Pra virar a UFRGS de cabeça para baixo: nota de apoio crítico à Chapa 1 e ao Movimento Virada
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) passa agora pelo seu processo eleitoral após quatro anos da intervenção bolsonarista que pôs Carlos André Bulhões e Patrícia Pranke na Reitoria, como representação do que há de mais reacionário na universidade e em Porto Alegre.
Nota política do PCBR e da UJC no Rio Grande do Sul
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) passa agora pelo seu processo eleitoral após quatro anos da intervenção bolsonarista que pôs Carlos André Bulhões e Patrícia Pranke na Reitoria, como representação do que há de mais reacionário na universidade e em Porto Alegre. Enquanto chegamos ao fim deste período, em meio a uma greve nacional derrotada em que o Governo Lula adota uma posição agressiva e patronal contra os grevistas, adotando uma postura de desmoralização dos sindicatos legítimos e negligência diante das inúmeras negociações anteriores.
Após a calamidade que atingiu o Rio Grande do Sul no mês de maio, teremos agora uma disputa que pela primeira vez será paritária entre os três segmentos da universidade, em que três grupos organizam-se abertamente para ela no momento e um que não participa, ligado aos interventores, tenta a todo custo implodir o processo. Neste processo, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário e a União da Juventude Comunista declaram seu apoio e voto crítico à Chapa 1 - Virada na UFRGS.
A Intervenção na UFRGS: um breve histórico da ofensiva burguesa na Universidade
A política de intervenção federal nas universidades adotada pelo governo Bolsonaro, que visava a implementação do programa neoliberal e a entrega dos bens públicos à burguesia a todo custo, colocou na reitoria os menos votados em todos os segmentos do processo consultivo de 2020: Carlos André Bulhões e Patrícia Pranke. Desde a inserção cada vez maior de setores privados na universidade por meio da Pró-Reitoria de Inovação e Relações Institucionais (PROIR), o atropelamento e a rejeição completa das instituições representativas da universidade como o Conselho Universitário da UFRGS (CONSUN), a Reitoria-interventora representou interesses completamente alheios ao da classe trabalhadora e tentou sempre que possível colocar a universidade a serviço dos interesses da burguesia. Tornando assim a universidade um espaço ainda mais hostil para indígenas, quilombolas, cotistas e estudantes trabalhadores.
Desde o primeiro dia em que a intervenção foi declarada, importantes mobilizações ocorreram contra a reitoria-interventora e que perduraram ao longo desses quatro anos. Em 2021, ocorre o primeiro grande confronto com a reitoria, tendo como tema central a destituição da gestão de Bulhões e Pranke. Ainda que aprovada no CONSUN, a proposta foi barrada pelo Ministro da Educação bolsonarista Milton Pinheiro. Mesmo com a derrota, o processo contribuiu com a construção de importantes bases para a compreensão geral da intervenção enquanto um grande retrocesso em nossa universidade. Ao mesmo tempo, tiveram início as lutas contra os desligamentos em massa de estudantes cotistas, sendo tais desligamentos possibilitados pela matrícula precária estabelecida durante a reitoria de Rui Oppermann e Jane Tutikian (2016-2020), com apoio da ADUFRGS (Sindicato Intermunicipal de Professores das Instituições Federais de Ensino Superior do Rio Grande do Sul) e da gestão do DCE (Diretório Central dos Estudantes) da época (2017-2018), composta pela UJS e JPT.
Em 2022, ocorre a luta pela Casa do Estudante Indígena em que o Coletivo de Estudantes Indígenas deu um exemplo de combatividade ao travar lutas suprimidas dentro da universidade burguesa, exigindo seu direito à moradia com a ocupação do prédio da SMIC, que seria dado à PROIR de Geraldo Jotz. Com o apoio da UJC-RS na luta pela Casa de Estudante Indígena, foi construída uma aliança que culminou na gestão Retomada Popular do DCE da UFRGS, responsável por promover importantes discussões e lutas fundamentais contra a intervenção – ainda assim, longe do necessário para derrotá-la.
Em 2023, é realizada a ocupação pela Casa do Estudante no Litoral Norte, visando a garantia da permanência estudantil nos cursos do campus, no qual o movimento estudantil da região também se pôs em conflito direto com a reitoria – que buscava entregar a antiga Colônia de Férias da UFRGS para a PROIR. No mesmo ano, o segundo pedido de destituição da reitoria foi aprovado, mas foi ignorado por completo pelo MEC petista de Camilo Santana, o que legitimou a intervenção na UFRGS e provou a leniência do governo frente ao projeto neoliberal.
Apesar da importância da conquista da paridade para as eleições da Reitoria – vitória essa que ainda está sob risco –, não é possível afirmar que o movimento universitário e, principalmente, o movimento estudantil, nesses quatro anos adotou as táticas necessárias para dar cabo àquilo que eram suas tarefas imediatas: uma luta local pela paridade e uma luta nacional pelo fim da lista tríplice, além de derrubar de fato a reitoria-interventora. Mesmo com avanços em alguns métodos de mobilização e organização no período pós-pandemia, o movimento universitário não foi capaz de superar suas próprias debilidades, insuficiente enquanto vanguarda mobilizadora da comunidade universitária.
As eleições da Reitoria de 2024
Neste cenário, a atual eleição da reitoria é um elemento-chave para a conjuntura política da universidade e que influenciará profundamente como será a UFRGS na próxima década. Em novembro de 2023, o Conselho Universitário da UFRGS aprova pela primeira vez a realização de uma consulta paritária: se antes o voto de docentes equivalia a 70% do peso – com 30% sendo repartido entre técnicos-administrativos e estudantes –, agora os três segmentos da universidade dividirão igualmente entre si o peso dos votos finalmente. Contudo, os setores mais reacionários da universidade buscarão mais uma vez impedir o processo paritário. Organizados em torno da reitoria-interventora e da Procuradoria Geral da UFRGS, procuram atualmente deslegitimar o processo. Para compreendermos essa situação, devemos observar os quatro campos políticos em movimento nessas eleições.
O primeiro deles, golpista e reacionário, é organizado por Júlio Barcellos e Geraldo Jotz, respectivamente pró-reitores da PROGRAD (Pró-Reitoria de Graduação) e da PROIR. Em articulação com a Procuradoria Geral, deslegitima o processo consultivo como um todo – e por isso não participa das eleições enquanto chapa concorrente. Esse grupo representa a continuação da intervenção na nossa universidade e seu projeto de submissão da produção científica da UFRGS aos interesses da burguesia.
A imposição de uma Reforma Administrativa na UFRGS, à revelia do CONSUN, implementou aquilo que seria o principal operador político da Reitoria: a PROIR. Seu objetivo de inserção da iniciativa privada na UFRGS concentra a coordenação de órgãos para exercer essas responsabilidades, como a SEDETEC, o Parque Zenit, a Relinter e o Departamento de Inovação, o que coloca toda relação sociedade-universidade à disposição dos interesses do empresariado e do capital estrangeiro. A Procuradoria nestes últimos anos serviu sempre como defensora deste projeto privatista, se colocando em embate direto com qualquer tentativa de luta contra a intervenção e servindo enquanto um instrumento reacionário que garante a entrega de tudo para o jogo do empresariado.
Apesar da derrota eleitoral do bolsonarismo, o governo Lula demonstra sua tranquilidade com a manutenção das intervenções quando não aprovou a destituição desta Reitoria-interventora. Por consequência disso, esses fantoches que transformaram a universidade em um balcão de negócios agora utilizam de todo o aparato universitário sob seu controle para ameaçar a legalidade da consulta paritária e democrática. É tarefa fundamental de todo o movimento universitário botar um ponto final na intervenção bolsonarista legitimada pelo MEC de Lula e Alckmin e que, principalmente, esse projeto que representa a ofensiva burguesa em nossa universidade seja derrotada.
Participando do processo eleitoral atual, temos três chapas. A Chapa 3 é do grupo de centro-direita Somos Unidade UFRGS, de Márcia Barbosa e Pedro Costa, sendo a junção entre a minoria à direita do Movimento Virada com tudo que há de conservador nessa universidade. O grupo é composto pela ala direita da social-democracia na universidade, com forças políticas como PT, PCdoB e UJS, e o Afronte do PSOL, além de ter ligação com setores que foram contra a greve universitária.
A afirmação de que o Somos Unidade é um grupo de centro-direita, que se coloca a serviço da iniciativa privada na universidade, pode vir como uma surpresa para quem não conhece. Apesar do verniz “progressista” da chapa, a sua composição esconde um passado: a ligação intrínseca com as reitorias anteriores à intervenção. A própria Márcia Barbosa, que agora se coloca enquanto grande defensora da paridade (sendo que votou contra ela em 2020) e que vai nas assembleias de greve (o que nunca fez antes da campanha), apoiou com unhas e dentes a reeleição em 2020 de Rui Oppermann.
Como tratamos ainda em outubro de 2020, essas eleições foram marcadas pela falta de paridade, garantindo o sistema 70-15-15, e com um aspecto ainda pior: o fator redutor[1], prejudicando ainda mais o peso dos votos de estudantes e técnicos-administrativos. Quem elaborou essa proposta foi Danilo Blank, hoje um dos ilustres apoiadores do Somos. O principal apoiador e articulador deste dispositivo foi Rui Oppermann, que, com apoio da ADUFRGS e o DCE da época, estruturou e manteve a matrícula precária na universidade, atacou a greve dos TAEs, barrou a paridade e apoiou a inserção do capital privado na universidade – inclusive por meio da política bolsonarista do Future-se. O fez na tentativa de aproximar-se do governo Bolsonaro e impedir a intervenção para manter a reitoria sob seu controle.
É esse candidato que melhor representou Márcia Barbosa em 2020! Um privatista que vacilava para o bolsonarismo. Além disso, a ligação com a reitoria de Rui vai além: a ex-Pró-Reitora da PRAE Suzy Alves Camey, conhecida como a “moedora de cotistas”, que atacou o movimento estudantil e es estudantes pobres em toda sua gestão, é uma fiel apoiadora do Somos. Esse tipo de apoio demonstra o que qualquer um que conhece o Somos sabe: é uma ala do ruizismo, do conservadorismo e daquilo que tem de mais atrasado na universidade; que busca agora, com a mudança dos ventos para rumos paritários, se adaptar para enganar o movimento universitário.
É com o Somos que a dissidência minoritária do Movimento Virada, o Unidade UFRGS, composto por setores do PT e o Resistência/Afronte do PSOL, se aliou. Abdicando de todo o programa histórico que o Movimento Virada vem defendendo para a universidade e de toda a crítica histórica às reitorias anteriores, agora esse setor dissidente (liderado por Pedro Costa, candidato à vice-reitor, e por Cláudia Wassermann, uma das coordenadoras de campanha da chapa 3) caminhou para o pântano sozinho, pois foram derrotados ao tentarem levar consigo o Virada. Mas sob quais argumentos essa guinada à direita se assenta? Aos discursos do “frentismo contra o mal maior” e ao “voto útil contra a direita”, em suma, à necessidade de unidade contra Ilma Brum e Vladimir Nascimento. Segundo estes, supostamente a Unidade com o Somos é a única forma de derrotar o “mal maior” que é a eleição da chapa 2. Para estes setores, é fato dado que Somos ganhará mais votos que o Virada, e que não há chance alguma de vitória por conta própria. “Nos unamos contra aqueles que utilizam da paridade como discurso e não como princípio”, é pra esse lamaçal que queriam nos arrastar.
Curiosamente, os fatos sempre trabalharam contra isso – não que de algum modo isso não tivesse sido exaustivamente exposto. Nos últimos processos, caso tivessem sido paritários, o Movimento Virada sempre saiu vitorioso. Sua adesão enquanto única chapa que verdadeiramente integra os interesses mais básicos des estudantes e TAEs sempre garantiu sua ampla adesão entre os dois segmentos, sendo derrotados apenas pela composição profundamente conservadora do corpo docente da universidade.
Agora, com as eleições do CONSUN e do CEPE para a representação de técnicos e docentes, a história se confirma. O Virada vence entre os técnico-administrativos, o grupo da Ilma vence entre os docentes e o Somos Unidade é derrotado em ambas. E neste cenário ficou ainda mais evidente como Márcia e Pedro disputam votos com a base conservadora do grupo da Ilma, não o contrário, e muito menos com o Virada. Esse argumento sempre foi fraco, sempre se demonstrou mais como a covardia de alguns ou o oportunismo de outros; afinal, é evidente que a aproximação do Afronte (integrante da ala governista do PSOL) com o campo democrático-popular, pelego, composto pela UJS, JPT e LPJ, desde o CONUNE de 2023 também se concretizou no cenário eleitoral da reitoria da UFRGS. É essa a chapa que se propõe à uma suposta mudança, retalhando o Programa do Virada e o que lhe convém, mas o histórico de cada um expõe os fatos.
Temos também o grupo de direita Geração UFRGS, da Chapa 2 de Ilma Brum e Vladimir Nascimento. O setor mais conservador e até reacionário da universidade, ligado ao ruizismo, compõe e apoia esta chapa. Sua adesão se dá principalmente entre es docentes, mas com uma adesão razoável entre es TAEs. Para a surpresa de absolutamente ninguém, a adesão de estudantes a essa chapa é baixíssima, afinal, não apenas sua campanha não busca dialogar com estes – e quando tenta os infantiliza ao utilizar de uma fantasia de cachorro para tratar de pautas estudantis – como também Ilma e Vladimir são a melhor representação daquilo que tem de mais conservador nessas eleições. Ambos votaram contra a paridade, ambos fizeram parte de alguma forma de reitorias anteriores como a de Rui, com Vladimir sendo inclusive Pró-Reitor de Graduação.
O conservadorismo representado pela chapa tem ampla influência na universidade. Mesmo com a aprovação da paridade, boa parte dos docentes insistem que não houve debate o suficiente, que esta é uma política contrária às boas práticas internacionais; em suma, consolidam o entendimento que apenas es ilustres docentes têm capacidade de pensar a universidade – como se não existissem graves problemas no corpo docente da UFRGS. O voto em Ilma é um voto em protesto contra os avanços democráticos na universidade, é um voto que expressa o mesmo reacionarismo que o golpe que Jotz e Barcellos tentam aplicar.
É precisamente o conservadorismo da chapa 2 que os mantém fortes. Seu programa é tão vazio de propostas precisamente por isso, pois não buscarão fazer mais do que a atual reitoria-interventora faz atualmente: nada. Enquanto as outras duas chapas colocam que é necessário um Congresso Universitário para rever o Estatuto e Regimento da UFRGS – ainda que a capacidade e disposição pra levar a frente tenham boas diferenças –, para Ilma e Vladimir é necessária apenas uma revisão, algo que com certeza seria feito pelo atual CONSUN, sob controle da maioria docente e conservadora, ao invés da comunidade universitária como um todo. Sua política é a continuação do ruizismo em seu estado mais puro, sem a dissimulação adotada pela chapa 3; uma política que submete os outros segmentos à deliberação de um corpo docente conservador ou, quando não o é, coagido em suas unidades a votar em alinhamento com as pautas que atacam os interesses des estudantes, terceirizades e TAEs.
Além disso, a chapa 2 afirma que seu compromisso com a paridade já está dado: eles estão participando do processo, logo o legitimam. Porém, o vice da chapa continua afirmando: quem decide a lista tríplice é o CONSUN. Se isto for posto nestes termos, é necessário que o movimento universitário fique em alerta, visando garantir que a democracia universitária e a paridade possam ser respeitadas e garantidas independentemente de quem for eleito ou de eventuais tentativas de golpe – como o que Jotz busca dar.
A chapa 1 e a construção crítica do Movimento Virada
Nesta eleição também temos a frente de esquerda na UFRGS, o Movimento Virada, da Chapa 1 de Liliane Giordani e Carlos Alberto Gonçalves, representa o que terá de mais avançado nestas eleições. O Movimento Virada é composto por militantes ligados aos setores grevistas e estudantis, e por forças políticas como: Democracia Socialista (PT), UCB, Fortalecer/OCUPE (PSOL), Alicerce (PSOL), MES/Juntos (PSOL), Correnteza/UP/PCR, CST (Combate Sindical), PSTU/Rebeldia e PCBR/UJC; na prática, representa um compromisso entre organizações de diferentes linhas políticas e variados graus de compromisso político com os interesses da classe trabalhadora.
Ao analisarmos o programa do Virada, podemos observar que ele representa a principal oportunidade para reformas políticas e administrativas que trarão melhores condições aos trabalhadores e estudantes na UFRGS e às condições de luta para as reivindicações do movimento universitário. Há pelo menos uma sessão do programa com propostas exclusivas para cada setor universitário, por exemplo: para es terceirizades, melhores condições de trabalho e maior fiscalização dos contratos e processos licitatórios; para es estudantes, ônibus intercampi, aumento da quantia anual do benefício PRAE e gestão coletiva dos recursos advindos do PNAES; para es TAEs, flexibilização do horário da jornada de trabalho e discussão coletiva das formas de controle de frequência da UFRGS. Assim, o Movimento Virada se coloca enquanto aquele que, utilizando a democracia como forma de administração, buscará dialogar com todos os segmentos e trará de fato melhorias para o corpo universitário dentro do que é possível no imediato por meio de políticas de deliberação coletiva, como a realização de plenárias periódicas por Campus e/ou segmentos.
As políticas de permanência na universidade também se destacam no programa da chapa. Vemos por exemplo, a criação e ampliação de espaços de acolhimento para estudantes mães e pais, as propostas de acessibilidade à infraestrutura para PcDs, a criação da casa do estudante do campus litoral norte, a criação da casa de reza indígena da UFRGS, a implementação da bolsa permanência interna da UFRGS, a recomposição das bolsas de monitoria indígena e a construção do RU 08. Também importante ressaltar toda a seção da definição de políticas ambientais, que buscará direcionar a UFRGS num rumo de produção de conhecimento para combater a grave crise climática e seus efeitos de acordo com as demandas da sociedade – sendo este ponto essencial no atual contexto de crise no Rio Grande do Sul –, assim como estabelecer critérios socioambientais para as relações externas, priorizando discussões junto aos povos oprimidos do Brasil.
Observamos que a proposta com maior potencial a longo prazo para realmente virar a UFRGS de cabeça para baixo é a de convocação de um novo Congresso Universitário, que criará um novo Estatuto e Regimento da UFRGS. A alteração nestes documentos significa uma recomposição da universidade a depender do quão profunda será essa reconstrução, do que serão esses novos princípios e finalidades da universidade, em suma, do quão longe a nova Reitoria estará disposta a levar as transformações na universidade e a quem estas transformações servirão.
A luta pela paridade nesse processo será política e jurídica, já que a forma pela qual irá ocorrer este Congresso Universitário não é delimitada junto ao Estatuto e ao Regimento – ainda que todas as alterações em ambos tenham sido realizadas pelo CONSUN, que funciona no regime 70-15-15. Nessa reforma, portanto, será necessário varrer os entulhos remanescentes da ditadura empresarial-militar e também concretizar uma melhor relação entre universidade e sociedade. Por exemplo, atualmente no CONSUN é permitida a presença de grupos como a FIERGS, que representam interesses alheios aos interesses da classe trabalhadora e inclusive da comunidade acadêmica; afinal, seus representantes votaram contra a paridade em 2020! O movimento Virada diz em seu discurso que busca romper com a lógica neoliberal de mercado para a educação, trazendo a necessidade da universidade se relacionar com setores populares, mas na prática ainda demonstra um caráter conciliatório ao não demarcar um rompimento com a burguesia, sua representação e seu financiamento.
De forma imediata, esse programa é o que a UFRGS necessita para mudar o atual ambiente de caráter conservador e antidemocrático, que foi acentuado com a reitoria-interventora; para melhorar as condições de ingresso e permanência estudantil, já que hoje a estrutura da UFRGS é totalmente hostil e conivente com os mais diversos tipos de constrangimentos, como as incertezas com a aferição étnico-racial e com a matrícula provisória. Este é um Programa que traz consigo um peso de décadas de reformas que agora poderão ter vazão, a questão que fica é: apenas este programa de reformas é o necessário para a universidade? Ainda mais, será que essa construção programática não guarda em si profundas e adormecidas contradições?
E quais seriam essas contradições, afinal? O movimento, ao constantemente buscar lutar pelos direitos democráticos mínimos como a paridade, afunilou sua visão de qual deve ser o papel da universidade no nosso país. Não há uma estratégia de longo prazo, se luta apenas pelo imediato básico que carece de uma transformação das bases estruturantes da universidade.
Os princípios basilares do Virada – democracia, transparência e autonomia – necessitam de aprofundamento ideológico, o que torna impossível mudar por completo a base da universidade. Como uma universidade brasileira ainda dentro do capitalismo pode vir a servir a um projeto nacional, revolucionário, anti-imperialista, que busque construir o socialismo e se submeta ao poder popular? Essa é uma questão que todos aqueles que se consideram comunistas ou socialistas no movimento deveriam se perguntar. Enquanto estiverem ausentes estas proposições, o Virada não irá representar mais do que uma linha social-democrata, pois buscará mudanças mínimas adequadas a um sistema sem perspectivas de mudá-lo ou pelo menos traçar um caminho para essa mudança. Apontar esse fator é fundamental para diferenciar esse programa do Programa da Universidade Popular que a UJC e o PCBR colocam como modelo que deve ser construído, mesmo ainda antes da revolução socialista.
Estes princípios de democracia, transparência e autonomia também são partes fundamentais do que o partido entende enquanto parte do Programa da Universidade Popular, mas sob um eixo fundamental do qual um programa social-democrata carece: a submissão à soberania popular. A universidade deverá ser: 1) amplamente democrática, enquanto administrada por um Conselho Popular da UFRGS que deverá contar com a representação de todos os segmentos universitários e das principais representações da classe trabalhadora e dos povos oprimidos do Brasil – sem qualquer representação burguesa; 2) transparente, enquanto tiver seus recursos financeiros e suas instituições de pesquisa abertos à condução, ao controle coletivo e ao conhecimento geral da universidade; e 3) autônoma, enquanto instituição livre regida por um sistema nacional de universidades autônomas e independente do direcionamento político burguês.
Sem uma perspectiva anti-imperialista, as propostas de internacionalização da UFRGS (com maior aproximação de outras universidades e parcerias com instituições internacionais) são totalmente vulneráveis à lógica da exportação de capital e de conhecimento científico. Sem a centralidade do Poder Popular e da construção do socialismo – enquanto guia máximo da reconstrução que a universidade deverá passar –, os três princípios citados não serão mais do que belas palavras limitadas e interpretadas de acordo com as concepções liberais destas. Uma ação efetivamente anti-imperialista que a próxima reitoria pode encabeçar, enquanto uma proposta imediata de internacionalismo proletário, a total desvinculação da UFRGS com qualquer iniciativa relacionada ao Estado genocida colonial de Israel.
Contudo, esse debate é esvaziado no Movimento Virada justamente por uma “pluralidade” ideológica. Pela variedade de composição de forças do movimento, há também uma variedade de níveis de compromisso com a classe trabalhadora. Essa frente ampla que o Virada traz é a união entre aqueles que nacionalmente defendem a disputa do governo Lula trazendo importantes críticas, mas colocam-se de forma “independente” ao governo, como a ala esquerda do PSOL e o PCR, de governistas que ainda seguem em uma disputa contraditória do governo e do próprio PT, como a DS, e aqueles que compreendem que o caráter neoliberal, burguês e patronal do governo estão dados e por isso coloca-se na oposição à esquerda ao governo, como o PCBR, o PSTU e a CST. Essas divergências nacionais tem sua expressão local ao avaliarmos: quais destes estão dispostos a levar a transformação da universidade até o fim? O programa destes acaba no jargão “por uma universidade pública, gratuita e de qualidade”? Sendo assim, essas grandes divergências de princípio geram contradições inerentes ao próprio movimento Virada, e logo ficam impossibilitados quaisquer aprofundamentos dos pontos do seu programa sem haver conflitos. Portanto, o aprofundamento ideológico do Movimento Virada ainda está em aberto e não se dará sem disputas ou rachas – estás podendo significar ou o avanço ou o esgotamento daquela transformação em potencial que o movimento traz.
O apoio ao movimento e o voto crítico na Chapa 1 é fundamental para trazer melhorias indispensáveis e necessárias diante da hegemonia conservadora que assola a UFRGS dia após dia. Não é permissível deixar de lutar por conquistas imediatas considerando a batalha que centenas de estudantes travam todos os dias para se manter na universidade! Qualquer organização que opte por não se pronunciar quanto às eleições da Reitoria a favor do Movimento Virada, estará adotando uma posição esquerdista ou oportunista, que ignora aquilo que é mais fundamental para a vida da juventude trabalhadora na universidade.
Apoiar o Virada também é apoiar um grande potencial de avanço político na universidade, no sentido de melhores condições para mobilização geral – ao contrário das reitorias de Oppermann-Tanikian e Bulhões-Pranke que perseguiram o movimento estudantil e universitário como um todo. Junto à luta no curto prazo por reformas dentro da instituição, deve vir a luta no longo prazo pela construção da auto-organização do movimento estudantil, para que possa servir à classe trabalhadora, e da Universidade Popular, a serviço de um projeto socialista. Virar a UFRGS de cabeça pra baixo significa que, com independência política e com a construção crítica do movimento universitário, podemos fazer com que a UFRGS Popular rompa com a velha universidade!
Em defesa da verdadeira democracia e autonomia universitária, contra os ataques de Jotz e Barcellos!
Só a organização do movimento universitário vira a UFRGS de cabeça pra baixo!
Por uma universidade popular, no rumo do socialismo!
[1] O fator redutor foi um dispositivo que reduzia o peso dos votos de acordo com a participação do segmento. A falta de paridade sempre foi um elemento que diminuia a adesão de estudantes e técnicos-administrativos, portanto, foi uma política que visou atacar a (pouca) influência que estes tinham sobre o processo eleitoral.