, mantinha exatamente os mesmo desvios de escantear estes camaradas do debate político.
Assim, deliberamos enquanto UJC aprofundar uma mobilização estudantil em Porto Alegre, buscando apoiar as ações radicalizadas que seriam tomadas no Litoral no mesmo dia da próxima sessão do CONSUN. Panfletamos durante a semana toda referente à Campanha Bolsa é Trabalho e quanto à assistência estudantil no Litoral Norte, e convocamos um CEB para organizar demais forças, diretórios e sindicatos. Novamente, essa luta foi colocada em questionamento, pois supostamente seria algo aventureiro, sem base no que havia de real no movimento estudantil no Litoral Norte. Não entendiam a força que o movimento lá havia construído e estruturado.
Chegado o dia do CONSUN, ocupamos simultaneamente a Reitoria e a antiga colônia de férias. Agitamos e colocamos como necessidade a decisão do CONSUN sobre a pauta do litoral: era necessário deliberar imediatamente pela criação da Casa do Estudante do Litoral, e estávamos dispostos a permanecer lá até decisão. Ao mesmo tempo, a reitoria-interventora mobilizou a Brigada Militar para prender a todes manifestantes que ali demarcavam sua solidariedade à luta no Litoral, nos obrigando a recuar. Esse recuo, todavia, fez com que pudéssemos dar mais atenção à ocupação no litoral que ainda resistia.
Neste processo, muitos conflitos dentro da gestão, no partido e na ocupação ocorreram. Isto inevitavelmente enfraqueceu o movimento, ainda mais quando as demais forças utilizaram daquele espaço como um meio de minar a luta. Por exemplo, um militante do Afronte dizia para es estudantes do litoral desistirem, pois supostamente não havia como conquistar a casa. Mesmo assim, es estudantes do litoral tomam as rédeas e passam a decidir entre si as próximas movimentações na ocupação, realizando assembleias próprias para decidir sobre os rumos da ocupação.
Ainda nesta ocupação, cometemos dois erros fundamentais com es camaradas do CEI, para além de ignorar os acúmulos que possuíam sobre esta luta: 1) Em diversos momentos, as outras organizações políticas buscaram a UJC para discutir sobre a ocupação, como se apenas a UJC direcionasse o DCE, e erramos em não negar as bilaterais, em não buscar discutir tudo em assembleia e em em aceitar sermos reconhecidos enquanto única do DCE; 2) Caímos no jogo disputista das outras forças que foram ao litoral, fazendo com que tirássemos o protagonismo dos estudantes do litoral e o diálogo como o Coletivo, focando no ataque uns aos outros e não na vitória daquela luta.
No fim, diante das probabilidades da reintegração de posse ocorrer, es estudantes do litoral decidem por se retirar pacificamente da ocupação e sair em marcha. Essa luta colocou na ordem do dia a necessidade de uma Casa do Estudante do Litoral Norte. Vemos como uma conquista a recente confirmação de que a Casa existirá, algo que não teria ocorrido com a mesma rapidez e prioridade se não fosse o espírito combativo do movimento estudantil no litoral. Outro saldo político duradouro foi a deliberação em assembleia de estudantes do litoral da criação do Centro de Estudantes do Campus Litoral Norte, o CECLN, que até hoje continua e honra a sua fundação no fogo da luta com uma gestão comunista, independente e combativa.
3. Desgaste geral da gestão, seu aprofundamento e os impactos locais do racha com o antigo PCB (março-julho):
Neste período, a gestão compreendia que estava em seu fim. Entendia que a reta final até o próximo processo eleitoral estava logo à frente, e dessa forma, buscamos mediar a necessária reorganização do DCE após a quebra de relações com o Coletivo de Estudantes Indígenas com a sua sustentação para o resto da gestão – o que, em geral, resulta em uma baixa na intensidade da atuação. Ainda assim, tivemos quatro grandes atividades nesse período: as lutas contra o Marco Temporal, a luta pela reversão do desligamento des 160 cotistas, a Revoada Popular e o Congresso da União Nacional de Estudantes (CONUNE).
A quebra com o CEI se consolida de modo mais direto após o 69º CONEG. Neste congresso, enviamos duas delegadas: a camarada do Coletivo e uma da UJC. Diante disso, encaminhamos esses nomes para a Coordenação Nacional da UJC para que o cadastro fosse realizado. O acordado na gestão é que a camarada do Coletivo seria a titular e a da UJC seria a suplente. Porém, ao chegar no CONEG, percebe-se que haviam feito o contrário, colocando a camarada indigena como suplente. Desde então, houveram muitas limitações nas relações entre Coletivo e UJC, ainda que a atuação conjunta tenha se mantido, como nas atividades do Abril Indígena, no apoio ao financiamento para o transporte ao Acampamento Terra Livre (ATL) e nas lutas em defesa dos direitos dos povos indígenas contra o Marco Temporal. Ainda assim, nos aproximamos do Coletivo de Estudantes Indígenas Universitários Unificados da Região Sul (CEIUURS).
Nesse período, também ocorrem uma série de assédios e violências sexuais em festas organizadas pela comunidade acadêmica. Diante da recorrência e da gravidade desses casos, e na esteira das movimentações que vinham se mobilizando localmente, convocamos um CEB e instituímos o GT Acolhimento, para centralizar os encaminhamentos necessários em relação às situações como as supracitadas, buscando articulação com o SAJU. Disto sai contribuições sobre orientações de segurança nestes tipos de espaço, que passam a ser aplicadas em diferentes graus pelos diretórios.
No quesito da administração, o DCE começa a passar por dificuldades de manutenção e de segurança. Nesse período, começou a se tornar cada vez mais inconstante a abertura da sede do DCE do Vale e do Saúde, com uma dificuldade da Secretaria Geral em saber como estava a situação, já que a maioria da sua composição eram estudantes do campus Centro. Quanto à segurança, tivemos uma porta de ferro e um cabo de internet roubados no DCE Centro, assim como a tentativa de roubo de uma bicicleta. Além disso, as preocupações quanto à segurança no DCE Saúde se mantinham. Financeiramente, passamos por alguns reveses devido às custas judiciais do processo resultante da luta no litoral, mas que seriam pagas pela Revoada Popular e pelo Arraial do DCE.
Em maio de 2023, ocorreu novamente o desligamento de dezenas de estudantes cotistas - desta vez, 160 estudantes. A gestão imediatamente se posicionou, mas demorou algum tempo até conseguir de fato direcionar politicamente essa luta, muito pelas dificuldades que já vinha passando internamente e pelo período de ressaca após a atuação no litoral. Ainda assim, buscou levar a cabo essa mobilização ainda dentro de suas condições limitadas. Essa demora se expressou na realização de um CEB treze dias depois dos desligamentos. Com isto, se inicia o período da campanha “Nenhum cotista a menos!”.
A partir disso, nos organizamos para a realização tanto do apoio político quanto do apoio jurídico jurídico para es estudantes desligades através de um grupo de trabalho em que fosse possível encaminhar mobilizações. Com isso, organizamos panfletagens e passagens em sala, fizemos plantões híbridos de apoio jurídico, convocamos um ato em frente à reitoria e fizemos o Café (Anti) Colonial, parte de uma agenda de lutas que consistia em uma oficina de cartazes e em uma roda de conversa intitulada “‘A melhor universidade do Brasil’ para quem? As matrículas precárias na UFRGS”.
Fizemos mais mobilizações e atos, mas algumas problemáticas começaram a pesar na gestão. A sobrecarga em torno de alguns militantes que tomaram mais a frente dessa campanha - principalmente aqueles que compunham a Secretaria de Assistência Estudantil -, se somou a uma exaustão geral em relação à gestão. Afinal, havia também um acúmulo de responsabilidades em outros espaços, como vida acadêmica e profissional de cada militante, já que não tínhamos militantes remunerados como outras organizações, o que limitou a capacidade de unir esta ação com outros espaços.
Até o CONUNE, esta se manteria como a principal campanha da gestão. Avaliamos que, apesar de termos feito o possível mesmo com certa demora para organizar a gestão, encontramos limitações na nossa atuação: o movimento naquele período, cuja condição era de relativo refluxo não apenas na UFRGS, mas na cidade como um todo; o desgaste geral da militância, que se aprofundou muito neste período com as disputas internas e as disputas com outras forças políticas; e uma limitação de estrutura financeira e jurídica para dar o apoio necessário. Ao mesmo tempo, estávamos organizando a calourada, que incluía não apenas a festa - a Revoada Popular no Paulista - como rodas de conversas. No litoral, em colaboração com o DABMar (Biologia Marinha), fizemos a “Acessar e permanecer”: duas rodas de conversa, no Ceclimar e no Campus Litoral Norte, sobre a luta do Litoral pela permanência estudantil na UFRGS.
Logo em seguida, ocorre o que seria um dos momentos mais expressivos para o momento em que vivíamos: o início do CONUNE. Internamente, havia uma grande desmobilização para a campanha: ao mesmo tempo em que reconhecíamos a importância do processo do 59o CONUNE, estávamos dedicados e investidos na luta contra os desligamentos. O processo diluiria não apenas nossas forças, mas também a de outras organizações, que poderiam deixar de lado o tema ao priorizar uma disputa eleitoreira. Compreendendo o contexto pós-pandemia, realizamos posts e eventos divulgando o que era e para quê servia a UNE. Diante desse contexto, aprovamos no CEB Ampliado uma orientação às chapas sobre a abordagem do tema das matrículas provisórias e do desligamento de cotistas em suas campanhas. Neste processo eleitoral, tivemos oito chapas inscritas, um processo de disputa bem intenso que encheu a universidade.
Assim, lançamos a Chapa 2 - “UNE na Luta! Por uma universidade popular!”, uma aliança entre a UJC e o CEIUURS. Durante a campanha, focamos em nossos pontos programáticos, interligando estes com aquilo que era o cotidiano da universidade. Por exemplo, falamos sobre como o caráter burguês da universidade tinha como sua forma de expressão a existência do vestibular e as mil burocracias que estudantes pobres, negres, LGBTQIA+, indígenas, etc, tinham que enfrentar para acessar esse espaço. Além disso, em acordo com o CEIUURS, defendemos a criação de uma Diretoria Indígena na UNE, para abarcar demandas e formular políticas específicas desses estudantes.
Durante esse processo, tocamos uma campanha na qual somente cerca de 15 militantes atuaram de fato - um sinal do processo de desgaste e fragilização que a gestão e a organização passavam depois de 9 meses. Mesmo com poucos recursos para a campanha e em um período de ressaca da militância, estivemos inseridos na C3 (Comissão Eleitoral) para viabilizar o processo e mantivemos nossos trabalhos administrativos e outras campanhas. Assim, fizemos 624 votos num total de 4421, e garantimos 5 delegades num total de 34. Entretanto, sair de 1848 votos para 624 era um forte sintoma do processo de desgaste em que a gestão estava não apenas internamente, mas também junto às suas próprias bases. Algumas gestões de DAs e CAs alinhadas a nós já haviam começado a demonstrar falhas gravíssimas e dificuldades em sustentar seus trabalhos, como a gestão do CHIST. Em suma, o processo eleitoral foi um sinal dos tempos, do que estaria por vir diante de uma próxima campanha do DCE e exigiria um grande esforço de autocrítica.
Porém, esse processo que começava a se avizinhar seria interrompido. Tínhamos todas as intenções de sustentar uma chapa no próximo processo eleitoral. Não havia nada que fosse um impeditivo para a necessária disputa eleitoral nesse próximo período e que, caso perdêssemos, ainda seria um processo necessário para o avanço do movimento. Todavia, antes da viagem até a etapa nacional do CONUNE, começam a correr pelos corredores do antigo PCB o suposto início de um processo de expulsão contra Jones Manoel quando ele denunciou o que Ivan Pinheiro, dirigente histórico do partido, trouxe de descentralização das nossas resoluções no contexto da guerra interimperialista. Mesmo com essas discussões e preocupações, participamos do CONUNE, e no retorno, recebemos a notícia da expulsão do Jones de todos os cargos de direção do Partido. Com este ocorrido, em vez de focarmos em um processo de balanço da gestão e do CONUNE, focamos na discussão acerca da continuidade ou não do PCB da forma como conhecemos. Isso tomou todos os esforços políticos de nossa militância.
Enfim é lançado o Manifesto em Defesa da Reconstrução Revolucionária do Partido Comunista Brasileiro, em que as discussões e as disputas internas que ocorriam a anos de forma velada vinham, finalmente, a público. Tudo isso concomitante à continuidade da gestão do DCE sem um planejamento dos próximos passos após o CONUNE, o que desemboca em um período de um mês e meio de baixíssima sustentação de atividades de forma unitária, coesa, séria e dedicada.
4. Fim da gestão: uma saída silenciosa (agosto a setembro):
O processo de racha no Rio Grande do Sul, como explicado em notas políticas e em tribunas de debate, foi longo, demorado e problemático, tendo seu ápice em meados de setembro. Isso teve consequências diretas no esvaziamento da gestão, mas ainda assim, mantivemos atividades das Secretarias de Saúde e de Cultura, que já se davam num ritmo diferenciado geral da gestão e eram tocadas de forma autônoma. Ambas as secretarias foram profundamente subutilizadas na capacidade de capilarização dos trabalhos da gestão nos seus meios de atuação. Por cerca de um ano, ambas as secretarias foram articuladores de mobilizações e lutas em seus meios de forma quase que autodirecionada, sem que a gestão conseguisse direcionar isto de algum modo.
As atividades administrativas foram mantidas principalmente no DCE Centro, mas tínhamos clareza que a gestão se aproximava de seu fim. A ideia de buscar a reeleição, que até um mês antes era óbvia, se perdeu por completo. Desta forma, convocamos o CEB Eleitoral no fim de Agosto, para conformar uma Comissão Eleitoral, já com a clareza da impossibilidade de disputar, mas ainda assim dispondo da nossa militância para compor e auxiliar no processo eleitoral.
Novamente vimos a repetição de um cenário de rebaixamento político com disputas mesquinhas entre as forças majoritárias, em que a gestão cessante era alvo das mais baixas críticas. Ao mesmo tempo, não estávamos lá para contrapor as narrativas criadas, pois não conseguimos em um momento de desorganização interna manter a unidade em nossos trabalhos práticos.
Por fim, próximo do fim do processo eleitoral, numa posição equivocada, defendemos o voto nulo. Víamos que o movimento iria retroceder de uma forma ou de outra, e reagimos com uma posição abstencionista que, na prática, negava o movimento estudantil. Além disso, não conseguia oferecer uma alternativa entre aquelas que se colocavam.
5. O que foi, de fato, a Retomada Popular: radicalizar para avançar?
“Trabalhei num círculo que atribuía a si próprio tarefas muito amplas e múltiplas, e todos nós, membros do círculo, sofríamos ao perceber que não éramos mais que artesãos num momento histórico em que se poderia dizer, parafraseando a velha máxima: deem-nos uma organização de revolucionários e revolucionaremos a Rússia! E quanto mais me recordo desse agudo sentimento de vergonha que então experimentei, mais sinto aumentar em mim a amargura contra esses pseudossocial-democratas, cuja propaganda ‘desonra o título de revolucionário’, e que não compreendem que a nossa tarefa não consiste em defender o rebaixamento do revolucionário ao plano dos artesãos, mas elevar os artesãos ao plano revolucionário.” - LENIN, V.I. O que Fazer?, p. 187-188.
Com um Programa avançado, construído pelos acúmulos históricos do movimento estudantil universitário, forjado na luta contra o oportunismo, vencemos numa campanha construída com base num trabalho contínuo, sério e de longa data. Nos comprometemos em construir um movimento que fosse para além de uma defesa do que temos, mas que conseguisse de fato conquistas. A partir disso, tínhamos legitimidade política para levar a cabo esse programa de forma integral. Porém, não conseguimos.
Não estruturamos rapidamente um Plano de Gestão com as táticas necessárias para começar a aplicar o programa. Não fizemos um planejamento partidário para abarcar a atuação em nossas diferentes frentes de atuação e inserções na UFRGS, ao mesmo tempo em que se preparava para sua inevitável expansão. Não conseguimos sustentar uma relação de camaradagem com es estudantes indígenas sem reproduzirmos diferentes formas de racismo. Não tínhamos uma direção local fortalecida neste momento para direcionar esse processo. Devido aos problemas do velho partido que fazíamos parte, não tínhamos uma estrutura que nos auxiliasse e direcionasse, seja estruturalmente ou politicamente. Não conseguimos nos adaptar bem a cada momento e definir nossas táticas de modo a não nos afundarmos no movimentismo. Não tínhamos as ferramentas necessárias para compreender como lidar com o movimento de outra forma que não fosse o cupulismo e o dirigismo.
Apesar disso, nossa militância deu seu sangue e suor para a construção de uma gestão que, quando comparada com aqueles que aceitam o rebaixamento cada vez maior do movimento, foi avançada e cumpriu um papel exemplar junto ao movimento. A cada luta da cidade, buscamos não apenas compor, mas construir com dedicação e seriedade. A cada demanda do movimento, se dedicava de corpo e alma para buscar sua resolução, mesmo com suas limitações. Não esperamos apenas a luta “surgir”, mas fomos propositivos ao irmos atrás do que devia ser feito. Este esforço não foi por nada: é impossível hoje estar no movimento estudantil da UFRGS e não falar, de uma forma ou de outra, sobre a Retomada Popular e suas lutas.
Em suma, foi uma gestão que em geral foi positiva para o movimento, mas que, devido a uma série de erros, não conseguiu sustentar esses avanços ao ponto de implodir a própria atuação. De toda forma, avaliamos que existe a necessidade de reivindicarmos a Retomada Popular não com timidez, mas sim com orgulho de algo que outras gestões não podem afirmar que fizeram: tentamos reerguer o movimento estudantil, com um caráter comunista, indigena e revolucionário.
Ao mesmo tempo, avaliamos que existem facetas de nossa gestão que não podemos abarcar apenas pela nossa própria experiência. Por isso consideramos que esse é um balanço inacabado. Iremos finalizar ele no dia-a-dia, conversando com es colegas, organizações, partidos, etc, ouvindo com atenção toda e qualquer contribuição, sobretudo para o tema que é fundamental e que buscaremos contribuir com alguns elementos: como reconstruir o movimento estudantil de massas? Mais do que isso, qual o tipo de movimento que iremos construir?
Parte 4: Qual o caminho que o movimento estudantil e universitário deve seguir no próximo período?
É nesse cenário de desarticulação quase que total do movimento estudantil, com perdas significativas dos avanços conquistados no início da gestão Retomada Popular, que surge a disputa eleitoral pelo DCE de 2024. A partir disso, mostra-se necessário, para retomada do papel histórico dos comunistas nas universidades, um retorno programático às lutas por uma Universidade Popular. O DCE, como um dos principais instrumentos de articulação dos estudantes, deve restabelecer seu caráter combativo, de modo a tomar partido ao lado da classe trabalhadora, somando-se ao processo de luta de classes para além das instituições rumo a uma educação subordinada a uma estratégia verdadeiramente socialista. Para isso, é necessária uma verdadeira independência dos aparelhos do Estado burguês, para que se honre o papel de vanguarda do DCE nas movimentações por avanços para a categoria dos estudantes. O DCE que precisamos hoje é, necessariamente, comunista e revolucionário!
É nesse sentido que trataremos, nesta parte, a conjuntura atual desta disputa do movimento estudantil, de suas tendências localmente desagregadoras, desmobilizadas e distanciadas das questões que impactam diretamente a vida dos estudantes, principalmente daqueles historicamente invisibilizados dentro dos moldes da universidade burguesa — estudantes cotistas, negros, pardos e indígenas, trans e provenientes do seio da classe trabalhadora. Ainda nesse contexto, trazemos nossa Plataforma de 12 Pontos como uma alternativa possível, ainda que em construção, para a retomada do movimento estudantil na UFRGS. Sabemos que o caminho para o restabelecimento das forças radicais dentro do cenário político da UFRGS é longo e árduo, mas entendemos que é necessário lutar e reconstruir o pólo revolucionário no movimento estudantil para criar uma UFRGS verdadeiramente popular.
Com a ausência da UJC dentro das lutas universitárias, quaisquer perspectivas de um movimento estudantil organizado e revolucionário eram totalmente limitadas. Houve um forte rebaixamento das pautas estudantis em quatro níveis: combatividade, posicionamento crítico, debate e projeto. A combatividade foi minada pela baixíssima quantidade de ações relevantes dentro da UFRGS; o posicionamento crítico em relação ao governo federal e em relação à candidatura de Rosário nas eleições municipais foi extremamente raso e vacilante; os debates e discussões não foram promovidos para todo o corpo estudantil e desenvolvidos junto dele, mas sim trazidos já como dados em uma lógica de cupulismo – ou seja, discussões apenas entre as organizações políticas de forma isolada das bases. Todos esses níveis se deram através do retorno da Oposição Unificada ao DCE, que só prolongou a tendência atual de maré baixa no movimento estudantil.
Portanto, durante sua gestão, a chapa Ponta de Lança não cumpriu sua promessa de ser a vanguarda do movimento estudantil. Mesmo com a presença de quatro forças políticas (Alicerce, Correnteza, Juntos! e Ocupe) — que contam, em grande parte, com uma quantidade relevante de militantes remunerados, com capacidade de dedicação exclusiva ou quase exclusiva para a atuação no DCE UFRGS, algo que não era a realidade da gestão Retomada Popular — o trabalho político e a capacidade de formulação sobre os rumos do movimento universitário foram diminutos e ensimesmados, com dificuldades em dialogar com pautas para além da UFRGS. Um grande exemplo é a falha do DCE em participar da primeira greve das instituições de ensino superior no governo Lula: apesar de se dizer vanguarda, a gestão Ponta de Lança foi incapaz de organizar as bases do IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas), que foi o único instituto com uma adesão significativa à greve por conta própria, e ampliar a luta para toda a UFRGS. O caráter ensimesmado da gestão, herança de sua gestão passada desde 2019, também fica claro ao observarmos a pequena quantidade de espaços de discussão para os estudantes como um todo. No total, foram somente 3 CEBs em um ano e nenhuma assembleia geral – mesmo diante da tentativa de um golpe na reitoria.
Apesar disso, o DCE Ponta de Lança teve episódios de boa atuação. Durante as enchentes, foram capazes de mobilizar alguns estudantes em doações e cozinhas solidárias, assim como em limpezas de casas atingidas pelas enchentes, além de persistirem na pauta da permanência estudantil diante do cenário de catástrofe em Porto Alegre. A “ocupação” da PRAE, que na verdade foi um ato realizado para pressionar por um plano concreto da universidade para medidas de permanência, levou a bons resultados, como expansão do auxílio calamidade, ampliação de prazos para alunes cotistas e seguimento na negociação do ônibus intercampi. Além do mais, trouxeram as Olimpíadas DCE UFRGS e levaram com seriedade e constância a luta do ônibus intercampi, mas também com suas limitações. Afinal, concentrar toda a luta de uma gestão em torno de uma única pauta que acabou não mobilizando muito para além de si mesma; o debate do ônibus intercampi não se estendeu para um debate em relação ao quanto a atual rede de transporte da região metropolitana atende aos estudantes, ao retorno de linhas como o D43, à ampliação de linhas ou aos aumentos das passagens dos ônibus intermunicipais. Portanto, foram poucas as vezes em que o DCE Ponta de Lança ousou sair da esfera da gestão estudantil e passar para a mobilização, para a luta.
Essa forma de ser direção no movimento estudantil, ensimesmada, não reconstruiu o movimento estudantil, não rearticulou novos espaços, não ampliou a força social do movimento. Na verdade, o descrédito com es estudantes cresceu e, junto disso, o rebaixamento total de lutas históricas e programáticas no movimento. A ala esquerda do PSOL e o PCR/UP/Correnteza não conseguiram (ou buscaram com dedicação e seriedade) colocar sua gestão a atuar com independência e de forma crítica ao governo federal, tendo limitações quanto a sua capacidade real de demonstrar que seriam de fato “independentes” ao governo para além da retórica.
Sendo assim, sua continuidade em mais uma gestão do DCE através da chapa A Todo Vapor: Independência Para Lutar é a permanência dessa mesma cultura cupulista e ensimesmada sem tradição de luta e mobilização constantes. É a permanência de um DCE sem posição firme e demarcada a respeito das políticas neoliberais do governo Lula-Alckmin, muito menos das parcerias com a direita firmadas pela reitoria de Márcia Barbosa e Pedro Costa. Onde está a independência para lutar de uma chapa que não instiga o movimento estudantil a lutar contra um governo que, apesar de se autointitular popular, ataca a educação pública brasileira? Que historicamente promoveu a inserção burguesa nas instituições de ensino?
É por esse mesmo motivo que a Chapa 3, Experimenta Mudar – Por um DCE na Mão dos Estudantes, representaria uma submissão completa dos interesses estudantis e universitários em geral. Com o Afronte, Esperançar, Levante Popular da Juventude, JPT, Kizomba, PDT e UJS, o retorno do social-liberalismo do campo democrático-popular ao DCE seria um aparelhamento total com a reitoria e a presidência; seria o total abandono de quaisquer oportunidade de mobilização significativa dentro da universidade. É permitir sem nenhum entrave os diversos cortes do Pacote Antipopular e as políticas de austeridade a partir do Novo Arcabouço Fiscal; é desistir da luta pela revogação do Novo Ensino Médio; é delegar ao DCE UFRGS o mesmo destino da UNE e UBES: entidades ociosas, desmobilizadas e desorganizadoras, que desonram totalmente sua história de lutas estudantis pelo Brasil.
Sem dúvida, a campanha do campo democrático-popular é tão vergonhosa quanto sua capacidade de mobilizar alguma luta significativa em Porto Alegre. O diálogo com os estudantes durante a campanha se resume a abordar e perguntar “ficar com ex ou experimentar algo novo?”. Trata-se de um rebaixamento total sem espaço para debate sério, sem valorização da voz do estudante para formular politicamente sobre seus próprios interesses. É o mesmo nível de rebaixamento que se tenta fazer no próprio caráter da campanha das eleições do DCE, já que toda a chapa agita fervorosamente pelo voto online: na prática, transforma a campanha em uma pura disputa de redes sociais e faz perder todas as demais possibilidades de diálogo.
Além do mais, o programa da chapa Experimenta Mudar tem propostas a nível de piada, tamanha contradição com a própria atuação prática. Dizem que vão defender o orçamento da educação e lutar por ampliação orçamentária, mas não contam que andam de braços dados com o governo que dá continuidade ao projeto de sufocamento dos recursos universitários – até mesmo por isso é que não mencionam Lula em lugar algum do programa, uma grande mudança em relação às eleições de 2022 na qual se autointitulavam “a chapa do Lula”. Planejam fazer um aplicativo multifuncional – com claro destino de desuso, pois já existem aplicativos muito semelhantes – que terá como uma de suas ferramentas um “calendário de lutas”, mas são totalmente incapazes disso pois não são vanguarda de absolutamente nenhuma luta dentro da universidade. Em geral, concentram todas as contradições da social-democracia dentro do movimento estudantil.
Do lado totalmente oposto a tudo que o campo democrático-popular representa, temos a oposição de esquerda, representada pela Chapa 2: Primavera nos Dentes, composta pelo MRT e PSTU. A chapa traz assuntos muito importantes que não são debatidos por nenhuma outra chapa, como efetivação des trabalhadores terceirizades, a luta pela escala 4x3, o fim de relações diplomáticas com Israel e, sobretudo, a verdadeira independência do movimento estudantil em relação à reitoria e ao governo federal. Contudo, o alcance dessas pautas é totalmente freado por um problema histórico das forças que compõem a chapa: a falta de capilaridade entre as bases. Concretamente, tanto o MRT quanto o PSTU não possuem atuações práticas significantes na UFRGS nos últimos dez anos; seus debates e sua militância são pouco conhecidos peles estudantes, sobretudo aqueles desconectados do movimento estudantil.
Além do mais, outro fator que poderia impedir um avanço nas suas construções é o principismo e o revolucionarismo limitado ao discurso do MRT, com exemplos notáveis no histórico recente que trataremos a seguir. Durante o período da reitoria-interventora do Bulhões, se aferravam ao princípio de convocação de uma estatuinte – o que era impraticável concretamente diante do governo bolsonarista, diferente de um congresso universitário, como foi agitado pela UJC na época.
Já durante o período de sua hegemonia no Instituto de Artes, apesar de um ciclo de lutas avançado sobre auto-organização do movimento, falharam imensamente em mobilizar a luta pela ocupação do ICBS para cumprimento de acordo com o IA – por mais que houvesse uma grande pressão das bases pela continuidade dessa luta e que houvesse o respaldo recente da luta pela Casa do Estudante Indígena. Não é surpresa que, nas eleições de 2022, fizeram menos votos que a chapa de direita: a capacidade de mobilização é extremamente limitada.
Além do mais, PSTU na UFRGS tem uma posição totalmente centrista, que busca conformar uma unidade daqueles que não buscam ser unidos: o cenário ideal é que a oposição de esquerda antiga, a nova e o PCBR se unam; apagando toda uma série de divergências, as quais devem ser demarcadas para o movimento como um todo. As vacilações dessa força são consideráveis e nos trazem muito receio com a firmeza necessária neste momento em que a reconstrução de um bloco revolucionário no movimento estudantil é necessária - firmeza essa que o MRT expressa.
O movimento estudantil que queremos é comunista e revolucionário!
Ao passo que as ofensivas da burguesia tem operado um desmonte progressivo das políticas públicas, sufocando o orçamento das universidades, contribuindo para seu sucateamento e terceirização, as lutas locais do meio universitário perdem sua força. É difícil para o estudante, hoje, acreditar na potência do movimento estudantil. Ouvir sobre uma postura combativa, de mudanças profundas na estrutura da universidade, pode parecer impossível na conjuntura atual. Há, sem sombra de dúvidas, um momento de ressaca do rebaixamento das pautas estudantis, e um descrédito generalizado quanto às forças que compõem o cenário político da UFRGS.
Tanto o campo democrático-popular, da chapa 3, quanto a antiga oposição de esquerda unificada, da chapa 1, são responsáveis diretos por esse cenário. Ambos os campos políticos representam uma mesma forma de política: a hegemonista, que submete as entidades estudantis (desde a UNE até o CA e DA) a uma lógica de disputa como um fim em si mesmo, como se o controle destas entidades por si só representasse algo significativo para avanços políticos, e não a entidade enquanto um meio de mobilização. O que falta, aqui, é um diálogo direto e contínuo com os estudantes, de forma a realmente construir as bases necessárias para uma educação subordinada aos interesses da classe trabalhadora, compreendendo que a luta de classes permeia tudo. O que falta, aqui, é um projeto de Universidade Popular para a UFRGS.
A Chapa 2 surge, portanto, como um aceno à esquerda dentro do movimento estudantil. Ainda que com limitações consideráveis na sua inserção nas massas, além de termos receios com o MRT, que avaliamos que por vezes recai em posições esquerdistas que tendem a não aproximar es estudantes de um programa revolucionário, e com o PSTU, que além deste elemento, também demonstra um “zigue-zague” preocupante em sua demarcação de quais são as forças que estão dispostas a construir um movimento estudantil independente – as quais requerem, o quanto antes, um balanço e um indicativo de superação – , a Chapa “Primavera nos dentes” se propõe a abrir um espaço de lutas para a esquerda revolucionária, pautando questões essenciais para a retomada radical do campo universitário. Nesse sentido, temos uma convergência verdadeiramente fundamental: o movimento estudantil que queremos é comunista e revolucionário! Os rumos até que este seja assim, ainda envolverá muita discussão.
O cenário das universidades públicas é um reflexo direto do acirramento da luta de classes e, portanto, é preciso encará-lo como tal. É necessário entender que o desmonte da universidade, assim como sua estrutura excludente, parte de uma ofensiva burguesa de monopólio dos instrumentos ideológicos de produção científica e cultural, que pretende colocar nas costas da classe trabalhadora o peso de uma crise sistêmica do capitalismo.
Desde o Golpe de 2016, que aprofunda a ofensiva burguesa no país iniciada já no governo Dilma, uma série de políticas de austeridade foram aplicadas, cortando na carne des trabalhadores para garantir os lucros da classe dominante. Com a derrota de Bolsonaro em 2022, esta ofensiva apenas muda seu caráter e, na prática, segue com as políticas de ajuste que atinge diretamente nossa classe e o orçamento das instituições públicas.
Na educação, isso representa uma necessidade de aderir abrir alas para o ensino empresarial nas universidades. Mesmo em seus primeiros governos, Lula, junto do então ministro da educação Fernando Haddad, sempre deu espaço para inserção a iniciativa privada – os denominados “tubarões da educação”, como a Cogna Educação (antiga Kroton) e a Todos pela Educação (que é financiada por grupos como as Fundações Lemann e Bradesco, etc).
Atualmente vemos uma universidade entregue à lógica neoliberal: uma reitoria com ligações profundas com o governo que desmonta a educação, uma produção de conhecimento que cada vez mais abre alas para os setores privados – como, por exemplo, o novo doutorado anunciado pela Faculdade de Ciências Econômicas (FCE) em parceria com a Fundação Itaú.
Mas a ofensiva burguesa sob o governo social-liberal começa a encontrar suas primeiras resistências. Neste ano tivemos a greve nacional dos servidores públicos das instituições de ensino superior federal, greve histórica nacionalmente e limitada por uma série de motivos na UFRGS. Estamos no momento de uma luta histórica pelo fim da escala 6x1, em defesa de 30 horas semanais. Medidas ofensivas, diretas, em que a independência da classe trabalhadora sai de um discurso e se transforma em prática.
Precisamos de um movimento estudantil que queira construir este tipo de independência de classe. Mas não apenas isto, precisamos de um movimento estudantil que tenha um projeto para o ensino superior, que tenha como foco no tripé ensino, pesquisa e extensão subordinado à classe trabalhadora, pois a produção, difusão e aplicação do conhecimento na universidade também está sob disputa.
Essa construção só é possível com um movimento que dialogue com as bases, com os centros e diretórios acadêmicos, com cada DCE, cada UEE, que possa ser um instrumento para nossa classe. Estes espaços devem ser mais do que apenas uma entidade institucional, limitada e ensimesmada. Devem servir para mobilizar ativamente cada estudante para uma luta encarniçada contra todo o Pacote Anti-Popular, defendendo o direito à permanência da classe trabalhadora no ensino superior federal, mas também o livre acesso desta, lutando pelo fim do vestibular e o acesso livre ao conhecimento, defendendo a expansão das cotas para pelo menos 70% das vagas totais na universidade, defendendo as cotas trans para a graduação, o reconhecimento do vínculo empregatício para estagiáries, que os estágios obrigatórios sejam remunerados, o aumento do valor das bolsas para um salário mínimo ajustado de acordo com a inflação, etc.
É por isso que afirmamos que o movimento estudantil que queremos é comunista e revolucionário, pois apenas um movimento estudantil assim é que vai encampar essas lutas e levá-las até o fim, pois é apenas um movimento assim que irá defender uma Universidade Popular, a universidade socialista na América Latina, pois é apenas um movimento assim que irá defender a verdadeira independência de classe. Para reconstruir este movimento, precisamos de um Programa para toda a UFRGS.
Construir um Programa comunista e revolucionário para toda a UFRGS!
Portanto, diante da atual conjuntura eleitoral da UFRGS, se percebe que as opções dadas são muito limitadas e perpetuadoras da velha cultura do movimento estudantil; e diante do histórico da UJC na universidade e da sua atuação com o Coletivo de Estudantes Indígenas dentro do DCE, se percebe que há uma via promissora para superar as lacunas políticas e a estagnação do movimento estudantil: uma via radical, comunista, verdadeiramente popular. É o momento de pensar a universidade que queremos enquanto projeto transformador, e não enquanto reformas em um sistema de universidade burguesa.
O projeto da Universidade Popular foi trazido, então, pela UJC em sua Plataforma de 12 Pontos Para o Movimento Estudantil da UFRGS. Ela não se resume à fundamentação de discussões junto às bases estudantis e de diálogo com as chapas; a Plataforma é só o início da construção de um programa para o DCE no próximo ano. Afinal, consultar a comunidade estudantil sobre seus interesses e necessidades deve ser um trabalho contínuo e duradouro; algo que foi roubado pela cultura política atual.
Portanto, concentramos nossos esforços em um planejamento político que construa esse programa para as eleições do DCE de 2025. Entretanto, vemos a falha em não participarmos plenamente do processo eleitoral deste ano. Afinal, sem uma inscrição de chapa, os espaços para construção e agitação do programa para o corpo estudantil durante a campanha são limitados. E apesar da nossa decisão congressual enquanto partido de entender a importância de disputar as entidades estudantis para propagandear um programa revolucionário, decidimos reconhecer nossa incapacidade material momentânea de encarar a disputa. Além da falta de um balanço completo da gestão Retomada Popular, enfrentamos um período de reconstrução partidária complexo, sobretudo com o cenário das enchentes no Rio Grande do Sul, que dificultou um planejamento local unificado ao planejamento nacional.
A perspectiva de disputar com seriedade, em 2025, um dos DCEs mais importantes do país exige que tenhamos responsabilidade e, acima de tudo, um programa de verdade para a universidade – o que pouco se vê nas forças estudantis hegemônicas na UFRGS atualmente.
Não é à toa que o cenário de desmobilização se perpetua, e devemos dar um basta nisso. O PCBR e a UJC se propõem a trazer o programa da Universidade Popular não só para ficar no campo do dever ser, mas para construir uma nova UFRGS, uma nova realidade de mobilização e organização da universidade. Vamos trabalhar por uma universidade socialista desde já!
Lutar, criar, UFRGS Popular!
Por um movimento estudantil à serviço da classe trabalhadora!
Por uma Universidade Popular, Rumo ao Socialismo!