Não se combate os incêndios sem lutar contra o agronegócio

A fumaça tóxica que cobriu a maior parte do território brasileiro é um sinal de urgência para mudar esse modelo de agricultura, que devasta a natureza para produzir commodities e mantém o país economicamente dependente e subdesenvolvido.

Não se combate os incêndios sem lutar contra o agronegócio
Lábrea (AM). Reprodução/Foto: Bruno Kelly/Reuters, 06/09/24.

Por Redação

O agronegócio é o principal responsável pelos incêndios no Brasil. Diretamente, com a concentração de focos de incêndios nas áreas de expansão agropecuária e nas pastagens. E indiretamente, como setor que mais contribui para as mudanças climáticas no país. A fumaça tóxica que cobriu a maior parte do território brasileiro é um sinal de urgência para mudar esse modelo de agricultura, que devasta a natureza para produzir commodities e mantém o país economicamente dependente e subdesenvolvido. No entanto, ações do governo Lula, como o “bolsa incêndio”, beneficiam o setor, enquanto o Decreto 12.189/24, que aumenta as sanções para quem provocar incêndios, carece de aplicabilidade.

O agronegócio é a agropecuária no capitalismo monopolista, onde o uso da terra está sob controle da burguesia industrial e financeira. Por meio do domínio da tecnologia de produção, do mercado mundial de alimentos e dos investimentos. Poucas indústrias dominam a produção de insumos essenciais, como sementes, fertilizantes, agrotóxicos e maquinário, incluindo Bayer, Corteva, Syngenta, Basf, John Deere e CNH. Da mesma forma, poucas corporações controlam o processamento e a comercialização de alimentos e matérias-primas, como ADM, Cargill, Bunge, Louis Dreyfus, JBS e Nestlé.

O capital financeiro também está profundamente interligado ao agronegócio, viabilizando investimentos, crédito e especulação no setor. Bancos financiam a compra de insumos, maquinário e infraestrutura agrícola. Enquanto as bolsas de mercadorias, como a B3 e a Bolsa de Chicago, definem os preços futuros de commodities agrícolas, influenciando diretamente os rendimentos no agronegócio e o que será plantado. Além disso, grandes empresas do agronegócio acessam o mercado de capitais para captar recursos através da emissão de ações e títulos, conectando o setor produtivo à especulação financeira e aos fluxos de investimentos globais.

O Estado brasileiro tem um papel central no incentivo ao agronegócio por meio de várias políticas públicas. O governo Lula, por exemplo, destinou R$ 400 bilhões ao Plano Safra 2024/2025, oferecendo crédito rural subsidiado para que proprietários e arrendatários adquiram insumos e tecnologia de grandes corporações agroindustriais. Além disso, concede incentivos fiscais, como isenção de impostos sobre agrotóxicos (Lei nº 7.802/1989) e sobre exportações de produtos primários e semielaborados (Lei Kandir).

Paralelamente, grileiros e fazendeiros frequentemente recebem regularização fundiária após desmatarem terras públicas, em um processo constante de anistia. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, destacou esse problema, afirmando: "Sucessivas queimadas fazem a floresta perder o vigor, jogam capim, criam animais e pressionam pela regularização fundiária", durante um evento do G20 sobre bioeconomia no Rio de Janeiro. Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas planeja entregar 600 mil hectares de terras públicas a fazendeiros até 2026, por apenas 10% do valor de mercado.

Concentração de monóxido de carbono na atmosfera entre 17 de julho e 11 de setembro. Elaboração: Bruno Brezenski. Fonte: Intercept.

O fácil acesso a crédito e financiamento, os incentivos para adoção de pacotes tecnológicos e o apoio estatal, aliados à crescente demanda global por commodities, impulsionam a exploração intensiva de terras e a expansão permanente da fronteira agropecuária para produzir lucro. Desde 1985, 110 milhões de hectares (ha) de áreas naturais foram destruídos para dar lugar a pastagens e lavouras, segundo pesquisa do MapBiomas. Isto é equivalente a 13% de todo o território nacional ou duas vezes a área da França. Os biomas mais afetados foram a Amazônia, com perda de 55 milhões de ha de vegetação nativa, e o Cerrado, com perda de 38 milhões de ha. Tudo isso para atender a objetivos alheios ao povo brasileiro e manter uma economia primário-exportadora, baseada na devastação da natureza, enquanto o país tem 21,6 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.

Essa mudança no uso da terra e da floresta provocada pela expansão do agronegócio é a maior fonte de emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) no país, representando 48% das emissões brasileiras em 2022. Em segundo lugar, está a agropecuária com 26,5%, principalmente devido a emissão de metano (CH4) por bovinos. O agronegócio coloca o Brasil como sexto maior emissor de Gases de Efeito Estufa (GEE) do mundo, com a contribuição de 3% das emissões globais.

O desmatamento e as práticas agropecuárias do agronegócio também contribuem para as mudanças climáticas em escalas menores. A estação seca está mais prolongada nas regiões sul da Amazônia e no Cerrado em cerca de 20 dias nos últimos 40 anos. A temperatura na Amazônia já é 1,5ºC maior quando comparada à década de 1970. No Cerrado, o desmatamento de áreas florestais elevou a temperatura em 3,5ºC entre 2006 e 2019.

Foram 11,39 milhões de hectares queimados no país nos oito primeiros meses de 2024 – seis milhões de hectares a mais em relação ao mesmo período de 2023. O maior número de focos de incêndios florestais e a maior área queimada estão em regiões de expansão do agronegócio na Amazônia e no Cerrado. Somente dez cidades concentraram 20,4% dos focos de incêndio no período de 1º de janeiro a 20 de setembro de 2024, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Sete também estão entre os municípios com maior área desmatada em 2023. Esta relação é um indicativo de que os incêndios estão sendo utilizados para a abertura de novas áreas para a agropecuária. É uma resposta ou maneira de escapar ao aumento da fiscalização sobre o desmatamento ilegal, segundo especialistas como Carlos Nobre e Beto Mesquita.

Em um dos momentos mais favoráveis para enfrentar o agronegócio, principalmente o braço mais predatório do desmatamento, das queimadas e da grilagem, o governo Lula-Alckmin adotou ações para beneficiar o agronegócio. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, anunciou o “bolsa incêndio”, que autoriza o acesso a mais de 6 bilhões de reais do Plano Safra, na linha RenovAgro, que deveria ser destinada para práticas sustentáveis. A medida ignora que a maior parte dos incêndios em áreas agropecuárias ocorreram em pastagens (2,4 milhões de hectares), em que os fazendeiros colocam fogo intencionalmente para renovar o pasto, muitas vezes sem autorização ambiental. Uma técnica barata financeiramente, mas com elevado custo ambiental.

O governo federal também está reivindicando a anistia dos desmatadores junto à União Europeia. Fávaro e Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores, agiram como diplomatas dos desmatadores, ao solicitarem o adiamento da política de Produtos Livres do Desmatamento, que proíbe países do bloco europeu de importar produtos agropecuários oriundos de áreas desmatadas após dezembro de 2020. Se o desmatamento ocorreu antes desta data, a comercialização está autorizada.

O Decreto 12.189, de 20 de setembro, é a única medida do governo Lula até o momento que pode impor punições ao agronegócio. Altera a Lei de Crimes Ambientais para aumentar as multas para quem praticar queimadas não autorizadas em áreas agropecuárias, provocar incêndios florestais ou não aplicar ações de prevenção e controle de incêndios na propriedade. Também, inclui a possibilidade de aplicar embargo ambiental a propriedades que registrarem “queima não autorizada de vegetação nativa”.

Esta última é a sanção que mais incomoda os ruralistas, pois propriedades rurais com embargos ambientais estão proibidas de ter acesso ao crédito rural por resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), desde janeiro deste ano. Somente no primeiro semestre de 2024, o Banco Central (BC) cancelou mais de 30 mil operações financeiras devido às irregularidades ambientais e fundiárias, com impacto de 6,2 bilhões de reais.

No entanto, as punições carecem de aplicabilidade. André Lima, secretário extraordinário de Controle do Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente, afirma que responsabilizar o proprietário da terra pelo desmatamento é mais simples, pois é uma questão direta. Por outro lado, a responsabilização pelo incêndio é mais complexa, pois exige a comprovação de que o proprietário causou o incêndio, o que geralmente requer um flagrante. Além disso, os órgãos ambientais estão sucateados, como evidenciou a greve dos servidores do Ibama e ICMBio, o que dificulta a fiscalização e o combate aos crimes ambientais do agronegócio.

Já a proposta de confisco das terras para quem cometer incêndio criminoso, ventilada pela ministra Marina Silva, não foi adiante. Apesar de ser mais adequada para coibir o uso das queimadas pelo agronegócio, pois expressa um recado claro: quem comete crime ambiental não tem direito à propriedade da terra.

O pico de incêndios no Brasil, o aumento das ondas de calor e a pior seca da história do país evidenciam a urgência de enfrentar o modelo predatório e dependente do agronegócio e do capitalismo brasileiro, a fim de assegurar condições saudáveis de vida para toda classe trabalhadora.